Resumo: O estudo do latim está essencialmente voltado à aquisição de uma competência receptiva escrita. Por essa razão, o ensino dessa língua antiga deve ter como objetivo principal a formação de leitores. A eficaz compreensão de textos antigos depende de um processo de aprendizagem que passe por três níveis de competência: o nível linguístico, o nível textual e o nível intertextual. Como parte desse encaminhamento metodológico para o ensino de latim, que procura estreitar o distanciamento cultural existente entre o mundo antigo e o contemporâneo, evitando anacronismos na leitura e na interpretação de textos latinos, apresentam-se estratégias que permitem trabalhar com o estudo da gramática sem dissociá-la da leitura de textos autênticos.
Palavras-chave: Língua Latina, Ensino, Leitura, Cultura Clássica.
Abstract: The study of Latin is essentially focused on the receptive writing skills acquisition. For this reason, the teaching of this ancient language should have the readers' training as its main objective. The effective understanding of ancient texts depends on a learning process that is based on three competence levels: the language level, the textual level and the intertextual level. As part of this teaching methodology, which seeks to narrow the cultural gap between the ancient and the contemporary world, avoiding anachronistic interpretation of Latin texts, this paper presents strategies that allow students to learn grammar from authentic texts.
Keywords: Latin language, Education, Reading, Classical Culture.
"o latim é uma língua viva do passado"
e, portanto, só em relação a esse passado
cabem as providências que diferenciam
o seu ensino do de qualquer outra língua
estrangeira do presente.
Alceu Dias Lima, Uma estranha língua?, 1995
A fala legítima dos antigos romanos deixou de ser produzida há muitos séculos. Por essa razão, o estudo da língua latina está essencialmente voltado à recepção escrita, ou seja, deve objetivar a aquisição de uma competência que habilite à leitura de textos escritos por falantes naturais.
O motivo pelo qual, ainda hoje, se formam nos cursos de Letras do País especialistas em Língua e Literatura Latinas é a conservação e a transmissão da herança literária deixada pelos antigos romanos. Entende-se que o estudo do latim, nesse contexto, deve colocar o aprendiz em contato com os registros textuais, mais do que isso, porém, deve levá-lo a perceber a densidade humana nas manifestações dessa cultura antiga. Em razão disso, entende-se que o ensino desse idioma deve prever ainda a internalização dos conceitos necessários à refiexão sobre linguagem verbal tomada como objeto do saber humano, requisito de uma boa formação nessa área do conhecimento (LIMA, 1992, p. 11).
As discussões e propostas apresentadas ao longo deste artigo, as quais não se pretendem exaustivas, derivam de uma proposta mais ampla de renovação dos estudos latinos cujos fundamentos se encontram principalmente em Lima (1995) e Longo (2011).
Ensino de língua ou ensino de cultura clássica?
Quando se tem em vista o objetivo de ler textos clássicos no original, devem entrar em jogo, nas práticas de ensino-aprendizagem, conteúdos que vão além da mera descrição gramatical.
Não se pode, de fato, pensar no estudo de uma língua em separado da cultura que a justifica como natural. E isso vale para qualquer língua. Em se tratando de um idioma antigo como o latim, para entendê-lo como um idioma como qualquer outro - a despeito de não ser o de uso corrente de nenhum falante da atualidade - a necessidade de ancorar seu estudo no conhecimento da cultura à qual pertence mostra-se ainda mais evidente. Isso se deve ao fato de haver uma gigantesca ruptura espaciotemporal entre a vida contemporânea e uma manifestação legítima em língua latina.
Para que se possa compreender qualquer registro escrito pertencente à cultura romana, é preciso retomá-la e buscar compreendê-la tanto quanto possível. Caso contrário, a recepção de textos latinos correrá sempre o risco de ser fragmentária, anacrônica e eivada de interpretações equivocadas.
Quando se tem em vista o estudo de uma língua como o latim, da qual não há outra fonte senão a dos textos escritos, é preciso, antes de mais nada, atentar para o fato de que a falta do discurso oral implica a impossi- bilidade de se reconhecer, dentre os testemunhos da fala latina que restaram, o latim coloquial, aquele que o falante, qualquer que fosse seu nível de instrução, usava na conversação do dia-a-dia (LIMA, 2000, p. 33ss). À disposição do aprendizado dessa língua antiga, ao contrário do que ocorre com os idiomas modernos, não há muitas manifestações desprovidas dos artifícios estilísticos próprios dos textos literários. É essa circunstância que impõe um dos principais entraves ao ensino inicial do idioma.
