Resumo: A indexaçâo é uma prática antiga e um trabalho complexo, nomeadamente no processo de determinação do assunto. Tratando-se de indexação de Literatura ficcional, a questäo torna-se mais difícil, devido à subjetividade e à muldimensionalidade da obra literária. Tradicionalmente, a Literatura não é indexada e os sistemas classificatórios abordam-na pela forma/género literario. Ao longo dos últimos anos, foram surgindo instrumentos de indexação por assunto de ficção narrativa que mostram que esta é possível e necessaria. Neste cenário, procura-se saber como se estão a comportar os principais serviços e sistemas de informação europeus, no que toca à indexaçâo de narrativas ficcionais. Para tal, realiza-se um estudo de caso exploratorio. Os resultados permitem concluir que a maioria dos países näo efetua indexação por assunto de narrativa ficcional e aqueles que efetivamente a fazem localizam-se no norte da Europa. São, portanto, necessários mais estudos e instrumentos para que esta prática se generalize.
Palavras-chave: Indexação; assunto; literatura; ficção; romance; biblioteca nacional; Europa.
Resumen: La indización es una práctica antigua y compleja, en particular en el proceso de determinación del asunto. Tratándose de indexación de literatura ficcional, la cuestión se vuelve más difícil, debido a la subjetividad y a la multidimensionalidad de la obra literaria. Tradicionalmente, no es indexada y los sistemas clasificatorios la abordan por la forma. A lo largo de los últimos años, surgen instrumentos de indización por asunto de ficción narrativa que muestran que esta es posible y necesaria. En este escenario, se busca saber cómo se comportan los servicios y sistemas de información europeos con las narrativas ficcionales y se realiza un estudio de caso. Los resultados permiten concluir que la mayoría de los países no efectúa indización por asunto de narrativa ficcional y aquellos que efectivamente la hacen se sitúan en el norte de Europa. Por lo tanto, son necesarios más estudios e instrumentos para que esta práctica se generalice.
Palabras clave: Indización; asunto; literatura; ficción; romance; biblioteca nacional; Europa.
Abstract: Indexing is an old practice and a complex job, particularly in the process of determining the subject (aboutness). Regarding indexing of fictional Literature, the question becomes more difficult, due to the subjectivity and the multidimensionality of the literary work. Traditionally, Literature is not indexed, and classificatory systems address it by form. Over the last few years, instruments of subject indexing of fictional narratives have emerged that show that this is possible and necessary. In this context, we seek to know how the main European services and information systems behave, in terms of the subject indexing of fictional narrative. For this, an exploratory case study is carried out. The results allow us to conclude that most of the countries do not index the fictional narrative by subject and those that actually do it are located in northern Europe. Therefore, we need more studies and instruments for this practice to spread.
Keywords: Indexing; subject; literature; fiction; novel; national library; Europe.
Copyright: © 2019 Servicio de Publicaciones de la Universidad de Murcia (Spain). Este es un artículo de acceso abierto distribuido bajo los términos de la licencia Creative Commons Reconocimiento 4.0 Internacional (CC BY 4.0).
1INTRODUÇÂO
Falando-se de organizaçâo do conhecimento, reconhece-se que o costume de indexar documentos por assunto tem muitos séculos. Já na Mesopotâmia do século II a.C. se armazenava a informaçâo em tábuas de argila com uma espécie de resumo, o que constituía uma forma de representaçâo condensada do conteúdo informacional dos documentos e permitiría o acesso ao seu assunto (Witty, 1973). Séculos mais tarde, na Europa medieval, é de assinalar o hábito de os monges copistas escreverem na margem dos livros sobre o seu conteúdo, tendo por finalidade a indicaçâo e explicaçâo do assunto em causa.
