Submetido 10/03/2017 - Aceito 31/08/2017
DOI: 10.15628/holos.2017.5760
RESUMO
Neste trabalho busco problematizar o papel do estágio curricular na formaçao docente, a partir da análise dos sentidos produzidos sobre esta atividade no curso de Pedagogia da Faculdade de Educaçao/UERN. Assim, interrogo: que sentidos sobre o estágio sao propostos no Projeto Pedagógico do Curso? Que traduçöes sao produzidas pelos que vivenciam esta atividade académica? Que sentidos sao provisoriamente estabilizados? Com efeito, apresento uma análise sobre formaçöes discursivas de professores e alunos do curso em foco, identificando os núcleos de sentido e recorréncia na significaçao que permitem compreender a estabilizaçao de sentidos sobre o estágio curricular supervisionado. Para tanto, tomo como material empírico o Projeto Pedagógico do Curso, visando a análise da concepçao e proposta de estágio e textos produzidos por alunos e professores do curso de Pedagogia por ocasiao do I Seminário de Avaliaçao da Formaçao do Pedagogo no Curso de Pedagogia da UERN - SEMApED. O trabalho se articula com a pesquisa que venho desenvolvendo no ámbito do curso de Doutorado em Educaçao na qual busco compreender no processo de produçao da política curricular a micropolítica institucional, as produçöes de sentidos e as traduçöes para as políticas de formaçao de professores. Apoiandome na compreensao do currículo como espaço fronteiriço de enunciaçao cultural (MACEDO, 2006; FRANGELLA, 2009) e como um discurso que constrói sentidos (LOPES e MACEDO, 2011), proponho pensar que o currículo constitui o conjunto de discursos que estabelece sentidos, sempre contingentes, num movimento contínuo de construçao/desconstruçao, nao havendo, portanto, a possibilidade de correspondéncia entre proposta e prática, tampouco de bloquear a significaçao.
PALAVRAS-CHAVE: Estágio Curricular. Formaçao de Professores. Traduçöes. Produçöes de Sentidos.
ABSTRACT
In this work I try to problematize the role of curricular internship in teacher's formation, from the analysis of the senses produced on this activity in the Pedagogy course of the School of Education / UERN. So, I question: what senses about the internship are proposed in the Pedagogical Project of the Course? What translations are produced by those who experience this academic activity? What meanings are provisionally stabilized? In effect, I present an analysis of discursive formations of teachers and students of the course in focus, identifying the nuclei of sense and recurrence in the meaning that allow to understand the stabilization of senses about the supervised curricular internship. Therefore, I take as empirical material the Pedagogical Project of the Course, aiming at the analysis of the conception and proposal of internship and texts produced by students and teachers of the course of Pedagogy on the occasion of the First Seminar of Evaluation of Pedagogue Formation in the Course of Pedagogy of UERN - SEMAPED. The work is articulated with the research that I have been developing in the ambit of the Doctoral Degree in Education, in which I try to understand in the process of production of the curricular policy the institutional micropolitics, the productions of senses and the translations for the policies of teachers' formation. Supporting me in understanding the curriculum as border space of cultural enunciation (MACEDO, 2006; Frangella, 2009) and as a discourse that builds senses (LOPES and MACEDO, 2011), I propose to think that the curriculum constitutes the set of discourses that establishes senses , always contingent, in a continuous movement of construction / deconstruction, so there is no possibility of matching proposal and practice, nor blocking the significance.
KEYWORDS: Curricular Internship. Teachers' Formation. Translations. Productions of Senses.
