Resumo
A Segunda Conferencia Geral do Episcopado Latino-americano, realizada na cidade de Medellin (Colombia), entre os dias 24 de agosto e 06 de setembro de 1968, produziu um importante e significativo documento - As Conclusöes de Medellin - que registraram as posições da Igreja da América Latina, que assumiu uma posição libertadora frente a opressao no continente. O objetivo do Papa Paulo VI, como diz o próprio titulo da proposta da Conferencia, era ler a realidade latino-americana a luz do Concilio Vaticano II. Os bispos fizeram mais do que isso: leram o Concilio a luz da realidade latino-americana. Nesse contexto, o objetivo deste artigo, a partir de pesquisa bibliográfica, é apresentar alguns elementos da realidade politica e eclesial de Medellin e analisar dois aspectos do documento: a educação e a juventude. A década de 1960 e, particularmente, o ano de 1968, sao momentos históricos efervescentes, contexto da guerra-fria, impactando muitas mudanças. A Igreja assume de forma clara o trabalho de inserção nas comunidades pobres. A educação passa a ser pensada numa perspectiva libertadora e há a inserção dos religiosos nas comunidades de base. A juventude católica assume compromissos socais e politicos. Em Medellin, a Igreja latino-americana ganha identidade própria e surge uma forma original de fazer teologia, a teologia da libertação e sua opção pelos pobres. Também o exercicio da colegialidade dá passos importantes, inclusive na forma de elaboração desse documento. Portanto, celebrar 50 anos de Medellin deve levar o olhar critico para seus valores e limitações e recuperar seus avanços, contribuindo para o debate no campo das Ciencias da Religiao.
Palavras-chave: Conferencia de Medellin; Educação libertadora; Juventude católica; Politica; Teologia da Libertaçao.
Abstract
The Second General Conference of the Latin American Episcopate, held in Medellin, Colombia, between August 24 and September 6, 1968, produced an important and significant document - The Medellin Conclusions - which recorded the positions of the Church of Latin America, assuming a liberating position against oppression in the continent. The purpose of Pope Paul VI, as the title of the Conference proposal says, was to enable a reading of Latin American reality in the light of the Second Vatican Council. The bishops did more than that: they read the Council in the light of Latin American reality. Within this context, this article intends, from a bibliographical research, to present some elements of the political and ecclesial reality of Medellin and to analyze two aspects of the document: the education and youth. The 1960s and, particularly, the year 1968, are historic, effervescent moments in the context of the Cold War, thus impacting many changes. The Church clearly takes the work of insertion into poor communities. Education is considered in a liberating perspective, there is the insertion of religious in the base ecclesial communities. Catholic youth, on the other hand, assume social and political commitments. In Medellin the Latin American Church gains its own identity and an original way of doing theology, liberation theology and its option for the poor. The exercise of collegiality also takes important steps, including in the form of drafting the document. Therefore, the celebration of the 50 years of this document should have a focus on its values and limitations and recover its advances, thus contributing to the debate in the field of the Sciences of Religion.
Keywords: Medellin Conference; Liberating Education; Catholic Youth; Politics; Liberation Theology.
Introdução
O Documento final da Segunda Conferencia Geral do Episcopado Latinoamericano, realizada na cidade de Medellín (Colômbia), entre os dias 24 de agosto e 06 de setembro de 1968, conhecido como "Conclusðes de Medellín", foi importante e significativo texto que registrou as posições da Igreja da América Latina. Neste ano de 2018 comemora-se 50 anos dessa produção teológico-pastoral que representou grande mudança para o cristianismo, especialmente católico.
O objetivo do Papa Paulo VI ao convocar essa reuniao, como diz o próprio título da proposta da Conferencia - A Igreja na atual transformação da América Latina a luz do Concilio -, era ler a realidade latino-americana a luz do Concilio Vaticano II. Os bispos fizeram mais do que isso. Leram o Concilio a luz da realidade latino-americana.
A década de i960 e, particularmente o ano de 1968, sao momentos históricos efervescentes, contexto da guerra-fria, impactando muitas mudanças. Igreja assume de forma clara o trabalho de inserção nas comunidades pobres. A educação passa a ser pensada numa perspectiva libertadora. A juventude, engajada nos movimentos sociais e políticos, como a Ação Católica, enfrenta crises e a repressao, especialmente no Brasil, com o golpe civil-militar de 1964. E as Conclusðes de Medellín, diferente do Concilio Vaticano II, que nao se dedicou ao tema da Juventude, dedica um capítulo, logo em sua primeira parte, para tratar desse tema que é considerado "digno de máximo interesse e de grandissima atualidade" (Med, 5,1). 1
Com Medellín ganha identidade própria a Igreja latino-americana e surge uma forma original de fazer teologia, a teologia da libertação e sua opção pelos pobres. Também o exercício da colegialidade avança na prática de elaboração desse próprio documento da Conferencia. Enfim, Medellín representou, como diz importante bispo brasileiro, o Vaticano II da América Latina, momento de abertura e de engajamento na luta pela libertação e pela superação da opressao.2
O objetivo deste artigo, a partir de pesquisa bibliográfica, é apresentar alguns elementos da realidade política e eclesial de Medellín e analisar dois títulos (capítulos) do documento: Educação e Juventude. Começa mostrando esse rico e desafiante contexto para depois tratar da Educação no documento, identificada como "educação libertadora". Finalmente, aborda a questao da Juventude, parte do texto marcada por aspectos muito importantes, mas refém de uma visao ainda limitada. Mas apesar desses limites, Medellín ousa utilizar a metáfora da juventude como referencia a Igreja. Será que a instituição compreendeu a riqueza dessa metáfora em 50 anos de caminhada na América Latina?
1 O contexto político-eclesial da Conferencia de Medellín
A década de i960 é marcada pelo imperativo da mudança, seja pelo desenvolvimento ou pela revoluçao. Foi o tempo das místicas da juventude, como sinónimo de futuro, e da educação como modo da conscientizaçao. A Ação Católica, com suas diversas expressðes (JAC, JEC, JIC, JOC e JUC), mobilizava os jovens, tendo a Juventude Universitária Católica - JUC, no seu Congresso dos 10 anos (i960), conseguindo a participação de mais de 500 militantes jucitas. Muitos desses jovens atuavam no Movimento de Educação de Base - MEB, no processo de uma alfabetização inovadora e conscientizadora, na perspectiva do pedagogo Paulo Freire.3 As janelas abertas pelo Concílio Vaticano II (1962-1965) faziam entrar novos ares na Igreja, que arejavam o mundo todo com o seu espírito da transformaçao. Por outro lado, um lado sombrio atingia o Brasil, com o golpe civil- militar de 1964, que depois se espalharia por toda a América Latina, atingindo justamente essa juventude que lutava por uma sociedade mais justa.
A Conferencia de Medellín (1968) aconteceu na Colombia de Camilo Torres que, ao lado de Che Guevara, compôs o panteao dos heróis de um momento de inflexao na história do continente. Esses guerrilheiros sao símbolos maiores capazes de traduzir a mentalidade do momento, que aspirava e que combatía por rupturas. Sartre viu com espanto que em Cuba aconteceu a revolução dos jovens. Disse que seus filhos estavam no poder. Ministros de Estado e demais dirigentes tinham entre 27 e 33 anos, sobretudo.