No entanto, só no século XIX, perante a explosäo documental daquele momento da história da humanidade, é que a indexaçâo foi sentida como uma verdadeira necessidade, passando a ser apreciada pelo público dos serviços e sistemas de informaçâo existentes na época. Justifica-se que tal tenha acontecido, uma vez que a indexaçâo é uma operaçâo de representaçâo dos documentos com um objetivo prático que beneficia em muito os utilizadores, a saber, a recuperaçâo da informaçâo (Silva & Fujita, 2004). Compreende-se, entâo, que indexar documentos seja tido como um dos trabalhos mais relevantes para a eficácia e para a boa imagem dos serviços e sistemas de informaçâo, já que é fator condicionante nas estratégias e nos resultados das pesquisas dos seus utilizadores (Naves, 2004; Silva & Fujita, 2004).
Os documentos nâo indexados sâo de difícil recuperaçâo nas bases de dados (Saarti, 2002), por vezes só encontrados por um acaso ou serendipidade. Assim, a existencia de uma indexaçâo por assunto e a boa qualidade da descriçâo documental efetuada pelos profissionais da informaçâo condicionam, sem dúvida, o acesso a informaçâo, seja qual for o seu tipo ou suporte. O rigor na indexaçâo evita os ruidos (informaçâo irrelevante) e os silencios (lapsos de informaçâo pertinente) nas buscas de informaçâo, impedindo que os utilizadores sejam lesados e que se registem possíveis efeitos nocivos na mediaçâo do conhecimento (Redigolo & Fujita, 2015).
Silva e Fujita (2004) notaram que a literatura sobre indexaçâo por assunto nâo detalha os seus procedimentos específicos, em particular quando se aborda específicamente a determinaçâo do assunto (aboutness) dos documentos, o que talvez se deva ao facto de este trabalho estar bastante dependente das açöes mentais do profissional da informaçâo nos momentos da leitura e da representaçâo dos documentos. Na verdade, a literatura desta área tem-se mostrado dividida até no que toca as fases da indexaçâo. Alguns autores falam em tres momentos (por exemplo, Ranganathan, 1967; Rowley, 1982; ISO 5963, 1985; Cleveland & Cleveland, 1990), genericamente considerados como:
1. Análise do documento para determinaçâo do seu assunto;
2. Extraçâo de conceitos para representar o conteúdo dos documentos em linguagem natural;
3. Traduçâo de conceitos para termos de linguagem documentária ou de indexaçâo.
Outros autores referem apenas dois momentos (por exemplo, Langridge, 1989; Lancaster, 1993; Anderson & Pérez-Carballo, 2001; Naves, 2004). Esta divergencia explica-se com o entendimento de que os dois primeiros momentos (a ideia do assunto e a sua verbalizaçâo) sucedem em simultáneo, sendo que a leitura compreensiva do conteúdo de um determinado documento inclui uma concomitante identificaçâo e seleçâo de conceitos.
A referida ausencia de descriçâo pormenorizada dos procedimentos específicos da indexaçâo por assunto poderá ainda prender-se com dois fatores: a ausencia de normatividade e a presença de subjetividade. Por um lado, a indexaçâo nâo se rege por leis fixas, mas por principios e normas, pelo que existe uma saudável flexibilidade e adaptabilidade aos diversos serviços e sistemas de informaçâo. Por outro, e apesar de se apresentar como uma desejável prática rigorosa, a determinaçâo do assunto comporta sempre alguma subjetividade. Lembra Broughton (2004) que decidir sobre o assunto de um livro pode ser muito complicado porque é uma atividade subjetiva, ou seja, o entendimento sobre o que é o assunto pode variar entre os individuos e mesmo entre os profissionais da informaçâo. Acresce que nâo existe nenhuma parte do documento que diga clara e inequívocamente qual o seu assunto.