Entretanto, é importante não deixar de considerar um fato, tanto mais irrefutável quanto fundado na premissa saussuriana de que a língua é uma forma, não uma substância (SAUSSURE, 2003, p. 141): a existência de escritores capazes de explorar os recursos expressivos da linguagem verbal em seu mais alto grau, tanto em Roma como em qualquer outro lugar, pressupõe a natural existência de cada uma das variantes linguísticas decorrentes da língua, sem as quais não haveria como estabelecer-se uma população heterogênea, com suas tradições, crenças, hábitos e costumes.
Latim, língua materna
Em seu livro intitulado Uma estranha língua? - questões de linguagem e de método , Lima (1995) estabelece os fundamentos de uma proposta de atualização dos estudos latinos à luz dos conceitos da moderna teoria da linguagem - da linguística saussuriana, e seu desenvolvimento por Hjelmslev, à Semiótica de Greimas.
Esse encaminhamento, que propõe uma abordagem renovada em relação às práticas tradicionais de ensino do latim, tem em vista não só colocar o especialista em contato direto, o mais cedo possível, com as realizações textuais autênticas desse idioma, mas também garantir uma compreensão sistêmica da língua dos antigos romanos.
Essa compreensão sistêmica do latim, proporcionada pela ciência da linguagem, tem um aspecto fundamental que vai além da questão necessária à apreensão de todo objeto do conhecimento. A compreensão da língua como um sistema, tal como ensinou Saussure (2003, p. 117ss.), implica a noção de coletividade. A coletividade é, pois, uma condição necessária para a existência de uma língua.
Se houve, como o dado histórico não permite negar, uma população heterogênea, com suas crenças, tradições, hábitos e costumes, habitando uma determinada região do mediterrâneo, é porque houve uma língua natural em torno da qual essa população pôde organizar-se para expressar e transmitir seus valores culturais.
Compreender o latim sistemicamente é, pois, entendê-lo como língua natural e, portanto, como língua materna. A ideia é, em si, bastante simples. Talvez até simples demais. O que pode parecer pouco condizente com algo relacionado ao latim.
As circunstâncias históricas em que se encontra esse idioma reduziram seu aprendizado a práticas pouco naturais limitadas aos domínios escolares. Essa secular dependência de uma tradição escolar contribuiu para que se criasse não a imagem de uma língua como qualquer outra, que se pudesse aprender desde a infância, através de conversações cotidianas, mas sim a imagem de um código de doutos.
Assim, parece mesmo difícil se convencer da simples ideia do latim como língua materna, quando o que resta à comprovação de sua existência são textos como os de Cícero, por exemplo. Mas é a compreensão sistêmica de uma língua que permite entender que o fato de haver escritores, capazes de explorar com tamanha propriedade os recursos expressivos da linguagem verbal, pressupõe a natural existência de cada uma das variantes linguísticas decorrentes desse sistema.
É essa a grande questão trazida pelas refiexões de Lima. O latim de Cícero, de César, de Ovídio, Horácio e Virgílio é o latim de todo o povo de fala latina, o latim materno dos romanos:
Quem, dentre nós, imagina uma criança, um camponês, uma mulher do povo de fala latina, exprimindo-se naquele latim ciceroniano das nossas aulas? O que é sensato pensar é que, se esse latim, o de César, de Cícero ou de Tito Lívio existe é porque existiram também variáveis populares que exprimissem sobretudo a presença de um povo - com todas as diferenças linguísticas de região, de classe social, de idade, e demais que se possam imaginar - constituindo a comunidade no seio da qual somente cada escritor pôde existir e se formar como falante de excepcional competência. Ou seríamos tão ingênuos a ponto de pensar que, em Roma, as pessoas comuns falavam como Cícero escrevia? Ou, ainda, que simplesmente se falasse como se escrevia? (LIMA e THAMOS, 2005, p. 126).
