Resumo: Este artigo tem por objetivo mostrar alguns aspectos que fazem parte da edição crítica bilíngue (latim-português) da obra "Peregrinação de Egéria". Selecionamos alguns capítulos do texto em latim e a sua tradução para o português, com o intuito de mostrar não só as características do próprio texto latino, mas também a tradução realizada, que procura ser a mais literal possível. Além disso, destacamos nos capítulos escolhidos os diferentes tipos de notas que fazem parte da nossa edição crítica, ou seja, notas de crítica textual e histórico-literárias, de acordo com a tradição da edótica. Nas notas de edição crítica, apresentamos, em particular, alguns problemas encontrados em relação à escritura beneventana. Por ^m, mostramos alguns itens lexicais que fazem parte do glossário, anexo ao texto.
Palavras-chave: Peregrinação de Egéria, Língua Latina, Edição Crítica.
Abstract: This article aims to show some aspects that are part of the (Latin-Portuguese) bilingual critical edition of "Pilgrimage of Egeria." Notably, we try to show the different types of notes that are part of our edition, i.e. notes of textual and historical-literary criticism, according to the tradition of ecdotics. In the critical edition notes, we present some problems related to beneventan script. Finally we show some lexical items that are part of the glossary, attached to the text.
Keywords: Critical Edition, Pilgrimage of Egeria, Latin Language.
1. Introdução
O presente artigo é parte integrante da primeira edição crítica brasileira2 - latim-português - da obra Peregrinação de Egéria, uma das mais antigas narrativas de viagem aos Lugares Santos da Palestina. Embora o texto tenha chegado até nós incompleto, pois faltam-lhe o começo, o ^m e duas folhas internas, podemos datá-lo com precisão. Segundo Pierre Maraval (2002, p. 28), a partir das pesquisas de Paul Devos, a peregrina chegou a Jerusalém para as festas de Páscoa de 381 e partiu no dia seguinte à Páscoa de 384, mais precisamente, no dia 25 de março. O elemento decisivo que permite essa datação é dado pelo encontro de Egéria com três bispos "confessores" (cap. 19, 1-5; 20, 2). Esse título é dado desde o ^nal do século IV àqueles que sofreram por sua fé e é aplicado na Peregrinatio a três bispos conhecidos, perseguidos pelo imperador Valente por sua ^delidade ao Concílio de Niceia: Eulógio de Edessa, Abraão de Batanis e Protógenes de Charra. Alguns outros dados do texto con^rmam essas datas e permitem precisá-las. Portanto, o texto que possuímos, endereçado de Constantinopla às suas correspondentes ocidentais (cf. 19,19; 20,13; 23,10 e 24,1), data da segunda metade de 384. O texto de Egéria, além de incompleto, como se disse, chegou até nós num único manuscrito, datado do séc. XI, preservado em Arezzo, mas originário de Monte Cassino. Na primeira parte, temos a narrativa do último ano da viagem, da visita ao Sinai, em dezembro de 383, à volta a Constantinopla, em junho de 384. Na segunda parte da obra, temos a descrição da liturgia de Jerusalém.
O texto não apresenta, igualmente, o nome da autora. Conhecemos o seu nome graças a uma carta do monge Valério, que viveu nas montanhas de Bierzo, na Galícia, no séc. VII. Esse monge, que possuía um exemplar mais completo do que o nosso, comentou a viagem realizada por uma dama no séc. IV através de uma carta, escrita provavelmente em 680, para os seus confrades de Bierzo. Os manuscritos da carta de Valério, em número de seis, apresentam as seguintes formas para o nome da autora: Egeria, Eiheria, Heieria, Echeria, Aetheria. Por muito tempo, foi aceito o nome Aetheria (Etéria) como sendo o da autora da obra, através da tradição do manuscrito de Carracedo. Depois surgiram peças de evidências independentes que reforçaram os argumentos a favor do nome Egéria. Uma delas é um catálogo do séc. XIII da biblioteca de Saint Martial em Limoges, na França, que apresenta como título de uma obra Itinerarium Egeriae. Devemos reconhecer também o nome Egeria no nome Ingerarium Geriae, presente num índice do mosteiro San Salvador de Celanova, datado por volta de 935. Em 1923, conforme nos relata o editor norte-americano da Peregrinatio, George E. Gingras, J. F. Mountford descobriu um glossário compilado por volta de 750, por Ansilebus, cujos principais manuscritos contêm uma entrada obviamente derivada do capítulo 15 da Peregrinatio. Nessa entrada, de acordo com os diferentes manuscritos, há um comentário marginal indicando a sua fonte, em que se apresentam três formas ligeiramente diferentes do nome da autora: Egerie, Egeria e Egene. Assim, Mountford concluiu que a possibilidade de o nome da autora ser Egeria é fortalecida por esse testemunho. Somam-se às evidências o fato de que Egéria é a forma mais frequente nos manuscritos de Valério.
