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I. Introdução1
Entre o final dos anos 1970 e início da década de 1980, sob o predomínio de uma abordagem marxista estruturalista2, que tendia a negligenciar a cultura (e, especialmente, os processos de construção e atribuição de sentido), o campo de estudos sobre movimentos sociais no Brasil se constituiu como uma área relevante para explicar a constituição e o desenvolvimento dos movimentos sociais. Caracterizada por um expressivo “deducionismo das condições objetivas” (Kowarick 2000, p.126), a maior parte da literatura do período tendia a abordar a dimensão cultural como sendo marcada por uma dupla negatividade, assim descrita por Dagnino:
“Em primeiro lugar, uma negatividade derivada do determinismo econômico, que retirou da cultura qualquer possibilidade de uma dinâmica própria, estabelecendo-a como uma esfera separada, uma mera expressão epifenomenal de uma ‘essência’ econômica. Em segundo lugar, a cultura foi aprisionada na negatividade no sentido de que as idéias, e a própria cultura, eram consideradas predominantemente como obstáculos à transformação social, que deveriam ser eliminados nas massas e substituídos pelo ‘conhecimento verdadeiro’, pela ‘consciência de classe’, por meio das ações iluminadas de seus verdadeiros portadores: os intelectuais, a vanguarda, o partido” (Dagnino 2000, p.64).
Ao longo dos anos 1980, no entanto, observa-se um crescente questionamento a esta perspectiva. No âmbito de um processo mais amplo de mudanças nas ciências sociais - o denominado cultural ou interpretative turn3, que colocou a cultura e os processos interpretação e atribuição de sentido no centro da análise dos fenômenos sociais - o campo de estudos de movimentos sociais no Brasil passou crescentemente a preocupar-se com a dimensão simbólico-cultural na análise da formação, atuação e impacto dos movimentos sociais.
Tal ressignificação da dimensão simbólico-cultural processou-se, centralmente, a partir de duas vertentes teóricas4. De um lado, no âmbito do marxismo, observa-se a incorporação das formulações gramscianas, com destaque para a ênfase colocada por este autor na luta pela hegemonia, entendida enquanto disputa pela direção moral e intelectual, como momento fundamental dos confrontos políticos nas sociedades “ocidentais”. Como salienta Dagnino (2000, p.67):
“[Com Gramsci] A revolução não é mais concebida como um ato insurrecional de tomada do poder do Estado, mas como um processo, no qual a reforma intelectual e moral é parte integral, em vez de, simplesmente, uma consequência possível. Na medida em que a...