Resumo
Introduçao: O diagnóstico de cáncer infantojuvenil pode afetar o relacionamento e a dinámica familiar, além de desencadear sofrimentos e medos, causados pela apreensao de sua descoberta, tratamento e controle. Assim, este estudo objetiva compreender o enfrentamento das familias diante do diagnóstico de cáncer infantojuvenil. Materials e Métodos: Constituiu-se de estudo descritivo, transversal e de abordagem qualitativa, realizado no Centro de Alta Complexidade em Oncologia Irmā Malvina de Montes Claros-MG. Para a concepçâo da pesquisa, foi realizada uma entrevista semiestruturada a 27 cuidadores familiares de crianças e adolescentes portadores de cáncer, que atenderam aos critérios de inclusāo. Em seguida, os dados foram tabulados e analisados pela técnica análise de conteúdo. O estudo foi autorizado pelo Comite de Ética em Pesquisa sob o parecer 2.536.184/2018. Resultados: Após a análise dos dados, foi possível traçar um perfil socioeconómico do familiar e epidemiológico da criança doente. Quanto aos familiares, na maioria, eram de sexo feminino, com parentesco de 1° grau com a criança doente, e dedicavam seu tempo a atividades direcionadas ao cuidado com o filho. No tocante â epidemiologia dos casos, cerca de 55% representavam a Leucemia Linfoblástica Aguda. Discussao: Os resultados encontrados foram agrupados em tres categorias que abordam o impacto inicial do diagnóstico, o conhecimento como forma de alivio e as estratégias de enfrentamento. Conclusöes: Observou-se que o diagnóstico de cáncer infantojuvenil tem grande impacto na dinámica familiar e gera nessas familias sentimentos dolorosos e desesperadores que desencadeiam a busca por alternativas de enfrentamento para se adaptarem a essa nova realidade. Palavras chave: Neoplasias; Adaptaçâo Psicológica; Criança; Adolescente; Família.
Abstract
Introduction: Diagnosis of cancer in children and adolescents may affect relationships and family dynamics, apart from provoking suffering and fears due to mistrust on the discovery, treatment, and control of the disease. Considering the above, the purpose of this study is to understand what families face when cancer is diagnosed in children and adolescents. Materials and Methods: A descriptive, cross-cutting and qualitative study was carried out at the Oncology High Complexity Center Irmā Malvina de Montes Claros-MG. For the purposes of this research, a semi-structured interview was conducted with 27 family caregivers of children and adolescents with cancer who met the inclusion criteria. Later, the data were tabulated and analyzed using the content analysis technique. This study was authorized by the Research Ethics Committee under report 2.536.184/2018. Results: Once data had been analyzed, it was possible to draw up a socioeconomic profile of the family member and an epidemiological profile of the child patient. Most of the family members were female who were related to the child patient in the first grade of consanguinity and devoted their time to activities related to the care of the child. With respect to the epidemiology, about 55% of the cases were related to Acute Lymphoblastic Leukemia. Discussion: Results were grouped into three categories covering the initial impact of the diagnosis, knowledge as a form of relief, and strategies for coping with the disease. Conclusions: It was observed that the diagnosis of cancer in children and adolescents has a great impact on family dynamics, generating hurtful and desperate feelings in these families, which trigger the search for alternatives to face this illness that can be adapted to this new reality.
Key words: Neoplasms; Adaptation, Psychological; Child; Adolescent; Family.