Ainda persistem algumas dúvidas em relação ao local de origem da peregrina e à sua condição social, isto é, se a peregrina era uma freira ou uma dama da alta sociedade; no entanto, parece que há um consenso quanto ao seu nome e à datação de sua peregrinação. Seja como for, desde a sua descoberta pelo ^lólogo italiano Gamurrini, em 1884, no mosteiro de Monte Cassino, na Itália, a obra tem sido muito estudada, pois é uma das fontes para o entendimento das transformações do latim, que, lentamente, através de séculos, deram origem às línguas românicas. Além disso, por descrever com detalhes os lugares por onde Jesus Cristo passou, bem como as principais personagens e episódios do Antigo Testamento, e de documentar alguns ofícios religiosos realizados naquela época em Jerusalém, também é um documento histórico, religioso e litúrgico.
1.1 Edição crítica
O trabalho de reconstrução de um texto, total ou parcialmente, assim como a determinação e esclarecimento dos aspectos relevantes do mesmo, é a meta de uma edição crítica. Esta se estende da crítica textual, cujo objeto é o próprio texto, até as questões históricas e literárias. De acordo com Lachmann (1793-1851), a quem devemos a ciência da crítica textual, este método envolve os seguintes passos: recensio (recensão), collatio codicum (comparação dos códices), oriSginem detegere (estemática ou genealogia dos manuscritos) e emendatio (correção). Na crítica histórico-literária, ele reconhece os seguintes passos: autenticidade (autoria), datação, fontes, circunstâncias, sorte, unidade e integridade, linguagem do texto, avaliação crítica e exegese.
Tendo-se em mãos uma cópia do manuscrito, datado do século XI, e um total de doze importantes edições críticas europeias modernas, iniciamos a comparação dos diversos códices ou edições já existentes, ou seja, a collatio codicum. Esse trabalho de comparação das diversas edições críticas entre si e delas em relação ao manuscrito único tem por objetivo o estabelecimento ou ^xação de um texto latino próprio, fundamental para a edição crítica que está sendo proposta. A ^m de poder realizar a leitura direta do manuscrito, ademais, foi necessário fazer o estudo da escritura beneventana, o tipo de escrita medieval em que o manuscrito foi redigido. É importante ressaltar que a leitura cuidadosa do manuscrito possibilitou descobrir que, em relação a três palavras do manuscrito, todas as edições críticas analisadas transcreveram-nas erroneamente. As notas de edição crítica, na forma de notas de rodapé, abaixo do texto latino estabelecido, apontam as divergências encontradas entre as diversas edições críticas e o manuscrito. Além dessas notas de edição crítica, nosso trabalho é enriquecido por notas de caráter ^lológico, gramatical e linguístico, as quais pontuam determinados itens lexicais, mostrando a sua diferença em relação ao latim clássico e explicitando o que já se apresenta como germe formador das línguas românicas. Também consta da nossa edição crítica um glossário, constituído de palavras em que há uma especialização de sentido, originando assim um termo, e de certas palavras que necessitam de uma melhor contextualização histórica, ^losó^ca, religiosa, geográ^ca, entre outras. Tanto as notas histórico-literárias, apresentadas ao rodapé da tradução, como as palavras do glossário são parte da exegese do pormenor, a última etapa do trabalho ^lológico de uma edição crítica. Igualmente, como anexos, estão incluídas as obras que, na edótica, chamam-se de fontes de tradição indireta, as quais nos ajudam a suprir as lacunas que existem, levando-nos a uma melhor compreensão da Peregrinatio. São elas: De Locis Sanctis, de Pedro Diácono, bibliotecário do mosteiro de Monte Cassino no séc. XI, que utilizou a Peregrinatio como fonte para escrever a sua obra e a carta do monge Valério, do séc. VII. Finalmente, de modo inédito, faz parte dos anexos uma cópia do manuscrito, apócrifo e único, redigido na escritura beneventana.
