Resumo
As neonarrativas de escravidao surgiram no cenário literario norte-americano com a publicaçâo de Jubilee, de Margaret Walker (1966), porém só tiveram efetivo reconhecimento nos anos oitenta, com o lançamento de Beloved, de Toni Morrison (1987). Concebidas como "romances contemporáneos que assumem a forma, as convençöes e a voz narrativa em primeira pessoa das narrativas de escravos produzidas antes da Guerra Civil" (RUSHDY, 1997), foram, aos poucos, se distanciando desse modelo e hoje podem ser consideradas transnacionais e globais, bem como dialógicas, polifónicas e transgenéricas, segundo Judith Misrahi-Barak (2014). Nessa perspectiva e com o suporte teórico dos Estudos Culturais e do conceito pós-moderno de metaficçâo historiográfica, este trabalho propöe a análise da representaçâo do sujeito diaspórico em O livro dos negros, do canadense Lawrence Hill (2014), que tem por temática a trajetória de escravos durante a vigencia do sistema escravagista. Ao deslocar a voz narrativa para o oprimido, Hill desafia o discurso da História, escovando-a a contrapelo.
Palavras-chave: Sujeito diaspórico; Neonarrativa de escravidao contemporánea; O livro dos negros
Abstract
Neo-slave narratives emerged on the American literary scene with the publication of Jubilee, by Margaret Walker (1966), but only had effective recognition in the 1980s, with the release of Beloved, by Toni Morrison (1987). Conceived as "contemporary novels that assume the form, adopt the conventions and take on the first-person voice of antebellum slave narrative" (RUSHDY, 1997), according to Judith Misrahi-Barak (2014), they were gradually distancing themselves from this model and today they can be considered transnational and global, as well as dialogic, polyphonic and transgenic. In this perspective and with the support of Cultural Studies and the postmodern concept of historiographic metafiction, this work proposes the analysis of the representation of the diasporic subject in The Book of Negroes, by the Canadian author Lawrence Hill (2014), which has as its theme the trajectory of slaves during the validity of the slave system. By shifting the narrative voice to the oppressed, Hill challenges the discourse of history, brushing it against the grain.
Keywords: Diasporic subject; Contemporary Neo-slave narratives; The book of negroes
Breve reflexäo sobre as neonarrativas de escravidäo
Ao propor a análise da representaçâo do sujeito diáspórico em uma obra que se caracteriza como neonarrativa de escravidäo contemporánea, buscamos, em primeiro lugar, reiterar o caráter transnacional e global dessas narrativas conforme a perspectiva de Misrahi-Barak (2014), que as considera como um desdobramento da versäo original do genero, definido por Rushdy (1997, p. 3) como "romances contemporáneos que adotam a forma, as convençöes e a voz narrativa em primeira pessoa das narrativas de escravos anteriores a guerra civil".
As primeiras narrativas de escravos (slave narratives) surgiram nos Estados Unidos ainda durante o período da escravidäo e, em sua maioria, säo biografias de escravos que, de algum modo, conseguiram chegar ao norte do país, conquistando a liberdade, dentre eles, Frederick Douglas e Harriet Jacobs. Foi por meio dessas narrativas que o movimento abolicionista procurou conscientizar o povo das atrocidades cometidas sob a égide do sistema escravocrata (NAKANISHI; NIGRO, 2019). Entretanto, depois da guerra, tendo a sua credibilidade e autenticidade questionadas, essas narrativas caíram no esquecimento (TORRES; PAIVA, 2019).
Segundo Rushdy (1997, p. 3), na década de 1960, graças a uma mudança de enfoque nos estudos académicos sobre o passado dos Estados Unidos - e consequentemente da historiografia sobre a escravidäo -, aliada aos movimentos sociais da época, em especial ao Black Power, as narrativas de escravos se tornaram objeto de estudo nas universidades.
Nesse mesmo período, em meio a luta por direitos civis, Jubilee, de Margaret Walker (1966), foi publicado, inaugurando uma nova vertente que Bernard Bell, em The Afro- American Novel and Its Tradition (1987), denominou "neo-slave narratives", ou seja, romances que se ambientavam no período escravagista e guardavam alguns traços das "slave narratives", como, por exemplo, as marcas de oralidade (DAVIS; GATES, 1991), apresentando, entretanto, características distintivas. Ao invés do caráter informativo que predominava nos textos escritos por escravos, elas introduziram inovaçöes formais que buscavam convocar a interpretaçâo do leitor. Segundo Misrahi-Barak (2014), seu efetivo reconhecimento ocorreu apenas após o lançamento de Beloved, de Toni Morrison, em 1987, considerado um divisor de águas.
Na última década do século XX, houve uma espécie de boom das neonarrativas de escravidäo, que näo mais se restringiam ao contexto afro-americano, expandindo-se e adotando formatos e abordagens diferenciados, abrindo espaço a polifonia e ao hibridismo textual.
É nesse contexto que este trabalho propöe a análise da representaçâo do sujeito diaspórico em O livro dos negros, do canadense Lawrence Hill (2014), enfatizando näo apenas o olhar crítico sobre a escravidäo, como também buscando evidenciar a reconfiguraçâo identitária dos sujeitos em diáspora, o processo de traduçâo cultural e o impacto do cativeiro na configuraçâo identitária dos escravos e dos seus descendentes.
1. O diálogo entre literatura e história em O livro dos negros
Lawrence Hill, autor de O livro dos negros, é canadense e filho de imigrantes ativistas dos direitos civis. Seu pai, Daniel G. Hill, foi um sociólogo afro-americano, descendente de pastores metodistas episcopais que foram escravos nos Estados Unidos. A influencia dos pais foi determinante para a visao de Hill sobre a migraçao e as questöes de identidade e pertencimento.
O livro dos negros foi publicado pela primeira vez em 2007 e obteve ampla repercussao, a ponto de inspirar uma minissérie filmada pela BBC. Devido a uma possível sensibilidade a palavra "negro" no título da ediçao canadense, a publicaçao foi intitulada Someone Knows My Name (Alguém conhece o meu nome) nos Estados Unidos, Austrália e Nova Zelandia.
O romance é especialmente relevante por abordar uma questao que tem sido ignorada pelos pesquisadores em geral: o papel do Canadá na diáspora africana. Ao elaborar uma obra que nao apenas desloca a voz narrativa para o oprimido, mas também traz a baila, ainda que pela via da ficçâo, parte dessa história desconhecida do grande público, Hill usa uma estratégia definida por Linda Hutcheon (1991) como metaficçâo historiográfica - ou seja, a apropriaçâo ficcional de personagens e/ou acontecimentos históricos para problematizá-los -, que constitui seu recurso para escovar a história a contrapelo (BENJAMIN, 1987).
Hill revisita o arquivo histórico - que é um documento de cultura, mas também de barbárie -, suplementando-o, pois, no arquivo colonial británico, nao há espaço para a voz do escravo. Conforme sinaliza Johnson, a narrativa histórica sobre o comércio de escravos é feita do ponto de vista daqueles que o controlam (JOHNSON, 2014, p. 155). O romance de Hill é, portanto, uma resposta a violéncia epistemica do arquivo colonial.