1INTRODUÇÂO
O presente trabalho aprofunda discussôes e estudos que tenho realizado nos últimos anos sobre o estágio curricular supervisionado, o que justifica a ideia implícita no texto de retorno ao debate. Tal intento se faz a partir do entrecruzamento das reflexóes advindas de experiencias vivenciadas no Fórum Integrado de Estágio e Licenciaturas (FIEL) com os resultados parciais de um estudo realizado no ámbito do projeto de doutoramento em Educaçao, que tem como foco um espaço-tempo específico de produçao curricular - a Faculdade de Educaçao da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (FE/UERN) - tomada como locus produtivo de micropolíticas. Um dos objetivos da pesquisa é focalizar os significantes que assumem maior importáncia na proposta curricular do curso, tendo em vista o exame das significaçöes que vao sendo estabilizadas. Vale ressaltar que na análise da constituiçao discursiva sobre a formaçao no curso de Pedagogia percebi que o significante estágio assumiu um papel privilegiado, tanto no processo de elaboraçao da proposta curricular, quanto na sua institucionalizaçao. Esse fato me levou a questionar: que significaçöes essa atividade vem assumindo na formaçao do Pedagogo da UERN? Que traduçöes sao produzidas pelos que vivenciam esta atividade académica? Que sentidos sao provisoriamente estabilizados?
Na perspectiva de responder as questöes a que me propus apoio-me na compreensao do curriculo como espaço fronteiriço de enunciaçao cultural (MACEDO, 2006; FRANGELLA, 2009) e como um discurso que constrói sentidos (LOPES e MACEDO, 2011). Ao conceber o curriculo como espaço enunciativo e, por conseguinte, como prática de significaçao, estou assumindo que este nao se esgota na formulaçao de um documento ou mesmo na prática docente. Nesses termos, o curriculo constitui o conjunto de discursos que estabelece sentidos, sempre contingentes, num movimento continuo de construçao/desconstruçao.
Em funçao das questöes norteadoras e do referencial que informa o presente estudo organizei o trabalho em duas partes. Na primeira apresento algumas reflexöes suscitadas nas discussöes e estudos promovidos pelo FIEL no tocante a articulaçao discursiva de uma concepçao de estágio com vistas a superaçao da dicotomia teoria e prática. Na segunda parte apresento de forma sintética a concepçao e proposta de estágio no curso de Pedagogia da UERN, bem como as traduçöes e produçöes de sentido presentes nos trabalhos analisados. Por último, a guisa de conclusao, interrogo o papel do estágio na formaçao dos professores, tomando como referencia os sentidos evidenciados nas produçöes analisadas.
2O ESTÁGIO EM DEBATE: PARA ALÉM DE UMA CONCEPÇÂO INSTRUMENTAL
No ámbito da UERN o Fórum Integrado de Estágio e Licenciaturas (FIEL) tem atuado em parceria com a Pró-Reitoria de Ensino de Graduaçao (PROEG), como espaço de reflexao e proposiçao de políticas que visam a melhoria do ensino de graduaçao. Criado em 2003, sua composiçao abrange professores dos diversos cursos de Licenciatura do campus central e dos campi avançados, além de representantes da PROEG, que tém assumido a coordenaçao dos trabalhos. As reuniôes, de caráter itinerante, tendo em vista que cada reuniao é sediada em uma das unidades académicas (campi avançados situados em outros municipios do estado), configuram-se como espaços de formaçao e autoformaçao, por propiciarem momentos ricos em diálogos que visibilizam a pluralidade, e ao mesmo tempo, a singularidade de cada curso, de cada prática, expressas nas falas dos professores representantes. Nesta polifonia evidenciam-se os confrontos e divergéncias de posicionamentos, os deslocamentos, as reconfiguraçöes, as tensóes entre interesses que, por sua vez, evocam concepçöes filosóficas, epistemológicas, políticas e pedagógicas constituindo-se, portanto, num espaço proficuo de discussóes sobre as políticas e práticas pedagógicas nos contextos macro e micro.
Dentre os temas de maior interesse no escopo das discussóes do FIEL figura o estágio curricular supervisionado, ficando sob a responsabilidade deste fórum a proposiçao de diretrizes norteadoras para o estágio. O processo de discussao, que se estendeu por um período de aproximadamente dois anos, culminou com a aprovaçao da Resoluçao n. 036/2010 que instituiu normas disciplinares para o estágio curricular supervisionado nos cursos de formaçao de professores da instituiçao.