Pretendemos, através da nossa contribuição com a realização de uma nova edição em língua portuguesa, dar um passo além das edições críticas existentes, sem, no entanto, estabelecer uma concorrência, uma vez que o nosso trabalho é diferente do que já existe, mesmo em edições críticas em línguas estrangeiras.
2. Notícia sobre a obra
A Peregrinação de Egéria divide-se em duas partes: a primeira, do capítulo 1 ao 23, é um diário de viagem aos lugares santos da História Sagrada. Na primeira parte são descritas quatro viagens de Egéria: 1) a peregrinação ao Sinai e o retorno a Jerusalém pela terra de Gessen (cap. 1 a 9). Como o texto se apresenta fragmentado, não sabemos de onde ela partiu, mas parece ter iniciado a viagem do Egito em direção ao Sinai (cf. cap. 9); 2) a peregrinação ao monte Nebo (cap. 10 ao 12), onde Egéria quer contemplar, tal como Moisés, o panorama da Terra Prometida; 3) a peregrinação à Idumeia, país de Jó (cap. 13 ao 15). Essa viagem permitiu aos peregrinos que visitassem os lugares onde se conservam lembranças de outras personagens bíblicas como Melquisedec, João Batista, Elias, Je^é, como atesta o culto que lhes ofereceram nesses lugares; 4) a peregrinação à Mesopotâmia e a volta à Constantinopla, passando por Tarso, Selêucia e Calcedônia (cap. 15 ao 23). Na segunda parte, dos capítulos 24 ao 49, é feita uma descrição da Liturgia de Jerusalém: do capítulo 24 ao 25, os ofícios feriais da semana e o ofício dominical; do cap. 25 ao 44, as festas litúrgicas, a Epifania (Natal), a apresentação de Jesus ao Templo, a Quaresma; a Semana Santa, a Vigília Pascal, a Semana da Páscoa, o Tempo Pascal (chamado Quinquagésimas), a Ascensão e o Pentecostes. Descreve, nos capítulos 45 a 48, os principais ritos da iniciação cristã, dando ênfase especial à catequese. A obra termina de modo incompleto, com a descrição da festa da consagração das igrejas, até a descrição do quarto dia de festa (cap. 48 e 49).
2.1. Alguns capítulos, com o texto latino e a sua tradução
Os capítulos foram escolhidos obedecendo aos seguintes critérios: em primeiro lugar, tivemos a intenção de mostrar o início tanto da primeira, quanto da segunda parte da obra. Em seguida, desejamos mostrar o capítulo em que se encontra uma das palavras transcritas erroneamente por todos os editores. Como prova da nossa leitura, mostramos o mesmo trecho no manuscrito. Dado que a leitura do manuscrito não é evidente a quem não conhece a escrita beneventana, procuramos explicitá-la quando da análise das palavras em questão. Por último, alguns capítulos foram selecionados em função dos vários tipos de notas que apresentam, incluindo algumas palavras que fazem parte do glossário.