A condição de que desse latim só restaram, nos dias atuais, textos deixados por aquela pequena parcela da população que dominava a escrita não pode fazer pensar na possibilidade de existência de uma língua fora da coletividade. Pensar assim é separar o latim daquilo que é a razão da sua existência: a cultura romana.
O estudo do latim e a recepção escrita
Considerando a lição de Saussure (2003, p. 117ss.) segundo a qual uma língua, sendo um sistema de valores, só pode existir na coletividade, deve-se entender que o latim, como língua materna, perdeu sua unidade linguística no momento em que a civilização romana deixou de ter representantes com suas necessidades de comunicar e expressar seus valores, seus anseios, sua Cultura.
Dessa perspectiva, qualquer realização discursiva em língua latina que não seja a de um falante natural não será latim, uma vez que não se pode ter o domínio de uma língua natural, somente estando de posse do conhecimento das regras gramaticais fornecidas artificialmente por manuais escolares. Apenas os indivíduos contemporâneos àquela coletividade, e que por isso puderam compartilhar as mesmas experiências, eram dotados da capacidade ilimitada de criar e compreender enunciados.
Se "língua e sociedade não se concebem uma sem a outra" (BENVENISTE, 1975, p. 31), o fato de não haver mais falantes naturais de latim atualmente impõe, como único testemunho da fala viva desse povo, os registros escritos que chegaram até os dias atuais.
Mas a razão de não se poder mais falar o latim dos romanos não impede que se possa assimilar o sistema formal dessa língua. Se o uso é sempre a manifestação de um esquema (HJELMSLEV, 1991, p. 81ss), cada um dos textos legítimos do latim é um registro de escolhas particulares dentre as possibilidades daquele sistema linguístico. Daquela perspectiva que prevê que para a fala ser inteligível e produzir todos os seus efeitos é pressuposta a existência da língua (SAUSSURE, 2003, p. 27), todo e qualquer texto latino, desde que escrito por um falante natural, é uma prova material - única remanescente -, da existência dessa língua que foi, para aquele povo antigo, sua língua materna.
É por essas razões que o estudo do latim deve estar voltado essencialmente para a recepção escrita2. Mas afinal, o que é necessário para proporcionar a leitura efetiva de um texto antigo?
Sabe-se que, malgrado as dificuldades impostas pelas práticas tradicionais de ensino, que enfatizam a descrição da substância em detrimento daquilo que é sistêmico3, o intuito de proporcionar o contato com o texto original é alcançado pelos métodos tradicionais.
Mas o fato é que, ao tomar como base a análise da substância e não da forma, o ensino acaba por distorcer a imagem da língua latina, fazendo com que ela seja vista não como uma língua materna, que serviu à expressão e comunicação de uma cultura particular, e sim como um complexo conjunto de regras de um código de eruditos.
É nesse sentido que se propõe uma revisão das práticas tradicionais de ensino. Qual é o real proveito que pode ser tirado da leitura de um texto latino, mesmo que original, depois de se passar por todos os obstáculos impostos por um ensino feito nesses moldes tradicionais? A visão do latim como um código, a ser memorizado a todo custo, não pode levar senão à ideia de que a leitura de seus textos não passará de uma mera decodificação da palavra escrita. E essa prática deixa de ser entendida como a de aquisição de conhecimento, uma vez que
A memorização mecânica da descrição do objeto não se constitui em conhecimento do objeto. Por isso é que a leitura de um texto, tomado como pura descrição de um objeto e feita no sentido de memorizá-la, nem é real leitura nem dela, portanto, resulta o conhecimento do objeto de que o texto fala. (FREIRE, 1987, p. 18).
Assim, sem negar o papel cumprido pela tradição de ensino do latim, qual seja, o de propiciar o contato com o texto original, vale a ressalva de que para ler, de fato, um texto numa língua, qualquer língua, não basta conhecer as suas regras gramaticais, visto que a "compreensão crítica do ato de ler não se esgota na mera decodificação da escrita, mas se antecipa e se alonga na inteligência do mundo" (FREIRE, 1987, p. 11).