Resumen
Introducción: El diagnóstico de cáncer infantojuvenil puede afectar las relaciones y la dinámica familiar, además de desencadenar sufrimiento y miedos, causados por el recelo causado por el hallazgo, tratamiento y control de la enfermedad. Considerando lo anterior, este estudio tiene por objeto entender a lo que se enfrentan las familias ante el diagnóstico de cáncer infantojuvenil. Materiales y Métodos: Estudio descriptivo, transversal y de enfoque cualitativo, realizado en el Centro de Alta Complejidad en Oncología Irmā Malvina de Montes Claros-MG. Para los fines de esta investigación, se realizó una entrevista semi-estructurada a 27 cuidadores familiares de niños y adolescentes con cáncer que cumplieran con los criterios de inclusión. Posteriormente, los datos fueron tabulados y analizados utilizando la técnica de análisis de contenido. El estudio fue autorizado por el Comité de Ética en Investigación bajo el informe 2.536.184/2018. Resultados: Una vez analizados los datos, fue posible trazar un perfil socioeconómico del familiar y epidemiológico del niño enfermo. En cuanto a los familiares, en su mayoría, eran de sexo femenino, con parentesco de 1° grado de consanguinidad con el niño enfermo y dedicaban su tiempo a actividades relacionadas con el cuidado del hijo. En lo que respecta a la epidemiologia de los casos, cerca del 55% correspondía a Leucemia Linfoblástica Aguda. Discusión: Los resultados encontrados se agruparon en tres categorias que abordan el impacto inicial del diagnóstico, el conocimiento como forma de alivio y las estrategias para enfrentar la enfermedad. Conclusiones: Se observó que el diagnóstico de cáncer infantojuvenil tiene un gran impacto en la dinámica familiar y genera en estas familias sentimientos dolorosos y desesperadores que desencadenan la búsqueda de alternativas para enfrentar la enfermedad que se adapten a esa nueva realidad.
Palabras clave: Neoplasias; Adaptación Psicológica; Niño; Adolescente; Familia.
INTRODUÇÂO
Conhecido como uma doença crónico degenerativa, em que há crescimento celular desordenado e invasivo, o cáncer apresenta-se como um problema de saúde pública que vem crescendo significativamente. Especialmente entre os países subdesenvolvidos, espera-se que, nas próximas décadas, o impacto das neoplasias na populaçâo corresponda a 80% dos mais de 20 milhöes de casos novos estimados para 20251,2.
No ano de 2008, em parceria com a Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica (SOBOPE), o Instituto Nacional do Cáncer (INCA)1, publicou o primeiro documento a respeito do cáncer em crianças e adolescentes. Essas informaçöes foram desdobradas em diferentes abordagens que contribuíram para trazer o tema a discussăo, ampliar o conhecimento da realidade brasileira e levar a consequente melhoria da qualidade das informaçöes.
Apesar de alta perspectiva de cura, o cáncer infantojuvenil segue atrás apenas dos acidentes, configurando a segunda causa de óbito em menores de 19 anos. Sua tipologia mais frequente inclui as leucemias, seguidas por linfomas, neuroblastoma, tumor de Wilms, retinoblastoma, sarcomas, osteosarcomas e tumores germinativos. A demora na precisăo do diagnóstico se dá principalmente pela confusăo com outras patologias devido a imprecisăo dos sinais e dos sintomas, o que repercute na sobrevida do paciente, que pode apresentar cerca de 70% de chance de cura, se precocemente tratado3,4.
Assim, como toda doença que gera sofrimento e instabilidade na dinámica familiar, o cáncer, além disso, gera dúvidas, medos e incertezas quanto a sua descoberta, tratamento e controle. Seu prognóstico é sombrio, principalmente quando relacionado a criança, o que exige mais compreensăo do impacto da doença na perspectiva dos membros familiares5,6.
A percepçâo do cuidador familiar sobre o cuidar da criança com cáncer é demarcada pelas mudanças que ocorrem em diferentes esferas: ambiente, pessoas e relaçöes; e permeada por incertezas, medo, desesperança e instabilidade7.
Apesar dos avanços nas pesqui sas e entendimentos sobre o cáncer, há uma lacuna de conhecimento de estudos qualitativos que buscam aprofundar no impacto do diagnóstico de cáncer na esfera familiar. Isso porque a família é considerada peça fundamental para o tratamento, já que suas decisöes e açöes interferem diretamente no cuidado. Nesse sentido, acredita-se que a abordagem e o conhecimento de seu cotidiano e as estratégias de enfrentamento utilizadas por ela tornam-se de suma importancia para o profissional e familiares que lidam diariamente com o cáncer infantojuvenil. Assim, esse estudo foi desenhado buscando compreender o enfrentamento e as experiencias das familias diante do diagnóstico de cáncer infantojuvenil.
MATERIAIS E MÉTODOS
Constituiu-se de um estudo descritivo, transversal e de abordagem qualitativa7,8. Atendendo as Diretrizes e Normas Regulamentadoras do Conselho Nacional de Saúde, através da Resoluçâo 466/2012, foi submetido ao comite de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros e autorizado por meio do parecer. No. 2.536.184/2018.