Em primeiro lugar, são apresentados os parágrafos da obra em latim e sua tradução para o português. Destacamos em negrito algumas palavras que apresentam notas de edição crítica, as quais não só exibimos, mas também as explicamos. Em itálico, por sua vez, aparecem certas palavras que apresentam notas de caráter linguístico e ^lológico. Por último, apresentamos alguns exemplos de palavras, marcadas com um asterisco, que fazem parte do glossário. No livro a ser publicado, as notas de edição crítica vêm ao rodapé do texto latino, ao passo que as notas linguístico-^lológicas apresentam-se ao rodapé do texto em português.
2.1.1 Notas de edição crítica
As palavras indicadas abaixo aparecem em negrito nos capítulos acima. Quando, porém, as mesmas aparecem no texto em negrito e itálico é porque a elas estão associadas notas de edição crítica e notas histórico-literárias. Em contiguidade às palavras, em itálico, são informados os autores das edições críticas consultadas (muitos nomes estão abreviados). Isto signi^ca que os seguidores de uma determinada interpretação aparecem logo após a indicação da mesma. Esta maneira de organização do aparato crítico não é uma invenção nossa, mas sim, uma tradição à qual se prendem todos os editores. Desse modo, por A se designa o manuscrito único (Aretinus 405), Gam1 é a primeira edição de Gamurrini, de 1887, Gam2 é a segunda edição de Gamurrini, de 1888, e assim por diante, conforme pode ser visto na bibliogra^a indicada.
Capítulo 1, parágrafo 1:
sex A se Gam2 edd.
infinitam ingens planissima A Gam in^nitam, ingens, planissima FrW Prinz Arce Mar Nat Jan MaN in^nitam ingens, planissima Her in^nitam ingens, planissimam Geyer Petré
qui A MaN quo Gam edd.
Capítulo 5, parágrafo 8:
quecumque A edd. quaecumque Gam2 Geyer Petré
sanctis A edd. sancti Devos Jan
retinere A edd. retineri Geyer Her Petré
sanctus A sanctos Gam edd. sancti Devos Jan
Capítulo 13, parágrafo 2:
praestare A Gam2 Geyer Her Petré Prinz MaN prestare Gam1 FrW Arce Mar
Jan Nat
au*****sitidi A
amenam A edd. amoenam Geyer Petré
multe A edd. multae Gam2 Geyer Petré
Capítulo 17, parágrafo 1
aliquanto A edd. aliquando Jan
uenisse A edd. uenissem Gam Geyer Petré Arce
gratiam A gratia Gam edd.
ut et A edd. et Gam etiam et Geyer Petré
quoque epistolam A MaN quaeque epistola Gam2 Geyer Petré que epistola
Her FrW Nat Arce Jan que epistolam Prinz Mar
Capítulo 24, parágrafo 1:
parthene A edd. parthenae Gam Geyer Petré Arce
praeter A Geyer Her Petré Prinz praeterea Gam2 preter FrW Arce Mar Nat
Jan MaN
luce A edd. lucem Gam Geyer Petré
Como um exemplo da leitura que se deve fazer das notas de edição crítica, tomemos a palavra sex, presente no capítulo 1, parágrafo 1. Nesta nota, lê-se "sex A se Gam2 edd.". Sex indica o que se lê no manuscrito (A, de Codex Aretinus 405); se indica a interpretação feita por Gamurrini (1888), abreviada como Gam2, a qual foi seguida por todos os outros editores (edd.).