A compreensão do texto em uma dimensão mais aprofundada depende de outros fatores, que devem necessariamente fazer parte das preocupações do ensino, sobretudo o de uma língua antiga como o latim. Entende-se que
A leitura é um ato de linguagem, assim como a relação do homem com o mundo também o é. As relações humanas que se estabelecem no seio de uma sociedade são sempre regidas pelo mecanismo da produção dos sentidos e, por esse motivo, mediatizadas pela linguagem. (CORTINA, 2004, p. 153)
Nesse sentido, ler é um processo cognitivo. Quando se lê um texto, apreendem-se determinadas significações; por essa razão se diz que a leitura
é inicialmente - e essencialmente - uma semiose, uma atividade primordial cujo resultado é correlacionar um conteúdo a uma expressão dada e transformar uma cadeia de expressão em uma sintagmática de signos. (GREIMAS & COURTÉS, 2008, p. 281, s.v. Leitura).
Do ponto de vista linguístico, um texto é um ato de fala, uma manifestação da língua natural, uma escolha individual e atualizada do sistema e, portanto, dotada de uma materialidade positiva. Já do ponto de vista social e prático, um texto é um objeto de significação. É possível reconhecer nele significações que vão além daquelas que a análise linguística permite compreender (LONGO, 2011, p. 35ss), pois
Às coerções inscritas no texto, acrescentam-se as do meio sociocultural circundante: a competência textual do leitor encontra-se inscrita e condicionada pela episteme que recobre um estado sêmio-cultural dado. (GREIMAS & COURTÉS, 2008, p. 282, s.v. Leitura).
Assim, para que se possa proceder à leitura efetiva de textos latinos, será preciso tomá-los sob a perspectiva de que o latim foi uma língua materna e que, portanto, serviu de expressão para uma Cultura.
Níveis de abordagem do texto: balizas para o ensino
Em um artigo intitulado Letras Clássicas no 2° grau: competências textual e intertextual, Fiorin (1991) apresenta, a partir de uma discussão sobre a legitimidade dos estudos de latim e grego, uma proposta de abordagem dessas línguas antigas no ensino médio. Nessa proposta, que sugere sejam levados à sala de aula textos traduzidos de autores clássicos, o autor aponta, diante do fato de que o aprendizado de Letras Clássicas está voltado essencialmente à recepção de textos escritos, três competências necessárias para a compreensão eficaz desses registros textuais: a competência linguística, a competência textual e a competência intertextual (1991, p. 517).
Segundo o autor, a competência linguística está relacionada ao conhecimento da gramática da língua, necessário a um primeiro contato com o texto:
Não pode ler um texto no original quem desconhece os sons distintivos de uma língua, sua morfologia e a sintaxe do período. Além disso, é preciso que haja um conhecimento lexical mínimo, sem o que não se podem aprender os conteúdos veiculados pelo texto. Os conteúdos gramaticais, expressos pelas categorias gramaticais e pelas matrizes sintáticas, e os conteúdos lexicais devem ser do domínio do leitor para que ele possa fazer uma leitura de primeiro nível [...]. (1991, p. 517).
Entretanto, os conhecimentos dessa natureza não garantem propriamente uma leitura do texto, pois este não é simplesmente uma grande frase ou uma soma de frases. São necessários os conhecimentos que garantam uma competência textual, aquela que, segundo o autor, permite reconhecer os mecanismos que forjam o sentido do texto, como um todo estruturado.
Mas esses dados, por sua vez, também não são suficientes para garantir o entendimento do texto de forma integral. Falta ainda a competência intertextual, aquela que, a partir do "conhecimento dos dados históricos, dos sistemas filosóficos, da cosmovisão de um povo, da cultura" (FIORIN, 1991, p. 518), permite perceber o diálogo entre os textos:
Se é verdade que a linguagem não se reduz à ideologia (sistema de ideias e representações produzidas numa dada época por uma determinada formação social), porque ela tem um nível interno de estruturação, é também verdade que um texto assimila as angústias, os anseios, as expectativas, as ideias, a visão de mundo, enfim, a cultura de uma época. Um texto dialoga com outros, seja reproduzindo-os, seja polemizando com eles. Um texto é um lugar de contratos e confiitos. (FIORIN, 1991, p. 518).
Para que o aprendizado do latim cumpra com o seu fim e satisfaça todas as condições necessárias à realização da leitura de textos antigos, é preciso que o ensino siga um percurso que contemple os conhecimentos envolvidos nessas três competências, imprescindíveis à leitura de um texto.