Esta questâo ficará ainda mais complexa se se tratar da indexaçâo por assunto da ficçâo narrativa (Bell, 1991; Lima, Ribeiro & Moraes, 2012; Moraes, 2012). É costume considerar a Literatura uma área muito difícil e quase impossível de indexar, pelo menos de forma consistente, exaustiva e específica, a semelhança do que se faz nas áreas científicas e nâo ficcionais. Ora, tal acontece exatamente devido a especificidades semântico-estruturais próprias da Literatura. Numa perspetiva considerada semântica, importa ter em conta a multidimensionalidade e a subjetividade do próprio texto, uma vez que a obra literária comporta idiossincraticamente abrangencia, ambiguidade e livre interpretaçâo (Hypén & Mäkelä, 2011; Fedeli, 2015). Se se considerar a arquitetura do texto, salienta-se o facto de a narrativa ficcional nâo encontrar uma estrutura textual definida ou única, podendo este género discursivo discorrer em incontáveis e distintas formas, ao sabor da arte do escritor. Quando comparada com documentos científicos e nâo ficcionais, a narrativa literária dificilmente encaixa na tradicional estrutura que permite o questionamento e a inferencia de conceitos, apresentando uma arquitetura variada e muito própria, em funçâo da tipologia textual do documento em causa. Compreende-se, entâo, que estas especificidades da ficçâo narrativa conduzam a inapropriaçâo das tradicionais ferramentas e estratégias metacognitivas de leitura documentária, bem como a alteraçâo dos caminhos metodológicos habituais da indexaçâo, tornando mais árduo o trabalho a efetuar pelo indexador.
Tradicionalmente, os profissionais da informaçâo socorrem-se dos sistemas de classificaçâo bibliográfica e descrevem tecnicamente a ficçâo narrativa mediante a sua forma/género e nâo o seu conteúdo, ao contrario do que se passa com as outras áreas do conhecimento. Por exemplo, de acordo com a Classificaçâo Decimal Universal, 82 acomoda a Literatura e as subdivisőes auxiliares -1/-9 indicam formas literarias e nâo assuntos. Talvez se trate de uma estratégia para contornar as dificuldades inerentes as especificidades da Literatura, mas a verdade é que, como confirma Saarti (2002), as classificaçöes deixam intocada a questâo da descriçâo do assunto em ficçâo, isto é, aquilo de que trata ou sobre o que é o documento. Assim, verifica-se que as tabelas dassificatórias näo constituem um instrumento adequado para a descriçâo do assunto em Literatura.
Antonio e Moraes (2012) referem que os documentos ficcionais nao säo indexados por assunto por nao existirem instrumentos de análise de assunto adequados as suas especificidades e notam a ausencia de procedimentos metodológicos específicos para esta área. A indexaçao tem sido investigada pela generalidade dos estudiosos da análise do assunto mais no campo documental científico e nao no campo ficcional, o que, evidentemente, acarreta consequencias a nivel das práticas nos serviços e sistemas de informaçâo. De facto, alguma literatura desta área relata problemas nos modelos metodológicos de identificaçâo de conceitos em documentos ficcionais, já que os existentes foram elaborados para documentos nao ficcionais (Moraes, 2012; Lima, Ribeiro & Moraes, 2012; Alves, 2017).
Esta dificuldade advém do facto de a análise das consideradas partes relevantes dos documentos nao ser frutífera na determinaçao do assunto em ficçao, já que, na larga maioria dos casos, nao se encontram palavras destacadas, listas de conteúdos, introduçao e conclusao, ilustraçöes, esquemas... A leitura de partes, de frases ou de parágrafos iniciais nao é suficiente para uma visao do todo e o título nao se revela fiável, salientando Broughton (2004) que este pode mesmo ser até enganador. Ora, a impraticabilidade da leitura integral dos documentos por parte dos profissionais de informaęao é certa, dada a inexistencia de tempo para tal.
Muito embora estas condicionantes, vários autores se interessaram por este assunto defendendo a necessidade e a possibilidade de uma indexaçao por assunto de textos ficcionais, nomeadamente Annelise Mark Pejtersen (1979), Hazel K. Bell (1992), Claire Beghtol (1994), Jarmo Saarti (2002), Kaisa Hypén e Eetu Mäkelä (2011), Alenka Sauperl (2012) ou Larissa Lima, Daiane Ribeiro e Joao Moraes (2012), entre outros. No limiar do séc. XXI, refere-se que as possibilidades de criaçao de um sistema de recuperaçao de informaçao ficcional aumentaram, muito a custa do desenvolvimento dos ambientes computadorizados (Saarti, 2002). A literatura aqui elencada e as investigaçöes efetuadas até ao momento mostram ser importante e praticável determinar o assunto de documentos ficcionais, caso contrario nao serao devidamente exequíveis a pesquisa/recuperaçao e a prestaçao de determinados serviços aos utilizadores. Como exemplos concretos e recentes desta vontade e possibilidade, registam-se as propostas desenvolvidas por Fedeli (2015), no ámbito do assunto da narrativa para crianças e jovens, e por Alves (2017), este um modelo de leitura documentária de Literatura do género fábula infantil, com esquemas textuais para fundamentaçao de estratégias metacognitivas.