Outro exemplo de nota de edição crítica encontra-se em 5, 8, na palavra sanctus. Esta é uma das três notas de edição crítica que não fazem parte de nenhuma das edições críticas analisadas, como dissemos anteriormente. Presumimos que isto aconteceu porque o manuscrito original não tenha sido consultado pela maioria dos editores-^lólogos. Na verdade, a maioria dos editores segue uma das seguintes edições-críticas: ou a de Gamurrini (1887,1888), ou a de Geyer (1898), ou a de Prinz (1960), e nenhum desses três editores transcreveu corretamente essas três palavras. A palavra em questão - sanctus (5, 8) - está escrita na forma abreviada, conforme pode ser visto abaixo:
Esse modo de abreviar, que apresenta um traço horizontal em cima de uma letra, indica que algumas letras da palavra foram suprimidas. Porém, aquilo que foi suprimido varia de vocábulo para vocábulo, sendo necessário, portanto, conhecer-se previamente a palavra, para poder interpretá-la. Tal interpretação é perfeitamente possível, uma vez que as letras inicial e ^nal da palavra estão escritas; além disso, as abreviaturas ocorrem em palavras repetidamente utilizadas ao longo do texto, tais como se pode ler em 19, 6: Tunc ait mihi sanctus episcopus. Nesse trecho, mihi, sanctus e episcopus encontram-se abreviados, como se vê no manuscrito:
Sanctus está abreviado da mesma maneira que se encontra em 5, 8. Aproveitamos este mesmo trecho para fazer uma observação a respeito da abreviatura de mihi:
Essa é a forma consagrada na escrita beneventana para representar o mihi do latim clássico. No entanto, porque na Peregrinatio encontramos paralelamente a forma michi, por extenso (16 vezes, contra 11 ocorrências de mihi abreviado), podemos conjecturar que a maneira abreviada represente, na verdade, michi; de fato, não encontramos nenhuma ocorrência de mihi por extenso. Todavia, essa interpretação não é de todo segura, pois o copista poderia conhecer a abreviatura como sendo a do mihi clássico e, ao mesmo tempo, fazer uso da forma vulgar michi. Sabemos que por volta do século XI já existiam as línguas românicas; porém, quem era letrado e sabia latim, certamente usava as duas variantes da língua, a popular e a clássica.
No que diz respeito às edições consultadas, para a passagem 19, 6 - Tunc ait mihi sanctus episcopus -, apresenta-se a seguinte nota de edição crítica: mihi A edd. michi Nat.
Ou seja, a maioria dos editores (edd.) interpreta que tal abreviatura representa o mihi clássico, com exceção de Natalucci, que acredita que a abreviatura representa michi.
No capítulo 20, parágrafo 10, ocorre a mesma frase Tunc ait mihi sanctus episcopus, para a qual há a seguinte nota de edição crítica: mihi A michi Gam edd.
A maior parte dos editores interpreta nesta passagem michi, seguindo a leitura feita primeiramente por Gamurrini. O fato é que a abreviatura é a mesma que a anterior, conforme se vê no trecho do manuscrito, onde sublinhamos a frase em questão:
Dentre todas as edições críticas consultadas, apenas Natalucci mantém uma mesma interpretação ao longo de toda obra. Para ela, todos os mihi que aparecem abreviados são michi, pois, como mencionamos anteriormente, michi é a única forma que aparece por extenso. Assim, a autora dessa edição crítica italiana entende que o copista, quando abreviava, referia-se a um michi. Pensamos que não é possível fazer uma a^rmação de tal natureza. Não se descarta a possibilidade de que o copista conhecesse a maneira consagrada, na escrita beneventana, para abreviar o mihi clássico. Porém, como havia uma variação de mihi a michi, em latim vulgar, talvez michi fosse a forma mais natural para ele na fala, que o levou a registrá-la por extenso. Assim, como acabamos de a^rmar, assumimos que a abreviatura mostrada acima é a transcrição clássica do dativo de ego (mihi) e mantemos essa coerência ao logo de toda obra, ao contrário da maioria dos editores, que a transcrevem ora como mihi ora como michi.
Outros exemplos de oscilação entre uma interpretação clássica de uma abreviatura e a interpretação vulgar da mesma abreviatura ocorrem nos seguintes pares de exemplos: praestare/prestare; multae/multe. Essas palavras podem ser vistas no capítulo 13, destacado mais acima, onde aparecem em negrito. Em seguida, mostramos as variações de interpretação dentre os diversos editores, as quais correspondem às notas de edição crítica. Novamente torna-se importante reproduzir o manuscrito do trecho correspondente:
Na segunda linha, temos a primeira palavra sublinhada - praestare - escrita com prae na forma abreviada:
Os diversos editores dividem-se entre a transcrição de Gam1 (1887), que interpreta prestare (Franceschini-Weber, Arce, Maraval, Janeras, Natalucci), e a transcrição de Gam2 (1888), praestare (Geyer, Heraeus, Petré, Prinz, Mariano). De fato, essa abreviatura é usada tanto para abreviar um prae quanto um pre, por isso a divergência entre os editores. No exemplo citado, não há mudança de signi^cado com a redução do ditongo prae a pre, fato atestado tanto no latim vulgar como nas línguas românicas. Porém, a forma verbal prendet euangelium (24, 10 toma o evangelho (sc.) o bispo) está escrita com o pre abreviado e, nesse caso, não pode haver duas interpretações, já que a forma praendet não existe.