As entrevistas foram realizadas no período de março a abril de 2018 no Centro de Alta Complexidade em Oncologia Irmă Malvina (CACON), unidade pertencente a Irmandade Nossa Senhora das Merces (Santa Casa) de Montes Claros, Norte de Minas Gerais. O municipio é considerado o principal centro urbano do Norte do Estado de Minas Gerais, tendo popu^ăo estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o ano de 2017 de cerca de 400.000 habitantes. Foi obtida autorizaçăo do responsável pela Instituto por meio da assinatura do Termo de Concordância, para coleta de informaçöes das familias atendidas.
Devido ao fluxo de pacientes atendidos, foram selecionados 27 participantes. A amostra foi definida através de demanda espontánea dos cuidadores familiares de crianças assistidas pelo CACON, que se enquadraram nos criterios de inclusăo, faixa etária de 18 (dezoito) a 70 (setenta) anos, de ambos os sexos e que expressaram desejo de participar voluntariamente da pesquisa através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A medida que a coleta de dados foi sendo realizada, foram aplicados critérios que destacavam a saturaçâo dos dados. Assim, quando se constatou o ápice da saturaçăo, a etapa foi encerrada8.
Os participantes foram submetidos a um roteiro de entrevista semiestruturada, contendo 11 (onze) questöes norteadoras que abrangeram as percepçöes e as experiencias destes participantes frente ao diagnóstico de cáncer de seu filho, a reorganizaçăo familiar, as dificuldades encontradas e o as estratégias de enfrentamento encontradas no decorrer do tratamento. O questionário foi validado por LIMA9, e modificado pelas pesquisadoras de acordo com os objetivos propostos.
A entrevista foi dividida em duas etapas, a saber: caracterizaçăo sociodemográfica e económica do cuidador e aplicaçâo das questöes norteadoras. Para caracterizaçăo do perfil dos participantes, foi elaborado um roteiro, contendo as seguintes variáveis (sexo, faixa etária, renda familiar per capita - em salários mínimos; R$ 954,00, escolaridade, estado conjugal, atividade profissional atual, parentesco, histórico familiar e diagnóstico).
Com o intuito de garantir a fidedignidade dos dados, a entrevista foi realizada em ambiente reservado, de forma individualizada. Além disso, os participantes foram identificados por meio de sigla padrăo e número do questionário. A utilizaçăo de aparelho gravador favoreceu a seleçâo das respostas através da saturaçâo dos dados10.
Ao término das entrevistas, os dados sociodemográficos foram analisados no programa Microsoft Office Excel, com intuito de levantar o perfil socioeconómico do cuidador. Os discursos foram plotados integralmente no banco de dados, preservando a informalidade e a fidedignidade da fala dos participantes. Para melhor análise de satrn^ăo, foram avaliadas as ideias centrais de cada fala, de forma que, ainda que nenhum dos discursos seja igual, sua essencia passa a estagnar-se de forma a manter uma linha de raciocinio e discurso sem acréscimo de alteraçöes. Assim, foi possível concluir que, neste momento, a saturaçâo de dados estava concluida11. Em seguida, procedeu-se a análise e a interpretaçăo das falas com a técnica de análise de conteúdo.
RESULTADOS
Após a definiçâo de amostra e aplicaçâo de criterios de inclusăo, foi possível incluir no estudo 27 cuidadores familiares de crianças portadoras de câncer infantojuvenil. A partir da análise dos dados sociodemográficos fornecidos, foi possível traçar o perfil da amostra, baseado em critérios de definiçâo do Ministério da Saúde e do Ministério do Trabalho, conforme Tabela 1. Em sua maioria, eram de sexo feminino, com idade variante entre 26 e 49 anos, casadas e com ensino médio completo. Quanto a profissăo, atualmente săo donas de casa e dedicam seu tempo em atividades direcionadas ao cuidado do filho. A renda média gira em torno de um salário mínimo.
Quanto ao perfil das crianças cuidadas, observou-se que estăo em faixa etária dos 04 aos 18 anos de idade e que uma grande parte está em tratamento para a Leucemia Linfoblástica Aguda, conforme demonstrado na Tabela 2.
DISCUSSAO
A partir das percepçöes e das experiencias dos cuidadores, foram identificadas tres temáticas: o impacto inicial do diagnóstico, o conhecimento como forma de alívio e as estratégias de enfrentamento.
