Resumo: A regulaçao assistencial envolve relaçöes políticas, técnicas e de cuidado, que fazem a mediaçao entre as necessidades da populaçao e o acesso aos serviços de saúde. Dificuldades no acesso å assistencia especializada geram filas de espera, demora nas consultas e críticas dos usuarios. O objetivo desse estudo foi identificar limites no processo de regulaçao do acesso ås consultas médicas especializadas através da percepçao de gestores e de profissionais de saúde. Trata-se de uma pesquisa exploratoria, do tipo estudo de caso, com abordagem qualitativa. Foram realizados dois grupos focais, sendo o primeiro com os profissionais das Estratégias de Saúde da Família e o segundo com gestores e profissionais do setor de regulaçao do municipio. Como resultados foram apontadas limitaçöes estruturais tais como a carencia de materials e de profissionais especialistas e reguladores. Foi apontado ainda ausencia ou desconhecimento de fluxos e protocolos regulatórios além de problemas na comunicaçao entre os atores envolvidos. Dentre os desafíos aos gestores estao prover uma estrutura material e humana adequada ao sistema de regulaçao e adotar a atençao básica como coordenadora do cuidado tendo o diálogo entre os atores como estratégia central.
Palavras-chave: Acesso aos serviços de saúde. Encaminhamento e consulta. Legislaçao referente å liberdade de escolha do paciente.
Abstract: Assistance regulation mediates the needs of the population and its access to health services. It involves political, technical, and care relationships. Difficulties in accessing specialized assistance generate queues, delays in consultations, and criticism from users. The objective of this study was to identify possible limitations in the regulation of access to specialized medical consultations in the perception of managers and health professionals. It is an exploratory research qualitative case study. Two focus groups were carried out, one with professionals from the Family Health Strategies and another with managers and regulatory sector personnel. As a result, structural limitations were pointed out, such as the lack of materials as well specialized professionals and regulation personnel. There was also an absence or lack of knowledge of regulatory flows and protocols, as well as problems in communication between the actors involved. For managers, the challenges were to provide a material and human structure appropriate to the regulation system and adopting primary care as the coordinator of care with dialogue between the actors as a central strategy.
Keywords: Health Services Accessibility. Referral and Consultation. Patient Freedom of Choice Laws.
Introduçâo
Acesso é um conceito complexo e polissemico, que se modifica com o tempo e com o contexto em que se encontra. Penchansky e Thomas (1981) colocam o acesso como uma concepçao que resume um grupo de áreas específicas que representam a harmonia entre o usuário e o sistema de saúde, as chamadas dimensöes do acesso. Esses autores descrevem as dimensöes do acesso como: disponibilidade (relaçâo entre a capacidade e variedade de serviços e recursos disponíveis e a quantidade de usuários e as qualidades de suas necessidades), acessibilidade (associaçâo entre a localizaçâo dos serviços ofertados e os clientes, considerando transporte, tempo de deslocamento, distancia e custo), acomodaçâo (relaçâo entre a maneira como os recursos oferecidos estão organizados para atender aos clientes, como horário de funcionamento, telefones disponíveis, acesso a pé, entre outros, e a habilidade dos usuários em se adaptar a esses fatores), capacidade de pagamento (ligaçâo entre o preço dos serviços e a capacidade de o usuário pagar por eles) e aceitabilidade (relaçâo entre as atitudes dos clientes quanto as características pessoais e estruturais dos provedores, bem como a aceitaçâo desses usuários por parte dos prestadores de serviços) (Penchansky & Thomas, 1981).
A escassez de recursos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS) se apresenta como uma grande dificuldade ao acesso a açöes e serviços fundamentais ao atendimento das necessidades de saúde das pessoas (Gawryszewski, Oliveira, & Gomes, 2012). Estudos realizados em diferentes cidades distribuídas nas cinco regiöes geopolíticas do Brasil indicam a falta de vagas e a existencia de gargalos assistenciais em consultas com especialidades médicas e exames de média e alta complexidade, e, como razöes da inacessibilidade, foram apontados problemas estruturais e organizacionais (Dilélio et al., 2015; Gawryszewski et al., 2012; Lemöes et al., 2013).