O título do livro se reporta a um documento histórico, "O livro dos negros", um registro de escravos que colaboraram com a coroa durante a Revoluçâo Americana1 (1775-1783). Em agradecimento a esse apoio, muitos deles foram alforriados. No romance, o registro desses nomes cabe a uma escrava, a narradora Aminata Diallo, que se distingue dos demais por saber ler, falar e escrever muito bem em ingles.
Ao mesmo tempo em que se configura como um registro de memórias, o romance traz para o centro da narrativa uma personagem que é representativa das vítimas do sistema escravocrata, incorporando uma das características das narrativas de escravidao retomadas na contemporaneidade.
De acordo com Rushdy (1997, p. 90), há tres subgéneros de neonarrativas de escravidao revisionistas contemporáneas: (1) o romance histórico sobre a escravidao (2) os romances que narram os efeitos da escravidao vivenciados por americanos contemporáneos; e (3) a narrativa genealógica que abrange a história de uma família de descendentes de escravos. O livro dos negros se enquadra na primeira categoria, sem, no entanto, se privar de incursöes na última, uma vez que a obra nos permite acompanhar o destino da descendencia da protagonista.
Em grande parte, o romance explora a tradiçâo das narrativas de escravos, utilizando a linguagem e os tropos do género, como, por exemplo, o fato de a nar- radora ser uma escrava que adquire literacia e liberdade, fazendo uso de ambas para colocar-se a serviço da causa abolicionista.
Boa parte da trama se desenrola nos Estados Unidos e na Nova Escocia, que atualmente é uma provincia do Canadá. Durante a Revoluçâo Americana, os escravos foram estimulados a participarem da luta com a promessa de alforria e terras. Como esse era um modo de escapar a crueldade dos senhores de escravos, muitos se aliaram aos regimentos británicos nessa luta. Após a guerra e a rendiçâo, esses escravos se uniram a dezenas de milhares de legalistas, ou seja, refugiados americanos que apoiaram a Coroa, e se estabeleceram na Nova Escócia. A massa humana que lá chegou era formada por soldados, civis, escravos e, inclusive, amerindios.
As primeiras ondas migratórias de refugiados ocorreram em 1783 e 1874, anos em que muito da açâo romanesca é narrada. O fluxo de pessoas demandou a criaçâo de duas importantes colonias, New Brunswick e Cape Breton, que se tornam, assim, cenário de parte da narrativa. Cerca de 3.000 legalistas negros, cujos nomes foram registrados no "Livro dos Negros", fundaram a comunidade de Birchtown.
A trajetória da protagonista, personagem totalmente ficcional, abrange estadas em tres continentes: África, Europa e América do Norte. No romance, o tránsito territorial corresponde também a um tránsito identitário, uma vez que, ao buscar se adaptar as culturas locais, a personagem passa pelo fenómeno da hibridizaçâo.
2. Deslocamento e identidade: o sujeito diaspórico em O livro dos negros
O conceito de diáspora envolve, como afirma Said (2003, p. 46), a expulsâo coletiva ou individual de pessoas de sua terra natal - o lugar antropológico, que é identitário, relacional e histórico (AUGÉ, 1994) - provocando, assim, uma fratura incurável, uma cisáo que provoca imensa tristeza e melancolia. Em consequencia, o sujeito diaspórico, ainda que impossibilitado de faze-lo, anseia pelo retorno. A argumentaçâo de Said gira em torno das transformaçöes interiores que esse individuo experimenta, embora nåo se detenha no deslocamento em si, aspecto que também abordaremos neste trabalho.
A experiencia da migraçâo forçada levou os negros capturados a uma redefiniçâo identitária, ou seja, a construçâo de novas formas de ser, agir e pensar no mundo, e a consequente construçâo de uma memória no entre-lugar da diáspora.
O livro dos negros narra a história da escrava Aminata Diallo desde sua captura, em 1757, até sua velhice, em Londres. O romance está dividido em 4 livros, em que a narrativa se alterna entre presente e passado, ao sabor das lembranças da narradora-protagonista.
2.1As narrativas do passado
Segundo Pierre Nora (1993, p. 15), o que hodiernamente chamamos de memória é, na realidade, o "estoque material daquilo que nos é impossivel lembrar". Essa impossibilidade nos faz recorrer ao arquivo, buscando articular a história com a memória, seja ela pessoal ou coletiva. Uma vez que o arquivo é um repositório de memórias: individuais e coletivas, oficiais e nao oficiais, lícitas e ilícitas, legitimadoras e subversivas (BRADLEY, 1999, p. 108-109), tentamos recontar e representar as histórias do passado por meio dele.
O formato memorialístico dado ao romance, como dito anteriormente, tem como objetivo, primeiro, aproximar-se estilísticamente das primeiras narrativas de escravidao. Em segundo lugar, a concessao de voz a uma escrava, dada a sua dupla exclusao, por ser negra e mulher, faz parte de um projeto do autor de tornar possível a eclosao de memórias subterráneas, condenadas ao silenciamento pela história (POLLAK, 1992, p. 6). Essas memórias, construídas na fronteira entre o dizível e o indizível, sao, via de regra, memórias traumáticas e envolvem os impasses da necessidade de narrar. Em O livro dos negros a narrativa tem a funçâo primeira de servir de instrumento para a luta em prol da aboliçâo, mas também de dar testemunho do horror e dar significado a existencia da narradora.
Como cada um dos livros dos quais o romance se constitui se reporta a uma fase específica da trajetória da personagem, neste artigo, as questöes inerentes ao deslocamento e a identidade na diáspora também obedecerao a esse critério.
2.1.1Livro 1: quando a terra é perdida para sempre
A narrativa se inicia em 1802, em um tom memorialístico, quando a narradora autodiegética, já idosa, está para comparecer a uma reuniao no Parlamento em favor da aboliçâo da escravatura. Dada a preocupaçao dos abolicionistas com a sua idade avançada, ela empreende uma viagem pelos meandros da memória e reflete sobre a sua surpreendente condiçao de sobrevivente a todo o sofrimento que tivera de enfrentar ao longo da vida: "Deve haver uma razao para eu ter vivido em todas aquelas terras, sobrevivido a todas aquelas encruzilhadas, enquanto outros foram assassinados ou fecharam os olhos e simplesmente decidiram morrer" (HILL, 2014, Livro 1, Cap. 1, p. 1/7).
Aminata nascera em uma aldeia em Bayo, onde fora sequestrada quando menina, após assistir ao assassinato de seus pais. Em sua velhice, cuidada por pessoas estranhas e separada de seus filhos, lucidamente percebe que, apesar de estar em Londres para um propósito digno, os que a cercam ainda a veem como um elemento exótico, parte de um mundo considerado primitivo. Essa visao é corroborada pelas palavras de uma menina branca, com quem trava um diálogo: "Perguntou-me o que eu comia. Meu avô disse que aposta que voce come elefante cru. Disse-lhe que, na verdade, eu nunca tinha dado uma mordida em um elefante, mas que houve épocas em minha vida em que tive tanta fome, que até tentaria" (HILL, 2014, Livro 1, Cap. 1, p. 3/7).