O impacto inicial do diagnóstico: pais, familiares e reorganizaçâo familiar
A experiencia de ter um filho com cáncer altera o cotidiano familiar, a carencia e a angústia emocional, as dificuldades financeiras, o sacrificio e a dor săo alguns dos principais sentimentos que vem a tona. A sensaçâo é a de viver uma luta constante12.
Para os pais, o sentimento é de desespero, medo e incertezas sobre tudo o que pode acontecer. O impacto do diagnóstico abala toda a estrutura psicológica desses pais, os quais, a partir de agora, passam a se cobrar em relaçâo ao cuidado com o filho, pois o medo da morte nunca foi tăo presente.
Quando questionados a respeito do primeiro pensamento ao saber do diagnóstico da criança, a fala é rodeada por um componente emocional, exposto como uma experiencia desesperadora:
"(...)eupensei que eu iaperder minha filha..." (choro) -DG08
"(...)se a gentepudesse abrir um buraco e nunca mais sair dali..."-DG01
"(...) muito desespero, é muito difícil, só sabe quem passa mesmo..." -DG24
Os sentimentos do cuidador familiar sobre o cuidado com a criança com cáncer săo permeados pelas transiçöes que ocorrem nos vários ámbitos de seu cotidiano. Medo, incertezas, desesperança, instabilidade psicológica e familiar săo muito presentes13.
Além do medo de perder, observou-se sentimento de culpa e de preocupaçao com o sofrimento do filho.
"(...) ah, o sofrimento, o sofrimento dele, nao é nem pela doença que o povo fala assim: o cáncer mata! Nao foi nem por isso! Foi pelo sofrimento, porque eu sabia que a doença tinha, sim, um tratamento e que o tratamento poderia, sim, salvar a vida dele, mas que ele ia sofrer muito..."-DG01
"(...) penso assim que poderia ter dado na gente, né! Passadopra mim e tirado dele, ele é só uma criança! Inocente..."-DG13
A literatura esclarece que essa variaçao entre a esperança da cura do filho e a ameaça palpável de sua morte parece influenciar as expectativas para o tratamento e até mesmo as reaçöes e o rearranjo familiar12.
Quanto a reaçao da família extensa diante da noticia do cáncer na criança, observou-se que o sentimento de desespero e de desestabilizaçâo frente a estigmatizacăo da doença foi muito presente. Ao mesmo tempo, houve uma mobilizaçâo familiar no intuito de apoiar os pais e a criança doente, tanto no ámbito financeiro, espiritual quanto afetivo.
"(...)todo mundo ficou em choque, os avós tanto do meu lado quanto do lado do meu esposo ficaram mais em desespero, foi um susto muito grande, muito medo, muita insegurança, é algo totalmente desconhecido, né? "-DG02
"(...)todo mundo ficou apavorado, todo mundo ajudou, na medida que foi possível"-DG08 "(...) a família deu muita força, foi muito triste, mas ela ajudou nós no financeiro, em oraçao, em reza, graças a Deus tá dando nós muita força..."-DG24
Ter um filho com cáncer altera todo o cotidiano familiar, pois há uma desestabilizaçâo das relaçöes entre o casal e até mesmo com os filhos. A carencia, a angústia emocional, as dificuldades financeiras, o sacrificio e a dor sao uma realidade constante para estes cuidadores12,14. Quando levantado o questionamento a respeito do relacionamento conjugal pós-diagnóstico, houve uma variabilidade de resposta. Em alguns casos, percebeu-se um afastamento do cônjuge como evidenciado a seguir:
"(...)péssimo, afastou demais, ele bebía muito, entăo ele nao me ajudava com nada nao, eu fiquei sozinha..." -DG06
"(....) as vezes nós ficamos mais assim, ele quer falar uma coisa, eu falo outra, ele quer fazer isso, eu falo que tem que fazer aquilo, assim sabe..." DG 19
Por outro lado, houve cuidadores que relataram uma uniăo no relacionamento conjugal, com coparticipaçâo de ambas as partes no tocante a assuntos relacionados ao cotidiano de cuidado e de tratamento do filho doente.
