Resumo
A ascensão das denominações pentecostais no mercado formal da religiosidade brasileira simboliza uma verdadeira quebra de paradigmas. Da marginalidade, do estigma de "seita" que caracteriza este segmento, essas denominações passaram a ocupar um plano privilegiado no campo econômico e espiritual. Essa exponencial visibilidade social em detrimento de outras denominações religiosas, sobretudo da católica, baliza o marco contextual dessa pesquisa. Em meio a uma inusitada percepção espiritual da pós-modernidade, ou simplesmente um mega projeto de marketing, os neopentecostais ocupam uma posição de destaque no mercado religioso brasileiro. As novas possibilidades de percepção do sagrado são corolários do espaço urbano. Em boa medida, o espaço exerce uma pressão no direcionamento das escolhas individuais. Entretanto, são as condições socioeconômicas que acabam por representar um dos fatores mais significativos desse processo.
Palavras-chave: História; Sociologia: Religião.
Abstract
The ascension of Pentecostals denominations in the formal market of Brazilian religiosity symbolizes a real breach of paradigms. From marginality or from the stigma of "sect" that characterizes this segment, they proceeded to occupy a privileged plan in economic and spiritual field. This exponencial social visibility in detriment of other religious denominations, especially the Catholic, guides the contextual landmark of this research. In the middle of an unusual spiritual perception of post modernity, or simply a mega marketing project, the fact is that the neopentecostals occupy a position of prominence in Brazilian religious market. The new possibilities of perception of the sacred are corollaries of urban space. Largely, the space exerts a pressure on the direction of individual choices. But the socioeconomic conditions turns out to be one of the most significant factors in this process.
Key words: History; Sociology; Religion.
Introdução
A observação dos fatos sociais concernentes à mobilidade religiosa no Brasil ganhou logicidade e visibilidade científica nas últimas décadas. Os discursos valorativos de outrora, que em boa medida retratavam a hegemonia da filiação católica no País, são gradativamente remodelados pela dinâmica dos movimentos religiosos pentecostais. Compreender esse processo, bem como desenvolver uma análise sistemática dos fatores causais, constitui o mote e a perspectiva desta comunicação.
Sociologicamente, as diretrizes basilares pautam-se na identificação das principais variáveis que constituem a formação grupal, relacional e contextual do neopentecostalismo no Brasil. Nesse sentido, ampliamos o foco para uma perspectiva macrossocial, pois, a partir do contexto geral, recortes particulares e localizados vão configurando a multiplicidade de fatores envolvidos no processo investigativo.
A visibilidade dessa conformação social não é homogênea. A mobilidade religiosa aparece, com mais intensidade, nas regiões periféricas urbanas do País. Essa especificidade nos remete a outra linha conceitual, na qual a questão estrutural, no âmbito das políticas econômicas e sociais, confluiu em determinados momentos da história recente do Brasil, favorecendo o advento e a maturação do denominalismo neopentecostal.
1 Os desencaixes da religiosidade popular
Um processo acelerado de migração interna, nas últimas décadas, como diz Anthony Giddens "um desencaixe dos sistemas sociais" (GIDDENS, 1990), é catalisado no Brasil em razão da política econômica de substituição de importações. Essa mudança na orientação macroeconômica redefine os paradigmas valorativos, bem como o direcionamento demográfico da sociedade brasileira. A partir da década de 1930, uma massa humana desprende-se das suas regiões de origem e de suas raízes culturais em direção às incipientes metrópoles nacionais. Motivadas pelas velhas e novas necessidades sociais, uma promissora perspectiva de superação existencial, pautada na subsistência, conduz e induz a ressignificação das idiossincrasias individuais e coletivas.