A conversa com a menina é o gancho para a narrativa. Aminata passa a escrever a história de sua vida e busca assegurar-se de que ela nao será alterada: "Caso eu morra antes de terminar a tarefa, instruí John Clarkson, um dos abolicionistas mais pacatos, mas o único em quem confio, para nao mudar nada" (HILL, 2014, Livro 1, Cap. 1, p. 4/7). Essa passagem refere-se claramente a um aspecto da publicaçâo das slave narratives: a necessidade de um documento escrito por um abolicionista atestando a sua veracidade. Nessas primeiras narrativas, muito do que era relatado foi alterado de modo a conquistar a simpatia de um público leitor cristâo.
O pai de Aminata, Mamadu Diallo, era fula2 e muçulmano, sua mâe, Sira Kulibali, era de origem bambara3. Mamadu era o único da aldeia a ter uma cópia do Alcorâo e a saber ler e a escrever. Desde pequena, a narradora ajudava a mâe, que era parteira, a trazer crianças ao mundo e, na idade adulta, lamentava-se de nâo ter podido criar os seus próprios filhos.
A partir do relato de sua captura por um grupo de negros de outra etnia, o romance avança em meio a narraçâo dos muitos dias e noites em que Aminata caminhara nua, junto a outros cativos, presa a um libambo, sem se alimentar e sem poder sequer rezar a Alá:
Na manhâ seguinte, entre a primeira luz da manhâ e o nascer do sol, tentei rezar novamente, mas outro captor bateu em mim com uma vara. Na noite seguinte, depois de mais uma surra, desisti de rezar. Eu havia perdido minha mâe, meu pai e minha comunidade (HILL, 2014, Livro 1, Cap. 3, p. 3/25).
Essa consciencia de perda das relaçöes com a comunidade onde nascera, entretanto, nâo é suficiente para provocar uma ruptura com as raízes, pois ela está determinada a nâo perder sua identidade e sua herança cultural.
Nessa longa caminhada, Aminata entra em contato com um jovem, Chekura, da aldeia de Kinta, que, muitos anos mais tarde, será seu marido. Aparentemente livre e apenas acompanhando o comboio, ele se afeiçoa a menina, procurando agradá-la. Nessas conversas, ele narra que, após a morte dos pais, fora vendido pelo tio e que aquela "era a terceira chuva em que os raptores usavam-no para ajudar na caminhada dos cativos até a grande água" Essa é a primeira vez em que Aminata ouve falar do oceano, onde presenciará atrocidades das quais jamais esquecerá.
Quando, finalmente, chegam ao cais e se deparam com a imagem imponente do navio, ela afirma que voltará. Nem mesmo a observaçâo melancólica de Chekura, que afirma nunca ter visto um cativo retornar, a demove dessa certeza: "- Entâo, eu dormirei durante o dia e andarei a noite. Mas, ouça, meu amigo: eu voltarei" (HILL, 2014, Livro 1, Cap. 3, p. 22/25).
Segundo Safran (1991), a diáspora teve um efeito característico na maioria dos cativos, ensejando: a luta pela manutençâo de uma memória coletiva; a existencia de uma perspectiva comum e de uma visâo mítica da terra natal; a crença de que a aceitaçâo plena na sociedade hospedeira nâo é possível e o desejo de retorno a terra natal ancestral. Se a vontade de Aminata, expressa nessa passagem citada, ecoa o anseio dos cativos, a resposta de Chekura reflete a experiencia de quem esteve, ainda que obrigatoriamente, a serviço dos captores.
Vijai Mishra (2007, p. 12) afirma que, "frequentemente os relatos diaspóricos" - e, consequentemente, a literatura sobre a diáspora - "evocam um momento de trauma na terra natal". No caso de Aminata, a experiencia traumática na África está associada a violencia que resultou em seu cativeiro e no assassinato de seus pais. Vida afora, a personagem carrega consigo a lembrança dos últimos momentos de vida de ambos. Porém, nada disso se compara a experiencias posteriores, vividas dentro da embarcaçâo e sob as ordens de seus futuros senhores.
Entristecida, ao ver que Chekura de guia também passara a prisioneiro, Aminata lança um último olhar a sua terra: "Havia montanhas a distancia; uma delas erguia-se como um enorme leáo. Mas toda a sua força estava presa a terra. Nâo podia fazer nada por nós na água" (HILL, 2014, Livro 1, p. 65/65).
O relato do trajeto de Aminata na passagem do meio, ou seja, na rota transatlántica do comércio de escravos, é táo contundente quanto os que constam das primeiras narrativas de escravos. Ao final do último capítulo do Livro 1, Aminata é atirada ao poráo do navio e começa a pensar em si mesma como uma djeli, uma contadora de histórias tribal:
Quando fui carregada escada acima e jogada, como um saco de farinha, no convés do navio dos toubabus, busquei conforto imaginando que era uma djeli, e que precisava ver e me lembrar de tudo. Meu propósito seria testemunhar e preparar-me para depor. Papai náo deveria ter ensinado sua filha a ler e escrever em árabe. Por que quebrou as regras? Talvez soubesse que algo estava por vir, e quisesse que eu ficasse pronta (HILL, 2014, Livro 1, Cap. 4, p. 1/38).
É como testemunha, na perspectiva que Émile Benveniste (1969) denominou superstes4, que, na velhice, Aminata narra a sua saga e os terríveis eventos que faziam com que os sobreviventes tivessem pesadelos. É em honra dos que náo sobreviveram que ela se dispöe a narrar o horror: "Ao contar minha história, lembro-me de todos os que náo resistiram a bala de mosquete, aos tubaröes e aos pesadelos; todos os que nunca encontraram um grupo de ouvintes, e os que nunca tocaram em uma pena e em um tinteiro" (HILL, 2014, Livro 1, Cap. 4, p. 2/38).
O fato de Aminata falar fulfulde e maninka confere-lhe certo favorecimento, uma vez que é a única a bordo capaz de comunicar-se com alguns dos cativos. Ao entrar no poráo imundo, cheio de negros amontoados como animais, sua reaçâo é de terror e espanto:
Os homens gritavam nas mais diversas línguas. Gritavam preces árabes, gritavam em fulfulde, em bamanankan e em outras línguas. Todos pediam as mesmas coisas: água, comida, ar, luz. Um deles clamava estar acorrentado a um morto. Sob a luz bruxuleante, pude ve-lo tocar o corpo inerte preso a ele, pé com pé. Gelei e quis gritar. Náo, disse para mim mesma. Seja uma djeli. Veja e recorde-se (HILL, 2014, Livro 1, Cap. 4, p. 10/38).