Como "os conhecimentos que permitem a leitura de um texto latino fazem parte de uma competência anterior à da própria leitura" (PRADO, 1992, p. 34), entende-se que os conhecimentos da língua enquanto estrutura - o estudo das oposições básicas do sistema oracional latino - devam ser contemplados no trabalho com a competência linguística. Em Longo (2011), demonstra-se de forma sistematizada como o texto legítimo pode ser tomado como ponto de partida para a descrição desse sistema, já que não é possível ensinar latim em latim, isto é, não se podem reproduzir situações cotidianas ou expressar relatos de experiências em aulas de língua latina, a não ser anacronicamente.
Uma vez apreendidas as estruturas frasais e, com elas, as oposições básicas da língua latina, passa-se à abordagem do texto e, a partir dele, ao trabalho com aquelas três competências.
O trabalho com o texto: proposta de sistematização
Numa tentativa de encaminhar os principais fundamentos aqui expostos, e ao mesmo tempo de introduzir os dados de Cultura Clássica a partir de ocorrências originais de textos latinos, apresenta-se a seguir uma sugestão de material que poderia ser levado à sala de aula, com exercícios de compreensão da frase latina sem deslocá-la de seu contexto-ocorrência. O conteúdo proposto como material é apresentado em quadros (figuras 1 a 5) 4, acompanhados de descrições e comentários. Como se trata de um modelo, as propostas de exercícios servem apenas como exemplo e não se pretenderam exaustivas, o que para um encaminhamento prático pode e deve ser reconsiderado.
Para a apresentação dessa proposta foi escolhido o famoso excerto de Virgílio, conhecido como "Hino à Primavera", extraído do Livro II das Geórgicas (VIRGILE, 1966). Do ponto de vista metodológico, a escolha do texto pode recair sobre qualquer texto ou autor, sendo a autenticidade o único fator imprescindível, ou seja, que o texto tenha sido escrito por um falante legítimo de latim.
O modelo contém cinco partes: I) apresentação (fig. 1); II) contextualização (fig. 2); III) tradução (fig. 3); IV) gramatica e léxico (fig. 4); V) interpretação (fig. 5).
Apresentação
Um breve comentário introduz o material com o objetivo de fornecer algumas informações básicas sobre o excerto. O intuito não é outro senão estabelecer um ponto de partida para o trabalho.
Contextualização
Uma pesquisa bibliográfica sobre pontos considerados relevantes permite formar a consciência de que os dados extratextuais contribuem para a compreensão do texto. Nesta proposta, sugere-se uma rápida investigação sobre o autor, a obra e o tema central abordado no excerto. A depender de fatores como carga-horária e objetivos pretendidos, essas informações podem ser fornecidas pelo professor na forma de comentário, eliminando-se esta etapa.
Tradução
Dada a distância temporal e as diferenças culturais que medeiam a produção de um texto clássico e a atualidade, a proposta que aqui se faz é a de que o texto a ser trabalhado seja apresentado parcialmente traduzido. Essa tradução5, que pode ser realizada pelo professor, tem dupla finalidade: 1) fornecer, parcialmente, o contexto trabalhado, facilitando, entre outras coisas, o trabalho de seleção lexical dos trechos em latim, a ser realizado a partir da consulta ao dicionário; 2) selecionar as estruturas linguísticas do latim que serão trabalhadas. O excerto original aqui apresentado contém estruturas simples e complexas. Optou-se por deixar em latim apenas as simples, de modo que o material possa ser aplicado em um nível mais elementar de aprendizagem.
A apresentação de uma tradução parcial permite, portanto, controlar os tópicos gramaticais que serão trabalhados ao longo do curso. A escolha do excerto e dos trechos a serem traduzidos é determinada pelos objetivos pretendidos.
A principal vantagem deste método é a de permitir o trabalho com o texto em sua versão original, sem a necessidade de ferir a sua integridade filológica com aquelas "adaptações" e "facilitações" muito comuns nos manuais de língua latina.