Cumpre esclarecer que os cursos de licenciatura da Universidade vivenciaram um processo de reestruturaçao curricular, desencadeado a partir de 2002 com a publicaçao das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formaçao de Professores (DCN FP), por meio das Resoluç0es do Conselho Nacional de Educaçao CNE/CP n° 01 e 02/2002, mas que só veio a se intensificar a partir de 2005, em virtude do prazo estabelecido pelo Ministério da Educaçao (MEC), por meio da Resoluçao CNE/CP n° 02 de 27 de agosto de 2004, que adiava o prazo para adequaçao dos cursos de licenciatura as DCN.
Nessa perspectiva,
(OLIVEIRA e OLIVEIRA, 2013, p. 04) As DCN foram assumidas no discurso institucional, particularmente da PROEG, como um avanço, no sentido de que proporcionariam uma melhoria da qualidade dos cursos, a medida que instigavam a repensar e reconfigurar seus modelos formativos, de modo a se adequarem as demandas do contexto contemporáneo. Além disso, vislumbravam-se as referidas propostas como uma forma de superar parte dos problemas históricos enfrentados pelos cursos de formaçao de professores, entre os quais destacam-se o perfil bacharelesco e o distanciamento do objeto da formaçao. Assim, empreendeu-se um esforço, com o intuito de adequar as propostas pedagógicas dos cursos nao só as DCN, como também as necessidades específicas de cada curso.
Em decorréncia desse processo os cursos foram instados a repensar suas propostas formativas, as concepç0es pedagógicas que embasavam as estruturas curriculares e, consequentemente o perfil profissional desejado. Por conseguinte, os ingressantes nos cursos de formaçao de professores para o semestre 2006.1, na UERN, passaram a ter sua formaçao regulamentada pelas DCN FP.
Como resultado desse movimento Oliveira e Oliveira (2013) destacam algumas incorporaç0es das propostas das DCN nos Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPC), dentre os quais: ampliaçao da carga horaria total dos cursos, que passou a ser igual ou superior a 2800 horas; ampliaçao da formaçao pedagógica, muito embora nao se apresente uma definiçao concisa a esse respeito, tampouco se conseguiu chegar a um consenso sobre quais disciplinas constituem a base dessa formaçao; a inclusao da prática como componente curricular, que assumiu diferentes formatos nos diversos cursos, e a exigencia de um trabalho de conclusao de curso. A esse respeito, destacam "O Trabalho de Conclusao de Curso - TCC passou a ser requisito para a conclusao da maioria dos cursos, ancorada na ideia da formaçao do professor pesquisador, outra grande referencia que perpassou a reformulaçao curricular" (OLIVEIRA e OLIVEIRA, 2013, p.09).
No que concerne ao estágio observou-se uma ampliaçao da carga-horária dessa atividade, bem como sua diluiçao a partir da segunda metade do curso. A partir de uma análise comparativa das propostas de estágio dos cursos, as autoras, apontam a presença de propostas diferenciadas para a vivencia do estágio, tanto na distribuiçao da carga horária, quanto na proposiçao das etapas de seu desenvolvimento.
Com efeito, se pode inferir que os cursos haviam ampliado a carga horária do estágio, todavia, isso nao implicava necessariamente na ressignificaçao das práticas. Estava aberto entao, um campo de significaçao, no qual se poderia intervir com vistas a hegemonizaçao de determinados sentidos. Influenciados pela perspectiva de estágio defendida por Pimenta e Lima (2004), que definem o estágio como campo de produçao de conhecimento e eixo articulador da formaçao, as discussôes do fórum tinham como propósito estabilizar estes sentidos como norteadores das práticas de estágio na instituiçao. Tal intento se justifica primeiramente em funçao de que a resoluçao de estágio vigente datava de 1998, portanto, nao contemplava as mudanças preconizadas pelas DCN FP, e em segundo lugar, pode se destacar as questóes suscitadas pelos professores orientadores/supervisores e coordenadores as quais requeriam especial atençao e demandavam encaminhamentos urgentes, tais como: ausencia de procedimentos de "padronizaçao" entre os diversos cursos e campi; pouco conhecimento sobre o campo de estágio e suas reais possibilidades; distanciamento entre a Universidade e as escolas campo de estágio; incompatibilidade entre o calendário institucional e o das escolas de Educaçao Básica; ausencia de convenios entre as instituiç0es campo de estágio e a universidade, gerando certa instabilidade na relaçao e indefiniçao quanto ao local de realizaçao do estágio: sede ou fora de sede.