Na África Ocidental, há castas específicas em que as pessoas sáo formadas para contar histórias e resguardar a genealogia (SANTOS, 2015). Aminata sabe que a funçâo social do djeli é ser depositário da palavra e transmissor da tradiçâo. Embora náo pertença a nenhuma casta que a habilite para tal, ela sabe que a ela caberá narrar a tragédia que se abate sobre os escravos que viajam com ela naquele navio:
Um dia, se acaso voltar para casa, talvez façam uma exceçao e permitam que eu me torne uma djeli, uma contadora de histórias. Â noite, na aldeia, enquanto o fogo brilhasse e os velhos bebessem chá açucarado, visitantes viriam de longe para ouvir minha curiosa história. Para ser uma djeli, era preciso ter nascido em uma família especial. Eu desejava isso, pela honra de aprender e contar as histórias da nossa aldeia e de nossos ancestrais [...]. Dizia-se que, quando um djeli morria, a sabedoria de uma centena de homens morria com ele (HILL, 2014, Livro 1, Cap. 4, p. 1/38).
O compartilhamento do sofrimento tornou-se um elo entre negros de diversas etnias, caracterizando-se como um dos traços do trauma coletivo (SPIVAK, 2006). Para os brancos que os aprisionavam, os escravos nao eram mais do que animais e, por isso mesmo, buscavam identificar-se. Em meio a miseria de sua condiçao, dizer e ser chamado pelo próprio nome passa a ser o único traço de humanidade possível: "No escuro, os homens repetiram meu nome e diziam os seus, enquanto eu passava. Queriam que eu os conhecesse. Soubesse quem eram" (HILL, 2014, Livro 1, Cap. 4, p. 10/38).
Aminata se define em várias passagens do romance como uma migrante, um ser em permanente deslocamento. De fato, sao muitos os lugares pelos quais passa e vive temporariamente. Quando chega a América, dois meses depois da captura, apenas dois terços dos escravos estao vivos. Muitos haviam morrido em uma tentativa de motim, outros se atiraram ou foram atirados ao mar:
Aqueles que foram eliminados do animal ondeante afundaram, rapidamente, para a morte, e nós, que permanecemos, apodrecemos mais devagar, enquanto o veneno corroía nossas entranhas. Ficamos com a besta até que a nova terra encontrou nossos pés [...]. Talvez aqui, nesta nova terra, permaneçamos vivos (HILL, 2014, Livro 1, Cap. 4, p. 38/38).
Assim como os imigrantes que se deslocam para outro país, movidos por necessidades económicas, para escapar de conflitos bélicos ou perseguiçao religiosa, Aminata busca apenas sobreviver. Na Ilha de Sullivan, enfraquecida pela diarreia e abatida pelo horror que testemunhara, ela ainda tenta apegar-se a sua fé, mas logo desiste, pensando que Alá está muito distante de todos eles.
Ao ser, finalmente, levada ao mercado onde será vendida, Aminata se surpreende ao ver como as casas sao organizadas:
Na minha terra, as cidades que eu conhecia eram formadas ao redor de um círculo, de modo que todos pudessem ficar juntos. Neste lugar, as pessoas andavam em todas as direçöes, em ruas empoeiradas, as vezes lado a lado [...]. Eu nao acreditava poder encontrar o caminho certo em um lugar assim (HILL, 2014, Livro 2, Cap. 2, p. 7/18).
Tudo o que ve lhe causa estranheza: a cidade, os brancos, os negros que, surpreendentemente, andam livres por todo lado, a carregar mercadorias, mas, principalmente, a sujeira espalhada por todos os lugares: "As ruas e as sarjetas estavam cobertas de lixo. Frutas podres, gatos mortos, fezes humanas e carne esverdeada, tudo isso sendo selecionado por pássaros da morte, barrigudos, com grandes asas, que circulavam, rodeavam e faziam acrobacias no ar" (HILL, 2014, Livro 2, Cap. 2, p. 7/18).
Aminata percebe que terá de armar-se de coragem para resistir ao que a espera. O sofrimento faz com que amadureça muito cedo: "Quería tornar-me a mulher que crescia dentro de mim, para encontrar minha dignidade e nunca mais perde-la" (HILL, 2014, Livro 2, Cap. 2, p. 7/18). Essa dignidade implicava também a manutençâo das raízes. Nao importa o quanto os proprietarios de escravos tentassem separá-los de suas tradiçöes, os escravos estavam determinados a nao deixá-las desaparecer, o que permitiu o surgimento de uma cultura híbrida, sincrética, sob a estrita vigilancia dos proprietarios das plantaçöes. Esse ato de criar uma cultura própria foi um ato de rebeliao.
Até entao, a visao que Aminata tinha do mundo que a cercava se resumia as diferenças tribais, aos dialetos usados pelos grupos étnicos que conhecia e a presença hegemônica dos toubabus, os brancos que os aprisionavam. Nunca havia pensado no território que havia deixado como algo maior; pois nao tinha ideia do que era um continente. Essa concepçao começa a tomar forma quando ela encontra um jovem negro que fala bamanankan. Estranhamente, ele nao tem nenhuma marca que identifique a sua tribo e, logo, ela descobre que ele nascera naquela terra para onde tinha sido levada e que era filho de mae bambana. Por meio dele, fica sabendo que todos os que vieram com ela no navio eram oriundos de uma terra imensa, denominada África, de onde ela, Aminata, também viera, e eram denominados africanos. Conforme afirma Boulukos, "Na África Ocidental [...] a diversidade de culturas é tao grande que qualquer identidade 'africana' ampla e generalizada seria incoerente; tal identidade só é possível após a chegada [a] um navio negreiro e a experiencia da passagem do meio" (BOULUKOS, 2007, p. 248, minha traduçao5). Essa descoberta de uma identificaçao comum, que ia além da identidade tribal, proporciona a Aminata um novo olhar sobre si mesma.
O homem lhe ensina outras coisas, como a importancia de se alimentar, ficar forte e tornar-se valiosa: a receita para a sobrevivencia no cativeiro. Ele também a adverte sobre o perigo de professar a sua fé nessa nova terra.
2.1.2Livro 2: uma identidade em transformaçao
Comprada por Robinson Appleby, Aminata é levada a plantaçao de índigo onde passa a viver e a trabalhar como escrava. Devido a dificuldade de Georgia, uma cativa que lá estava há algum tempo, em pronunciar o seu nome, os outros escravos passam a chamá-la de Meena, nome que vem a definir a sua nova identidade: "Nesta nova terra, eu era africana. Nesta nova terra, eu tinha um nome diferente, dado por alguém que nao me conhecia. Um novo nome para a segunda vida de uma menina, que sobrevivera a travessia do grande rio" (HILL, 2014, Livro 2, Cap. 3, p. 5/40).
Com a ajuda de Georgia, começa a aprender gullah6 e ingles. Na maior parte do tempo, é o capataz da fazenda, Mamed, um negro nascido na América, quem controla o trabalho dos escravos. Por meio de Georgia, Aminata descobre que o pai de Mamed era branco e que o vendera para Appleby. Pequena demais para compreender o que faz de um homem, independentemente de sua cor, dono de outros homens, ela faz muitas perguntas a Georgia, que tenta ensinar-lhe que a vida de um escravo se resume ao trabalho.