A recuperaçao da informaęao prende-se com a relevancia da informaęao e esta questao mostra-se pertinente: Nao serao as obras de Literatura ficcional importantes para a humanidade? O costume dita que nao se indexa qualquer documento, apenas o que poderá ser importante e pesquisado pelo utilizador e as obras de ficçao constam, com certeza, deste ámbito. Fedeli (2015) afirma que os utilizadores pesquisam por assunto mesmo as obras ficcionais e que os profissionais da informaçao, na ausencia de uma indexaçao por assunto, mais nao podem fazer do que socorrer-se da sua experiencia pessoal. Neste quadro, acredita-se que haverá casos em que as solicitaçöes dos utilizadores dos serviços e sistemas de informaçao nao sao atendidas, o que acarreta consequencias nefastas nao só para a imagem dos serviços e dos seus profissionais como também para os hábitos de leitura dos indivíduos e para a difusao do conhecimento em geral.
Posto isto e mediante os estudos das últimas décadas, que mostram ser possível e necessária a indexaçao por assunto de obras literarias, surge um ponto de investigaęao: Como se estao a comportar os serviços e sistemas de informaęao de referencia nos países europeus, no que toca a indexaçao de obras ficcionais? Tendem a acompanhar a investigaçao e a implementar práticas de indexaçao por assunto ou mantem práticas tradicionais? Para obter respostas, realiza-se um estudo de caráter exploratório em espaço europeu, tendo como objetivos específicos verificar se as bibliotecas nacionais da Europa efetuam indexaçao por assunto de ficçao narrativa e identificar possíveis tendencias regionais.
2METODOLOGIA
Para cumprimento destes objetivos, realiza-se um estudo de caso na Europa. Metodologicamente, sao consultados os catálogos gerais online das bibliotecas nacionais, assumindo-se o seu papel como referencia face a outra tipologia de biblioteca. Seleciona-se uma instituięao por país europeu1, num máximo de 54.
Em pesquisa avançada por autor e título, procura-se a informaçao de assunto nos registos catalográficos relativa a obra ficcional narrativa "El ingenioso hidalgo Don Quixote de la Mancha" de Miguel de Cervantes Saavedra (15471616), famoso escritor espanhol. Este romance, clássico da Literatura mundial, teve a sua primeira ediçao em 1605 (1.a parte) e 1615 (2.a parte) e é tido como uma das obras mais traduzidas2 e mais vendidas3 em todo o mundo, tendo sido já considerado o primeiro romance moderno e a melhor obra de ficçâo4 e5. Trata-se, portanto, de uma amostra por conveniencia, que garante a importancia social e literária do documento e que procura assegurar uma maior probabilidade de presença no catálogo de todas as bibliotecas.
Para este estudo, sao observadas todas as ediçöes do romance de Cervantes desde o ano 2000 (data explícita) e considerada para análise a ediçâo mais recente (total ou parte), independentemente da língua (original ou traduçâo), uma vez que se pretende aferir das atuais tendencias europeias na indexaçâo por assunto de ficçâo narrativa. Para evitar ruidos de uma possível indexaçâo, nâo sao considerados livros em suporte digital, adaptaçöes a públicos específicos, versőes comentadas e ilustradas, ediçöes para estudo ou similares; desta forma, evitam-se termos de assunto como "obra juvenil", "ensino de idiomas", "adaptaçâo didática" ou "documento eletrónico", que nada tem a ver com a obra original.
