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Resumo: As reflexoes sobre música popular com frequência enfatizam os casos de experiencia musical voluntários, motivados por adesoes identitárias, afetivas e simbólicas que os individuos e grupos sociais realizam com as músicas que gostam. Mas nem sempre é assim. Este texto tem como objetivo discutir as situaçoes nas quais a experiencia musical compulsória gera incómodo nos ouvintes, irritando e intimidando aqueles que nao compartilham do prazer de ouvir determinado repertório. O exemplo debatido aqui é o caso do funk, genero musical brasileiro com histórica vinculaçao com o contexto das periferias, morros e favelas e que volta a surgir como tema privilegiado na midia a partir de seu uso nos fenómenos dos rolezinhos, causando incómodo e rechaço. Pensar sobre o incómodo do popular-funkeiro-periférico significa reprocessar ideias sobre a desigualdade social, num contexto de grandes transformaçoes sociais, políticas e comportamentais no Brasil e no mundo.
A premissa de que determinadas pessoas compartilham ideias a partir de uma experiência musical comum tem sido tomada como ponto de partida para diversos estudos sobre música e sociedade. Seja sob o ponto de escuta de uma formaçâo subjetiva (DeNora 2004) ou da afirmaçâo de um caráter coletivo das práticas musicais (Wisnik 1999; Blacking 1995), a música costuma ser abordada como uma prática social à qual individuos e grupos voluntariamente aderem, gostam e utilizam, através de determinados repertorios (entre muitos outros, Sandroni 2001; Janotti 2004; Trotta 2011). Quase sempre, essa premissa estabelece que a construçâo de um gosto musical comum é o vetor através do qual os debates sobre sonoridades, moralidades, valores e condutas serâo processados em experiências musicais coletivas de vários tipos (Frith 1998). Ao lado dessa substantiva produçâo, e muitas vezes em diálogo com ela, alguns autores têm se debruçado sobre a experiência musical em contextos de violência, como o narcotráfico (Herlinghaus 2006; Garza e Fuchsel 2011), como arma empregada em guerras para neutralizar inimigos (Baker 2013) ou mesmo como instrumento auxiliar em sessoes de tortura em campos de concentraçâo e prisoes (Cusick 2006).
Seguindo essas pistas, e me esquivando de situaçoes limítrofes (como a guerra ou a tortura), gostaria de refletir sobre um tipo de relaçâo que estabelecemos cotidianamente com a música pautada pela sensaçâo subjetiva de incómodo. Escutar uma música que nâo gostamos é ato frequente e...