Aminata tem habilidades particulares, sabe semear usando o calcanhar e os dedos dos pés, sabe fazer partos e começa a se distinguir dos demais: "Nunca vi alguém da África aprender tâo depressa [...] - Mas cuidado, garota. Se voce souber demais, alguém poderá matá-la (HILL, 2014, Livro 2, Cap. 3, p. 21/40).
Por meio de Georgia, Aminata descobre um modo de obter noticias de Chekura, de quem fora separada na Ilha Sullivan: o arrastâo. Segundo a escrava, "as bocas dos negros sao como rios" (HILL, 2014, Livro 2, Cap. 3, p. 19/40). Em seus trajetos, eles trocam informaçöes. Enquanto espera por noticias, ela continua a aprender a produzir a tintura que os brancos tanto apreciavam.
Quando Mamed descobre que Aminata também é muçulmana, começa a ensinar-lhe, secretamente, a ler e a escrever em ingles. Os conhecimentos de Mamed sobre a produçâo de índigo faziam dele um escravo especial e, por isso, tinha algumas regalias, como o acesso a livros. Georgia lhe ensinara como sobreviver na terra dos brancos, mas Mamed era o único capaz de dar-lhe condiçöes de escapar e voltar a sua terra.
O arrastâo faz com que Chekura descubra onde ela está e venha ve-la muitas vezes. Atento as visitas, Appleby violenta Aminata, que, a partir de entâo, começa a articular um modo de fugir e voltar para a África:
Sabia que precisaría entender a lingua dos buckras para sobreviver entre eles, por isso, devorava as liçöes de Mamed. Logo, eu podia ler tâo bem quanto ele, e nâo havia muito mais que ele pudesse me ensinar. Foi desapontador saber que Mamed nâo tinha ideia de como uma pessoa poderia chegar a África. A única coisa que dizia era que nunca ouvira falar de um escravo que tivesse voltado para lá, ou sequer tentado faze-lo (HILL, 2014, Livro 2, Cap. 4, p. 2/22).
Por muito tempo, seguindo o conselho de Mamed, Aminata consegue ocultar o fato de que havia aprendido a ler e a escrever em ingles, até que Appleby recebe a visita de Solomon Lindo, o inspetor de indigo da Carolina do Sul e, na presença dele, utiliza o ingles conforme é falado pelos brancos. Isso desperta a curiosidade de Lindo, que, por meio de um ardil, confirma que ela sabe ler. Entretanto, ele nâo a denuncia.
Algum tempo mais tarde, já com dezesseis anos, Aminata dá a luz um filho de Chekura, mas, quando o bebe completa 10 meses, Appleby o vende e ela jamais o encontra novamente. Abatida, Aminata entrega-se a apatia. Vendo que ela nâo mais será útil, Appleby a vende para Solomon Lindo.
A separaçâo de familiares foi uma estratégia usada pelos senhores de escravos para evitar levantes. Se, por um lado, a perda de um filho e o distanciamento do marido fora um dos momentos mais trágicos da sua existencia, por outro, a vida com os Lindo em Charles Town mostra-se suportável. Objetivando explorar a capacidade de Aminata, Solomon ensina-lhe aritmética e o sistema monetário, de modo que esta passa a escriturar os seus livros contábeis e também a fazer partos de modo autónomo.
Apesar de ser bem tratada, Aminata nao desiste da ideia de retornar a África e fica frustrada quando Lindo lhe mostra um mapa do continente africano, pois, ao invés de encontrar os nomes das aldeias conhecidas, havia vastos espaços važios com figuras de animais selvagens. Essa passagem evidencia a ignorancia dos cartógrafos de entao; mas também demonstra que, assim como o seu lugar de nascimento, ela é inexistente aos olhos do império. Aminata concluí que precisará compreender "o mundo dos brancos bem o bastante para descobrir como sair dele (HILL, 2014, Livro 2, Cap. 5, p. 28/28).
Em 1775, as colónias foram assoladas com surtos de variola e sífilis e o número de mortos aumentou tanto que os navios negreiros foram proibidos de atracar na Ilha de Sullivan. Nesse contexto, Aminata e Chekura se reencontram depois de muitos anos. Ele fora enviado a Georgia pouco antes de o filho de ambos ter sido vendido e desde entao, tinha estado a procura da mulher. Agora com 30 anos, ela reflete sobre o tempo perdido. Por meio dele, ela vem a saber que seu filho fora vendido para um dono de plantation da Georgia e que, cerca de um ano depois, morrera de variola. Para a tristeza de Aminata, ela descobre que seu senhor, Lindo, fora o intermediário da venda.
2.1.3Livro 3: um ensaio de liberdade
Com a partida de Chekura para Low Country e as dificuldades financeiras de Lindo, Aminata passa fome pela primeira vez desde que chegara a Charles Town. Em uma tentativa de reerguer-se financeiramente, Solomon Lindo vai a Nova York e a leva para escrever cartas e atualizar os seus livros. Em Manhattan, a caminho do local onde ficariam hospedados, Aminata ve pela primeira vez o local onde em breve irá morar, Canvas Town, um amontoado de tendas e barracos, habitados por negros.
No hotel, Aminata é encarregada de fazer seu registro e exulta ao poder assinar o seu próprio nome:
[...] escrevi meu nome no livro de registros: Aminata Diallo. Considerei o fato de poder escrever meu nome verdadeiro na cidade de Nova York um bom sinal. O simples ato de escreve-lo, movimentando a pena com delicadeza e segurança, na caligrafia que a Senhora Lindo tao pacientemente me ensinara, selou um contrato particular que eu havia feito comigo mesma. Eu escrevera meu nome em um documento público, e era uma pessoa, com o mesmo direito a vida e a liberdade quanto o homem que dizia me possuir. Eu nao voltaria a Charles Town (HILL, 2014, Livro 3, Cap. 2, p. 4/39).
Com Sam, o dono do hotel, Aminata obtém informaçöes sobre onde esconder-se se vier a fugir, mas, para sua tristeza, descobre que nao há navios para a África partindo de Nova York. Ela teria de ir a Inglaterra e correr o risco de ser aprisionada novamente. Naquele mesmo dia, o confronto entre británicos e cidadaos das colónias começa a agravar-se e, por sugestao de Sam, que lhe dá um cobertor e alimentos, ela foge e se esconde na floresta. Esse é o momento em que recupera a liberdade.
Após a partida de Lindo, Aminata passa a ajudar Sam no hotel em troca de comida e abrigo e começa a ensinar os escravos a ler e a escrever na Igreja Trinity. Com a ajuda de uma de suas alunas, consegue material suficiente para construir um barraco em Canvas Town.
Cerca de um ano depois, Aminata le em um jornal que Lord Dunmore, governador do estado da Virgínia, prometía liberdade aos negros que estivessem dispostos a lutar junto aos británicos na guerra. Durante os sete anos em que os británicos retomaram Manhattan, os negros capazes obtiveram emprego e Aminata voltou a ser paga para fazer partos e, algumas vezes, provocar abortos com ervas medicinais.
Com a rendiçâo británica, em 1782, vários senhores de escravos começaram a fazer incursöes nos locais habitados por negros, como Canvas Town, em busca de mao de obra para as fazendas. A promessa de terras e liberdade faz com que os negros aceitem a proposta dos británicos, que estao em retirada, para formar uma comunidade em Nova Escócia, uma das colonias situada onde hoje é o Canadá.