A regulaçâo do acesso a assistencia, também chamada de regulaçâo assistencial ou regulaçâo do acesso, é um sistema de estruturas, tecnologías e açöes voltadas aos profissionais envolvidos no fornecimento dos serviços de saúde, de modo a possibilitar o ingresso da populaçâo a esses atendimentos e regular a sua necessidade conforme o nível exigido por sua dificuldade a fim de que o resultado seja adequado, organizado e efetivo (Mendonça, Reis, & Moraes, 2006). Ela é um instrumento que ordena, orienta e define a atençâo, e sua resposta deve ser imediata, qualificada e integrada, vinculada ao interesse social e coletivo (Ferreira, Mishima, dos Santos, Forster, & Ferraz, 2010).
A regulaçâo assistencial envolve relaçöes políticas, técnicas e de cuidado, constituindo um grupo de tecnologías e procedimentos que fazem a mediaçâo entre as necessidades da populaçâo e o acesso aos serviços de saúde. Desse modo, por estar inserida nas diretrizes do SUS de universalidade, integralidade e equidade, a regulaçâo do acesso a assistencia compromete-se a distribuir a oferta conforme a necessidade, a otimizar o uso dos recursos disponíveis, tanto na área financeira como na qualidade do serviço prestado, e, ainda, garante a satisfaçâo do individuo (Mendonça et al., 2006).
Portanto, o funcionamento do SUS pode ser consequencia do trabalho dos diferentes atores envolvidos no sistema de regulaçâo do acesso. O Estado (municipios e governos estaduais), na figura dos seus gestores, ordena o provimento da assistencia especializada via prestaçâo direta ou pela contrataçâo de serviços privados (L. D. Lima et al., 2017); os trabalhadores da saúde formam fluxos de usuários que podem ou nao seguir as regras da regulaçâo e que nem sempre adotam os padröes idealizados pelos gestores, que, ao identificar os pacientes como eleitores, almejam a resoluçâo de suas demandas o quanto antes. Por fim, os usuários, pessoas com desejos próprios, questionam e querem a resoluçâo de suas necessidades de forma imediata (Cecilio, 2012). Dessa forma, há um dilema entre os envolvidos, em que se visualiza a demanda imposta e a oferta quase sempre limitada, e os diferentes tempos de cada ator.
Observa-se um crescimento nos estudos em torno do processo de regulaçâo, marcadamente em capitais e municipios de grande porte (Batista, Vilarins, Lima, & Silveira, 2019; Peiter, Lanzoni, & Oliveira, 2016; Silveira, Cazola, Souza, & Pícoli, 2018). No entanto, ainda há carencia de estudos em municipios de médio e pequeno porte que contam com poucos especialistas e dependem de consórcios intermunicipais e dos governos estaduais. O municipio de Gaspar apresenta dificuldades no acesso a assistencia especializada; filas de espera e demora nas consultas causam faltas aos atendimentos, agravando a dificuldade ao acesso em um circulo vicioso (Moraes, 2014). Estudo realizado nesse municipio encontrou uma taxa de absenteismo as consultas especializadas de 12,2%. Nas entrevistas, os usuários mencionaram que 47% faltas se justificavam por problemas de gestâo do sistema de saúde (Brasileiro & Cordeiro, 2017). Dessa forma, o entendimento dessa problemática, sob a visâo dos gestores e profissionais envolvidos, pode contribuir para melhor compreender o sistema de regulaçâo nesse contexto municipal.
O objetivo deste estudo foi identificar limites e potencialidades no processo de regulaçâo do acesso as consultas médicas especializadas com base na percepçâo de gestores e de profissionais de saúde de um município de médio porte de Santa Catarina.
Percurso metodológico
Trata-se de uma pesquisa exploratória, do tipo estudo de caso, com abordagem qualitativa realizada junto a Secretaria de Saúde do Município de Gaspar, Estado de Santa Catarina - Brasil, nos meses de outubro a dezembro de 2017.