Gramática e Léxico
Após o exercício de tradução, é importante que o aluno volte ao texto de modo a confirmar se as estruturas linguísticas foram efetivamente compreendidas. Perguntas que levem a pensar nas escolhas lexicais, por exemplo, permitem criar a consciência de que os correspondentes em português não podem ser aleatórios. Nessa etapa, podem ser trabalhadas as estruturas complexas (hipotaxe) e explorados os recursos responsáveis pela coesão textual, como a anáfora.
Interpretação
O exercício de transposição do latim ao português, que por falta de termo mais preciso está-se chamando tradução, tem como finalidade levar à compreensão do texto em um primeiro nível (FIORIN, 1991, p. 517). Essa transposição de conteúdos se faz antes com vistas à compreensão das estruturas linguísticas e textuais que ao estabelecimento de um equivalente em expressividade ao original latino.
Daí a importância de o método prever uma etapa de interpretação desses conteúdos. É interessante aqui privilegiar o enfoque do texto em latim que, nesse momento, já foi compreendido. Nesta etapa, buscam-se esclarecer também as referências culturais presentes no excerto.
Considerações finais
A visão aclarada pelos ensinamentos linguísticos permite reconhecer que muitos são os problemas impostos ao ensino do latim. Mas, em grande parte, essas dificuldades se devem não à natureza dessa língua antiga, e sim à maneira como ela foi tratada ao longo dos séculos pela escola. O ensino inicial feito em moldes linguísticos permite que se tenha a consciência de que latim é língua materna, embora não seja a de nenhum falante da atualidade.
Todo esforço em sistematizar um método que encaminhe essas questões se faz com o intuito de propiciar ao aluno o acesso a esses textos legítimos que compõem a literatura latina. Por tratar-se de trabalho desenvolvido nos quadros de uma formação em Letras, o enfoque à luz da teoria da linguagem é fundamental para que se forme nesse aluno a capacidade de refietir sobre a linguagem verbal, sua principal especialidade. E assim habilitá-lo à leitura efetiva desses textos antigos.
2 Diferentemente do estudo das línguas modernas em que se trabalham as duas modalidades, oral e escrita, em suas formas receptivas e produtivas; ou seja, aprende-se a falar, a ouvir, a ler e a escrever no idioma.
3 Levando, por exemplo, a pensar que as tais "declinações" e "conjugações" sejam próprias da natureza da língua (LIMA, 1995, p.67).
4 Os quadros apresentam partes de um material didático em elaboração. As fontes das ilustrações que compõem o projeto gráfico são indicadas nas referências bibliográficas do original.
5 O que se está chamando aqui de tradução é, mais precisamente, uma "tradução de referência", i.e., o resultado de uma prática metalinguística em que se busca transpor os componentes léxico e morfossintático do latim para o português a fim de ajudar o leitor a ter uma primeira compreensão do texto. Ela não é, portanto, um equivalente formal do texto poético, uma tradução propriamente dita. Para os propósitos deste método, quanto mais a tradução puder preservar do original, mais ela cumpre com as suas finalidades. A presente tradução é de responsabilidade da autora.
BIBLIOGRAFIA
BENVENISTE, Émile. Problemas de Linguística geral. Trad. Maria da Glória Novak e Luiza Neri. Bauru: EdUSP, 1976.
CORTINA, Arnaldo. Semiótica e leitura: os leitores de Harry Potter. In: Cortina, A. e Marchezan, R. C. (Org.) Razões e Sensibilidades: a Semiótica em foco. Araraquara: Laboratório Editorial / FCL/UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, 2004. p.153-189.
FIORIN, José Luiz. Letras Clássicas no 2° grau: competência textual e intertextual. In: Cardoso, Zélia de Almeida (Org.). Mito, religião e sociedade. Anais do II Congresso Nacional de Estudos Clássicos. Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos. São Paulo, 1991. p. 515-519.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 18a ed. São Paulo: Cortez, 1983.
GREIMAS, Algirdas Julien & Courtés, Joseph. Dicionário de semiótica. Trad. Alceu Dias Lima et al. São Paulo: Contexto, 2008.
HJELMSLEV, Louis. Ensaios linguísticos. Trad. Antônio de Pádua Danesi. São Paulo: Perspectiva, 1991. (Debates).
HJELMSLEV, Louis. Prolegômenos a uma teoria da linguagem. Trad. Teixeira Coelho Neto. São Paulo: Perspectiva, 1975. (Estudos).