O horizonte político e económico dessa década apresentava dois eixos básicos das duas potencias da guerra fria: EUA e URSS, capitalismo ou socialismo. O mundo nao era mais o mesmo sistema dos antigos impérios europeus. As duas guerras mundiais reorganizaram a dinámica planetária em novos modos de imperialismo. Emergem os norte-americanos, que buscavam expansao desde fins do século XIX, por um lado, e o bloco soviético, por outro. O continente latinoamericano se torna sujeito já maduro de sua emancipaçao. É ator que compreende que deve cumprir novo papel no teatro global, ao lado dos movimentos da descolonização afro-asiática.
A Conferencia de Medellín foi lugar de disputas internas entre distintas visðes dos lugares da Igreja Católica no mundo. Essas diferenças aconteceram entre modos e sentidos de encontrar e propor o lugar da fé no mundo em criseruptura. O documento final marca lugares específicos com eixos de análise e açao. Eles sao singulares tanto na história do catolicismo continental quanto no ambiente político do momento. O texto inicia-se com a asserçao: "A Igreja latinoamericana, reunida na Segunda Conferencia Geral de seu Episcopado, situou no centro de sua atenção o homem deste Continente que vive um momento decisivo de seu processo histórico" (Med, Introd., n.i).
A novidade do Concilio Vaticano II é claramente notada quando o documento final nao evoca a autoridade da hierarquia e coloca o ser humano e sua história no centro de suas preocupações. Essa opção situa o discurso do episcopado fora das forças impessoais em disputa no momento, tanto do capitalismo quanto do socialismo. Ele recupera o humano sufocado pelas análises por demais estruturais, por um lado, e, por outro, de uma dialética preguiçosa, que compreendia que o movimento da história estava pré-definido no sentido da revoluçao. Esperava-se corrigir os erros e idolatrias do mercado, do lucro, do Estado e do movimento impessoal da história.
Se, por um lado, o cristianismo nao se reduz a um ou outro momento especifico da história, por outro, ele é potencia capaz de iluminar e orientar os sentidos do humano no tempo, no sentido do momento escatológico. Ele nao se reduz a uma ideologia. É o lugar de sentido verdadeiro da plena afirmação da vida que principia da história, sem se esgotar nela. Ao afirmar a vida, o momento escatológico nao recusa a história, mas a potencializa no sentido de sua superação - superar nao é negar - no Reino de Deus.
A questao da pessoa humana era um tema do após-segunda guerra e contou com a forte contribuição de Emmanuel Mounier. No inicio da década de i960 encontramos o tema da necessidade de o cristao abraçar o drama do humano nas formulações de militantes da Ação Católica, conforme a posição de Hebert de Souza:
Há, no entanto, uma outra atitude fundamental de nossa geraçao: a adesao ao drama do homem, de todos os homens, a luta pela universalização concreta da Redenção colocada, nao no plano de uma visao dualista, mas de uma concepção do homem como um todo, indissociável, organicamente definido. Quebramos definitivamente a perspectiva aristocrática e classista da Salvação e nos voltamos a perspectiva universal do Cristianismo: todos os homens e o homem todo sao objetos do amor e da Salvaçao. O Cristianismo é incompativel com qualquer perspectiva que, de qualquer forma, faça um homem senhor e outro escravo, um sujeito universal de direitos, outro sujeito relativo a determinadas condiçoes restritivas. Nao descobrimos por nós mesmos esses valores. Somos o prolongamento de outras geraçoes, a partir da Geração inicial do Novo Testamento. O Novo Testamento nos dá conta de uma geração universal de um lado, o cristao portador de uma mensagem universal, concreta de Amor, e de uma geração particularista, separatista, discriminadora, do outro lado, o fariseu, o falso profeta, o individualista, o apegado aos seus bens, a sua Salvaçao. "Quem quiser salvar sua alma, perde-la-á". Estranho paradoxo (CARDONNEL; VAZ; SOUZA, 1962, p. 100).
O continente latino-americano, onde esse ser humano é situado, torna-se espaço autónomo da política. Ele nao se compreende como extensao do velho mundo, sob o jugo do qual nasceu, mantendo-o no sistema-mundo que lhe reserva o lugar das subalternidades económicas, políticas, culturais, epistemológicas e etc. É isso que expressam os movimentos revolucionarios animados pela impressionante mística da revolução cubana.
Tratar do humano situado em seu continente e em um momento histórico é outro dado relevante desse documento. A história é tratada fora da perspectiva da evasao. Ela é movimento no qual o cristao deve inserir-se com vistas a superação das condições injustas da existencia. Em se tratando de um catolicismo de raízes portuguesas e espanholas, a superação da histórica como lugar de degredo, tao cara ao medievalismo ibérico, é dado incontornável e marca novo registro dialogal da Igreja Católica com o ambiente político moderno, a partir da América Latina.
Também encontramos na esquerda católica brasileira, no início da década de i960, reflexóes sobre o tema da história e da consciencia histórica. Vale citar o pensamento do Dominicano Thomas Cardonnel segundo o qual "Jesus Cristo é a tradução histórica do fundamento ontológico do Universo" (CARDONNEL; VAZ; SOUZA, 1962. p. 29). Toda a história humana é envolvida pelo cristianismo que lhe confere sigificado salvífico. Desta forma, o evento Jesus Cristo nao é mero parenteses de bondade manifestado para o humano. O cristianismo nao é um conjunto de princípios ordenados, ele é a
emancipação a ser realizada. Ele é a história, o único fundamento de uma transformação radical da história, para que nao haja mais, como diz Sao Paulo, "nem judeu nem grego, nem escravo nem homem livre, mas que todos sejamos um em Cristo Jesus". (CARDONNEL em CARDONNEL; VAZ; SOUZA, 1962, p. 29).
Nesse mesmo ambiente e periodo de formulação sobre a história e o cristianismo, o jesuita Henrique Claudio de Lima Vaz assegura que a fé crista nao propðe um ideal histórico porque ela nao se degrada nunca em uma ideologia. Efetivamente, o cristianismo é a própria consciencia histórica cuja originalidade encontra-se no prodigioso dinamismo da história que sua aparição iniciou. Ele é matriz e força motriz da consciencia histórica que surgiu e se afirmou em sua condição de critica radical da cultura, ao tempo em que formula uma nova imagem do mundo. Em um fragmento que se associa ao documento de Medellin, Padre Vaz assegura que "A consciencia histórica é, entao, a consciencia de que a história se desenrola num tempo empírico cuja substancia é dada pela ação do homem como iniciativa histórica, que transforma o mundo" (CARDONNEL; VAZ; SOUZA, 1962, p. 72).
O documento de Medellin responde as criticas que diziam que a Igreja Católica estava se desviando do caminho que lhe cumpria percorrer. Assegura que ela estava voltando-se para o ser humano, segura de que "para conhecer Deus é necessário conhecer o homem" (PAULO VI, 1965a; Med, Introd., n.i). O mistério do humano é manifesto em Cristo que elabora o lugar da fé nos processos do mundo. A salvação nao acontece na fuga da história, espaço dos degredados, mas assumindo-a em seus processos.
Nos anos sessenta a palavra revolução possuia grande densidade de sentidos. Era mais que uma palavra: constituia-se numa ideia-força na consciencia. Na mentalidade romántica (LOWY; SAYRE, 1993) do momento, a ação era sentimento da mentalidade e produto da razao. O mundo parecia estar diluindo-se diante dos olhos. Efetivamente, um mundo inteiro havia desmoronado com a segunda guerra mundial. O sentimento de mudança na segunda década após a guerra nao era uma ilusao. O mundo já nao era o mesmo, restava, dramática e urgentemente, conduzi-lo para um novo modo de se organizar.