Sublinhamos no manuscrito, igualmente, as seguintes palavras que possuem notas de edição crítica:
Iordanis fluminis: as "aspas" utilizadas pelo copista foram interpretadas, por alguns editores, como um sinal de inversão das duas palavras. Assim, alguns editores escrevem ^uminis iordanis, enquanto outros, como Geyer, Heraeus, Petré e Arce, optam pela não inversão.
Amenam: esta palavra foi escrita pelo copista com e, ou seja, com a redução do ditongo oe a uma simples vogal. Geyer e Petré corrigem-na para amoenam.
Multe: igualmente, esta palavra foi escrita sem o ditongo. Gamurrini (1888), Geyer e Petré corrigem-na para multae .
Finalmente, as palavras arabiae (6a linha), hiens (6a linha) e habundantem (7a linha) aparecem sublinhadas porque também apresentam particularidades na escrita. Arabiae mostra o ditongo ae escrito da forma abreviada, com um pequeno sinal embaixo do e, que é semelhante a uma vírgula. Essa abreviatura de ae nem sempre foi percebida pelo primeiro editor da Peregrinatio, Gamurrini. Muitas vezes a sua leitura equivocada persiste em todos os editores, porque evidentemente estes não se basearam no manuscrito para o estabelecimento do texto latino. Hiens e habundantem, por sua vez, são palavras sublinhadas para mostrar uma hipercorreção que ocorre com bastante frequência na Peregrinatio: o uso do h em palavras que não se escreviam com h no latim clássico, mostrando, assim, que o h não era mais aspirado nessa época.
2.1.2 Notas linguístico-filológicas
As notas linguístico-filológicas são destacadas nos excertos (capítulos 1, 1; 5, 8; 13, 2; 17, 1; 24, 1) em itálico.
Capítulo 1, parágrafo 1
Ingens: nesta frase, ingens refere-se ao vale, e isso ^ca claro pelo próprio testemunho da autora, em seguida, em 1, 2 per ualle illa, quam dixi ingens, e também em 2, 1 uallis autem ipsa ingens est ualde . De acordo com o latim clássico, ter-se-ia Montes aperiebant et faciebant uallem in^nitam, ingentem, planissimam et ualde pulchram. Geyer e Petré corrigem planissima para planissimam, mas não corrigem ingens para ingentem. Löfstedt (2007, p. 32-34), destaca que ingens pode estar sendo usado como advérbio, sendo tal uso atestado em Plauto, porém com outros adjetivos, insanum e bonam. Tendo em vista que os advérbios são formados frequentemente através dos adjetivos no caso ablativo (neutro), não é sem razão esta interpretação, mas ingens não está em ablativo, nem em nominativo neutro, como initio e initium, advérbios equivalentes em latim clássico. Mais adiante, in^nitum (16, 4) é usado como advérbio, e é a isso que se prende Löfstedt. Väänänen (1987, p. 93-94), por sua vez, diz que ingens é um adjetivo indeclinado.
Qui: o ablativo do pronome qui - quo - foi proposto por Gamurrini (a quem todos os outros editores seguiram) porque, evidentemente, esse é o caso do pronome relativo que faz sentido na frase e não o qui presente no manuscrito. Porém, na sintaxe clássica, a preposição in viria precedendo este quo - "no qual". Assim, mantenho o que se encontra no manuscrito, mas interpreto in quo.