LIMA, Alceu Dias. Ensino das Letras: (des)encontros do 3o. grau. In:_____ et al. Latim: da fala à língua. Araraquara: UNESP, 1992. p. 11-16.
LIMA, Alceu Dias. Uma estranha língua?: questões de linguagem e de método. São Paulo: UNESP, 1995.
LIMA, Alceu Dias. Memorial - Concurso para obtenção de cargo de Professor Titular. Departamento de Linguística, Faculdade de Ciências e Letras - UNESP, Araraquara, [2000].
LIMA, Alceu Dias e Thamos, Márcio. Verso é pra cantar: e agora Virgílio? Araraquara: Alfa, (49) 2, 2005, p. 125-132.
LONGO, Giovanna. Ensino de Latim: problemas linguísticos e uso de dicionário. Araraquara, 2006. 105f. Dissertação (Mestrado em Linguística e Língua Portuguesa). Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2006.
LONGO, Giovanna. Ensino de Latim: refiexão e método. Araraquara, 2011. 248f. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa). Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2011.
PRADO, João Batista Toledo. O texto documento. Sugestões de trabalho. In: Lima, Alceu Dias et al. Latim: da fala à língua. Araraquara: UNESP, 1992. p. 33-7.
SAUSSURE, Ferdinand. Curso de Linguística Geral. 25a ed. Trad. Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 2003.
VIRGILE. Géorgiques. Texte établi et traduit par E. de Saint-Denis. Paris: Les Belles Lettres, 1966.
Recebido em: 10/12/2013. Aceito em: 22/03/2014.
Giovanna Longo1
1 Professora do Departamento de Linguística da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP Araraquara.
You have requested "on-the-fly" machine translation of selected content from our databases. This functionality is provided solely for your convenience and is in no way intended to replace human translation. Show full disclaimer
Neither ProQuest nor its licensors make any representations or warranties with respect to the translations. The translations are automatically generated "AS IS" and "AS AVAILABLE" and are not retained in our systems. PROQUEST AND ITS LICENSORS SPECIFICALLY DISCLAIM ANY AND ALL EXPRESS OR IMPLIED WARRANTIES, INCLUDING WITHOUT LIMITATION, ANY WARRANTIES FOR AVAILABILITY, ACCURACY, TIMELINESS, COMPLETENESS, NON-INFRINGMENT, MERCHANTABILITY OR FITNESS FOR A PARTICULAR PURPOSE. Your use of the translations is subject to all use restrictions contained in your Electronic Products License Agreement and by using the translation functionality you agree to forgo any and all claims against ProQuest or its licensors for your use of the translation functionality and any output derived there from. Hide full disclaimer
Copyright Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Letras Jan-Jun 2014
Abstract
The study of Latin is essentially focused on the receptive writing skills acquisition. For this reason, the teaching of this ancient language should have the readers' training as its main objective. The effective understanding of ancient texts depends on a learning process that is based on three competence levels: the language level, the textual level and the intertextual level. As part of this teaching methodology, which seeks to narrow the cultural gap between the ancient and the contemporary world, avoiding anachronistic interpretation of Latin texts, this paper presents strategies that allow students to learn grammar from authentic texts.
You have requested "on-the-fly" machine translation of selected content from our databases. This functionality is provided solely for your convenience and is in no way intended to replace human translation. Show full disclaimer
Neither ProQuest nor its licensors make any representations or warranties with respect to the translations. The translations are automatically generated "AS IS" and "AS AVAILABLE" and are not retained in our systems. PROQUEST AND ITS LICENSORS SPECIFICALLY DISCLAIM ANY AND ALL EXPRESS OR IMPLIED WARRANTIES, INCLUDING WITHOUT LIMITATION, ANY WARRANTIES FOR AVAILABILITY, ACCURACY, TIMELINESS, COMPLETENESS, NON-INFRINGMENT, MERCHANTABILITY OR FITNESS FOR A PARTICULAR PURPOSE. Your use of the translations is subject to all use restrictions contained in your Electronic Products License Agreement and by using the translation functionality you agree to forgo any and all claims against ProQuest or its licensors for your use of the translation functionality and any output derived there from. Hide full disclaimer