O desafio assumido pautou-se, entao, em pensar/propor uma concepçao de estágio que viesse a problematizar o caráter instrumental de que, muitas vezes se reveste tal atividade, para além de uma visao que o reduz a aplicaçao de teorias apreendidas ao longo do curso e ao desenvolvimento de habilidades instrumentais, consideradas, a priori, necessárias ao bom desempenho docente, ou seja, ao como fazer.
A partir desse entendimento, a concepçao de estágio articulada e construida nas discussóes do FIEL, aponta para o estágio como campo de conhecimento teórico-prático e interdisciplinar, para onde convergem diferentes tipos de conhecimentos científicos provenientes das distintas áreas de conhecimento e das experiencias vivenciadas no decurso da formaçao. Nessa direçao o estágio passa a ser compreendido como um eixo da formaçao, intrínsecamente relacionado as demais aç0es definidas na proposta pedagógica do curso, sendo concebida como atividade teórica de conhecimento, fundamentaçao, diálogo e intervençao na realidade, mas também como atividade instrumentalizadora da práxis docente.
Na resoluçao, também foram definidos os eixos metodológicos que deverao nortear o estágio: atuaçao interdisciplinar; articulaçao teoria-prática; investigaçâo/intervençao; resoluçao de situaçöes-problemas e reflexao sobre a atividade profissional (RESOLUÇÂO N. 36/2010). Além de apresentar concepçöes basilares para o desenvolvimento do estágio a resoluçao em apreço apontava algumas regulamentaçöes em relaçao aos procedimentos, modalidades, supervisao e avaliaçao, uma vez que se entendía que "o desenvolvimento do estágio precisa ser orientado por procedimentos definidos que visem ao melhor aproveitamento dos momentos destinados a disciplina" (KENSKI, 1991, p.39).
Considerando a produçao de documentos normativos como uma micropolítica institucional, fruto do entrelaçamento de diferentes contextos de produçao, nos quais sentidos por vezes distintos se hibridizam, na medida em que resultam de negociaçöes, de interesses e disputas que influenciam todo processo discursivo, proponho pensar a Resoluçao em apreço como um texto político. Nesse prisma, compreendo que:
(LOPES e MACEDO, 2011, p. 259) Como texto coletivo, o texto político é produto de acordos realizados em diferentes esferas, envolvendo, inclusive, a troca constante de sujeitos autores. Assim, abrem-se espaços de açao, na medida em que o lugar em que as políticas sao codificadas é também ele instável e ambíguo.
Tal entendimento deriva de uma concepçao de política como produçao cultural, construída mediante processos que envolvem negociaçöes, traduçöes e disputas de sentidos em diferentes contextos. Distanciando-me do entendimento de que as políticas sao um guia de orientaçao para a prática, assumo a compreensao dos contextos como arenas atravessadas por disputas e embates e o texto político como um discurso híbrido, permeado por ambiguidades que o constituem como discurso político, cujo fechamento da significaçao é sempre adiado.
3O ESTÁGIO CURRICULAR NO CURSO DE PEDAGOGIA: SENTIDOS EM DISPUTA
Tendo como objetivo analisar formaçöes discursivas de professores e alunos do curso de Pedagogia da Faculdade de Educaçao/UERN, identificando os núcleos de sentido e recorrencia na significaçao que permitem compreender a estabilizaçao de sentidos sobre o estágio curricular supervisionado, tomo como material empírico de análise, para este trabalho, o Projeto Pedagógico do curso de Pedagogia da Faculdade de Educaçao, campus Mossoró e textos produzidos por alunos e professores do referido curso por ocasiao do I Seminário de Avaliaçao da Formaçao do Pedagogo no Curso de Pedagogia da UERN - SEMAPED. Sem pretender abarcar todas as nuanças de um campo tao complexo, apresento de forma breve alguns aspectos que compöem a minha análise.