O crescimento dos espaços urbanos potencializa um fluxo migratório para as cidades. Todavia, esses novos espaços não estavam estruturalmente preparados para receber os grandes contingentes de populações que afluíam desses fluxos migratórios. Além das carências materiais, que invariavelmente fazem parte da rotina cotidiana dessas novas comunidades migrantes, elas deparam-se com uma perspectiva de integração e sociabilidade pouco acessíveis. Por mais difícil que seja a vida no campo, um caráter mutualista permeia todas as relações sociais. As necessidades individuais encontram alento e presteza na casa mais próxima, ou seja, o sujeito é uma extensão da sua comunidade. Um sentimento de pertencimento integra o indivíduo a um conjunto relacional que o reconhece e o respalda socialmente. Com o exponencial êxodo rural iniciado no Brasil nos anos 30, uma desintegração associativa passa a orientar as relações sociais. Porém, o estado, institucionalmente, estava despreparado para acolher a caudalosa massa humana resultante dos processos migratórios. Em contrapartida, essa massa encontrava-se ainda mais despreparada para demandar, organizadamente, qualquer garantia social, lançarando-se, consequentemente, num gradativo processo de indigência social. Desprovida das condições básicas de subsistência, de anteparo estatal e, sobretudo, assujeitada pelo individualismo imposto pela competitividade própria dos centros urbanos, essa massa humana é acometida por uma resignação coletiva, que passa a ser o denominador comum das periferias brasileiras.
Nesse contexto, a hegemonia católica favoreceu a mentalidade do conformismo social. Qualquer recalcitrância em cumprir passivamente os desígnios da igreja era excomungada e posta no ostracismo. Numa sociedade na qual a reciprocidade e a vida comunitária eram os sustentáculos da lógica social, não havia punição mais temida do que o banimento da igreja. Esse artifício simbolizava uma execução pública do sujeito, pois, sendo a igreja a única mediadora entre Deus e os homens, esse processo significava a morte social do indivíduo e a sua condenação espiritual.
Segundo Demo,
Pobreza não pode ser definida apenas como carência. Se assim fosse, não teria causas sociais. Talvez uma definição razoável seja aquela que a entende como expressão do acesso às vantagens sociais, denotando com isso que faz parte dialética da sociedade, que se divide entre aqueles que concentram privilégios, e aqueles que trabalham para sustentar os privilégios dos outros. Ser pobre não é apenas não ter, mas ser coibido de ter. Pobreza é, em sua essência, repressão, ou seja, resultado da discriminação sobre o terreno das vantagens. (DEMO, 1994, p. 13)
O grande desafio da Igreja Católica pautava-se na definição de uma nova linha de atuação. O panorama socioeconômico da primeira metade do século XX impunha à igreja uma revisão sistemática dos seus cânones teológicos. Continuar preconizando a passividade e o desapego ao plano material, ao mesmo tempo em que alimentava os interesses ideológicos do estado, demonstrava total inadequação ao novo perfil das aspirações da grande maioria da sociedade brasileira.
Voltada a catequizar politicamente os seus fiéis, a Igreja Católica inicia um processo de desconstrução de valores arraigados na mentalidade do povo brasileiro. Como séculos de introjeção não se desfazem facilmente, a população, ao passo que não usufruía, nem, tampouco, visualizava nenhuma perspectiva positiva no campo social, passou a distanciarse do catolicismo. Excluída socialmente e agora se sentindo desamparada espiritualmente, uma massa crescente de fiéis passa a relativizar a legitimidade teológica da Igreja Católica. Com base em liturgia burocrática, o rito católico desfigura-se num fisiologismo demagógico pouco atraente, quando não completamente ininteligível aos seus fiéis.
Entremeio a essa crise identitária da Igreja Católica, nova dinâmica social processase no País. O redirecionamento doutrinário católico destituiu o seu rebanho de um legado espiritual milenar. Até então, ser pobre, estar submetido às agruras da vida e a toda sorte de injustiças eram requisitos para a salvação e das graças divinas. Nesse novo contexto, o fiel toma consciência da sua real condição social e espiritual - no campo social, percebe-se excluído e inferiorizado; no espiritual, cético e desassistido.
Essa secularização da igreja representa o início do fim da sua hegemonia religiosa. Aquele caráter sincrético que agrupava os valores e os ritos prosaicos do homem comum transforma-se numa linguagem esclarecida e sectária. A Igreja Católica, que por séculos inviabilizou a entrada e o empreendimento interno de novos movimentos religiosos, criou janela de oportunidade que se abriu exponencialmente, pluralizando definitivamente o mercado da salvação no País.
Segundo Montes,
É para esse catolicismo do devocionário popular, no entanto, que a igreja, sob o império da romanização, volta decididamente as costas. Considerando forma de exteriorização "vazia" da fé, expressão da ignorância do povo ou obra de perversão e maldade, a ele o clero livra um combate sem tréguas ao longo das décadas de 30 e 40. Ouçamos o que dizem a seu respeito os senhores bispos, cardeais e arcebispos. Sobre as procissões: "De mais a mais é necessário que se compreenda que a religião não consiste em passeatas que se chamam procissões. É preciso que se saiba que é uma acerba ironia e uma sacrílega irrisão querer coroar uma festa religiosa com baile e outros divertimentos profanos e perigosos, onde o homenageado é sempre e somente o demônio." (MONTES, 1998, p. 112-115)
O exponencial êxodo rural processado no País a partir da década de 30 não apenas transferiu o homem do campo para a cidade, mas, sobretudo, inseriu-o num ambiente inóspito aos seus valores e convicções espirituais. O panorama bucólico das áreas rurais impõe uma conformação espiritual pautada em permanência, contemplação, esperança e suplício. A dinâmica social das cidades, pela sua própria mutabilidade, suscita uma adequação do olhar humano para sua diversidade. Entretanto, visualizada a pluralidade inerente à vida urbana, a permanência passa a representar impossibilidade; a contemplação, mesmice; a esperança, abandono e o suplício, ignorância. Nesse cenário metamórfico, o viés religioso também é atingido pelas transformações.
Enquanto a igreja apregoava o fortalecimento do movimento político como o expediente redentor das agruras sociais, o povo distanciava-se do catolicismo em razão do seu distanciamento de Deus. Abrir mão da prerrogativa de pedir a Deus para solicitar do estado não pareceu, aos olhos da sociedade católica, uma decisão acertada. Quanto menos representatividade o "diabo" passa a exercer no rito católico, maior a desfiliação e a migração para as incipientes denominações pentecostais. Aos olhos do povo, a figura do "diabo" é muito mais concreta do que o estado.
No imaginário popular, uma profunda e cristalizada teologia do medo introjetou, por séculos, no emaranhado simbólico da cultura popular, a imagem exata do diabo. Todavia, o estado não passava de uma superficial e abstrata conceituação. Se o grande causador dos infortúnios humanos passou a ser o estado, em sua inoperância e parcialidade, Deus tornou- se coadjuvante no alicerce da fé. Sem um inimigo espiritual declarado, a Igreja Católica assemelha-se a uma associação, na qual os seus membros, de acordo com o seu envolvimento e participação, são responsabilizados pela sua condição miserável.
Com a transferência do embate maniqueísta entre o bem e o mal para o campo terreno, a Igreja Católica desfigura-se como mediadora com o sagrado. Na medida em que o catolicismo robustece a sua atuação política, incorporando no seu rito elementos da militância social, consequentemente absorve os vícios do proselitismo partidarista. Nesse contexto, as fronteiras do catolicismo brasileiro são enfraquecidas pela difusão do seu foco doutrinário. A demarcação da sua área de domínio estaciona, enquanto pequenas e neófitas denominações pentecostais, incorporando todo o legado ritualístico, imagético e simbólico negligenciado pela Igreja Católica, passam a dominar importante quinhão do seu território.
A espiritualidade cristalizada na mentalidade do povo brasileiro é rompida pela simbologia multifacetada da urbanização. O incremento das relações de produção e consumo possibilitou ao homem comum uma perspectiva real de mobilidade social e espiritual. A premissa bíblica "o meu reino não é desse mundo" (João 18, 36) foi rapidamente suprimida pela possibilidade concreta de realização e acumulação material. Enquanto a Igreja Católica cuidava de incriminar as novas aspirações dos fiéis, as prédicas pentecostais ajustaram-se rapidamente ao contexto urbano industrial.
2 Os reencaixes da religiosidade popular
A transcendência, mote basilar das denominações tradicionalistas, na qual a vida terrena é um instrumento em razão da ascensão espiritual, é completamente subvertida pelas igrejas pentecostais. A sublimação para os pentecostais é completamente tangível, processa-se na ascensão social, material e econômica do fiel. Uma teologia da prosperidade, pautada nas promessas de Deus para aqueles que seguem os seus desígnios, catalisa a organização de centenas de micro igrejas espalhadas pelo País, sobretudo nas periferias urbanas.
O isolamento social, constituído com a nova realidade econômica do Brasil a partir dos anos 50, introjetou na mentalidade da população a percepção da sua condição social subalterna. Individualmente, com todos se digladiando entre si e com as exíguas possibilidades de suplantação dos filtros impeditivos da mobilidade social, a percepção de coletividade torna-se cada vez mais inacessível. Nesse aspecto, o pentecostalismo apresentou-se a esta sociedade em crise identitária como forte instrumento de socialização religiosa, um viés que alia o plano material e o espiritual no enfrentamento do anonimato e da indigência social.
As denominações pentecostais prometem aos indivíduos uma integração social plena, em que todas as demandas são incorporadas ao discurso litúrgico. Aquela cosmologia dualista da visão religiosa, centrada na leitura apocalíptica da realidade e na iminência do advento de Cristo, é superada, adquirindo substância e verossimilhança funcional nos ritos e na simbologia pentecostal.
Segundo Houtart,
Talvez, a contribuição específica das religiões esteja vinculada à redescoberta da noção de símbolo. Marcel Mauss sublinhava a importância dos efeitos sociais do símbolo. Não se trata de símbolo no sentido da debilitação do princípio da realidade, mas de um código, pela mediação do mito, do conto, da parábola, da metáfora, do rito, da festa, um código performativo como dizem os linguistas, que convida à práxis. Não devemos esquecer que a linguagem religiosa só pode ser simbólica. Numa cultura em que se impõe cada vez mais o símbolo lógicomatemático a serviço de um progresso mercantilizado, perdeu-se grande parte do símbolo como linguagem existencial (...). A riqueza de sentidos pode ser destruída por interpretações reducionistas que tendem a ser impostas pelas tradições ou por instituições religiosas que identificam o conteúdo com a expressão, o significado com o significante. (HOUTART, 2003, p. 43-44)
O dogma do liberalismo "fora do mercado não há salvação" foi incorporado pelas novas pentecostais. Das simonias de outrora, ou das singelas lembrancinhas, santinhos, terços e livretos religiosos comercializados discretamente em um ambiente isolado do templo, as mercadorias passam a ser simbólicas, mais arrojadas e acessíveis a todos. A satisfação do mercado religioso agrega tão intensamente o espírito mercantil que, em sua linha de produtos espirituais, atende a uma variedade eclética de clientes. Da salvação espiritual à emancipação material, produtos e serviços de atendimento coletivo ou personalizado encontram-se disponíveis nos templos em horário comercial ou 24 horas por dia, pelo rádio ou televisão.
A ideia mítica de salvação espiritual em detrimento do corpo passou a ser incisivamente rechaçada pelas Igrejas Pentecostais. As necessidades orgânicas e materiais não confrontam com o campo espiritual; na verdade, são forças complementares que elevam os filhos de Deus ao equilíbrio e à paz. Com essa premissa, a pobreza, o desemprego, as doenças, os desajustes comportamentais, etc., elementos próprios da realidade social urbana, passam a ser pronunciados como obra de forças espirituais malignas. Assim, religião e mercado são convertidos num amálgama espiritual denso, mas inteligível a todos. Com a causa de todos os males diagnosticada a priori pelas denominações pentecostais, livrar-se de problemas e outros infortúnios passou a ser uma questão de opção e não mais de convicção religiosa.
A pedagogia do medo, no ensinamento dos valores cristãos, é desconstruída na doutrinação pentecostal. Deus passa a ser efetivamente um pai, que está sempre presente para atender aos clamores e solicitações de seus filhos. Um fiel pentecostal não é condicionado a temer a Deus, como no catolicismo, mas aprende a louvar e a desafiar a benevolência divina. Como numa relação de custo/benefício, na medida em que o fiel faz a sua parte, cobra e exige de Deus uma contrapartida à altura do seu esforço. Com essa teologia funcional e pragmática, os neopentecostais iniciaram, no Brasil, revisão dogmática dos valores cristãos.
Ao contrário do catolicismo e outras denominações milenaristas que fundamentam a sua base doutrinária na tomada de consciência para o fim dos tempos, o novo pentecostalismo oferece consolo, superação e realização. A internalização desses preceitos pentecostais não foi facilmente assimilada pelos fiéis. Atavismo religioso católico, entranhado na espiritualidade do povo brasileiro, serviu como um mecanismo de resistência e desqualificação do arcabouço doutrinário pentecostal. Todavia, partindo da perspectiva sociológica, na qual a realidade é maior que o indivíduo e suas micro-relações sociais, as transformações processadas na sociedade brasileira foram mais significativas para a adesão em massa ao movimento do que para a eficácia do seu proselitismo religioso.
A experiência social, vivenciada por um camponês brasileiro até meados do século XX, consistia, basicamente, de uma perspectiva unilateral imposta pelos valores católicos. Sendo assim, o juízo valorativo de grande parte da população nacional transitava num movimento pendular entre o sagrado e o profano. Com a perda da centralidade da Igreja Católica na orientação da conduta social, um novo panorama existencial apresenta-se no cardápio da simbologia religiosa.
A realidade do fiel passa a ser significada pela decodificação recebida nos templos. Jovens, pobres e analfabetos, impregnados do sincretismo religioso presente em nossa cultura, não precisam despojar-se desses elementos; todavia, eles compõem a base propedêutica da liturgia pentecostal. Assim, de simples expectadores do rebanho do senhor, os fiéis passam a compreender a lógica da realidade, sentem-se sublimados pela paz esclarecedora do Espírito Santo, postulam um espaço na sociedade que julgavam inacessível à sua ignorância, cultuam o templo e os seus sacerdotes como a fonte da vida e da libertação.
A frequencia com que os fiéis pentecostais frequentam o templo representa mais do que uma obrigação de assiduidade com a sua denominação. Uma relação de pertencimento, de integração e reciprocidade constitui a simbologia associativa não encontrada pelos fiéis em seu meio social. Confluência de estímulos espirituais e materiais são norteadores de toda fundamentação litúrgica processada nos ritos pentecostais. Essa sincronia discursiva e ritualística reconforta os anseios ambivalentes das populações que vivem à mercê das carências do corpo e da alma. O relacionamento dos membros da igreja com os frequentadores assíduos, ou com os simpatizantes, é de clientes, ou seja, são recebidos e tratados como elementos essenciais, são recepcionados com atenção e acolhimento que revigora a auto-estima, bem como a percepção de si mesmo como sujeito social.
Essa interação do fiel com a igreja e seus membros reflete-se imediatamente na conduta pessoal do indivíduo. Acostumado a um alijamento social e uma segregação moral dos seus valores e convicções, o pentecostalismo não é sectário, não culpabiliza o indivíduo, isenta-o completamente pela sua condição subalterna, corrompida, desregrada, e atribui todos os infortúnios à mesma causa: o diabo. Sentindo-se liberto da responsabilidade pela má sorte existencial, uma sinergia de vontade e sociabilidade impulsiona o novo crente a mudar suas escolhas e, consequentemente, o seu comportamento e seus referenciais na sociedade. A proximidade do fiel com os membros da igreja, obreiro, pastores e assistentes espirituais, produz uma operacionalidade e funcionalidade que, aos olhos do fiel, conduzem-no a uma relação insofismável com Deus, via mediação da igreja.
Todos os anseios e aspirações dos crentes, bem como suas frustrações e inquietações de foro íntimo, são confidenciados aos membros da igreja, mesclados nessa rede socializante construída no interior dos templos. Esse procedimento reflete, em boa medida, o teor verossímil das pregações neopentecostais. Num intercâmbio direto com os pastores, os obreiros e assistentes repassam a pauta de milagres, libertações e cura de cada culto ou reunião religiosa. Por conseguinte, o pastor fala diretamente as particularidades de cada um, numa relação de imbricação espiritual com o dirigente do rito. O fiel entrega-se a uma dramatização intensa e persuasiva, procedendo a uma catarse dos seus problemas e, consequentemente, garantindo a consecução dos interesses da igreja.
Segundo Campos,
a transformação de templos em espaços terapêuticos pressupõe a existência de uma demanda. Para eles afluem pessoas que já chegam com um diagnóstico intuitivamente formulado, a partir de etiologias semiprontas no imaginário social (...). Não se trata, pois, de uma teologia alienadora, no sentido tradicional e marxista do termo. Ela fala aos seus ouvintes coisas concretas e não foge de temas como a doença, o insucesso e a fraqueza, como fazem algumas outras religiões. Diz o que eles querem ouvir e lhes "vende" a promessa de uma benção, que se houver, é crédito para a igreja e, se nada acontecer, é porque não houve fé suficiente para alavancá-la, por parte do aflito. (CAMPOS, 1997, p. 241)
A fundamentação doutrinária católica, alicerçada sobre os pilares das ações humanas, tende a ignorar uma dimensão imaterial e simbólica paralela à práxis de seus fiéis. Esse processo, ao longo das últimas décadas, tem promovido crescente afluxo de filiação na Igreja Católica. Contudo, pentecostalismo e catolicismo são duas vertentes da mesma matriz religiosa que se adaptaram ao processo histórico-social de formas diferenciadas.
Conclusão
Em síntese, observa-se que, nas regiões onde há prevalência das condições de miserabilidade e omissão do estado, a presença do pentecostalismo é mais atuante. Uma legião de desassistidos materiais e alijados socialmente encontra, nos redutos pentecostais, acolhimento imediato. De uma perspectiva de sofreguidão, medo e indigência social encontram anteparo sólido para seus anseios.
Nova relação de sociabilidade é oferecida ao convertido. Condição de pertencimento é facultada ao fiel por meio de sua vinculação institucional. A segregação, que outrora consumia as esperanças do sujeito, num curto espaço de tempo converte-se numa franca realidade de inserção e reciprocidade. Com a auto-estima recuperada, os vícios interrompidos e a crença de que todos os males que o afligiam eram obras do maligno, o sujeito sente-se liberto e fortalecido para o recomeço de sua vida.
Referências
CAMPOS, Leonildo. Teatro, templo e mercado: organização e marketing de um empreendimento neopentecostal. São Paulo: Unesp, 1997.
DEMO, Pedro. Pobreza política. Campinas: Autores Associados, 1994.
GIDDENS, Anthony. As consequencias da modernidade. São Paulo: Editora da Unesp, 1990.
HOUTART, François. Mercado e religião. São Paulo: Cortez, 2003.
MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1999.
MONTES, Maria Lucia et al. História da vida privada no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1998. v. 04.
Paulo Passos*
Comunicação recebida em 15 de novembro de 2009 e aprovada em 23 de abril de 2010.
* Doutorando em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. E-mail: [email protected]
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Copyright Pontificia Universidade Catolica de Minas Gera, Programa de Posgraduacao em Ciencias da Religiao Dec 2009
Abstract
The ascension of Pentecostals denominations in the formal market of Brazilian religiosity symbolizes a real breach of paradigms. From marginality or from the stigma of "sect" that characterizes this segment, they proceeded to occupy a privileged plan in economic and spiritual field. This exponencial social visibility in detriment of other religious denominations, especially the Catholic, guides the contextual landmark of this research. In the middle of an unusual spiritual perception of post modernity, or simply a mega marketing project, the fact is that the neopentecostals occupy a position of prominence in Brazilian religious market. The new possibilities of perception of the sacred are corollaries of urban space. Largely, the space exerts a pressure on the direction of individual choices. But the socioeconomic conditions turns out to be one of the most significant factors in this process. [PUBLICATION ABSTRACT]
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