A mistica dos anos 60 e seu imperativo da mudança permeiam as conclusðes da Conferencia que afirma que se vivia naquele momento o "umbral [limiar] de uma nova época na história do nosso continente" (Med, Introd., n.4). Entende que o momento anunciava mudanças profundas e o continente conduziria seus próprios processos. Esse processo histórico, interpretado a luz da fé crista, convidava a compreensao de que Deus deseja salvar o homem todo, alma e corpo. O corpo também é preocupação de Deus que o ressuscitará. Deus está na história por meio de Jesus Cristo. Sua presença é ativa e antecipa o momento escatológico na impaciencia do homem em conseguir sua total redençao. Esse momento também é antecipado nas conquistas da humanidade, nas atividades realizadas no amor. A fé no Deus histórico faz interpretar a realização das justiças na história como sinais do momento escatológico (Med, Introd., n.5).
O documento usa a palavra "libertaçao" quando trata do tema da opressao e apresenta o tema do Éxodo, que veio a ser um elemento caro a futura Teologia da Libertaçao. Assegura que da mesma forma que o antigo povo de Israel "sentia a presença salvifica de Deus quando ele o libertava da opressao do Egito, quando o fazia atravessar o mar e o conduzia a conquista da terra prometida, assim também nós: o novo povo de Deus nao podemos deixar de sentir seu passo que salva" (Med, Introd., n.6).
Os bispos apresentaram os problemas do desenvolvimento da América Latina como desafios ao ser humano que é abraçado pela fé em Jesus Cristo, o Filho de Deus que também se fez homem. Desse modo, as Conclusðes tratam dos temas da económica, política, da violencia e etc, elevando-os a condição de problemas teológicos. Sao med^ðes da condição histórica do humano que implicam na história de sua salvaçao, na medida em que podem criar as cond^ðes que ele nomeia como mais humanas. O processo de desenvolvimento deveria conduzir as cond^ðes menos humanas para as mais humanas. O subdesenvolvimento latino-americano era - e continua sendo - situação de injustiça que promovia tensðes contra a paz. Elas eram causadas pelas formas de marginalização socioeconómica, política, racial, religiosa, e desigualdade excessiva entre as classes.
A América latina nao é compreendida como espaço onde deva ecoar as orientações do Velho Mundo. Ela é sujeito das transformações para a produção de condições plenamente humanas. Possuía a vocação original de produzir novas e geniais sínteses entre o antigo e o moderno (Med, Introd., n.7), nos diversos campos. O continente latino-americano se torna sujeito já maduro de sua emancipaçao. É ator que compreende que deve cumprir novo papel no teatro global, ao lado dos movimentos da descolonização afro-asiática.
A realidade existente no continente negava a paz segundo a tradição crista. Medellín cita a Gaudium et Spes (GS, n. 73) para afirmar que a paz é obra da justiça. A realidade justa permite que o ser humano se realize, tendo sua dignidade respeitada e suas aspirações legítimas satisfeitas. Os homens nao devem ser objetos, mas agentes da sua história e a paz nao é simples ausencia de violencias e de derramamentos de sangue.
O tema da verdadeira e falsa paz também era objeto da teologia latinoamericana antes da Conferencia de Medellín. O dominicano Carlos Josaphat publica em 1962 o livro Evangelho e revolugao social, onde aborda o tema. Segundo o frade, a paz nao é mero acordo entre as pessoas. Ela implica a unidade interior entre elas no convivio social. O universo é atravessado por um grande anseio de paz. Recorre a Santo Tomás de Aquino para quem a vida crista tende a paz perfeita no céu e procura, a partir da terra, promover a paz perfeita dentro das contingencias da história. Essa paz é preparada pela justiça. Toda a forma de injustiça impede a paz. Desse modo, combater a injustiça é o primeiro movimento de quem procura a paz e que tem no amor a força motriz da açao. É pecado grave romper com a concórdia, fruto da perfeita caridade. Por outro lado, o cristao deve romper com a concórdia fundada no silencio diante de situações de injustiça (JOSAPHAT, 1962. p. 67 e 68).
Dentre tantos outros aspectos importantes, essa era uma parte do contexto que produziu a Conferencia de Medellín. Destaca-se a seguir dois outros recortes deste artigo: como as Conclusðes de Medellín trataram da educação e da juventude. 2Educação e Libertação
No contexto político-eclesial de Medellin, o tema da Educação na América Latina, especialmente no Brasil, nao pode ser pensado sem a presença e a atuação fundamental de Paulo Freire. E como uma Educação pensada e praticada como ação de libertaçao. Freire, em 1959, fez um texto para o concurso de Filosofía da Educação da Universidade Federal de Pernambuco: "Educação e atualidade brasileira". Quatro anos depois (1963), ele fazia a experiencia de alfabetizar de 300 pessoas em Angicos (PE) em 40 horas, ("Alfabetização e conscientizaçao", 1963). E em 1967 e 1968, publicava e concluía dois livros revolucionarios: "Educação como prática da liberdade" (FREIRE, 1967) e "Pedagogia do Oprimido" (FREIRE, 1970).4 Esse era o ambiente de Medellín.
A temática "A Igreja na atual transformação da América Latina a luz do Concilio Vaticano II", da segunda Conferencia Geral do Episcopado LatinoAmericano em Medellin, enfatiza a dinámica da transformação do continente e, mais do que isso, ressalta as "respostas que a Igreja deve dar aos problemas que ela encontra pela sua presença no meio do mundo." (PADIN, 2010, p. 229).
O documento apresenta em sua estrutura tres divisðes, sendo a primeira parte da "promoção humana" e dos povos para os valores da justiça, da paz, da familia, da educação e da juventude. Na segunda, "a evangelização e crescimento na fé", versa sobre a pastoral, catequese e a liturgia. E, sequencialmente, na terceira, sobre problemas relativos aos membros da Igreja, "a Igreja visível e suas estruturas", considerando a necessidade de intensificar a unidade e ação pastoral sobre as estruturas.
A educaçao, discutida na primeira parte do documento, era sem dúvida um campo ávido de profundas transformações, sendo considerado "fator básico e decisivo no desenvolvimento do continente." (Med, 4,1). O documento nao se esquiva da responsabilidade de apresentar a realidade de "deficiencias e inadequagðes" (Med, 4,2), ressalta Dom Cándido, que na época era presidente do Departamento de Educação do CELAM:
Em primeiro lugar, a necessidade de multiplicar os investimentos para ampliar a rede escolar da educação básica. "[...] ainda grande número deles (crianças e jovens) permanece fora dos sistemas escolares", assinala a Conferencia no documento sobre educaçao. Em segundo lugar, continua o documento, "qualitativamente, e tendo em vista o futuro, (a educaçao) está longe de ser o que exige nosso desenvolvimento.". Sem falar nas grandes ponjðes da população de adultos e jovens analfabetos, particularmente no campo, formando os tristes bolsðes de marginalizados e excluidos da mínima participação nos beneficios da cultura do povo. (PADIN, 2010, p. 229s).
Diante da realidade apresentada, considera-se que "os bispos se sentiram obrigados a passar de uma educação como privilégio para alguns para a educação como direito de todos, na perspectiva crista." (ALTEMEYER JUNIOR, 2017, p. 83). A visao democrática é enaltecida e o papel da educação como humanização abre espaço para dialogar com "outros atores educativos, da sociedade civil e mesmo nos aparelhos de Estado.". (Ibid., p. 84).