Capítulo 13, parágrafo 2
Hiens: nem mesmo o verbo ire escapou de uma hipercorreção da autora, como se vê no particípio presente escrito com h. Duas linhas abaixo, tem-se habundantem, mais um exemplo, dentre tantos outros.
Optimae satis: o advérbio satis está modi^cando optimae, mostrando que optimus não é mais o superlativo de bonus.
Capítulo 24, parágrafo 1
Operatio: ofício, atividade litúrgica ou liturgia são as palavras empregadas para traduzir operatio, nas diversas edições críticas que apresentam tradução para uma língua moderna. Vale lembrar, no entanto, que "ofício" também é um termo usado para traduzir missa.
Dicuntur: dicere é um dos verbos mais empregados para a descrição da liturgia. Como observaram Löfstedt, Väänänen e Bastiaensen, esse verbo é empregado para qualquer enunciado oral e não está ligado unicamente à oração (oratio). Assim, cada declaração no domínio do culto pode ser expressa através de dicere: 24, 6 dicet episcopus stans benedictionem; 24, 4 dicuntur etiam psalmi; 24, 4 dicuntur ymni uel antiphonae; 25, 1: dicuntur predicationes; 25, 4 lectiones dicuntur. É impossível saber se, na Peregrinatio, dicere é usado na declamação dos textos, nos cantos ou em ambos. Löfstedt (2007, p. 326-330) fornece exemplos clássicos de Virgílio e Lucrécio, assim como de outros autores pós-clássicos, nos quais dicere é usado como canere e loqui. Na nossa tradução, dicere, dependendo do complemento a que se associa, pode signi^car cantar, entoar, recitar, dizer.
2.1.3 Glossário
As palavras que seguem abaixo são marcadas com um asterisco nos capítulos selecionados. Como nos referimos na introdução, são constituintes do glossário itens lexicais que merecem uma explicação mais detalhada, para um melhor entendimento do contexto histórico, geográ^co, religioso, entre outros aspectos envolvidos no texto da Peregrinatio.
Martyrium (do grego μαρτ?ριον): túmulo de um mártir ou santuário dedicado a um mártir. Esta palavra é mais comumente empregada no Oriente; no Ocidente, emprega-se memoria, conforme testemunho da própria Egéria no capítulo 1, 1.
Edessa: foi a capital cultural do Oriente Médio, do século IV ao ^m do século VIII, sendo o idioma siríaco a língua empregada para formar o grande corpus de literatura siríaca. A cidade foi um importante polo de comunicação e disseminação cultural entre os árabes e, em menor escala, os persas, além de centro irradiador da cultura e do cristianismo ortodoxo oriental, que se espalhou por toda a Ásia, chegando até Malabar e a China oriental.
Abgar (Aggarus): o rei Abgar V (4 a.C. - 50 d.C.) de Edessa (atual Urfa, na Turquia) é personagem de uma lenda que o retrata como autor de uma carta endereçada a Cristo, à qual Cristo teria respondido também por escrito. A fonte primeira dessa lenda é Eusébio de Cesareia (ca. 265 - 339), que a^rma ter lido as cartas originais de Abgar a Cristo e de Cristo a Abgar, nos arquivos públicos de Edessa, e tê-las traduzido do siríaco para o grego. Segundo ele, o rei Abgar escreveu a Cristo pedindo ajuda para se curar de uma doença, pois tinha ouvido falar de Sua reputação de realizar curas milagrosas com palavras e toques, curando leprosos, exorcizando demônios e levantando mortos. A carta, segundo Eusébio, pedia proteção contra os judeus e outros inimigos. Em sua resposta, Cristo teria abençoado Abgar e prometido enviar-lhe um de seus discípulos numa missão para curá-lo e proteger a cidade de Edessa contra os inimigos. Na lenda cristã, o enviado foi o apóstolo Tadeu, ou seja, São Judas. A carta de Cristo supostamente não só curou Abgar de uma doença grave, como também o ajudou a resistir à invasão persa, fatos que o levaram a se converter ao cristianismo. A tradução latina da História Eclesiástica de Eusébio por Tyrannius Ru^nus de Aquileia tornou essa história conhecida no Ocidente.