Dada a multiplicidade de línguas europeias, a pesquisa realiza-se em língua inglesa, sempre que a plataforma o permita, o que acontece na maioria das vezes. No entanto, nem sempre a informaçâo da página surge traduzida na totalidade e é-se forçado a recorrer ao Google tradutor, confirmando-se a traduçâo em dicionários de língua. Assim, a informaçâo recolhida é copiada na língua original em que se encontra no catálogo e traduzida para Portugues. Este moroso processo de consulta e traduçâo de catálogo nâo é fácil nem linear, tanto mais que, por vezes, existem vários catálogos associados e partilhados, o que poderá ocasionar algum erro e constituir uma limitaçâo deste trabalho. Considera-se, contudo, que uma eventual falha na pesquisa e traduçâo nâo inviabiliza a globalidade dos resultados e as conclusőes gerais deste estudo de caso.
A pesquisa foi efetuada em agosto de 2018. Os dados recolhidos sao transcritos para um quadro e representados em mapa, para posterior análise de resultados e obtençâo de conclusőes.
3APRESENTAÇÂO E DISCUSSÄO DOS RESULTADOS
Após pesquisa em catálogo, a informaçâo recolhida é transcrita e apresentada no quadro I, por ordem alfabética de país.
De um universo de 54 possíveis países na Europa6, conseguiu-se obter dados relativos a 47 (87%), número que servirá de referencia total percentual. Ficam excluidos:
* Andorra, Eslováquia, Eslovénia, Irlanda do Norte e Suiça - por nâo apresentarem explicitamente uma ediçâo de acordo com os critérios de seleçâo deste estudo, a saber obra original ou traduzida posterior ao ano 2000;
* República do Cazaquistâo e Vaticano - por nâo se encontrar no catálogo a obra em análise.
Neste quadro e de uma forma geral, pode verificar-se que os catálogos das bibliotecas de 20 países apresentam marcas de indexaçâo, o que corresponde a 42,5% (percentagem arredondada as décimas). Estes países situam-se essencialmente na regiâo da Europa Británica, Nórdica e de Leste (Figura 1). De acordo com a traduçâo efetuada, a indexaçâo revela-se, de forma explícita, maioritariamente em "assunto(s)" (catorze vezes), ocorrendo também como "palavras-chave" (tres vezes), "cabeçalho de assunto" (duas vezes) e "secçöes temáticas" (uma vez). Em acordo com a tradiçâo da área da biblioteconomia, uma maioria simples dos catálogos das bibliotecas nacionais nâo apresenta qualquer marca de indexaçâo, a saber, 27 países, essencialmente da Europa Ibérica, Central e Balcâs, o que corresponde a 57,5% (percentagem arredondada as décimas).
Da consulta aos registos desde o ano 2000, em Chipre e em Estónia, verifica-se que apenas a última ediçâo do romance de Cervantes (a considerada neste estudo, de 2007 e de 2011, respetivamente) nâo apresenta descritores de assunto. Isto poderá significar um lapso ou um atraso no trabalho de indexaçâo ou mesmo a descontinuidade desta prática, por um qualquer motivo a determinar. Só um contacto direto com os profissionais de indexaçâo das bibliotecas em causa o poderia esclarecer. No entanto, uma eventual alteraçâo destes dados permitiria a aproximaçâo entre as percentagens afendas, com maior equilíbno entre catálogos com e sem marcas de indexaçäo e, consequentemente, um equilíbrio entre possíveis tendencias.
Num olhar mais atento aos descritores de assunto verificados nos catálogos, constata-se que estes dizem respeito a diferentes aspetos do romance de Cervantes, a saber:
* forma/género literário e classificaçäo - "literatura espanhola", "romance espanhol", "fi^äo", "romance" e "Dewey 863";
* autoría - "escritores espanhóis" e "Cervantes Saavedra, Miguel de";
* ed^äo - "reimpressäo", "traduzido", "trad^äo para albanes" e "trad^äo em russo-língua";
* assunto - "Dom Quixote (personagern ficticia)", "Sancho Pança (personagern ficticia), "Cavaleiros e cavalariaEspanha", "Espanha-Vida social e costumes-Séc.XVI", "etos do cavaleiro", "cavaleiros", "imaginaçäo", "Espanha" e "La Mancha (Espanha)".