No texto é possível perceber outros desafios concretos como: "respeito a cultura, proximidade com a realidade dos educandos, respeito ao pluralismo, democratização da educaçao, universidade e curriculos atentos aos problemas sociais, diálogo multidisciplinar." (ALTEMEYER JUNIOR, 2017, p. 91s). E a possibilidade de superação desses desafios é apresentada pela "educação libertadora" como transformação do "educando em sujeito do seu próprio desenvolvimento" (Med, 4,8), sendo vista como "meio-chave para libertar os povos de toda escravidao" (Med, 4,8). Beozzo afirma que
O documento de Medellin acolhe, assim, as grandes linhas de uma educação libertadora, nascida das experiencias de educação popular desenvolvidas nas campanhas de educação de base, a partir dos métodos inovadores da pedagogia do oprimido do educador brasileiro Paulo Freire, ao mesmo tempo que a fundamenta teologicamente no mistério pascal do Cristo. (BEOZZO, 1998, p. 837).
Nessa perspectiva, acrescenta que
Procura ancorar teológica e pascalmente a proposta de uma educação libertadora: "Como toda libertação é já uma antecipação da plena redenção de Cristo, a Igreja da América Latina sente-se particularmente solidária com todo esforço educativo que venha libertar nossos povos (Is. 58, 6; 61, 1). Cristo pascal, "imagem do Deus invisível (Col 1, 15), é a meta que o desígnio de Deus estabeleceu ao desenvolvimento do homem, para que "alcancemos todos a medida da idade madura da plenitude de Cristo". (Ef. 4, 13). (Med. 4, 9) (BEOZZO, 1998, p.837).
Concordando com essa interpretaçao, Dom Padin afirma que "seria essa a concepção adequada para uma resposta dos educadores ao momento de transformação dos povos da América Latina." (PADIN, 2010, p. 230). Para tanto, conforme o Documento de Medellín (Med, 4,8), a educação deve ser criadora, aberta ao diálogo, afirmar as peculiaridades locais e nacionais, capacitar as novas gerações para a mudança permanente e orgánica que o desenvolvimento supðe, objetivando o desenvolvimento integral.
Há direcionamentos específicos para as escolas católicas como critérios pastorais e pedagógicos, mas também se deve evidenciar o compromisso com a realidade social, em virtude das desigualdades sociais, das discriminaçðes por motivo de raça e de posição social. Deve-se conduzir a educação para a alteridade e a solidariedade, incluindo necessariamente o espirito de partilha (PADIN, 2010), que devem tornar-se habilidades e competencias num processo continuo de colaboração social.
É notável que muitos nao estavam preparados para assumir a "educação libertadora" e até viram com determinada cautela essa proposiçao, como narra Padin: "Mons. Octavio Derisi (ainda nao era bispo), Reitor da Universidade Católica de Buenos Aires, nao aceitava o emprego da expressao 'educação libertadora', por temer o mau uso por parte dos que pretendiam legitimar os movimentos revolucionários." (PADIN, 2010, p. 231).
Mas houve também aqueles que se viram inspirados pelos antecedentes e pelas consequencias da Conferencia de Medellín e ousaram novas formas de pensar a realidade. Um exemplo é o Padre Salesiano Wolfgang Gruen, que narra em entrevista realizada em 2002 sua trajetória ao delinear os pressupostos que embasaram o ensino religioso como educação da religiosidade.5 Apesar de longa, parte dessa entrevista merece ser descrita, pela importancia que Medellín e seu contexto trouxe para Gruen, que foi o pioneiro em dar outra perspectiva para o Ensino Religioso, diverso da catequese, de fato numa perspectiva libertadora:
Os anos entre 1967 e 1969 foram particularmente fecundos nesse sentido. Em fevereiro de 1967, participei de uma quinzena intensiva de atualização para coordenadores diocesanos de catequese: o destaque foi o assessor da primeira semana, Hugo Assmann. Em julho de 1968, no Rio, tivemos o Encontro Nacional de Catequese, superintensivo, preparação para a Semana Internacional de Catequese, em Medellín, no mes seguinte. Pude participar dos dois eventos. Tanto no Encontro como na Semana Internacional, o homem providencial foi, novamente, o Assmann - já naquele tempo, como ainda hoje [2002], sempre quilómetros a nossa frente. Em setembro, foi o Encontro de Professores de Catequética. Em fevereiro de 1969, discretamente, junto com uns 10 colegas, estivemos uma quinzena com Paulo Freire, exilado em Santiago do Chile, sobre Evangelização pelo Método da conscientizaçao, para agentes de catequese na América Latina. Para encerrar a temporada, em junho de 1969, a notável Semana Internacional de Estudo sobre Comunicação e Catequese, em San Antonio, Texas - com 50 pessoas, metade da comunicaçao, metade da catequese. Foram dois anos e meio fundamentais em minha vida, tanto para a catequese como para o ER. De fato, ao aprofundar a natureza da catequese, percebi claramente que o ER nao tinha condição nenhuma de catequizar os alunos; qual seria, entao, o seu papel? Era o inicio consciente da minha mudança de mentalidade a respeito. [...] Mas entao, como deveria ser o ER? Era a pergunta que eu me fazia. Aqui entrou em cena um elemento do qual ainda nao falei, mas que já estava atuando. Eu recebia com frequencia livros e revistas da Alemanha. Havia material muito bom. Em 1968, Hubertus Halbfas publicou sua Catequética Fundamental (no sentido estrito, de fundamentos da catequética), de amplos horizontes também para o ER. Pude ler e reler o livro naquele mesmo ano. Recebia também, entre outras, a excelente revista mensal Katechetische Blätter (Folhas Catequéticas), para citar só as duas publicaçoes que mais alimentaram minha reflexao. Também na Alemanha tinha estourado o cansaço com o modelo tradicional de aula de religiao, e o debate sobre a natureza do ER estava muito vivo. [...] O referencial teórico para descobrir o que o ER é devo-o em boa parte a pensadores alemaes. Foi Halbfas que me introduziu a Paul Tillich, autor do livro Die verlorene Dimension. Not und Hoffnung unserer Zeit, de 1962 [A dimensao perdida. Necessidade e esperança de nosso tempo]; com sua conceituação de "religiosidade", acabou fornecendo-me o elo de que eu precisava. Repare o timing: tudo veio na hora certa e até na ordem certa. A partir daquele achado, outras peças do quebra-cabeça foram-se encaixando com incrível facilidade. Depois do conceito de "religiosidade", creio que a mais importante dessas peças tenha sido a da distinção entre linguagem "de dentro" do grupo que professa a mesma fé, e linguagem "de fora", dos que nao pertencem a um mesmo grupo: respectivamente, a linguagem da catequese e a do ER. O assunto foi tratado por U. Hemel em sua tese de doutorado "Teoria da Pedagogia Religiosa", em 1984.6
Essa distinção das linguagens, dos espaços e da formação do ser tornam-se fundamentais na compreensao dos papeis das instituições na educação libertadora do "educando em sujeito do seu próprio desenvolvimento" (Med, 4,8). Cabe, portanto, a Igreja a educação da fé, através da catequese, e a escola, numa perspectiva antropológica, a educação da religiosidade, estimulando os educandos a descoberta do sentido em suas vidas, através do componente curricular ensino religioso, regulamentado pela Constituição Federal no Brasil em 1988, no seu artigo 210.
Há ainda que se acrescentar que a proposta antropológica de W. Gruen perpassa o viés pedagógico quando nao conta com a fé como ponto de partida ou de chegada: nao espera respostas ditadas pela fé; nao fala a linguagem de determinada religiao. Portanto, há uma linguagem própria a ser empregada.