3.1 O estágio no Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia
Parto da compreensao do Projeto Pedagógico do Curso como tentativa de representaçao da política para a formaçao do pedagogo, na medida em que institui sentidos e projeta identidades. Com base na compreensao de que a produçao curricular no curso de Pedagogia ocorre por meio da traduçao das políticas de formaçao de professores, advogo que qualquer hegemonizaçao de sentidos é sempre parcial e provisória, pois na medida em que nao há possibilidade de acesso a um dado sentido original, o processo de significaçao nao cessa (LOPES et al, 2013).
Assumo o pressuposto de que os sentidos das práticas já existentes no curso foram incorporados a atual proposta curricular, hibridizando-se aos sentidos propostos pelas Diretrizes Curriculares e as orientaçöes institucionais.
Coadunando-se com os referencias que orientarăm as discussðes desenvolvidas no FIEL, o estágio é apresentado na proposta pedagógica do curso em apreço como atividade instrumentalizadora da práxis, nao se reduzindo, porém, a mera aplicaçao de técnicas e/ou conhecimentos. Nesses termos é concebida como uma atividade teórico-prática, desenvolvida em sintonía e interaçao com os demais componentes do curriculo.
Nessa perspectiva, o estágio nao pode ser compreendido sem que se estabeleça uma relaçao com a finalidade do curso e o perfil profissional que se pretende formar "reflexivo, pesquisador, comprometido com o pensar/agir diante das problemáticas educacionais evidenciadas nos espaços escolares e nao escolares lócus de açao profissional do futuro licenciado" (UERN, 2012, p. 54). De acordo com a Proposta Pedagógica do Curso a atividade de estágio estrutura-se em tres momentos:
O Estágio I, que deverá ser realizado em unidades de educaçao infantil compreendendo:
(FACULDADE DE EDUCAÇAO, 2012, p. 56) o estudo, a análise, a problematizaçao, a reflexao e a elaboraçao de proposiçao de soyðes as situaçðes de ensinar, aprender e elaborar, executar e avaliar projetos de ensino, nao apenas na sala de aula mais também na escola e na sua relaçao com a comunidade.
O Estágio II, voltado para os espaços escolares nos anos iniciais do ensino fundamental, "Consiste no desenvolvimento de práticas pedagógicas - execuçao de projetos - que propiciem situaçðes e experiencias práticas que aprimorem a formaçao e atuaçao profissional, preferencialmente vinculado a sala de aula" (FE, 2012, p. 57).
O Estágio III, possibilita ao aluno optar por ampliar uma das experiencias que vivenciou nos estágios anteriores ou vivenciar o campo de atuaçao do pedagogo nos espaços nao escolares. A proposta é possibilitar ao aluno oportunidades de:
(FACULDADE DE EDUCAÇAO, 2012, p. 58) vivenciar a construçao de uma visao mais ampla de atuaçao na escola, na organizaçao do ensino, na comunidade e na sociedade, tendo a flexibilidade de dar continuidade - aprofundando e ou ressignificando sua compreensao teórico-prática - no espaço escolar, ou conhecer/pesquisar outros espaços que demandem o trabalho pedagógico.
Observam-se na proposta alguns elementos que se articulam com as concepçðes que inspiraram a Resoluçao n.36/2010, dentre as quais: o estágio como campo de produçao de conhecimento e de articulaçao entre teoria e prática; a ideia do estágio como elemento que poderá viabilizar a tríade ensino, pesquisa e extensao; a noçao de que o estágio funciona como via de aproximaçao entre escola e universidade e como momento de aprimoramento das competencias e habilidade profissionais.
3.2 Produzindo sentidos sobre o estágio
Meu interesse aqui é focalizar as produçðes discursivas de professores e alunos do curso de Pedagogia visando a interpretar as leituras/sentidos para a formaçao do pedagogo, tomando como referencia o curriculo vigente e o significante estágio. Parto da análise dos textos produzidos por ocasiao do I SEMAPED, evento realizado em 2012, que tinha como objetivo discutir questðes sobre a pedagogia, a identidade e o espaço de atuaçao do pedagogo, contribuindo assim para a avaliaçao da implementaçao do Projeto Pedagógico do Curso, em vigor a partir de 2007. Participaram do seminário alunos, professores, gestores da educaçao básica e superior, dentre outros profissionais da educaçao e de instituyes que demandam o trabalho pedagógico, na perspectiva de suscitar o debate sobre os conceitos e principios que fundamentam as práticas formativas desenvolvidas no curso, bem como dialogar com esses profissionais que representam os campos de atuaçao do pedagogo. Com efeito, meu foco recaiu sobre os trabalhos apresentados no GT 02 - Estágio supervisionado no curso de pedagogia da UERN, composto por 21 textos, que englobam produçöes de alunos, de professores e produçöes conjuntas entre alunos e professores dos campi Mossoró, Assu, Pau dos Ferros e Patu, onde o curso é ofertado.
Os textos analisados sao tomados como discursos, compreendidos aqui enquanto produçöes de sentidos que criam um "ser" para o curriculo, na medida em que esses sentidos passam a ser partilhados e aceitos. Nesse entendimento o discurso nao se restringe a fala dos sujeitos, mas se constitui na elaboraçao de sentidos construidos nas interaçöes que se estabelecem entre as pessoas. Assumo também como premissa que esses sentidos sao produzidos de forma contingente e precária num fluxo continuo de negociaçao e que, portanto, estao sempre em disputa.
De modo geral, os textos, refletem sobre as atividades realizadas no decorrer do estágio e suas contribuiçöes para a formaçao docente, no ámbito dos espaços escolar e nao escolar, sendo possivel encontrar uma variedade considerável de abordagens, entre as quais: a descriçao de projetos de intervençao; a percepçao dos alunos estagiários sobre as contribuiçöes do estágio; propostas alternativas de desenvolvimento do estágio, bem como atividades de pesquisa desenvolvidas no campo de atuaçao. Ao escreverem textos sobre as experiencias vivenciadas no decorrer do estágio, professores e alunos (re)constroem sentidos sobre este significante, atribuindo-lhes significaçöes por vezes antagónicas.
Em uma análise inicial se verifica que os artigos apresentam diferentes concepçöes sobre o tema, mas nao se pode negar que há também muitos encontros nesses modos de conceber o estágio, percebendo-se inclusive uma hibridizaçao de sentidos, o que por sua vez, evidencia certa ambiguidade, igualmente presente nos discursos que circulam em diferentes contextos da produçao curricular.
Apresento a seguir alguns excertos que permitirao problematizar/interpretar os sentidos produzidos sobre o estágio no curso de Pedagogia. O recorte se deu na perspectiva de tentar compreender o papel do estágio, suas contribuiçöes para a formaçao de professores e os sentidos que foram/sao produzidos e estabilizados.
(T01) O estágio como uma atividade muito além do que só uma disciplina obrigatória pela qual devemos passar, mas como uma forma de colocarmos nossa fundamentaçao teórica em prática, além de ter ainda a possibilidade de fazermos o que tanto gostamos e pretendemos fazer diariamente num futuro muito próximo [...].
(T02) O estágio nao só pode como deve ser visto como um campo de conhecimentos que possibilita ao aluno encontrar-se na profissao, descobrir sua identidade pedagógica e realmente perceber se esta e a profissao que quer exercer no futuro.
(T04) Esta prática do Estágio Supervisionado III em um espaço nao escolar nos proporcionou saberes que vao além daqueles restritos a sala de aula, uma vez que o trabalho com pessoas com deficiencia nos fez valorizar cada vez a amplitude da profissao de pedagogo e, sobretudo o seu exercicio enquanto mediador de conhecimento.
(T06) O Estágio Supervisionado I contribui significativamente para a formaçao do pedagogo, uma vez que possibilita o contato com a realidade na qual irá se inserir. Oportunizando o desenvolvimento de suas habilidades pedagógicas, assim como a relaçao simultánea entre teoria e prática.
(T07) O estágio contribuiu bastante para uma descoberta e uma aplicaçao de sentidos ao que se estuda na universidade, se atribuir valores ao que os autores da área abordam em suas obras.
(T10) Ressaltamos a relevancia do Estagio Supervisionado II em nossa formaçao profissional e académica [...] Experiencia que proporcionou a junçao teoria e prática [...].
(T12) O estágio contribui para a busca dessa identificaçao com a docencia, é justamente no estágio que vocé vivencia na prática, e percebe o quanto toda teoria auxilia na busca da melhor estrategia para situaçoes complexas no cotidiano de uma sala de aula.
(T17) A finalidade do estágio é proporcionar ao estudante experiencia prática na sua formaçao, concedendo-lhe complementaçao do ensino aprendizagem seja ele de maneira formal ou nao formal. Através do estágio é possível também que o Pedagogo ressignifique seus saberes e produza novos conhecimentos.
(T19) A experiencia do estágio constituiu um momento de reflexäo e aprofundamento do conhecimento, uma vez que, fizemos a articulaçao entre teoria e prática, como também pudemos vivenciar de perto as características positivas e negativas do trabalho pedagógico.
A análise dos núcleos de sentido permite identificar as concepçöes de estágio presentes nos textos: o estágio como espaço de formaçao, de reflexao e de produçao de conhecimentos sobre a escola e sobre a profissao; o estágio como espaço de pesquisa e de produçao do conhecimento; o estágio enquanto articulaçao dos saberes teóricos com os práticos e o estágio como espaço de aplicaçao da teoria, isto é, o momento da prática.
No decorrer dos textos os autores vao explicitando o que consideram contribuiçöes dessa atividade para a formaçao, destacando entre elas: a construçao da identidade docente; o desenvolvimento de saberes, habilidades e competencias; o contato e diagnóstico da realidade; a proposiçao de alternativas inovadoras para as escolas. Todavia, prevalece uma ideia de estágio como espaço, momento ou possibilidade de articulaçao entre diversos pares binários que compóem a formaçao, a saber: teoria/prática; formaçao inicial/continuada; universidade/campo de estágio; ensino/pesquisa; disciplinas gerais/específicas.
Esse modo de conceber esta atividade implica alguns desdobramentos para a formaçao. O primeiro diz respeito a hipervalorizaçao do estágio - o estágio como o centro da formaçao. Isso remete a uma percepçao deste componente como a "tábua de salvaçao", remédio para todos os males, soluçao para as fragmentaçöes, lacunas e fragilidades que nao conseguiram ser superadas, ou pelo menos, enfrentadas no decorrer da formaçao. Com efeito, a experiencia do estágio deixa de ser percebida como uma entre tantas outras atividades académicas, que inegavelmente tem um papel relevante na formaçao, para ser assumida como o eixo em torno do qual devem orbitar todas as demais. Nao obstante, sob essa via é muito comum o estágio se tornar o inverso, ou seja, de remédio transmuta-se em veneno, na medida em que nao consegue atender ou cumprir todas as demandas estabelecidas a priori. O segundo desdobramento desse modo de conceber o estágio é a acentuaçao dos binarismos, que poderá vir a ocorrer em consequéncia de uma ideia de articulaçao como mera reuniao de elementos distintos. Neste caso, os pares binários continuam intactos, nao alteram suas propriedades, apenas se aproximam, mas as fronteiras permanecem incólumes, posicionadas hierarquicamente. Considero que essa ideia aditiva de articulaçao nao desestabiliza a polarizaçao, mas ao contrário a acomoda, quando propôe como alternativa a justaposiçao entre os polos.
Como desdobramento da ideia de articulaçao como junçao, chamo atençao para o destaque dado a articulaçao teoria-prática, que prevaleceu na grande maioria dos trabalhos. Quero ressaltar alguns aspectos em torno dessa ideia: o primeiro é em relaçao a noçao do que chamamos realidade. Em alguns dos trabalhos analisados predominava uma percepçao da realidade como algo estabelecido a priori, da qual os professores/pesquisadores/alunos se aproximam, descrevem, analisam e produzem conclusóes para supostamente melhorar a prática. A prática é pensada como central na formaçao de professores, mas ao mesmo tempo se reforça um sentido da prática como algo adicional, complementar da formaçao docente.
(ABREU; LOPES, 2009, p. 88) No relevo a prática na formaçao, a disciplina de Estágio Curricular ou Prática de Ensino passa a ser explorada em muitos dos textos, [...], como uma disciplina nevrálgica para a formaçao profissional. [...] sendo identificada como "a disciplina" que tem as condiçoes para realizar tal relaçao [teoria-prática], especialmente por ser nela que se apresenta a possibilidade de imersao no cotidiano da profissao docente.
Um segundo aspecto, diz respeito a tónica de prescritividade e de exemplaridade que aparece em alguns relatos de experiencias, que nao raro apresentam recomendaçöes de forte cunho prescritivo endereçadas as instituiçöes campo de estágio. Como se, somente a universidade fosse o lugar da inovaçao, terminando assim por desconsiderar as práticas cotidianas das escolas e consagrar estas como o lugar da reproduçao de saberes produzidos por especialistas.
Por fim, quero realçar certa tendencia a autonomizaçao da instancia da prática, por vezes reduzida ao que existe no cotidiano, fruto de uma visao que concebe a teoria como um guia para a açao e como um referencial supostamente neutro, nao contaminado pelas fragilidades da prática. É preciso considerar também, que apesar da aparencia uníssona sobre a prática como questao central da profissionalizaçao docente, os sentidos e as demandas que se apresentam sao distintos e por vezes, ambiguos.
4A GUISA DE CONCLUSÄO
Problematizar os sentidos produzidos sobre o estágio na formaçao de professores suscita repensar como se constituíram/constituem as formaçöes discursivas no curso de Pedagogia em estudo e que articulaçöes possibilitaram/possibilitam dadas estabilizaçöes. Ao pensar sobre o estágio nao o coloco num espaço central, privilegiado, nem tampouco, desconheço sua relevancia na formaçao. Nesses termos, vislumbro-o como um espaço-entre diferentes contextos e diferentes saberes; um espaço-tempo de composiçao e recomposiçao continua, de interseçao, de entrecruzamentos em que as fronteiras sao tenues. A fronteira aqui entendida nao como o que delimita, restringe e demarca os limites geográficos, mas como espaço em que sujeitos distintos interagem, tendo por referencia seus diferentes pertencimentos e essa interaçao é um processo cultural que ocorre num lugar-tempo, que pode ser a escola, a universidade, a comunidade.
REFERENCIAS
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BRASIL. Resoluçao CNE/CP n° 02 de 27 de agosto de 2004. Adia o prazo previsto no Art. 15 da Resoluçao 1/2002 que Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formaçao de Professores da Educaçao Básica, em nivel superior, curso de licenciatura, de graduaçao plena. Brasilia: DF.
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LOPES, Alice C. et al. (2013). Da recontextualizaçao a traduçao: investigando politicas de curriculo. Curriculo sem Fronteiras, v. 13, n. 3, p. 392-410, set./dez.
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. Resoluçao N° 36/2010 - CONSEPE, de 11 de agosto de 2010. Aprova o Regulamento do Estágio Curricular Supervisionado nos Cursos de Licenciatura da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e revoga a Resoluçao n° 4/98- CONSEPE. Mossoró: RN.
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Abstract
ABSTRACT In this work I try to problematize the role of curricular internship in teacher's formation, from the analysis of the senses produced on this activity in the Pedagogy course of the School of Education / UERN. In effect, I present an analysis of discursive formations of teachers and students of the course in focus, identifying the nuclei of sense and recurrence in the meaning that allow to understand the stabilization of senses about the supervised curricular internship. [...]I take as empirical material the Pedagogical Project of the Course, aiming at the analysis of the conception and proposal of internship and texts produced by students and teachers of the course of Pedagogy on the occasion of the First Seminar of Evaluation of Pedagogue Formation in the Course of Pedagogy of UERN - SEMAPED. The work is articulated with the research that I have been developing in the ambit of the Doctoral Degree in Education, in which I try to understand in the process of production of the curricular policy the institutional micropolitics, the productions of senses and the translations for the policies of teachers' formation. Supporting me in understanding the curriculum as border space of cultural enunciation (MACEDO, 2006; Frangella, 2009) and as a discourse that builds senses (LOPES and MACEDO, 2011), I propose to think that the curriculum constitutes the set of discourses that establishes senses , always contingent, in a continuous movement of construction / deconstruction, so there is no possibility of matching proposal and practice, nor blocking the significance.
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