Graças aos seus conhecimentos das línguas africanas, Aminata é convocada para ajudar a divulgar e a registrar os nomes dos escravos. Nesse mesmo dia, Chekura reaparece, depois de nove anos, e ambos decidem ir juntos para a Nova Escócia. Enquanto esperam a data do embarque, Aminata trabalha no registro dos passageiros dos navios e percebe que muitos brancos estao entre os legalistas. Quando, finalmente, permitem o seu embarque, ela está grávida novamente. Entretanto, Chekura é obrigado a seguir sozinho para Annapolis Royal, porque alguém havia reclamado a posse de Aminata. Alguns dias mais tarde, ela descobre que Appleby havia tido noticias de seu paradeiro e se apresentara como seu dono. A confusao só se desfaz quando Lindo aparece e atesta ser ele o seu senhor, libertando-a em seguida.
Os negros legalistas logo descobrem que sua situaçao em Nova Escócia nao seria muito diferente da que tinham na América, pois a promessa nao foi cumprida. Sozinha em um lugar estranho, Aminata recorre novamente ás suas habilidades para sobreviver: amparar crianças e ensinar as pessoas de Birchtown a ler.
Conforme afirma John Berry (2004), o modelo mais comum de aculturaçao é integrativo e ocorre quando o migrante adota práticas culturais do país de acolhimento sem abrir mao de suas raízes. No romance, é possível observar que mesmo estando longe de sua terra e em meio a pessoas de diversas culturas, Aminata ainda preserva algo de suas origens, como a recusa a comer carne de porco por motivos religiosos.
Com o passar do tempo, Aminata percebe que se nao soubesse ler e escrever em ingles, jamais teria conseguido sobreviver. Assim, quando recebe notícias de negros fugitivos recapturados e de outros tantos que morreram de fome ao relento, Aminata conversa com o filho ainda no ventre: "nunca deixarei que prendam, com um contrato, nem a mim nem a voce [...]. A primeira coisa que pretendo ensiná-lo é de onde vim e quem é o seu povo. A segunda é ler e escrever (HILL, 2014, Livro 3, Cap. 4, p. 13/18).
Outro traço de aculturaçâo de Aminata é a adesâo a comunidade em que se encontra. Fora assim em Canvas Town e o mesmo se repete em Birchtown. Como os demais, ela comparece aos cultos dirigidos por Papai Moses, um velho escravo que é o líder comunitario, mas nao sem usar seu senso crítico:
Duas vezes por semana, eu assistia aos serviços de Papai Moses. Reclinado sobre o pulpito de modo a ficar em pé sem ajuda, ele gritava e se esgoelava até ficar rouco. As vezes, seus olhos se reviravam e ele caía para trás, nos braços de dois diáconos. Nos bancos da igreja, os congregantes davam pulos, agitavam-se e desfaleciam. Nunca me vi renascida dessa maneira, mas enquanto os outros ficavam extasiados, eu pensava em meu pai lendo o Alcorao, e perguntava-me o que pensaría ele sobre tais arroubos de piedade (HILL, 2014, Livro 3, Cap. 4, p. 14/18).
A passagem de Aminata por Birchtown traz-lhe vários momentos dolorosos. Sem noticias de Chekura, ela dá a luz uma menina, May, e, por algum tempo, sente-se feliz. Quando começa a trabalhar para o casal Whiterspoon, sequer pode imaginar que eles partiriam para Boston levando sua filha com eles.
Nos quatro anos seguintes, Shelburne entra em decadencia e muitos legalistas fecham seus negocios e voltam para os Estados Unidos. Somente os negros de Birchtown ficam e Aminata permanece com eles até que surge o Tenente John Clarkson propondo-lhes um retorno a África, onde formariam uma colonia, receberiam terras, sementes para o plantio e gozariam de igualdade política e racial. Como em outras vezes, Aminata é convocada para fazer as anotaçöes e, em 1791, acompanha-o a Halifax, onde recebe a noticia da morte de Chekura no naufragio do navio Joseph.
2.1.4Livro 4: o caminho de casa
A historia de Aminata é feita de dor e superaçao. Sua viagem para a África, a bordo do Lucretia, conquanto perigosa, em nada se assemelha a travessia da passagem do meio. É com emoçao que ve os contornos de sua terra ao longe, na chegada:
Meus olhos esquadrinharam as montanhas verdes. De minha infancia, lembrei-me do perfil das costas e da cabeça do leao. Serra Leoa - a Montanha do Leao - ergueu-se tao nitidamente na península, que meu desejo era tocá-la [...] até que a costa com a montanha em forma de leao surgisse, eu duvidava que voltasse para o local de onde havia partido. Seria esperar muito (HILL, 2014, Livro 4, Cap. 1, p. 1/24).
No caso específico da diáspora africana, a perspectiva do retorno era praticamente impossível, razao pela qual os sujeitos diaspóricos buscavam encontrar meios de manter viva a memória étnica, ainda que em diálogo com as práticas da sociedade hospedeira.
Aminata sempre soubera estabelecer o diálogo entre culturas, adaptando-se as situaçöes que surgiam, tendo em mente o firme propósito de voltar a sua terra natal. No entanto, naquele momento, desprovida de sonhos e longe das pessoas que amava, sente-se vazia.
Logo, os negros de Birchtown tomam conhecimento de que o local onde estao é muito próximo da Ilha de Bance, de onde os traficantes partem nos navios negreiros, e ficam receosos, mas sao acalmados com promessas de autossuficiencia e liberdade.
Para estabelecer a colonia de Freetown, os negros que vieram da Nova Escócia tiveram de construir casas, igrejas, armazéns e estradas, porém sempre nos limites da cidade, pois a Companhia de Serra Leoa nao tinha como protege-los além deles. Mais realista do que os demais, Aminata tem certeza de que "nenhum lugar do mundo era totalmente seguro para um africano e, para muitos [...] a sobrevivencia dependía de uma eterna migraçao" (HILL, 2014, Livro. 4, Cap.1, p. 10/24). Intimamente, ela percebe que aquela é mais uma etapa da sua peregrinaçao pelo mundo e o inicio de uma outra versao identitária:
Na Carolina do Sul consideravam-me africana. Na Nova Escócia, tornara-me legalista ou negra, ou ambos. De volta a África, era vista como nova-escocesa, e, em alguns aspectos, era mesmo. Certamente, eu era mais nova-escocesa do que africana quando as mulheres temnes agruparam-se ao meu redor, com cereais e aves penduradas e cestos de frutas equilibrados na cabeça (HILL, 2014, Livro 4, Cap. 1, p. 11/24).
A fim de poder comunicar-se com o povo local, os temnes, os únicos que poderiam levá-la ao interior e a sua aldeia, Aminata aprende a sua lingua:
Mas mesmo aprendendo, diariamente, novas palavras e frases, perguntava-me quem exatamente era eu e o que me tornara, após mais de trinta anos nas colônias. Sem meus parentes, meu marido, filhos ou qualquer pessoa com quem falar as linguas de minha infancia, que parte de mim ainda era africana? Eu nao me sentiria em casa até que voltasse para Bayo (HILL, 2014, Livro 4, Cap. 1, p. 11/24).