Uma vez que a maioria dos descritores se refere a aspetos da obra (forma/género, classificaçäo, ed^äo, autor) e näo ao seu assunto, isto é, aquilo de que o livro efetivamente trata ou é sobre (a semelhança do que acontece em textos näo ficcionais), poder-se-á considerar que os números aqui anteriormente apresentados säo falaciosos e que, portanto, a descríçäo do assunto em fi^äo ainda é terreno pouco explorado na Europa. Nos catálogos das bibliotecas, existem campos próprios para este tipo de informaçöes, por vezes fornecidas de forma redundante ou pouco útil (ruído). A título de exemplo, veja-se que o autor/escritor tem já um campo específico e que os sistemas classificatórios CDD ou CDU já informam de que se trata de um romance da literatura espanhola.
Assim, se se tiver em conta apenas a informaçäo relativa ao assunto efetivo do romance, a percentagem de catálogos com real indexaçäo por assunto desce consideravelmente para 12,8% (arredondado as décimas), correspondente a apenas 6 países, localizados no norte da Europa (Figura 2).
Tal podera ocorrer devido ao peso comendo pela tradiçâo ou devido a ausencia de instrumentos adequados para a indexaçâo por assunto de ficçâo, como se refere na generalidade literatura da área. Muito embora, podendo näo ser perfeitos ou exaustivos, verifica-se que estes instrumentos existem e que säo até explicitados, como se verifica no catálogo da biblioteca nacional da Suécia que refere, em sigla, a Library of Congress Subject Headings. Alias, os descritores de assunto de Suécia, Dinamarca, Escócia, País de Gales e Inglaterra säo demasiado semelhantes para näo se considerar que sofreram a mesma influencia do modelo norte-americano por cabeçalhos de assunto. Neste caso, confirma-se que o velho continente parece manter a tradiçâo de näo indexar por assunto a Literatura ou que segue os passos do novo mundo.
Nos resultados obtidos, destaca-se a Polónia, o país cujo resultado da pesquisa no catálogo se diferencia pelo número de descritores encontrados (oito), pela distinçâo semántica (as diferenças face as restantes propostas também levam a crer que este país näo segue o modelo norte-americano) e pela abrangencia (encontram-se descritores relativos a distintas categorias, tais como autor, personagens principais, localizaçäo espacial e microtemas bastante específicos). Desta forma, a indexaçäo efetuada pela Biblioteca Nacional da Polónia parece ser um interessante caso de estudo para futuras investigaçöes nesta área, vindo confirmar que o assunto pode efetivamente variar entre os profissionais da informaçäo, mesmo existindo um modelo já seguido por outras bibliotecas. De momento, acredita-se que esta seja uma boa tentativa de alcançar a multidimensionalidade do texto ficcional, sem dúvida a mais exaustiva na descr^äo do assunto da obra literária em causa nesta investigaçäo.
3 CONCLUSÖES
Nos resultados deste estudo de caso exploratório realizado em território europeu, constata-se que, tratando-se de fi^äo narrativa, quase metade das bibliotecas nacionais da Europa tende a preencher o espaço do catálogo reservado a indexaçäo. No entanto, apenas uma percentagem diminuta o faz centrando-se efetivamente no assunto da obra literária e isto acontece quase sempre sob influencia do modelo norte-americano. Parece, entäo, existir uma vontadé de disponibilizar o assunto de um documento ficcional aos utilizadores, todavía ainda impera o peso da tradiçâo na indexaçâo, que criou o hábito de se considerar a obra literaria como assunto e nao o assunto da obra literaria. Defendese que este procedimento deverá ser alterado, pois nao se trata de preencher um campo de indexaçao apenas porque este existe, mas de fornecer descritores verdadeiramente úteis sobre a obra literaria, que permitam o seu conhecimento e a recuperaçao da informaçao pelos utilizadores.
No que toca as tendencias regionais, verifica-se que existem divisőes na Europa, sendo as regiőes ibérica, central e balcas menos propensas a uma possível indexaçao de ficçao e sendo o norte da Europa a área geográfica tendente a proporcionar uma efetiva indexaçao por assunto de obras literarias. Na globalidade, afere-se que a maior parte da velha Europa se encontra imobilizada pelo peso da tradiçao, que dita a nao indexaçao de Literatura ou a sua consideraçao pela forma/género, e que uma outra parte está a ser influenciada por um instrumento de indexaçao externo a si.