Gruen destaca as categorias de G. Baudler (1979)7 para distinguir entre linguagem de "dentro", quando se trata da linguagem interna do grupo, e linguagem de "fora", quando se trata da linguagem externa ao grupo, como é a do ensino religioso. Essa linguagem é franca, transparente, que leva ao questionamento, que busca interaçao, diálogo com todos, abertura ao sempre mais, sem fechar-se no seu grupo religioso, mas também sem traí-lo.8
A linguagem da religiosidade é uma linguagem adequada ao ambiente escolar, no qual interagem áreas de conhecimento que mantem um vocabulário próprio, e se inter-relacionam conteúdos curriculares, aspectos metodológicos, incluindo recursos materials, atividades, procedimentos didáticos e processos avaliativos. Uma linguagem rica, que abre espaço para a experiencia, que estimula a reflexao sobre a religiosidade e o fenómeno religioso, que favorece a formação de juízos sinceros diante da veracidade dos fatos; e que possibilita a concepção e vivencia dos valores universais. Vale lembrar aqui que o ambiente escolar é enriquecido pela mistura de etnias, pela diversidade de religiôes e culturas. Também é marcado por profundas diferenças nos aspectos sociais, económicos, ideológicos e pelas relações de poder, como bem destaca o Documento de Medellín.
Para Gruen, "o Ensino Religioso quer ensinar religiosidade - esta capacidade de ir além da superfície das coisas, acontecimentos, gestos, ritos, normas e formulações, para interpretar toda a realidade em profundidade crescente e atuar na sociedade de modo transformador, libertador" (GRUEN, 1995, p. 117), em consonancia com a concepção apresentada no Documento de Medellín, no tema IV - Educaçao. O mesmo autor define a linguagem religiosa como "toda linguagem que exprime tal abertura ao sentido fundamental de sua existencia, e ajuda a vive-la: passa adiante, comunica religiosidade." (Ibid, p. 152).
Portanto, nao cabe no ambiente escolar a linguagem da fé de um grupo religioso como única explicação para as questóes existenciais, porque os educandos buscam mais, buscam, cada um em seu espaço hermeneutico, o sentido da vida. Isso torna bem claro que o ensino religioso deve estar inserido na realidade e na experiencia social do educando, coerente entao com suas tradięóes e culturas. Gruen já afirmava, em 1975, que esse Ensino é "uma educação a abertura e ao questionamento de uma descoberta existencial da vida, no que ela tem de mais amplo e profundo; ou seja, trata-se de uma educação no sentido pleno da palavra." (GRUEN, 1975, p. 132).
A linguagem própria da escola, na perspectiva da religiosidade, é de abertura ao outro, numa dinámica pluralista, respeitosa, aberta, humilde e capaz de esboçar uma análise crítica do que se reconhece como verdadeiro, do que se aprecia e valoriza, evidenciando o educando como ser de relações, num contexto de continuas mudanças. Uma educação libertadora, como mostra Medellín. Frente as mudanças que ocorrem, quando cada um, a sua maneira, busca dar resposta as inquietações, nao há possibilidade de excluir os processos educativos que necessitam, sim, assumir sua responsabilidade e compreender as implicações desse processo no cotidiano da vida.
Talvez muitos outros aspectos e nomes poderiam exemplificar as transformações decorrentes da Segunda Conferencia Geral do Episcopado LatinoAmericano, marcando os 50 anos de Medellin, e talvez muitos seriam os desafíos educacionais que poderiam ser listados para dizer que nao superamos situações de desigualdades, de pobreza e do próprio desenvolvimento, conceito que hoje é considerado inadequado na perspectiva do paradigma ecológico. Mas há sempre uma perspectiva inspiradora, a perspectiva de que Jesus veio para libertar e nos impulsionar a pensar novas formas de intervir na realidade. E como Medellin trata a questao da juventude?
3 Juventude desafiada e desafiadora
Como bem se discute hoje a respeito do conceito "juventude", nao se pode falar nesse fenómeno no singular, mas no plural (REZENDE, 1989). Há juventudes, com enorme diversidade de aspectos, que variam no espaço e no tempo. Essa é uma categoria social e cultural, mas nao representa uma realidade coesa ou uma classe (MANNHEIM, 1982; PAIS, 1993; ESTEVES, ABRAMOVAY, 2007). Juventude é uma construção social, "uma representação ou criação simbólica, fabricada pelos grupos sociais ou pelos próprios individuos tidos como jovens, para significar uma série de comportamentos e atitudes a ela atribuidos" (GROPPO, 2000, p. 8). E a despeito da arbitrariedade que existe ao se tratar das juventudes, certamente, é mais do que uma palavra, ao contrário do que afirmava, compreensivelmente na sua abordagem, o sociólogo Pierre Bourdieu (BOURDIEU, 1983).
Do ponto de vista etário, compreendia-se que jovem era aquele que tinha entre 15 e 24 anos, faixa etária definida pela ONU por ocasiao do Ano Internacional da Juventude, em 1985. Mas recentemente, o Estatuto da Juventude brasileiro (2013) ampliou esse intervalo para 15 a 29 anos: jovem adolescente (15 a 17); jovem-jovem (18 a 24) e jovem adulto (25 a 29 anos).
As juventudes se sentem desafiadas a cada momento histórico e sao ao mesmo tempo desafiadoras das tradições. E Medellín encontra as juventudes da época e o mundo num momento muito especial. Nao só o ambiente latinoamericano, desde o inicio da década de 1960, já revelava os jovens em movimento, como na Ação Católica Especializada (JAC, JEC, JIC, JOC e JUC), na Ação Popular - AP, na Uniao Nacional dos Estudantes - UNE, mas até antes, quando esse o movimento estudantil se mobilizou na Campanha "O Petróleo é nosso", no começo dos anos de 1950.
Em especial o ano de 1968, que na feliz expressao do livro de Zuenir Ventura (1989) foi o ano "que nao terminou", se destacou pelos muitos e contraditórios eventos significativos: a Guerra do Vietna, com muitos soldados jovens mortos, com a média de 19 anos; a morte do estudante Edson Luís no Rio de Janeiro, na invasao do Restaurante Calabouço pela repressao militar; o assassinato de Martin Luther King Jr. e de John F. Kennedy; a passeata dos 100 mil no Rio de Janeiro, com a maioria de jovens; a prisao de 720 estudantes no Encontro da UNE em Ibiúna; o massacre de centenas de pessoas, depois de uma greve estudantil de 9 semanas e uma passeata de 15.000 jovens no México; a decretação do AI-5 no Brasil, com o recrudescimento da repressao e o fim da precária liberdade democrática que ainda havia; sem falar do Maio de 1968, na França, que se espalhou, mas também diversas outras expressðes culturais que produziram enormes mudanças nos costumes e nos valores, na estética, filosofia, teologia, na política, enfim, no horizonte de expectativa, principalmente das juventudes.
Mas como Medellin encontra a juventude católica no Brasil? De um lado há uma juventude com olhar crítico, como a JUC, e ligada a esquerda. De outro, começa em 1969, em Sao Paulo, com o Pe. Haroldo Rahm, um movimento que será identificado depois como Renovação Carismática Católica - RCC, de origem americana (1967) (SOFIATI, 2011). Nessa linha mais espiritualista, há as experiencias dos cursos de Treinamento de Lideranças Cristas - TLC, dos Cursilhos de Cristandade e do Movimento de Emaús, assim como outros grupos que surgirao e se desenvolverao posteriormente como o Movimento Construindo, a Comunidade Shalom e tantos mais.