Assim como acontecera na Nova Escócia, os britanicos nao honram o compromisso e os colonos se veem novamente em uma relaçao de dependencia absoluta. Ao invés da liberdade e da autonomia econômica, encontram-se em uma condiçao de trabalho forçado. Aminata se adapta a essa nova realidade, pensando em Freetown como uma ponte para o reencontro com seu verdadeiro lar.
Anos mais tarde, com a ajuda de um médico que viajava nos navios negreiros, ela descobre que o único modo de voltar a Bayo é acompanhar o trajeto dos traficantes de escravos. Mesmo sendo advertida sobre o risco de ser capturada e vendida novamente, decide fazer um acordo com um traficante e segue com o grupo. No meio da viagem, ela os ouve conversando em fulfulde e descobre que pretendem vende-la. Â noite, ela foge e consegue a ajuda de um pastor de cabras. Enquanto tenta se fortalecer para voltar a Freetown, ela finalmente exerce a funçao que tanto desejara: a de uma djeli, narrando a sua própria história e a de todos aqueles que cruzaram o seu caminho.
Ao longo do mes em que recebe abrigo do pastor e sua família, descobre que o seu maior desejo nao é mais voltar a Bayo, mas continuar livre e ajudar outros a conquistarem a liberdade. Finalmente, percebe que o único modo de faze-lo é aceitar a oferta de Clarkson, ir a Londres e contar aos abolicionistas o que lhe acontecera quantas vezes houvesse necessidade.
Nesse capítulo, fica clara a intençao de Lawrence Hill de usar a política do retorno dos sujeitos diaspóricos negros a África para expor um sistema colonial corrupto. A sobrevivencia de Aminata deveu-se unicamente a sua capacidade de adaptaçao e a sua inteligencia.
2.2 A narrativa do presente
No romance, a narrativa do presente é fracionada, restringindo-se a capítulos isolados em cada um dos quatro livros. No Livro 1, o capítulo intitulado "E agora sou velha", situado temporalmente em 1802, serve de introito a narrativa.
O capítulo "E minha história aguarda como uma fera adormecida" se passa em 1803 e é um relato da tentativa dos abolicionistas em persuadi-la a escrever sua história sem, no entanto, incorrer em uma defesa direta da aboliçao da escravatura. Em seu ponto de vista, as conquistas deveriam ser paulatinas, mas Aminata nao consegue entender o motivo.
Em "Naçöes tao abençoadas quanto voce", no Livro 3, cujo recorte temporal é o ano de 1804, Aminata é obrigada a acompanhar os abolicionistas em um culto da igreja anglicana. Entediada, ela nao se furta a fazer comparaçöes com os cultos que assistiu em Birchtown:
Ninguém vai me convencer a visitar uma igreja anglicana, nunca mais nesta vida. Se Deus tiver de ser saudado, que seja entre os batistas de Birchtown ou Freetown. Pelo menos eles dançam quando clamam por Jesus, e gritam tao alto que até os semimortos ficam acordados (HILL, 2014, Livro 3, Cap. 1, p. 3/6).
O último capítulo do Livro 4, "A grande dj eli da academia", narra a chegada de Aminata a Londres, no ano de 1802. A sensaçao de espanto da protagonista encontra paralelismo nas impressöes que tivera no dia em que chegara a Ilha de Sullivan. Os contrastes entre as colonias e a metrópole causam estranheza em uma mulher que passara a vida em tránsito, tendo de reinventar-se em cada lugar de passagem:
Os brancos de Freetown eram homens da Companhia e suas esposas, vivendo nas melhores residencias, recebendo os melhores salarios e comendo as melhores provisöes. Mas na Inglaterra... Na Inglaterra... Vi um homem aleijado, usando pedaços de pau no lugar de muletas, com a mao espalmada pedindo dinheiro. Vi cegos esmolando, vi filhos de mulheres mutiladas, sujos e com o nariz escorrendo em todas as esquinas. Parecia que metade de todos os ingleses tinha, pelo menos, um dente podre, escuro e inflamado. Vi pessoas mal-agasalhadas, tremendo de frio, tossindo, espirrando e morrendo. Homens em roupas rasgadas tinham de pular, as vezes em valas fétidas, quando cavalos e carruagens vinham de encontro a eles. Gritos, pedidos e acusaçöes enchiam meus ouvidos. O ar tinha um cheiro acre de madeira queimada, comida podre e carne jogada das portas das lojas (HILL, 2014, Livro 4, Cap. 5, p. 2/22).
Alguns dias mais tarde, ela é levada a sede do Comite para a Aboliçâo do Tráfico de Escravos e reage quando um dos homens presentes diz que eles escreverâo um relato da sua vida: "- Sem orientaçâo, muito obrigada. Minha vida, minhas palavras, minha caneta. Sou capaz de escrever" (HILL, 2014, Livro 4, Cap. 5, p. 8/22). Esta passagem do texto aponta para a crença vigente a época de que os negros possuíam menor faculdade mental. Ser capaz de escrever as próprias memorias, como afirmam Nakanishi e Nigro (2019, p. 81), é uma forma de provar sua capacidade intelectual e pôr em xeque o estereotipo de ser nao pensante. Nas slave narratives havia sempre a necessidade de um prefácio escrito por um branco e alguma forma de autenticaçâo atestando o caráter e a credibilidade do escravo. Por meio do romance, o autor contesta essa prática.
Os traficantes tentavam manter seus negocios afirmando que a escravidao era uma instituiçâo humanitária, que resgatava os africanos das barbáries cometidas em sua terra. Mediante tais afirmaçöes, ela sente o quao imperioso é o seu desejo de narrar. Diante de membros do comite e jornalistas, ela conta a própria história com riqueza de detalhes e entrega uma versao escrita do seu relato.
Em meio aos curiosos que a esperam todos os dias a saída do comite, Aminata ve o rosto de uma jovem negra que lhe diz algo que nao compreende. Repreende a si mesma imediatamente, proibindo-se de sonhar. O sonho se torna realidade quando, nesse mesmo dia, a jovem a procura na casa onde está hospedada e se identifica como May, a filha que Aminata julgava perdida para sempre.
Os Whiterspoon nunca haviam mudado o seu nome, nem esconderam que ela fora, segundo eles, "adotada", mas alegavam que tinha sido abandonada por uma africana. May tinha vaga lembrança de Aminata, e, desde o início, questionava a história. Os Whiterspoon levaram-na de Shelburne para Boston, e, de lá, para a Inglaterra. Com o tempo, a afeiçâo pela menina se desfez e, em Londres, ela era tratada como uma criada. Aprendera a ler e a escrever, a servir refeiçöes e a fazer as tarefas domésticas e, embora nunca tenha sido chamada de escrava, jamais recebera pagamento pelos seus serviços. Quando fugiu de casa, aos 11 anos, foi acolhida por um pregador e sua esposa e ganhava a vida lecionando em uma escola para negros pobres.