Conclui-se, portanto, que os principais serviços e sistemas de informaçâo dos países europeus tendem a manter a tradiçao de nao indexar os documentos ficcionais ou de o fazer tendo em consideraçao o documento como objeto e a sua forma/género literário. Como apontado pela literatura da área da biblioteconomia, a questao do assunto em obras literarias continua aqui pouco explorada. Acredita-se que esta situaçao condicione as pesquisas nos catálogos europeus e que tenha impacto na recuperaçao da informaçâo, na imagem dos serviços prestados pelas bibliotecas, na igualdade de acesso a informaçâo. Face a grande ausencia de resultados efetivos de indexaçao por assunto de ficçao narrativa, depreende-se que sao verdadeiramente necessários mais estudos e instrumentos adequados as especificidades da Literatura, para que esta prática se estabeleça de uma forma generalizada nas bibliotecas europeias.
Esta investigaçao encontra limitaçöes no período temporal, nas dificuldades de pesquisa e traduçao e no número de obras literárias em análise, pelo que se recomendam os desejáveis e necessários estudos na área da indexaçao de ficçao, a fim de completar ou complementar o trabalho efetuado.
Recibido: 24-08-2017; 2a versión: 08-12-2018; aceptado: 17-12-2018.
DE ALMEIDA, P. Tendencias europeas en la indización por asunto de ficción narrativa. Anales de Documentación, 2019, vol. 22, n° 1. Disponible en: http://dx.doi.org/10.6018/analesdoc.22.E33979E
NOTAS
1 No caso de um país possuir mais do que uma biblioteca nacional, como é o caso de Hungria e de Itália, é considerada a biblioteca localizada na capital desse país, por se considerar aqui um maior peso referencial. O Principado do Mônaco nao tem uma designada biblioteca nacional, sendo que as obras de ficçao para adultos se encontram englobadas na mediateca. Também a Irlanda do Norte nao designa nenhuma das suas bibliotecas com nacional, sendo aqui considerada a mais antiga biblioteca da capital do país.
2 Ver <http://www.revistaestante.inac.pt/os-Hvros-mais-traduzidos-de-sempre/>.
3 Ver <https://top10mais.org/top-10-Hvros-mais-vendidos-de-todos-os-tempos/>.
4 Ver <https://www.britanrtca.com/biography/Miguel-de-Cervartes#ref215817>.
5 Ver <https://www.theguardian.com/world/2002/may/08/humanities.books>.
6 Países transcontinental, como Russia, Cazaquistao, Azerbaijao, Geórgia, Turquia, Arménia e Chipre, foram considerados neste estudo, de forma a obter uma visao mais alargada das tendencias europeias.
7 No sistema informático de construçao de mapas, nao foi possível diferenciar a Irlanda do Norte por ser uma naçao constituirte do Reino Unido.
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© 2019. This work is published under https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/ (the “License”). Notwithstanding the ProQuest Terms and Conditions, you may use this content in accordance with the terms of the License.
Abstract
A indexaçâo é uma prática antiga e um trabalho complexo, nomeadamente no processo de determinação do assunto. Tratando-se de indexação de Literatura ficcional, a questäo torna-se mais difícil, devido à subjetividade e à muldimensionalidade da obra literária. Tradicionalmente, a Literatura não é indexada e os sistemas classificatórios abordam-na pela forma/género literario. Ao longo dos últimos anos, foram surgindo instrumentos de indexação por assunto de ficção narrativa que mostram que esta é possível e necessaria. Neste cenário, procura-se saber como se estão a comportar os principais serviços e sistemas de informação europeus, no que toca à indexaçâo de narrativas ficcionais. Para tal, realiza-se um estudo de caso exploratorio. Os resultados permitem concluir que a maioria dos países näo efetua indexação por assunto de narrativa ficcional e aqueles que efetivamente a fazem localizam-se no norte da Europa. São, portanto, necessários mais estudos e instrumentos para que esta prática se generalize.