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I. Introdução1
A partir dos anos 1990, ocorreu na literatura especializada em diversas áreas (relações internacionais, políticas públicas, política econômica) o que se convencionou chamar de “virada ideacional” (ideational turn) (Hay 1996; 2008; 2011; Goldstein 1988; Goldstein & Keohane 1993; Berman 1998; 2001; 2013; Blyth 1997; 2001; 2002; 2003; Béland 2005; 2009b; 2010; Béland & Hacker 2004; Schmidt & Radaelli 2004; Schmidt 2010; 2014; Schmidt & Thatcher 2013). Assumindo postura crítica diante dos limites explicativos dos diversos institucionalismos até então vigentes (escolha racional, histórico e sociológico), a “virada ideacional” defende que somente a inclusão das ideias dos atores políticos poderia explicar adequadamente os processos decisórios. Assim, em termos muito gerais, essa literatura defende que ideias importam.
Essa proposição, no entanto, não é nenhuma grande novidade. Os clássicos das ciências sociais são pródigos em defender tal premissa, com mais ou menos estofo empírico, em diversos trabalhos. Alexis de Tocqueville e Max Weber são, nesse quesito, dois exemplos incontornáveis. Max Weber é, aliás, o autor clássico mais citado pela literatura aqui revisada, em função da famosa passagem na qual o sociólogo alemão se refere às ideias como “manobreiros que determinam os trilhos pelos quais a ação é impulsionada pela dinâmica dos interesses” (Weber 1981, p.280). Não menos importante são as considerações de Tocqueville sobre os aspectos intelectuais da Revolução Francesa e o sentido quase religioso que a filosofia do século XVIII deu à Revolução ao pensar o homem abstrato e seus direitos universais (Tocqueville 2003). Mesmo no terreno menos fértil do marxismo clássico, não podemos esquecer as considerações de Engels, em carta a Bloch, sobre o papel desempenhado na história pela “tradição que perambula como um duende no cérebro dos homens” (Engels s.d., pp.284-285) ou as referências de Marx ao peso opressivo do passado sobre o cérebro dos vivos (Marx s.d., p.203).
A importância concedida às ideias pelos clássicos prosperou em trabalhos de autores contemporâneos e foi radicalizada, por exemplo, no pensamento de Talcott Parsons. Segundo J. Hall (1993), Parsons teria levado essa proposição às últimas consequências, a ponto de pensar a coesão social estritamente a partir de fatores normativos. O grande adversário de Parsons no Departamento de Sociologia de Harvard, Barrington Moore Junior, também colocou no centro de suas preocupações o papel das ideias em uma...