Anástase (Anastasis, do grego ?ν?στασιsfgr;): é a Igreja da Ressurreição ou do Santo Sepulcro, construída por Constantino, em 326, num lugar próximo à colina de Gólgota, onde Jesus foi cruci^cado e ao terceiro dia ressuscitou. Eusébio de Cesareia, em sua obra Vida de Constantino, disse que esse era um lugar de veneração dos cristãos. Segundo ele, Helena, mãe de Constantino, descobriu a verdadeira cruz nesse lugar. Constantino, por sua vez, mandou edi^car a igreja em memória de sua mãe. Nos dias de hoje, Santa Helena é a padroeira da Arqueologia.
Monazontes: do grego (μον?ξοντ[varepsilon]sfgr;), assim como parthene (παρθ?νοι) e monachus ( μοναχosfgr; ). Além desta ocorrência, em 24, 1, monazontes é empregado em 24, 12; 25, 2; 25, 6; 25, 7, referindo-se aos monges de Jerusalém. Em 25, 12, refere-se aos monges de Belém e, em 49, 1, aos monges da Mesopotâmia, Síria, Egito e Tebaida. Conforme Bastiaensen (1962, p. 20), não se vê diferença entre monazontes e monachi, embora aquele se empregue apenas na segunda parte da obra. Segundo ele, as duas palavras se empregam não só para designar aqueles que vivem na solidão, mas também aqueles que abraçaram uma vida em comum. Há uma diferença, entretanto, entre monazontes, que pode se referir aos dois sexos, e parthene, que se emprega somente ao sexo feminino.
3 Considerações ^nais
Esperamos ter alcançado o objetivo a que nos propusemos: apresentar alguns capítulos do texto latino da obra Peregrinatio, sua tradução justalinear, bem como as notas relacionadas a eles. No que diz respeito às notas de crítica textual, desejamos ter conseguido mostrar as di^culdades da escritura beneventana e as diferenças no estabelecimento do texto latino entre os editores. Esperamos, igualmente, ter oferecido uma ideia geral sobre as notas de crítica histórico-literárias, as quais versam sobre as particularidades linguísticas, ^lológicas e gramaticais da variedade de língua latina em que foi escrita a obra. Por último, através do glossário, imaginamos ter sido possível apontar, ainda que de modo rápido, a quantidade de aspectos culturais que estão envolvidos nessa obra.
Temos consciência de que o texto de Egéria tem sido estudado há mais de um século, através de muitos pontos de vista, dos quais os mais importantes são o religioso, o histórico, o ^lológico e o linguístico. A breve exposição de nosso trabalho diz pouco sobre uma obra tão rica em tantas perspectivas, e que pode ser considerada como um verdadeiro mundo a ser estudado. Por isso, justamente, acreditamos que essa obra continua aberta a novas descobertas. Cremos, com a nossa edição crítica e a sua divulgação através deste artigo, poder contribuir para o estímulo dos estudos clássicos e ^lológicos, hoje em dia tão pobres e carentes do reconhecimento que merecem.
2 Agradeço à Capes pela bolsa de pós-doutoramento concedida (no 1250-10-8) para a realização de uma parte desta edição crítica, na Universidade de Paris IV - Sorbonne (2010-2011).
BIBLIOGRAFIA
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Recebido em : 10/12/2013. Aceito em : 21/03/2014.
Maria Cristina da Silva Martins1
1 Professora do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
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Copyright Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Letras Jan-Jun 2014
Abstract
This article aims to show some aspects that are part of the (Latin-Portuguese) bilingual critical edition of "Pilgrimage of Egeria." Notably, we try to show the different types of notes that are part of our edition, i.e. notes of textual and historical-literary criticism, according to the tradition of ecdotics. In the critical edition notes, we present some problems related to beneventan script. Finally we show some lexical items that are part of the glossary, attached to the text.
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