Aminata tem, assim, parte dos seus desejos realizados, contudo se decepciona quando descobre que a sua história nao foi usada na luta pela aboliçâo da escravatura, mas apenas para uma moçao pelo fim do tráfico negreiro7.
O capítulo se encerra com a decisao de negar aos abolicionistas a reivindicaçao de publicar a sua história, uma vez que desejam corrigir as partes que nao conseguem comprovar. No capítulo dois, ela já cogitava o que aconteceria com o seu relato depois da sua morte:
Se eu viver tempo suficiente para acabar minha história, esta sobreviverá a mim. Tempos depois que eu tiver retornado ao espírito de meus ancestrais, ela talvez espere na Biblioteca de Londres. Äs vezes, imagino o primeiro leitor que se deparar com a minha história. Será uma garota? Talvez uma mulher. Um homem. Um ingles. Um africano. Uma dessas pessoas encontrará minha história e a passará adiante. E entao, creio, terei vivido por uma razao (HILL, 2014, Livro 2, Cap. 1, p. 5/5).
O fim do romance aponta para essa razao: o amor a liberdade e a necessidade de narrar.
Consideraçöes finais
Ao longo do artigo, buscamos demonstrar que O livro dos negros, cuja temática é a trajetória de escravos durante a vigencia do sistema escravagista, é uma neonarrativa de escravidao contemporánea.
Se comparadas as narrativas de escravos tradicionais, que se configuravam como meras autobiografias, as neonarrativas sao, em essencia, uma forma de ficçao histórica, mais específicamente, metaficçöes historiográficas e trazem no bojo uma análise crítica de um dos mais trágicos eventos da história humana.
No caso específico de O livro dos negros, Lawrence Hill aceita o desafio ético e estético de reimaginar o período da escravidao na perspectiva de um autor do século XXI e busca explorar aspectos da história da diáspora africana que tem sido sistematicamente ignorados, suprimidos ou esquecidos. Por muito tempo, os registros do arquivo histórico consistiram em narrativas mestras, elaboradas por um poder hegemônico que negou aos negros escravizados o papel de agentes ativos na formaçao da cultura afro-americana.
Em seu romance, Hill promove a reescrita da Revoluçao Americana na perspectiva de um grupo social excluído e desconstrói concepçöes largamente difundidas como, por exemplo, a de que o Canadá foi um "paraíso" para os negros durante o período da escravidao. Essa versao é refutada com a narraçao do desamparo, da violencia e da discriminaçao sofridas pela protagonista na Nova Escócia.
Detentora da voz, a protagonista revela como as memórias subterráneas, ao eclodir, colidem com o discurso oficial e, por vezes, sao por ele modificadas. O relato de Aminata Diallo abrange a sua vivencia em tres continentes, bem como as transformaçöes as quais está exposto o sujeito diaspórico, dando enfase a relaçao entre a identidade, compreendida aqui como construto discursivo, e as práticas culturais. Em sua trajetória, Aminata desenvolve estratégias de identificaçao que possibilitam o diálogo com culturas diferentes da sua. Ä medida que o tempo passa, fica mais evidente que a pátria perdida é irrecuperável. Nao só porque, ao longo de décadas, nenhum lugar permanece o mesmo, mas, principalmente, porque, na condiçao de migrante, ela também nao é mais a mesma pessoa.
A própria valorizaçao do relato como elemento modificador do establishment, implícita no título do capítulo "A grande djeli da academia", está associada a transformaçao identitária da protagonista, cuj a vontade primeira era de ser apenas a contadora de historias tribal e transmissora da tradiçâo. O empoderamento de Aminata se dá por meio do discurso.
Com O livro dos negros, Hill demonstra que o arquivo histórico pode e deve ser reinterpretado, porque esse olhar diferenciado sobre a memória e as identidades exerce também uma forma de poder (SCHWARTZ, 2006, p. 3) que, conferido a literatura, torna-se transformador e vital para a luta contra a opressao racial.
* Doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com estágio PósDoutoral em Literaturas de Lingua Inglesa pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Atualmente, é professora adjunta do Departamento de Letras da Faculdade de Formaçao de Professores da UERJ e do Programa de Pos-Graduaçâo em Letras e Linguistica (PPLIN) na mesma instituiçâo. Lider do grupo de pesquisa Poéticas da diversidade, cadastrado no CNPq. Procientista UERJ/FAPERJ. Seu e-mail: shirleysgcarr@ gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8787-823.
Notas
1. O registro pode ser acessado em: http://epe.lac-bac.gc.ca/100/200/301/ic/can_ digital_collections/ blackloyalists/ index.htm
2. Os fulas ou fulanis sao um grupo étnico que compreende várias populaçöes espalhadas pela África Ocidental, mas também a regiao central do continente e o Sudao.
3. Conforme nota da tradutora, os Bambaras (Bamana na sua própria língua ou, algumas vezes, Banmana) sao um grupo étnico mandés que vive no Oeste da África, principalmente no Mali, mas também na Guiné, Burkina Faso e Senegal.
4. Benveniste distingue dois tipos de testemunho: testis (terceiro), daquele que viu e testemunhou a cena dolorosa, ou superstes (primeiro), daquele que viveu e testemunha sua própria experiencia.
5. No original: "Within West Africa [...] the diversity of cultures is so great that any broad, generalized 'African' identity would be incoherent; such an identity is only possible [...] after [the] arrival on a slave ship and experience of the middle passage" (BOULUKOS, 2007, p. 248).
6. A lingua gullah é uma lingua crioula de base inglesa, com fortes influencias de línguas da África Ocidental e Central, falada pelos povos gullah, uma populaçao afro-americano que vive nas Sea Islands e na regiao costeira dos estados norteamericanos da Carolina do Norte, Carolina do Sul, Geórgia e no Nordeste da Flórida.
7. O tráfico negreiro foi abolido pelo Parlamento Británico em 1807.
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Recebido em: 14/06/2020
Aceito em: 27/08/2020
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© 2021. This work is published under https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/ (the “License”). Notwithstanding the ProQuest Terms and Conditions, you may use this content in accordance with the terms of the License.
Abstract
Neo-slave narratives emerged on the American literary scene with the publication of Jubilee, by Margaret Walker (1966), but only had effective recognition in the 1980s, with the release of Beloved, by Toni Morrison (1987). Conceived as “contemporary novels that assume the form, adopt the conventions and take on the first-person voice of antebellum slave narrative” (RUSHDY, 1997), according to Judith Misrahi-Barak (2014), they were gradually distancing themselves from this model and today they can be considered transnational and global, as well as dialogic, polyphonic and transgenic. In this perspective and with the support of Cultural Studies and the postmodern concept of historiographic metafiction, this work proposes the analysis of the representation of the diasporic subject in The Book of Negroes, by the Canadian author Lawrence Hill (2014), which has as its theme the trajectory of slaves during the validity of the slave system. By shifting the narrative voice to the oppressed, Hill challenges the discourse of history, brushing it against the grain.
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1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil