International Systems in World History - Remaking the Study of International Relations Barry Buzan e Richard Little. Oxford, Oxford University Press, 2000, 452 páginas.
Em que momento da historia mundial surgiram os primeiros sistemas internacionais? De que modo eles se desenvolverán!? Como o sistema internacional contemporàneo se tornou aquilo que é atualmente? Para que direçào aponta seu futuro? A primeira vista, säo perguntas dessa natureza que parecem ter instigado Barry Buzan e Richard Little, levando-os a escrever International Systems in World History. A leitura de suas primeiras páginas revela, no entanto, que näo foram de fato as perguntas que os incentivaram a investigar o assunto, mas, em grande medida, a hmitaçào e, näo raro, a ausencia de respostas que as teorías de Relaçôes Internacionais poderiam oferecer a elas. Investigar as causas desse silencio, e apresentar alternativas a ele, parece ter sido o ponto de partida para o livro.
O diagnóstico de Buzan e Little para o problema, além de bastante incisivo, ilustra com precisäo o estado atual da disciplina. Perdida em meio a grandes debates, e com o foco de atençào voltado para questôes atuais, nenhuma perspectiva teórica dentro das Relaçôes Internacionais teria formulado um conceito de sistema internacional capaz de transcender as fronteiras de Westphalia.
Para a grande maioria délas, a referida historia dos sistemas internacionais se resumiría àquela do sistema de Estados europeu e pouca coisa antes disso teria relevancia para as pesquisas e análises produzidas na área. De fato, isto nao está muito longe da verdade. Embora o interesse pela historia nao seja inédito na disciplina, a tendencia é que esta seja usada anacrónicamente para comprovar teorías e modelos do presente. Deve-se, sem dúvida, reconhecer que realistas clássicos, como Morgenthau, por exemplo, acrescentaram grande conteúdo histórico as suas análises; no entanto, isto parece ocorrer muito mais como urna tentativa de construir um passado clàssico para o realismo do que como um desejo real de elaborar urna abordagem histórica abrangente da teoría.
Essa falta de perspectiva histórica (ou, ao menos, de urna perspectiva de mais longo termo), além de representar um entrave para o desenvolvimento dessas mesmas teorías, impede aínda que a área de Relaçôes Internacionais consiga sair do gueto no qual se encontra confinada. Muito embora esta tenha, por natureza, tanto o potencial quanto a obrigaçào de exercer influencia fora de suas fronteiras e, dessa forma, desempenhar o papel de macrodisciplina integradora das ciencias sociais e da historia, seu status atualmente aínda é o de urna disciplina periférica e atrasada em relaçào às demais (: 3 3 , 3 84 e 407) . Os conceitos e abordagens que desenvolve - por estarem presos a urna experiencia bastante particular, essencialmente moderna e européia - nao teriam robustez e expressividade suficientes para suscitar o interesse de outras áreas, o que acaba aprofundando seu isolamento.
Para Buzan e Little, esta seria também a causa principal para o confinamento do conceito (e objeto) pròprio das Relaçôes Internacionais que é o "sistema internacional" . Apesar de sua evidente qualidade de veículo capaz de estruturar urna perspectiva de historia mundial, bem como de unidade para macroanálises ñas ciencias sociais, o sistema internacional continua sendo ignorado, normalmente pretendo pelo conceito de sistema mundial, elaborado pelo sociologo Immanuel Wallerstein (:5-9, 30-33).
A característica a-historicidade das teorías dominantes na disciplina -mais especificamente aquelas ligadas à tradiçào americana, como o neo-realismo - é que, em grande medida, teria levado à formulaçâo de um conceito de sistema internacional restato ao setor político-militar, dotado de unidades (em geral Estados) sem diferenciaçâo fiincional (i.e., unidades idénticas) e cuja estrutur a é sempre anárquica. Com efeito, os autores parecem ter razäo quando afirmam que, apesar de se pretender universal, esse conceito de sistema internacional, normalmente aceito na disciplina, näo pode ser usado em análises que se estendam em um espectro de tempo e espaço mais ampio do que aquele compreendido na historia pós- Westphalia.
Desse modo, torna-se mais fácil compreender as razôes para o silencio das diversas teorías da área quando säo chamadas a identificar e analisar sistemas internacionais ao longo da historia mundial. Na verdade, diante de sistemas que näo se limitam ao setor político-militar, cujas unidades dominantes näo säo homogéneas (e tampouco se parecem com o Estado) e onde a estrutura näo é anárquica, essas teorías näo teriam sequer o instrumental teórico necessario para identificá-los como tais. No entanto, esta é, segundo Buzan e Little, justamente, a configuraçao de muitos dos sistemas internacionais que existiram ao longo da historia.
A soluçao proposta para o impasse parece, de fato, bastante lógica: a uniäo da historia com a teoria. Dotadas de um conteúdo histórico mais abrangente, as teorías de Relaçôes Internacionais poderiam rever e reformular suas premissas e, conseqüentemente, seu objeto, para tornar o sistema internacional finalmente apto a assumir o papel de unidade de análise transdisciplinar que lhe é devido. Por outro lado, esse novo conceito também teria condiçoes de fornecer a estrutura teórica necessaria para sistematizar o estudo da historia mundial, viabilizando, assim, um novo modo de se fazer sua periodizaçào. Tomando as idéias que dâo título ao livro, olhar para o passado com um conceito de sistema que escapa ao modelo westphaliano permitiría nao só oferecer urna alternativa ao modo como normalmente a historia mundial é narrada, como também refazer o estudo desses sistemas dentro da propria disciplina.
O casamento entre as teorías de Relaçôes Internacionais e a historia mundial é, de fato, urna das idéias centrais de International Systems in World History. Näo se trata, na verdade, de algo novo, mas reconhecidamente da continuaçào - ou releitura - de um traballio já desenvolvido pela Escola Inglesa - na qual os autores fortemente se baseiam-, só que, desta vez, com a pretensäo de conferir-lhe bases teóricas mais sólidas. Buzan e Little acreditam que tal uniäo seja mutuamente benéfica, "um ato essential", para o desenvolvimento da disciplina e suas teorías e, sem dúvida, urna maneira de estruturar o estudo da historia mundial (:385, 408).
Ainda que sejam claros para a disciplina os ganhos dessa junçào entre teoria e historia, é mais difícil perceber até que ponto as Relaçôes Internacionais poderiam realmente favorecer a historia mundial. A proposta de urna periodizaçào tripartite da historia, tendo como base a f ormaçào e o desenvolvimento - no tempo e no espaço - de diferentes tipos de sistemas internacionais, pode ser (e, muitas vezes, de fato é) bastante interessante1. No entanto, de certo modo eia parece representar muito mais um ganho para a pròpria disciplina (já que esta teria a possibilidade, até entäo inédita, de fazer um recorte pròprio da historia) do que um efetivo avanço para a historia mundial.
Para as Relaçôes Internacionais, as vantagens dessa conexäo sào, com efeito, manifestas. Ao contrario do que pensam Buzan e Little, no entanto, talvez a maior délas nao seja a possibilidade de desenvolvimiento e a afirmaçào da disciplina, mas sim o fato de a historia tornar evidentes todas as fainas e insuficiencias das teorías dominantes na área e, mais precisamente, as do neo-realismo . Quando analisados sob urna perspectiva histórica, os sistemas internacionais podem assumir configuraçôes bem diferentes daquelas ditadas pelas premissas neo-realistas, e é essa nova maneira de olhar que representa a grande possibilidade que a historia pode trazer à teoria.
A presunçâo neo-realista de que as unidades do sistema säo sempre iguais em sua totalidade, pode nao se verificar. Em muitos momentos, tais unidades podem possuir diferenças näo somente estruturais, mas também funcionáis, a despeito da existencia de forças de socializaçào e competiçào que tenderiam a homogeneizá-las. Este foi o caso das eras antiga e clàssica quando cidades-estado, imperios, tribos e imperios nómades coexistiram durante muito tempo como unidades principáis em urn mesmo sistema internacional. Outra premissa neo-realista, de que a anarquía é urna característica constante do sistema, alias, também cai por terra quando se analisa esse mesmo período. Em multas instancias, anarquía e hierarquia podem alternar-se em "fases" sem que, por isso, o sistema internacional deixe de existir. A idéia de que sào modificaçôes no plano da estrutura que levam a mudanças no sistema também pode ser questionada. De urna perspectiva histórica, as características das unidades e o modo como se estruturam internamente é que seriam as chaves para se entender o caráter e as transformaçôes que podem ocorrer no sistema (ver nota 1).
Historicamente, torna-se mais interessante pensar nào somente nos tipos de unidade dominantes, mas também nos diferentes tipos de interaçào (processo) e estrutura que podem ser construidos entre essas unidades. A diferenciaçâo setorial - introduzida pelos autores no que chamam de seu "kit de ferramentas teóricas" - é essential para perceber que, na verdade, em vez de um, varios sistemas internacionais podem coexistir em um mesmo momento da historia mundial, ampliando dessa forma suas possibilidades de análise.
Em cada setor - seja ele político-militar , económico, sociocultural ou ambiental - haverá um tipo de processo e estrutura distinto, que frequentemente se relacionam, mas cujo desenvolvimento näo se dà ao mesmo tempo nem com a mesma intensidade. Dessa forma, para definir o caráter e a escala do sistema internacional, o setor econòmico tende a tornar-se mais importante do que o político-militar, por exemplo. Esta seria urna tendencia visível no sistema internacional global contemporàneo, em que os processus do setor econòmico, por terem assumido maior abrangência e intensidade do que os de qualquer outro, acabam tornando mais fácil falar em "economia global" do que em governo ou sociedade global.
Essa diferenciaçào dos sistemas internacionais por setores, vale ressaltar, é o instrumento que permite que Buzan e Little resgatem as idéias da Escola Inglesa de distinçào entre sistema internacional, sociedade internacional e sociedade mundial, segundo tres diferentes tradiçôes (hobbesiana, lockiana e kantiana). Nessareleitura, os sistemas internacionais equivaleriam aos sistemas internacionais observados no setor político-militar (mais próximo também do sistema neo-realista); as sociedades internacionais, no setor sociocultural, e as sociedades mundiais poderiam ser entendidas como sistemas analisados no plano do individuo. A diferenciaçào dos níveis de análise é, alias, outra ferramenta analítica introduzida pelos autores. Segundo eles, além do nivel individual , haveria outros quatro usados com freqiiência em Relaçôes Internacionais: os níveis do sistema, do subsistema, da unidade e da subunidade.
O último instrumento do referido "kit" consiste na separacäo das diversas "variáveis que explicam o comportamento", ou melhor, das fontes de explicaçào que podem ser encontradas em todos os sistemas, sej a qual for o setor e o nivel de análise. Tais fontes seriam tres : a capacidade de interaçào (que correspondería à quantidade de interaçào possivel, tendo em vista as tecnologías físicas e sociais disponíveis em certo tempo e lugar), o processo (os padrôes de açào e interaçào existentes, ou ainda, a interaçào que efetivamente ocorre) e, por firn, a estrutura, para a quai usa a definiçào clàssica de Waltz (os principios que definem como as unidades serào arranjadas dentro de um sistema, quai a diferenciaçào entre elas e também seu relacionamento, tendo por base suas capacidades relativas).
O que Buzan e Little propôem é que, com base nessas diferentes ferramentas teóricas, os sistemas internacionais possam ser observados em seus diferentes setores, cada um deles podendo ser analisado em níveis distintos, aos quais sao conferidas fontes de explicaçào próprias. Com essa abordagem em mente, identificam très tipos básicos de sistema: os sistemas internacionais completos (abrangendo todos os setores), os económicos (no qual tem maior relevo o setor económico, sem, contudo, excluir o político-militar) e os pré-sistemas internacionais (com maior ênfase no setor sociocultural). Tal diferenciaçào nao significa, contudo, urna separaçào ou corte radical. Porque fazem parte de urna mesma realidade, tais sistemas podem coexistir - e isto é o que com freqiiência ocorre.
A maior parte dos argumentos apresentados até aquí - argumentos, alias, sobre os quais o livro se baseia - sao introduzidos já na primeira parte de International Systems in World History. A premissa central é que o conceito de sistema internacional, tal como formulado dentro da disciplina, nao só impede que as teorías de Relaçôes Internacionais possam descrever e analisar o modo como diversos sistemas internacionais surgiram e se desenvolverán! ao longo da historia mundial, como também impossibilita que o mesmo assuma seu papel de unidade de análise comum a todas as ciencias sociais e à historia mundial.
O "presentismo" (foco ñas questóes de historia e política contemporánea), o "a-historicismo" (busca de leis e padrôes imunes as variaçôes históricas), o "eurocentrismo" (percepçào da historia mundial como urna extensäo da experiencia histórica européia), a "anarcofilia" (fixaçào em questôes como anarquía e soberanía) e o "estadocentrismo" (Estado encarado como unidade dominante, o que acaba vinculando o sistema internacional ao setor potítico-militar), arraigados ñas teorías dominantes da disciplina, explicariam por que o conceito de sistema internacional nao consegue libertar-se do modelo westphaliano e abranger diferentes experiencias ao longo da historia mundial (: 17-22).
Para transcender tais fraquezas e, ainda, para dar conta da complexidade do tema, faz-se necessaria a adocäo de um pluralismo, tanto teórico quanto metodológico. Somente por meio de urna abordagem desse tipo seria possível formular um conceito capaz de abranger tanto a dimensäo social quanto material dos sistemas internacionais, possibili tando, dessa forma, a conciliaçào de elementos de diferentes abordagens teóricas (no caso, o neo-realismo de Waltz, o construtivismo de Alexander Wendt e a Escola Inglesa) com elementos da historia mundial.
Quando analisado com maior cuidado, contudo, o referido pluralismo guarda mais semelhança com a abordagem que a Escola Inglesa faz dos sistemas internacionais (segundo os autores, a única capaz de superar todas aquelas fraquezas já apontadas) do que como urna tentativa real de congregar elementos de diferentes teorías. Nao se está querendo negar aquí que os postulados da teoria sistèmica de Waltz säo, de fato, os fundamentos sobre os quais essa nova percepçào dos sistemas internacionais será construida, ou ainda, que alguns elementos do construtivismo estej am presentes (ver nota 6). No entanto, sao as idéias da Escola Inglesa que, como já foi dito, informam tal construçào. Buzan e Little, por certo, reconhecem suas limitaçôes (urna délas, seria o fato de a Escola Inglesa também nào conseguir oferecer um conceito suficientemente abrangente para os propósitos do livro), mas a intençâo dos autores é justamente superá-las, indo buscar na historia mundial os instrumentos necessários para tanto.
Esse pluralismo metodológico, aliado as ferramentas de análise anteriormente mencionadas, sao os elementos que, em grande medida, garantem a originalidade da proposta dos autores. Tendo em mäos esses instrumentos, Buzan e Little procuram estabelecer os criterios apropriados para aformulacäo de um conceito transhistórico de sistema internacional, capaz de expandir-se para muito antes dos quinhentos anos de Westphalia. O tipo e a quantidade de interaçào, o padräo, a escala, o tipo de unidade dominante, a relaçâo existente entre elas, bem como a estrutura sao os elementos necessários para que um sistema internacional possa ser identificado (:90-108). A intençâo aquí faz lembrar o intuito de Waltz de construir urna teoria sistèmica parcimoniosa e elegante, capaz de explicar um grande número de eventos com o menor número de variáveis possível, resistindo aínda as variaçôes e particularismos da historia. Ao contrario de Waltz, entretanto, Buzan e Little pretendem levar as possibilidades de análise do conceito para além das fronteiras da disciplina, alcançando outras ciencias sociais e, aínda (ou sobretudo), a propria historia. Em vez de "rejeitar a historia", como teria feito Waltz, pretendem "injetar historia".
As tres partes que se seguem no livro constituem justamente a aplicaçao desse novo conceito, buscando, assim, analisar o surgimento e desenvolvimento dos diferentes tipos de sistema internacional que existiram (e, frequentemente, coexistiram) ao longo dos cinco mil anos de historia mundial. Iniciando a narrativa com os pré-sistemas internacionais, passando pelos múltiplos sistemas internacionais dos mundos antigo e clàssico até chegar no sistema internacional de escala global contemporáneo, Buzan e Little fazem especulaçôes sobre as unidades dominantes, a capacidade de interaçào, o processo e a estrutura de cada um deles, em diferentes setores, considerando ainda distintos níveis de análise (especificamente, os do sistema, subsistema e unidade).
Na parte final, os autores voltam-se para o que chamam de "especulaçôes, avaliaçôes e reflexöes", em que considerami as vantagens e possibilidades que o conceito de sistema internacional - formulado nessas novas bases - pode trazer tanto para as Relaçôes Internacionais quanto para a historia mundial. Sendo o conceito tao aberto à historia, nada impede que este seja estendido também em direçào ao futuro. Desse modo, Buzan e Little tentam desenliar o esboço de um provável "sistema internacional pós-moderno" - aceitando-se que o sistema internacional global contemporáneo esteja de fato sof rendo mudanças que o levariam a evoluir nesse sentido.
Alternando entre urn torn futurista e a constataçào de que previsöes näo säo próprias das teorías das ciencias sociais, a conclusäo a que os autores parecem chegar näo é de fato surpreendente. Segundo eles, aínda que possibilidades de transformaçâo possam estar em curso, a medio (e talvez) longo prazo, näo há nada de novo no sistema internacional westphaliano que conhecemos, além do fato de este se ter tomado global. O Estado aínda é a unidade dominante do sistema; a capacidade de interaçào, o processo e a estrutura chegaram ao seu limite de modificaçào e expansäo, enfim, seja o que for que testemunhemos no futuro, será, em grande medida, algo bem parecido com o passado.
Se Buzan e Little efetivamente conseguiram refazer o estudo de Relaçôes Internacionais é algo que se pode questionar. Por outro lado, talvez a contribuiçào mais importante do livro näo tenha sido apresentar urna proposta de reformulaçào da disciplina, mas sim apontar suas deficiencias, explorar suas contradiçôes e expor suas fainas.
Notas
?. Buzan e Little (: 386-406) apontam tres pontos de mudança em que seria possível fazer urna divisáo da historia mundial: a formaçâo dos pré-sistemas internacionais (entre 40 e 60 mil anos atrás), a formaçâo dos primeiros sistemas internacionais (cerca de 3500 a.C.) e, por firn, as transformaçôes que marcaram a formaçâo do sistema internacional global moderno (por volta de 1 500 d.C). A idéia central é que nao houve pontos de mudança radicáis entre os diferentes sistemas, mas que estes coexistiram durante muito tempo, em diversos setores do contexto internacional, sendo progressivamente subsumidos uns pelos outros. O mais interessante dessa periodizaçâo é que eia parece contar, de fato, a historia da continua evoluçâo e substituiçâo das unidades dominantes desses múltiplos sistemas internacionais. Conforme tais unidades vâo se tornando mais complexas e estáveis (vale dizer, à medida que o poder político e a hierarquia social väo se institucionalizando cada vez mais), convertendo-se também em unidades dominantes, as mudanças no sistema väo ocorrendo. Em outras palavras, säo as mudanças que sucedem na estrutura interna das unidades dominantes (e nao as que acontecem na estrutura do proprio sistema, como poderia prever a teoría sistèmica neo-realista) que, efetivamente, marcam os grandes pontos de mudança dos sistemas internacionais e, portante, da historia mundial.
2. Embora muitas críticas sejam dirigidas, de maneira geral, as chamadas teorías dominantes de Relaçoes Internacionais, parece nao haver muitas dúvidas de que o grande interlocutor de Buzan e Little é, de fato, o neo-realismo, referencia constante no livro. Mesmo quando muitas vezes falam em "realismo", na verdade estäo se referindo à sua versäo "cientificista" e "sanitarizada", da quai Kenneth Waltz é o maior representante. Em grande medida, isso se justifica pelo fato de os autores estarem partindo das idéias neo-realistas para desenvolver seus próprios argumentos (: 10), além de ser a obra de Waltz fundamental para quem pretende falar de sistemas dentro das Relaçoes Internacionais. No entanto, o que pretendía ser urna reformulaçâo, amphaçâo e convergencia das diversas teorías sistêmicas da disciplina, acaba parecendo, ao final, um longo diálogo com o neo-realismo.
3. Vale notar aqui que, embora nesse momento inicial Buzan e Littìe separem o setor politico do militar de forma bastante clara - e reafirmem, posteriormente, a diferença entre os dois -, ao longo do livro tal dif erenciaçâo parece diluir-se um pouco. Porque säo "intimamente vinculados", ambos acabam sendo analisados como integrantes de um único setor, misturando, assim, relacionamentos baseados na coercäo com aqueles fundados na autoridade, bem nos moldes neo-realistas.
4. Ainda que interessante, vale ressaltar, entretanto, que em muitos momentos adescriçâo dos processus e estruturas ambientáis de diversos sistemas ao longo da historia näo é bastante clara, sendo questionável se os autores conseguem, de fato, fazer a análise a que se propöem (algo que, ao final, eles próprios acabam reconhecendo).
5. Embora sej a possível afirmar que o nivel individual é, de fato, fundamental para as ciencias sociais, este näo parece ser o caso em Relaçôes Internacionais. Análises no plano individual podem ocorrer, mas tendem a ser mais exceçâo do que regra na disciplina.
6. E bastante curiosa por sinal essa leitura que Buzan e Little fazem do neo-realismo de Waltz e do construtivismo de Wendt. Grosso modo, este ultimo correspondería a urna abordagem sociológica dos sistemas internacionais, na quai elementos como interaçâo, identidade, instituiçôes, valores e normas comuns seriam realçados. O neo-realismo, por sua vez, teria urna perspectiva material (mecanicista), onde poder, anarquía, soberanía, balança de poder e guerra seriam alguns dos elementos essenciais. Segundo eles, a posiçâo teórica de Wendt caracterizaría as sociedades internacionais, enquanto a de Waltz os sistemas internacionais, tais como sao entendidos pela Escola Inglesa (:39-45). Urna identificaçâo desse tipo pode até ser verdadeira para o neo-realismo, mas revela-se falha no caso do construtivismo. Wendt, de fato, faz urna leitura "sociológica" das relaçôes internacionais, mas tal afirmaçâo näo significa que as relaçôes entre os Estados sempre seräo caracterizadas como urna sociedade no sentido proposto pelos autores. A interaçâo interestatal pode levar tanto à formaçâo de urna sociedade baseada em regras, instituiçôes e valores comuns, como também a um sistema internacional nos moldes neo-realistas. Tudo dependerá do modo como os Estados percebem a si mesmos e aos demais, e da maneira como estes constroem a anarquía. O fato de a pròpria estrutura do sistema internacional ser composta por normas näo implica que este será urna sociedade, tudo depende do que tais normas informam. Talvez pelo fato de apenas um artigo de Wendt ter sido utilizado como fonte para suas idéias, ou talvez ainda por urna vontade de querer ver nestas urna relaçâo de "inexorabilidade" com as idéias da Escola Inglesa (:43), a leitura que os autores fazem do construtivismo é bastante limitada. Buzan e Little däo grande relevancia a elementos como a construçâo social, normas, intersubjetividade, mas a conclusáo que parecem tirar dai é a de que a posiçâo metodológica de Wendt caracterizaría melhor as sociedades internacionais. O que, talvez, tenha fúgido à percepçâo deles, é que o construtivismo nao elide a possibilidade de que um "sistema realista" exista. Sob um prisma construtivista, tal sistema também será social - porque socialmente construido, resultante da interaçâo -, mas nao necessariamente urna sociedade internacional nos moldes da Escola Inglesa.
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