Em 1960, no Congresso de 10 anos da JUC, marcante na sua história, discutiu-se um tema fundamental - o "Ideal histórico" (Humanismo integral, 1936, de Jacques Maritain) -, por influencia do grupo de Belo Horizonte, na linha de maior engajamento e articulação "temporal-espiritual" da juventude (SIGRIST, 1982), e houve a participação de cerca de 550 jovens, calculando-se que o número de jucistas no país era nessa época de 5.500, o que correspondería a quase 6% da população estudantil universitária da época (95.691), um marco, segundo os dados do IBGE em 1960 (BEOZZO, 1984, p. 64).
Os anos anteriores ao golpe civil-militar de 1964 foram de crescente crise com a hierarquia episcopal, que nao via mais a JUC com confiança, em razao da atuação politica e critica numa perspectiva socialista e sua proximidade com a Uniao Nacional dos Estudantes - UNE, de modo especial a partir do momento em que é eleito para presidente dessa entidade o jucista Aldo Arantes, em 1961. Nao se pode esquecer que a Revolução Cubana, em 1959, trouxe outro horizonte nesse sentido. E com o golpe de 1964, a situação só se complicou para as relações da juventude com o episcopado.
Deve-se lembrar que, em 1961, o Papa Joao XXIII publicou a inovadora Encíclica Mater et Magistra - MM, num tom dialogante e ecuménico, e que trouxe um conceito, na segunda parte do documento, que gerou muita polémica: socializaçao. Isso repercutiu bastante na JUC. Nesse mesmo ano, a presença de Cándido Mendes, Pe. Henrique de Lima Vaz e de Frei Carlos Josaphat foi significativa nos seminários da entidade. Josaphat criou dois anos depois o jornal Brasil, Urgente (TEODORO-SILVA, 2011), que traduzia de forma popular e crítica a situação que o país passava. E o conflito com a hierarquia aumenta, principalmente com a crítica da JUC ao projeto de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, apoiado pela Igreja. E em 1963, outra encíclica, Pacem in Terris - PT, também de Joao XXIII, provoca mais entusiasmo e atitude crítica dos jucistas, especialmente quando esse documento trata das relações entre católicos e nao católicos no campo económico, social e político (PT, n. 157-160).
O golpe de 1964 traz profunda crise na Ação Católica, especialmente nos grupos mais engajados como JUC e JOC. A repressao visou mais a JUC e a AP. Depois de diversas reunióes de bispos em Roma, em 1965, cresce a ruptura da hierarquia com a Ação Católica. A partir de 1966, em reuniao do Conselho Nacional da JUC na cidade de António Carlos (MG), em julho, a entidade já nao se considera mais uma expressao da Igreja, mas um movimento de cristaos, decisao enviada a Dom Scherer e ao Cardeal Rossi (BEOZZO, 1984, p. 52). E 1968, houve a última reuniao de militantes em nível nacional, em Piracicaba, mas constatou-se que esse novo modelo nao se manteria (SIGRIST, 1982). Tal crise acabou atingindo também os outros grupos como JAC, JEC e JIC. Apenas a JOC se manteve.
Essa era a situação e o contexto de uma parte da juventude católica quando acontece a Conferencia de Medellín. E nao se pode esquecer da importáncia das experiencias desses jovens participantes da Ação Católica, que atuavam também em espaços como o Movimento de Educação de Base - MEB, para a construção de uma nova perspectiva teológica: a Teologia da Libertação (BAPTISTA, 2014). Gustavo Gutiérrez, que foi assessor da JUC no Peru (Uniao Nacional dos Estudantes Católicos - UNEC), como testemunha o sociólogo Luiz Alberto Gomez de Souza, afirmou que "foi no Brasil e, mais precisamente na JUC, no inicio dos anos 60 que, muitas das intuições do que constituiría mais tarde a teologia da libertação latino-americana, começaram a concretizar-se [...]" (SOUZA, 1984, p. 9). Inclusive, Gutierrez veio ao Brasil em 1969 para conversar com esses jovens quando estava escrevendo o seu clássico livro "Teologia da Libertaçao", publicado em 1971.
Sob esse horizonte histórico, como o documento de Conclusao de Medellín (CELAM, 1968) aborda a questao da juventude?
As Conclusðes de Medellín dedicam pouco mais do que cinco páginas a reflexao sobre a Juventude, na sua primeira parte, intitulada "Promoção Humana", que aborda os temas Justiça, Paz, Família e Demografia, Educação e Juventude. Segue basicamente o método ver-julgar-agir, em 20 pontos, começando por descrever brevemente a "situação da juventude" (Med, 5, 1-9), discutindo depois "critérios básicos para uma orientação pastoral" (Med, 5, 10-12) e finalizando com "recomendações pastorais" (Med, 5, 13-20).
A despeito do grande avanço desse documento na história da Igreja latinoamericana, considerado por Dom Pedro Casaldáliga como o Vaticano II da América Latina, com a opção pelos pobres, o registro da "identidade da Teologia da Libertaçao", com as Comunidades Eclesiais de Base - CEBs, a inserção nas comunidades populares, e tantas coisas mais, a parte do texto que se refere a juventude nao é das mais avançadas, talvez até o contrário.
Destacando a palavra de Paulo VI na abertura da Conferencia de Medellín, sobre a atualidade e o grande interesse que o tema da juventude traz, o Documento de Medellín começa chamando a atenção para o peso demográfico da juventude e sua "força nova de pressao" e como um "novo corpo social". Mas observa-se que se faz presente, em boa parte do texto, uma visao negativa, fruto de uma visao geracional tradicional, formulada por adultos, homens, mais velhos, especialmente certo ranço clerical-episcopal. Por exemplo, quando se fala de "novo corpo social" coloca-se entre parenteses a frase "com perigo de detrimento na relação com os outros corpos sociais" (Med, 5,1). Ou seja, a novidade da juventude gera medo. Por isso, ao falar da crise e das mudanças da época que atingem a juventude, o Documento afirma que o "conflito entre as diversas gerações", mesmo que purificador, traz como efeito "a negação de grandes valores". (Med, 5,2).
Identifica, de forma interessante, que há na juventude aqueles que aceitam a sociedade de mercado e os valores burgueses e outros que a rejeitam, até de forma radical, reagindo ao mundo construído por seus pais, lutando por uma sociedade nao massificadora e contra a que desumaniza. Essa juventude, que contesta o status quo - certamente o Documento pensa nos jovens engajados na Ação Católica e nos jovens que estao na esquerda sindical, estudantil e política - luta pela justiça social, por uma sociedade mais solidária, por mudanças "profundas e rápidas". E aí aparecem duas afirmações problemáticas: dizer que a juventude "constantemente está tentada a expressar essa exigencia por meio da violencia"; e que os jovens tem "excessivo idealismo" e que esse idealismo os coloca sob a "ação de grupos de diversas tendencias extremistas" (Med, 5,3).
Nenhuma geração muda a história sem os seus sonhos, sem os seus ideais. Faz parte da fenomenologia da juventude, e se deve compreender isso. Só a resistencia dos adultos mais velhos é que obstaculiza essa percepçao. A crítica a "tendencia" violenta dos jovens pode se referir a resistencia aos golpes políticos e a repressao militar, como no Brasil, como também pode ser uma crítica velada aos jovens que fizeram a revolução cubana ou aqueles se rebelaram na França e demais países. De outra forma, teria sido interessante mostrar o contrário: a violencia, de formas variadas (desemprego, exclusao, autoritarismo, conservadorismo...), inclusive geracional, política e religiosa, que atinge a juventude.
Um aspecto muito positivo do Documento aparece quando ele fala da abertura comunitária dos jovens e de sua acolhida a sociedade pluralista e com uma dimensao de fraternidade universal, especialmente crítica da religiao que desfigura a imagem de Deus. Essa desfiguração acontece, pois seus líderes religiosos nao vivem e nao praticam os "auténticos valores evangélicos" (Med, 5,4), nem sao coerentes, e ainda nao anunciam a fé como uma linguagem que atinja a todos, especialmente os jovens e os pobres. Também é muito positivo que Medellín reconheça, e isso continua ainda presente especialmente em relação a mulher jovem, que a juventude nao é chamada a "plena participação na comunidade eclesial", por isso os jovens nao se consideram "integrantes da Igreja". No contexto da crise da JUC, parece que esse texto foi escrito com referencia a esse processo.
A síntese da análise da realidade - "situação da juventude" - nao é das melhores, pois começa dizendo que a "juventude oferece inegavelmente um conjunto de valores, acompanhados, entretanto, de aspectos negativos". E detalha esses aspectos, contrastando-os: personalizaçao, consciencia de si, criatividade versus rejeição da tradiçao; idealismo excessivo versus nao aceitação de realidades "inegáveis"; construção de um mundo novo versus negação do passado; inconformismo radical, espontaneidade versus formas institucionais, normas, autoridade, formalismo. E quando se refere aos valores da sua relação comunitária, as palavras demonstram as resistencias e a perspectiva mais negativa: "certas" maneiras de se responsabilizar; "desejo" de serem auténticos e sinceros; "perigo" de ficarem fechados em grupos pequenos e "agressivos" (Med, 5,9).
Se de um lado, o "Ver" nao foi a parte do Documento sobre a Juventude mais significativa e aberta, o "Julgar", ou seja, os "Critérios básicos para orientação pastoral" podem ser considerados esse momento. Em tres pontos (Med, 5, 10-12), mostra de forma extremante importante o valor da juventude, associando-a a Igreja: a juventude é sinal da Igreja. Tomar como metáfora da Igreja a juventude é de sérias consequencias, talvez nao consciente e adequadamente compreendida nesses 50 anos de Medellín. Pelo contrário, o peso maior da imagem da Igreja para muitos hoje, especialmente pela juventude, é de velhice, de esclerose. Bem distante da jovialidade de Jesus, de sua vida, suas palavras e atitudes. E dos novos ares e verdadeira ventanía soprada pelo Vaticano II e Medellín, que de fato quiseram que a fosse a Igreja "a verdadeira juventude do mundo" (Med, 5,10).
O texto de Medellín, nessa parte, é muito forte e afirma de formas variadas que a juventude é: "constante renovação da vida da humanidade", "continuo recomeço", "persistencia da vida", "superação da morte" (nao só biologicamente, mas também de forma social, cultural, psicológica, espiritual), garantidora da "fé na vida", capaz de "alegrar-se com as coisas", reintroduzir o "sentido da vida", manter "vivos novos sentidos da vida", de ser "renovação e rejuvenescimento da humanidade", e repetindo as palavras da Mensagem do Concilio aos Jovens (8 dez. 1965), de enfrentar "as filosofias do egoísmo, do prazer, do desespero e do nada", formas culturais "velhas e caducas". (Med, 5,11 e 12; PAULO VI, 1965b).
A última parte, quando trata das "Recomendações pastorais", nao avança muito, ao contrário, especialmente no inicio. As expressðes utilizadas "atitude francamente acolhedora", "aceitar com prazer em seu seio e em suas estruturas" e "saberá distinguir os aspectos positivos e negativos" mostra uma posição da hierarquia ainda distante, identificando-se com a Igreja. A Igreja nao tem que aceitar ou acolher a juventude. Parte da juventude, que se identifica com a fé crista e participa, é Igreja. Colocar-se como quem irá chamar a juventude "a uma autocrítica de suas próprias deficiencias" é uma falha, uma visao equivocada de tratar o problema, e até arrogância, ainda mais quando afirma: "apresentando-lhes entao os valores permanentes para que sejam reconhecidos por ela [pela juventude]." Será que isso é o que se pode considerar e demonstrar da "sincera vontade da Igreja de adotar uma atitude de diálogo com a juventude"? (Med, 5,13).
A partir dessas considerações criticas, Medellin apresenta muito positivamente - "reconhecendo a juventude nao somente como força numérica, mas ainda seu papel cada vez mais decisivo no processo de transformação do continente, bem como sua importância insubstituível na missao profética da Igreja" (Med, 5,13) - as recomendações pastorais, tanto em relação a juventude em geral quanto aos movimentos de jovens.
Deve-se destacar, nessas recomendações, a preocupação com a educação da fé a partir da vida e da realidade dos jovens, com a participação ativa deles na comunidade eclesial e na realidade social e politica (temporal). Para isso, há a proposta de elaboração de uma "pedagogia orgânica da juventude", com formação sólida nos diversos campos, de forma que os jovens desenvolvam a criticidade e a liberdade, enfrentando os processos de massificaçao, de modo que os ajude a enfrentar os valores e a relatividade das realidades institucionais. Deve-se promover centros de "investigação e estudo" sobre a juventude e sobre os problemas do desenvolvimento, envolvendo os jovens. E os ministros da Igreja devem ter "um diálogo sincero e permanente com a juventude" (Med, 5,14), reconhecendo suas legítimas reivindicações.
Nesse sentido de diálogo, o Documento reassume aqui novamente o compromisso da Igreja com a opção pelos pobres, numa linguagem acessível e numa atitude de serviço, sem autoritarismo, capacitando os jovens para assumirem suas responsabilidades sočiais e cristas no "processo de mudanças na América Latina". E que se apresente "o rosto da Igreja autenticamente pobre, missionária e pascal, desligada de todo poder temporal e corajosamente comprometida com a libertação do homem todo e de todos os homens" (Med, 5, 15-16).
Importantes sao as recomendações finais em relação aos movimentos de jovens. Afirma-se a necessidade de se ter mais confiança nos dirigentes leigos jovens, reconhecer a autonomia dos seus movimentos e grupos e envolver mais a participação da juventude nas decisðes e elaborações pastorais, em todos os níveis, estimulando sua "ação evangelizadora na transformação das pessoas e das estruturas". Lembra-se aqui, novamente, que parece que Medellín se referir ao problema da JUC, mas sabe-se que o problema é mais amplo e nao só conjuntural. Outro aspecto fundamental, extremamente válido 50 anos depois, é destacar a necessidade de apoiar a formação de lideranças jovens, assim como de promover e apoiar intercambios, encontros e açðes ecuménicas de movimentos de jovens cristaos e de "outras instituições de juventude". E finaliza, afirmando o que poderia ser uma autocrítica: a possibilidade de "contar com a colaboração de leigos, e entre eles jovens, na qualidade de consultores, nos diversos departamentos do CELAM." (Med, 5,17-20). Numa igreja em saída, isso parece possível hoje.
Como Documento elaborado em processo coletivo, com inúmeras maos e cabeças bem diversas, com pos^ðes teológicas e políticas contrastantes, abertas e conservadoras, percebe-se que sao compreensíveis as contradições encontradas e identificadas aqui nessa parte do texto. Mas isso nao tira o mérito de Medellín e sua força impulsionadora de mudança, de uma Igreja pobre, comprometida com a libertação e envolvendo a força vida da juventude nesse processo transformador e libertador. E oferecer a imagem da Igreja a partir da metáfora da juventude é de uma riqueza que precisa ser retomada.
Conclusao
Há documentos que marcam a história. As Conclusðes de Medellín é um desses Documentos. Representou o registro de uma nova etapa da Igreja latinoamericana, assumindo-se como Igreja da libertaçao. Mas Medellín nao seria possível, assim como a Teologia da Libertaçao, sem os ventos do Concílio Vaticano II. E mais do traduzir ou interpretar a realidade latino-americana a luz do Concílio, como certamente quis o Papa Paulo VI, Medellín inverteu o processo. Tomou a abertura trazida pelo Vaticano II e a fez avançar, lendo o Concílio na perspectiva do sofrimento e da opressao vivida no continente, engajando a Igreja no processo libertador.
Este artigo teve como objetivo mostrar alguns aspectos do contexto desse importante evento que foi a Segunda Conferencia do Episcopado latino-americano, pois haveria muito elementos a serem destacados em razao da riqueza da época em que ele aconteceu. Também se propôs a tratar de dois temas muitos relevantes que foram a Educação e a Juventude.
A Educaçao, a partir de Medellín, assume para a Igreja latino-americana uma perspectiva ecumenica e libertadora. Talvez esse seja o aspecto mais importante a destacar nesta conclusao sobre essa parte. Já o tema da Juventude, que vivia um contexto de grande crise, especialmente a juventude católica na Ação Católica, tanto religiosa quanto politicamente, é tratado pela primeira vez de forma específica num documento de tanta importancia na Igreja, o que nao ocorreu no Concílio Vaticano II.
Apesar de se constatar diversos limites na abordagem desse tema da Juventude no texto das "Conclusðes", fruto da condição geracional e da compreensao limitada e ainda conservadora sobre o jovem, dos produtores do Documento, também se destacou os inúmeros aspectos positivos, especialmente a utilização da metáfora da juventude para se referir a Igreja.
A abordagem desenvolvida aqui nao esgota a potencialidade de análise do Documento de Medellín nos aspectos recortados. Ao contrário, é provocadora para outras análises e para a ampliação do debate. A riqueza de Medellín continuará a desafiar a reflexao sobre esse vasto campo da teologia e da pastoral, especialmente a partir das Ciencias da Religiao. Essa conferencia representou um marco, assim como houve em alguns documentos do Concilio Vaticano II, da consagração do método Ver-Julgar-Agir, que foi lembrado pelo Papa Francisco em sua visita a Colômbia, em setembro de 2017: discípulos que "saibam ver, julgar e agir, como propunha aquele documento latino-americano que nasceu nestas terras." E esse pontificado, que postula uma igreja para fora, em saida, só pode ser compreendido a luz do que significou o Vaticano II e sua consequencia imediata na América Latina que foi a Conferencia de Medellín. E esses fenómenos ainda darao oportunidade para muitos e novos olhares.
O artigo apresenta parte dos resultados da pesquisa "Juventude, Religiao e Política" financiada pela FAPEMIG.
Artigo submetido em 31 de julho de 2018 e aprovado em 24 de agosto de 2018.
1 Para as citações da Conferencia de Medellín, diferente da Normalização PUC Minas usual, e seguindo a tradição de citações de documentos eclesiais, se utilizará abreviação de Medellin como "Med", seguida do número do capítulo (4. Educação ou 5. Juventude) e depois dos números dos parágrafos que aparecem no texto. Cf. CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO - CELAM, 1977.
2 Recentemente, foram publicados alguns livros sobre Medellín que merecem ser conhecidos e divulgados: SOUZA; SBARDELOTTI, 2018 e GODOY; AQUINO JÚNIOR, 2018. Destacam-se na perspectiva deste artigo: CARDONO, 2018, p. 95-110; COSTA, 2018, p. 197-210 e SBARDELOTTI, 2018, p. 211-226.
3 O Movimento de Educação de Base - MEB foi fundado em 1961 como sociedade civil, de direito privado, mas com vínculos com a Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. Sua missao é "Contribuir para promoção humana integral e superação da desigualdade social por meio de programas de educação popular libertadora ao longo da vida.". No inicio contava, dentre outros grupos, com o apoio da Juventude Estudantil Católica - JEC, da Juventude Universitária Católica - JUC e da Uniao Nacional dos Estudantes - UNE. Utilizando o método VER-JULGAR-AGIR, o MEB continua atuante, mantendo-se na perspectiva pedagógica de Paulo Freire.
4 O livro "Pedagogia do oprimido" foi escrito no exilio, no Chile, em 1968, concluido no outono, antes de começar a Conferencia de Medellin, mas só foi publicado em 1970, em ingles, e no mesmo ano em portugues, pela Editora Paz e Terra. Trouxe novo horizonte de compreensao da educação popular e do processo opressao-libertaçao.
5 Essa categoria, W. Gruen encontrou em Paul Tillich, conforme mostra a citação de entrevista abaixo. Em sua primeira formulação num manuscrito de 1974, publicado no ano seguinte, Gruen define assim a religiosidade: "Chamamos entao religiosidade a atitude dinámica de abertura do homem ao sentido radical de sua existencia. Nao se trata de "mais uma" atitude ou funçao: a religiosidade é a dimensao mais profunda de todas as funções da vida humana - ou melhor, da totalidade da vida humana (cf. Paul Tillich). (GRUEN, 1975, p. 128).
6 Trechos retirados da entrevista com o Professor Padre Wolfgang Gruen, na Inspetoria Sao Joao Bosco em Belo Horizonte em 13/07/02. A entrevista completa está no anexo da dissertação de SIQUEIRA, 2003. Encontram-se também entrevistas realizadas com o mesmo professor nas seguintes pesquisas: JUNQUEIRA, 2000; SILVA, 2001.
7 Sobre esse teólogo alemao e sobre livro dele a respeito do Ensino Religioso, ver: BAUDLER, 1979.
8 Agradecimento ao Padre Gruen que resumiu em portugués essas colocações de G. Baudler (Cf. ULRICH, 1984, p. 303-307, com destaque para a nota 259).
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Abstract
A Segunda Conferencia Geral do Episcopado Latino-americano, realizada na cidade de Medellin (Colombia), entre os dias 24 de agosto e 06 de setembro de 1968, produziu um importante e significativo documento - As Conclusöes de Medellin - que registraram as posições da Igreja da América Latina, que assumiu uma posição libertadora frente a opressao no continente. O objetivo do Papa Paulo VI, como diz o próprio titulo da proposta da Conferencia, era ler a realidade latino-americana a luz do Concilio Vaticano II. Os bispos fizeram mais do que isso: leram o Concilio a luz da realidade latino-americana. Nesse contexto, o objetivo deste artigo, a partir de pesquisa bibliográfica, é apresentar alguns elementos da realidade politica e eclesial de Medellin e analisar dois aspectos do documento: a educação e a juventude. A década de 1960 e, particularmente, o ano de 1968, sao momentos históricos efervescentes, contexto da guerra-fria, impactando muitas mudanças. A Igreja assume de forma clara o trabalho de inserção nas comunidades pobres. A educação passa a ser pensada numa perspectiva libertadora e há a inserção dos religiosos nas comunidades de base. A juventude católica assume compromissos socais e politicos. Em Medellin, a Igreja latino-americana ganha identidade própria e surge uma forma original de fazer teologia, a teologia da libertação e sua opção pelos pobres. Também o exercicio da colegialidade dá passos importantes, inclusive na forma de elaboração desse documento. Portanto, celebrar 50 anos de Medellin deve levar o olhar critico para seus valores e limitações e recuperar seus avanços, contribuindo para o debate no campo das Ciencias da Religiao.