"(...)assim, uniu mais, é complicado porque tem muito stress mas vendo alguns casos que a gente já via aqui de casamentos que foram desfeitos, acendeu um sinal pra tomar cuidado pra que nao esfriasse e pra que nao houvesse brigas (...) foi um amparando o outro, quando ele estava forte eu estava fraca, aí ele me fortalecía, quando ele estava fraco eu dava força pra ele, e assim a gente foi indo..." DG02
"(...) a gente dividia as responsabilidades, né, com ela porque sobrecarrega demais e graças a Deus, assim, Deus deu sabedoria pra gente nao esfriar, né, mantemos mais fortalecido e forte e ficamos mais unidos de algumaforma..."DG02
"(...)nós ficamos mais juntos, né, teve que aproximar nós dois, pra dar força pra ela"DG24
Um estudo realizado com 10 cuidadores discorreu a respeito da importância do elo familiar, pois uma integraçâo entre os membros da família, com objetivo de manter a dinámica familiar equilibrada, diminui as chances de que este equilibrio se rompa, uma vez que cada um assume seu papel, torna-se um pouco mais suportável passar por esta situaçâo15.
Devido as rotinas diárias de tratamento, consultas e a alta demanda de cuidado, os pais acabam por dedicar todo o seu tempo em prol do filho doente, muitas vezes deixando de lado os afazeres de casa e os cuidados com os outros filhos. Isso pode gerar uma instabilidade nos laços afetivos, uma vez que esses filhos podem năo compreender o motivo pelo qual os pais estăo ausentes e demandar desses pais a mesma atençâo e zelo dado ao filho doente. Sentimentos como ciúmes, por parte dos filhos, săo frequentemente relatados14.
"(...)teve, e tem até hoje, a caçula de 15 anos até hoje fala que engravidou porque eu nao fiquei perto dela, mas eu disse que eu nao podia, quem podia ficar com ela era o pai, e ele ficava na rua bebendo, entao eu nao posso voltar atrás, né..."DG06
"(....) ela reclama muito, até hoje ela é muito carente, ela reclama demais, ela chama atençao..."DG16
Nesses casos, quando questionados sobre o que fazem para tentar conciliar e aliviar essas queixas dos filhos saudáveis, os pais alegam que buscam através do diálogo justificar a ausencia.
"(...) conversamos com ele, agora ele já sabe, ele fala: oh mamae, voce vai pro hospital hoje? Eu digo - vou meu filho, mas daqui a pouco eu volto, no inicio ele ficou muito agressivo, mas agora ele tá calminho"DG07
Os achados encontrados dentro dessa categoria asseguram a hipótese de que o modo como cada família reage as informaçöes disponibilizadas é muito peculiar. Năo existe um modelo preestabelecido que se adapte a todos. Entretanto, os sentimentos de desespero, medo da morte, insegurança e dificuldades de adaptaçöes familiares săo presentes no cotidiano dessas familias.
O Conhecimento Como Forma de Alivio
O momento do diagnóstico é de suma importancia năo só por trazer a tona os mais diversos sentimentos, mas também por trazer esclarecimento aos pais. Devido a grande estigmatizacăo do cáncer e a assoc^ăo direta com a morte, grande maioria das pessoas năo tem conhecimento a respeito do tratamento e do prognóstico real da doença16.
A primeira reaçăo da familia mediante o impacto do diagnóstico de cáncer em seu familiar é de năo aceitaçăo. Normalmente, a familia procura por outras opiniöes e, por fim, quando o diagnóstico năo pode mais ser questionado, é como se o mundo desabasse17.
Nesse ámbito, foi possivel observar em alguns casos que, devido a uma real falta de instr^ăo, os pais năo sabiam o significado da doença, ou, por năo conhecerem a realidade do tratamento, até se negavam a faze-lo. Entretanto, após conhecer um pouco mais por meio dos médicos e dos enfermeiros, houve uma mudança de pensamento.
"(...)fiquei assustada, passadinha, nao sabia onde eu tava, eu falei o que é que é leucemia? eu ficava assim, né, querendo saber que que era, ai depois que os médicos me explicou direitinho, que tinha o tratamento que naopreocupasse..."DG21
"(...)pensei, nao vou fazer o tratamento, porque o tratamento é muito forte e tem gente que depois sofre, sofre e morre, ai depois que eu vim aqui, eu vi que nao era assim"DG19
Quando abordado o conhecimento da doença por parte dos cuidadores, a grande maioria das respostas foi relacionada a sentimentos referentes a doença.
"(...) ai eu nao sei te explicar nao, eu acho agressivo, maltrata muito" DG17 "(...)eu sei que é uma doença que, no caso do meu filho, acometeu o sistema de proteçao do corpo, né, algumas células modificadas, e, no caso dessas células, a gente tem que fazer o tratamentopra acabar com elas..."DG26
Nota-se que, para a grande maioria dos pais, o conhecimento a respeito da doença é limitado, o que pode estar relacionado as condiçöes socioeconómicas ou até mesmo a singularidade e ao sentimentalismo relacionados a doença.
Estudo realizado em 2012 na cidade de Maringá, com cuidadores familiares de crianças com cáncer, relata a importancia do fornecimento de informaçöes fidedignas e bem explicadas aos familiares, uma vez que, se bem orientada, a família exerce um papel fundamental no decorrer da doença desta criança18.
As estrategias de Enfrentamento
Lidar com uma enfermidade como o cáncer altera todo o arranjo familiar. Para os pais, a labuta diária de ver seu filho sendo submetido a procedimentos e tratamentos dolorosos gera um sentimento de desespero. Em busca de algo que possa curar a criança, o sentimento de impotencia é evidenciado através das falas.
"(...) minha vontadé era pegar ela no colo, botar ela na minha barriga como se fosse devolver pro meu útero, sei lá carregar ela, fazer alguma coisa, a vontade era de arrancar o câncer(...)"-DG02
O cuidador familiar é rodeado por grandes responsabilidades, as quais podem interferir diretamente no cuidado da criança doente. Muitas vezes, diante dessas atribuiçöes e de todo o sofrimento, a família opta por se apegar a alguma coisa como alternativa de enfrentar o dia a dia da doença19. Neste estudo, evidenciou-se um grande apego de cunho religioso:
"(...) a gente vai mais a busca de Deus..."- DG16 "(...) a igreja me ajudou bastante também de lá pra cá..."DG21
Estudo realizado no municipio de Barbalha-CE, com 70 cuidadores familiares de crianças portadoras de cáncer, corrobora com os achados encontrados na presente categoria, no tocante a busca pelo apego a religiăo como uma forma efetiva de enfrentamento20.
Também foi possível evidenciar principalmente nos homens o estímulo para dedicar-se ao trabalho, como forma de refugio e até mesmo devido aos gastos com todo o tratamento.
"(...) Olha, eu tentei mais trabalhar, porque precisa muito de gastar, agora no momento eu penso de cuidar mais dele, porque ele é o que tá mais debilitado..."DG9.
No tocante aos medos, a fala foi unánime:
"(...) meu maior medo éficar ali numa cama de hospital, sem ter o que fazer mais sabe..."DG14
(...) eu fico com medo dele nao recuperar e eu perder ele, né (choro)"DG18.
Para os pais, depois do diagnóstico e da convivencia com a doença, as perspectivas de vida mudam completamente. Năo só por ver as dificuldades do filho, mas por viver rodeado por várias crianças na mesma situaçâo e muitas vezes em estágio mais avançado da doença.
"(...) tudo mudou, a gente vem pra cá e ve muita coisa, né, ás vezes eu reclamava muito, hoje eu já nao reclamo muito nao..."DG11
A criança e seu familiar devem ser esclarecidos através de orientaçöes claras e acessíveis no tocante a patologia, ao tratamento e a seus efeitos colaterais, bem como sobre a posiçâo que ambos ocupam na sociedade. A equipe de saúde, que se mostra empática e solícita, é vista com outros olhos, podendo, assim, intervir positivamente na adaptaçâo familiar a doença15.
Quando indagados a respeito do contato com a equipe de saúde, em especial a Enfermagem, as falas foram permeadas por sentimento de gratidăo pelo profissionalismo, equidade e bom relacionamento entre o profissional e a família, o que foi comprovado pelos discursos:
"(...) ah tem sido muito bom sabe, os enfermeiros trata a gente muito bem, brinca com ele sabe, e isso tem ajudado bastante(...)"-DG17. "(...)nao tenho nada a reclamar graças a Deus acolheu a gente muito bem, nao tenho nada a falar de mal, sempre deu nos uma boa assistencia, só tenho que agradecer..."DG24
O cuidado prestado a esse tipo de paciente e, consequentemente à sua família, é uma das situações mais difíceis na prática de enfermagem, uma vez que a assistência prestada deve atender às necessidades físicas, emocionais e espirituais21.
É importante salientar que um vínculo efetivo entre a criança, a família e a equipe de saúde favorece o processo de entendimento sobre a gravidade da doença, as rotinas diárias de cuidados e principalmente, a adesao ao tratamento e a confiança entre o profissional e o cuidador14.
A representatividade da fala individual em relaçâo a um coletivo maior pode ter sido um fator de limitaçâo para compreensăo de outras realidades, contextos sociais e vivencias dos familiares de crianças com diagnóstico do cáncer infantojuvenil. Contudo, a quantidade de pesquisados foi considerada representativa, o que permite a abrangencia do estudo. Por fim, surge a necessidade do desenvolvimento de novas produçöes científicas que aprofundem e que agreguem novos conhecimentos ao profissional que lida com a criança e com o adolescente portador de cáncer infantojuvenil e seus familiares.
CONCLUSÖES
Diante das percepçöes e das experiencias vivenciadas pelo cuidador familiar sob a ótica da pesquisa qualitativa, percebe se que o diagnóstico de cáncer infantojuvenil tem impacto na dinámica familiar e manifesta-se como uma experiencia desesperadora e dolorosa em que a família busca alternativas de enfrentamento para adaptar-se a essa nova realidade. Frente a isso, o profissional de saúde atua como uma rede de apoio e de esclarecimento. Ademais, vale salientar que, quanto mais efetiva essa relaçâo, maiores beneficios ao paciente e a sua família.
Conflito de Interesses: Os autores declaram nao haver conflito de interesses.
Como citar este artigo: Paula DPS, Silva GRC, Andrade JMO, Paraiso ÁF. Cáncer infantojuvenil do ámbito familiar: percepçoes e experiencias frente ao diagnóstico. Rev Cuid. 2019; 10(1): e570. http://dx.doi.org/10.15649/cuidarte.v10i1.570
©2019 Universidad de Santander. Este es un artículo de acceso abierto, distribuido bajo los términos de la licencia Creative Commons Attribution (CC BY-NC 4.0), que permite el uso ilimitado, distribución y reproducción en cualquier medio, siempre que el autor original y la fuente sean debidamente citados.
Histórico
Recibido: 14 de junio de 2018
Aceptado: 28 de agosto de 2018
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© 2019. This work is published under https://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/ (the “License”). Notwithstanding the ProQuest Terms and Conditions, you may use this content in accordance with the terms of the License.
Abstract
Introduçao: O diagnóstico de cáncer infantojuvenil pode afetar o relacionamento e a dinámica familiar, além de desencadear sofrimentos e medos, causados pela apreensao de sua descoberta, tratamento e controle. Assim, este estudo objetiva compreender o enfrentamento das familias diante do diagnóstico de cáncer infantojuvenil. Materials e Métodos: Constituiu-se de estudo descritivo, transversal e de abordagem qualitativa, realizado no Centro de Alta Complexidade em Oncologia Irmā Malvina de Montes Claros-MG. Para a concepçâo da pesquisa, foi realizada uma entrevista semiestruturada a 27 cuidadores familiares de crianças e adolescentes portadores de cáncer, que atenderam aos critérios de inclusāo. Em seguida, os dados foram tabulados e analisados pela técnica análise de conteúdo. O estudo foi autorizado pelo Comite de Ética em Pesquisa sob o parecer 2.536.184/2018. Resultados: Após a análise dos dados, foi possível traçar um perfil socioeconómico do familiar e epidemiológico da criança doente. Quanto aos familiares, na maioria, eram de sexo feminino, com parentesco de 1° grau com a criança doente, e dedicavam seu tempo a atividades direcionadas ao cuidado com o filho. No tocante â epidemiologia dos casos, cerca de 55% representavam a Leucemia Linfoblástica Aguda. Discussao: Os resultados encontrados foram agrupados em tres categorias que abordam o impacto inicial do diagnóstico, o conhecimento como forma de alivio e as estratégias de enfrentamento. Conclusöes: Observou-se que o diagnóstico de cáncer infantojuvenil tem grande impacto na dinámica familiar e gera nessas familias sentimentos dolorosos e desesperadores que desencadeiam a busca por alternativas de enfrentamento para se adaptarem a essa nova realidade. Palavras chave: Neoplasias; Adaptaçâo Psicológica; Criança; Adolescente; Família.