Para contemplar os objetivos propostos, sugeriu-se a realizaçâo de tres grupos focais com o intuito de escutar os sujeitos envolvidos no processo de regulaçâo do acesso as consultas médicas especializadas. O convite aos profissionais foi realizado, primeiramente, por meio de contato telefónico, seguido do envio de um correio interno, pessoal, reiterando o convite e solicitando a confirmaçâo dos selecionados. No dia anterior ao evento, nova mensagem foi enviada como forma de lembrá-los do compromisso.
Um dos grupos ouvidos foi o de profissionais das Estratégias de Saúde da Família (PESF), que incluíram médicos (3), enfermeiros (3), técnicos de enfermagem (2), agentes comunitários de saúde (2) e trabalhadores administrativos (2) atuantes nessas equipes, totalizando 12 servidores. Foram considerados, como critério de inclusão, funcionários efetivos, que trabalhavam há mais de seis meses na Prefeitura de Gaspar. Dentre estes, de forma intencional, foram selecionados os profissionais que conheciam e participavam do processo de regulaçâo dentro das suas unidades de saúde.
Outro encontró sugerido foi com os profi ssi onai s do setor de Regulaçâo (PR) da Secretari a de S aúde de Gasp ar que trab al havam com as consultas e sp eci ali z adas di sponívei s na P oli clí ni ca Muni ci p al -1 enfermeira e 2 administrativos e o médico regulador. Também foram convidados o Superintendente em Saúde, o Coordenador de Atençâo Básica, a enfermeira responsável pelas especialidades médicas da Policlínica e o médico que trabalhava na Secretaria de Saúde até junho de 2017, totalizando 8 pessoas. Nesse grupo focal compareceram 6 trabalhadores, incluindo servidores e gestores, estando ausentes os 2 médicos reguladores.
O último grupo focal indicado seria com os médicos da área de cardiologia, cirurgia geral, dermatologia, ginecologia e obstetrícia, infectologia, neurologia, ortopedia, otorrinolaringología, pequenas cirurgias e urologia. A escolha desses especialistas deu-se de modo intencional quando havia mais de um professional na especialidade e para todos que atuassem há mais de 6 meses na Prefeitura de Gaspar. A principio, o convite foi realizado por telefone, tendo sucesso em quatro dos dez especialistas selecionados. Destes, somente um teria disponibilidade para participar do grupo focal na data e no horário estipulados. Posteriormente, foi enviado correi o interno para cada um deles repetindo o convite e soli citando confi rm açâo da presença, m as som ente um esp eci alista - o ginecologista - respondeu a mensagem. Por falta de adesáo, foi remetida nova nota com o comunicado de cancelamento do grupo na data previamente determinada e solicitaçâo de sugestáo de dias e horários disponiveis para cada um desses profissionais para a realizaçâo do encontro. Somente um especialista, novamente o ginecologista, retornou sugerindo datas e horários em que se disponibilizaria para atender ao convite. Diante disso, o encontro nao ocorreu por falta de participaçâo dos profissionais.
Nos dois grupos focais realizados, os temas propostos para debate foram apresentados aos participantes em forma de tres historias com perguntas disparadoras da discussao, que trabalhavam com temas relativos a estrutura e ao processo de regulaçao no municipio e envolviam dimensöes do acesso descritas por Penchansky (1981), como a disponibilidade, a acessibilidade e a acomodaçao. Antes da realizaçâo dos grupos focais, as historias foram debatidas em reuniöes de pesquisadores e foi realizado um grupo focal piloto na Estrategia de Saúde da Familia onde atua a primeira autora.
Os encontros foram realizados na Secretaria de Saúde de Gaspar, no dia 27/10/2017, com os profissionais das Estrategias de Saúde da Familia, e no dia 18/12/2017, com aqueles atuantes no setor de Regulaçao, com duraçao de 1 hora e 18 minutos e 1 hora, respectivamente, finalizados a partir da saturaçao dos dados obtidos. Eles foram coordenados pela primeira autora, mestranda em Saúde Coletiva do Programa de Pos-Graduaçao em Saúde Coletiva da Universidade Regional de Blumenau e médica de familia e comunidade na cidade de Gaspar, tendo um observador externo, terceiro autor deste artigo, doutor e professor do Programa de Pos-Graduaçao em Saúde Coletiva, que realizou as anotaçöes pertinentes e auxiliou na gravaçao de áudio dos encontros.
A transcriçao dos grupos focais foi realizada para manter o sentido das falas. Os participantes foram identificados pelas siglas PESF e PR, seguido de um número para diferenciaçao dos membros, preservando, assim, suas identidades.
A análise dos dados foi realizada pela análise de conteúdo (Bardin, 2016). Iniciou-se com a leitura flutuante das transcriçöes, seguida da exploraçao do material, em que os discursos dos sujeitos foram organizados conforme os temas que se relacionavam. Desse modo, foi realizada a contagem dessas unidades de registro conforme a intensidade que apareceram nas falas, seguida da categorizaçao, na qual esses elementos foram agrupados de forma temática, com base nos discursos e posteriormente identificados, segundo a lógica donabediana, entre as categorias estrutura e processo (Donabedian, 1988) determinadas durante as discussöes no grupo de pesquisa. A última parte da análise de conteúdo foi a interpretaçâo dos resultados e a busca de bibliografías que pudessem sustentar e reforçar ou contrapor o produto dos grupos focais.
Antes da realizaçâo dos grupos focais, foi feita a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido com todos os participantes, seguida da assinatura dos profissionais, em duas vias, e cada um deles ficou com uma.
Esta p esqui s a faz p arte do projeto i nti tulado "Fatores associados ao nao comparecimento as consultas especializadas agendadas através do sistema de regulaçao do Muni cipi o de Gaspar, S anta Catarina", aprovado pelo Comité de Éti ca da FURB sob o CAAE: 62616816.0.0000.5370.
Resultados e discussäo
Dividimos esse tópico em quatro subtópicos. Em principio, optamos por trazer um contexto para que o leitor possa compreender melhor o sentido das falas dos participantes. Os tres subtópicos seguintes referem-se as categorias analíticas que foram propostas, a saber: escassez de recursos, expectativas e limites dos protocolos e problemas na comunicaçao entre os envolvidos no processo.
Contexto do estudo
Gaspar é um municipio localizado na regiao do Vale do Itajai, em Santa Catarina. Foi colonizada pelos povos alemao, italiano e açoriano, e tem como principais atividades económicas a indústria, o comércio, o turismo e a agricultura. Apresentava, em 2010, IDH de 0,765 e PIB per capita de R$ 36.880,96 em 2016. Em 2017, a populaçao estimada de Gaspar, pelo IBGE, foi de 67.392 habitantes (IBGE, 2018). Nesse mesmo ano, a cidade dispunha de 19 Unidades de Saúde, organizadas em 14 Estratégias de Saúde da Familia e 5 Unidades Avançadas de Saúde. Além disso, 1 Centro de Atençao Psicossocial e 1 Policlínica Municipal, onde situava-se a Secretaria Municipal de Saúde, além dos Centros de Especialidades Médicas e Odontológicas e as Vigilancias Sanitaria, Epidemiológica e Ambiental (Prefeitura Municipal de Gaspar, 2018).
Em 2017, o sistema de regulaçâo do município era composto por 11 profissionais, dos quais um deles atuava na área de consultas especializadas disponíveis na Policlínica Municipal e outro o médico regulador com contrato de 20 horas semanais. A Policlínica dispunha dos seguintes atendimentos médicos especializados naquele ano: cardiologia, cirurgia geral, dermatologia, ginecologia e obstetricia, infectologia, neurologia, ortopedia, otorrinolaringología, pequenas cirurgias, urologia, endocrinologia, psiquiatría e pediatria. As demais especialidades eram encaminhadas para Tratamento Fora do Domicílio. O município tinha um sistema de prontuario eletrônico, o Sistema Integrado de Gestáo de Serviços de Saúde (SigSS), que era utilizado pelos médicos das ESFs para fazer os encaminhamentos, classificando a condiçâo do paciente em eletivo, urgencia ou emergencia. Nao havia protocolos municipais para classificaçâo de gravidade, ficando a critério do médico das ESFs tal categorizaçâo conforme sua avaliaçâo, exceto durante o pré-natal, em que as gestantes eram avaliadas segundo a classificaçâo de risco disponível no Protocolo da Rede Cegonha do Ministério da Saúde. Quando o médico classificava o usuario em eletivo, ele ficava na lista de espera aguardando a marcaçâo da consulta conforme ordem cronológica de inserçâo no SigSS. Caso a classificaçâo fosse de urgencia ou emergencia, o paciente era enviado para a regulaçâo, o que significa que tais casos eram avaliados por gravidade, em ordem cronológica, pelo médico regulador. Em suma, os pacientes classificados como emergencia eram agendados primeiro e as vagas restantes eram preenchidas pelos casos urgentes. Caso sob rass em vagas, os casos classi fi cados em "eletivos" norm ais eram i nseri dos , todos seguí ndo a ordem cronológica de inserçâo no sistema.
A lista de marcaçöes em cada especialidade médica era enviada para as Unidades de Saúde por meio do SigSS. Os profissionais das ESFs (enfermagem, administrativos ou Agentes Comunitarios) entravam em contato com o usuario, por meio de telefone ou pessoalmente, para informar o agendamento do atendimento especializado. O usuario ia até a ESF para retirar os documentos do agendamento. A ESF entrava em contato com a regulaçâo para desmarcar/remarcar o atendimento caso o contato com o paciente nâo fosse possível, se fosse solicitada a troca da data da consulta pelo paciente ou se o quadro clínico do usuario se alterasse.
O número de consultas disponíveis em cada especialidade era determinado conforme a disponibilidade do médico especialista no mes. Dessa forma, uma das enfermeiras responsáveis informava a regulaçâo os horarios em que cada médico atendería no referido mes e um professional da regulaçâo liberava as vagas no SigSS para marcaçâo, sempre de um mes para outro. Caso o especialista solicitasse retorno com urgencia ou emergencia e nao existisse mais consultas nessa classificaçâo disponível, as vagas reservadas para a primeira consulta eram utilizadas para suprir essa demanda. Após o atendimento da primeira consulta com o especialista, o retorno era agendado diretamente na Policlínica e nao passava mais pela regulaçâo. Essas marcaçöes nâo eram enviadas as Estratégias de Saúde da Família, embora as informaçöes ficassem no histórico do paciente.
Escassez de recursos
Donabedian considera que a qualidade do cuidado pode ser avaliada através de tres categorias: estrutura, processo e resultado (Donabedian, 1988). A estrutura sâo os meios necessarios para que ocorra o processo e o resultado, ou seja, para obtermos o resultado desejado, é fundamental termos ferramentas adequadas. Para o usuario chegar ao objetivo almejado, o sistema de saúde precisa oferecer os meios apropriados, ou estrutura mínima com recursos materiais, humanos e estrutura organizacional. Em uma palavra, sem recursos nâo há processos ou resultados.
Se tomarmos em perspectiva, o SUS propiciou um incremento na oferta e acesso a serviços médicos e a outros profissionais de saúde em seus mais de 30 anos. Isso é marcante em relaçâo a atençâo primaria, mas ainda apresenta carencias no que tange aos serviços especializados (LIMA et al., 2018). Essa falta de disponibilidade de profissionais e serviços para atender a demanda de saúde em quantidade e qualidade adequadas (Penchansky & Thomas, 1981) é demonstrada em limites ao acesso. Essas questöes surgiram em nossos grupos focais. Tanto para os reguladores como para os profissionais de atençâo básica parece haver um consenso em reconhecer o longo tempo de espera entre a data de encaminhamento ao especialista e o dia da marcaçâo da consulta médica, que pode contribuir para aumentar as faltas aos atendimentos, para a piora da saúde dos usuarios ou permitir a tentativa de resoluçâo dos seus problemas de saúde por outras vias:
"[...] um ano esperando, é muito tempo um ano esperar pra acessar uma consulta [...] " (PR 1).
"[...] um longo tempo de espera vai culminar em falta ou numa resoluçâo por outro método, com certeza [...] " (PESF 10).
A maioria dos brasileiros afirma dificuldade em conseguir uma consulta no SUS (Dilélio et al., 2015), considerando que na região Sul do país o tempo médio de espera para atendimento médico especializado variou entre 9 a 127 dias entre os anos de 2001 a 2004. Os autores mencionaram melhorias estruturais, informatizaçâo e contrataçâo de profissionais como necessários para minimizar esse problema (Lemöes et al., 2013). A escassez de profissionais especialistas para assistir a demanda bem como a insuficiencia de profissionais na gestão da regulaçâo (em baixo número e pouca carga horária) foram mencionadas nos grupos focais:
"[...] independente da especialidade, quando tu tens um profissional só no né, num o volume populacional que se tem nesse município hoje por exemplo, é, com certeza tem fila de espera [...]" (PR 1 4).
"[...] tem que ter um médico regulador trabalhando oito horas diárias [...] " (PESF 6).
Da mesma forma, destacam-se como fatores associados a falta de acesso ao atendimento em saúde diversos problemas estruturais e organizacionais, como tempo de espera, falta de profissionais de saúde e de disponibilidade de consultas e de atendimentos (Dilélio et al., 2015). Estudos em diversas regiöes associam a falta de disponibilidade de vagas por escassez de recursos humanos como um problema persistente ao acesso as especialidades (Gawryszewski et al., 2012; Lemöes et al., 2013; Silveira et al., 2018).
Por outro lado, os participantes reconhecem a necessidade de se implantar outros arranjos para garantir o acesso a especialistas. De um lado, revendo a qualidade e o papel da atençâo básica:
"[...] muitas vezes a Unidade nao é resolutiva né, acabam encaminhando coisas desnecessárias [...]" (PR 12).
"[...] que a atençao básica tem que resolver oitenta por cento [...] porque se essa Unidade tá encaminhando demais [...] nós temos que atuar lá [...]" (PESF 10).
Os próprios participantes respondem como:
"[...] fazer trabalhos com os médicos especialistas e os médicos da rede. Criar protocolos de quando encaminhar, o que que voces já podem fazer, o que que é importante, capacitar o médico da básica junto com o especialista; conhecer os especialistas [. ]" (PESF 5).
Pesquisas realizadas a partir dos olhares de diversos atores (gestores, profissionais de regulaçâo e atençâo primária) convergem e sustentam o papel da Atençâo Básica como parte importante no processo de regulaçao e apontam a necessidade de capacitaçöes e treinamentos desses profissionais para a compreensão do processo e uma melhor atuaçao diante das demandas nesses serviços (Lemöes et al., 2013; Peiter et al., 2016; Silveira et al., 2018). Nesse sentido, os autores apresentam a educaçao permanente como um instrumento pedagógico e de grande potencial provocador de mudanças na rotina dos serviços, pois, para que ocorra a consolidaçao e a estruturaçao da Atençâo Básica como reorientadora do modelo de atençâo em saúde no país, é indispensável a transformaçâo permanente do funcionamento dos serviços e do processo de trabalho das equipes, demandando aos profissionais, gestores e usuários maior capacidade de adequaçâo a essas mudanças (Brasil. Ministério da Saúde, 2012).
Por outro lado,
"[...] o profissional especialista ficar segurando esse paciente com ele, fazendo muitas avaliaçoes, muitos retornos, também isso gera fila né, se o paciente eu acredito que ele tem que ir pra especialidade pra resolver o problema ou pra identificar o problema e resolver, volta pra Unidade pra ser acompanhado [...]" (PR 14).
Estudo nacional com base na série histórica do PMAQ mostra que o acesso a especialistas ainda é majoritariamente centrado nos encaminhamentos (J. G. Lima et al., 2018). A ampliaçao dos NASF bem como a instituiçâo de apoio matricial (Hoepfner, Franco, Maciel, & Hoepfner, 2014; Tesser & Poli Neto, 2017) representam opçöes de tratamento que nao se limitam ao encaminhamento ao médico especialista. Pelo contrário, buscam superar a lógica de encaminhamentos indiscriminados em direçâo a corresponsabilizaçâo entre equipe de ESF na busca de maior resolubilidade. Outra forma que merece ser aprofundada é o uso da telemedicina/telessaúde. Estudos apontam que esse tipo de arranjo tecnológico para algumas especialidades mostra-se efetivo na reduçâo de filas de espera e mais eficiente quando comparado a modalidade assistencial especializada presencial (Maeyama & Calvo, 2018; Yarak, Ruiz, & Pisa, 2017).
O enfrentamento da escassez de recursos faz parte do dia a dia do SUS e passa pela ampliaçao do financiamento e melhorias nos processos de gestao para evitar o desperdicio (Ouverney, Carvalho, Machado, Moreira, & Ribeiro, 2019). Porém, do mesmo modo cabe ao cidadâo, ou seja, qualquer pessoa da comunidade ou trabalhador de saúde, através dos espaços de participaçâo social existentes, exigir transparencia dos recursos financeiros e práticas de gestao existentes no Sistema de Saúde (Rocha et al., 2013; Rolim, Cruz, & Sampaio, 2013). Do ponto de vista estratégico, o enfrentamento dessas carencias pode ocorrer pela reestruturaçâo de modelo de gestão, no qual a coordenaçâo do cuidado pela atençâo básica esteja no centro das redes de atençâo (BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde, 2015). No caso específico da atençâo especializada, significa que a tarefa do cuidado é responsabilidade solidária de generalistas e de especialistas, sob coordenaçâo da atençâo primária (BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde, 2016).
Protocolos de regulaçâo assistencial: expectativas e limites
Entende-se por protocolos as práticas dos cuidados e das atividades de gestâo de um determinado serviço, equipe ou setor, construidas e fundamentadas no conhecimento científico atual, guiados por diretrizes técnicas, organizacionais e políticas, apoiados em evidencias científicas, por especialistas e profissionais peritos em uma área (Werneck, Faria, & Campos, 2009). Objetivam a orientaçâo de fluxos, condutas e procedimentos clínicos dos profissionais dos serviços de saúde. No caso da regulaçâo ao acesso, devem expressar assim uma dada racionalidade constituída e servir de ferramentas para o enfrentamento dos diversos impasses encontrados na assistencia e na gestâo dos serviços (Werneck et al., 2009).
Os participantes manifestaram em vários momentos que os problemas de acesso poderiam ser explicados, ao menos em parte, pela falta de protocolos, pela falta de conhecimento ou mesmo o nâo cumprimento desses. Como resultado, cada um trabalha da maneira que entende ser correto:
"[...] Os médicos colocam urgencia e emergencia; em alguns casos poderiam esperar tres meses, mas eles sabem que nao vai levar tres, vai levar nove e daí o paciente nao pode aguardar, esses tres até poderia aguardar, mas nove nao tem mais como e daí acaba colocando na urgencia. [...]" (PESF 2).
"[...] A classificaçao de risco que a gente tem é dentro do sistema que a gente tem hoje, ele classifica lá como urgencia, emergencia e normal, mas a gente nao tem instituido o que que é uma urgencia, o que que é uma emergencia, o que é um normal, entao assim, tem aquele médico que por conta vai lá, detalha bem a situaçao e coloca lá, urgente, e tem aquele que nao escreve nada e que bota urgencia também. [...]" (PR 10).
Os profissionais da Atençâo Primária falaram sobre o desconhecimento de protocolos e fluxos existentes no sistema de regulaçâo:
"[...] quem faz a regulaçao desse paciente, quem que chega primeiro, quem que vai primeiro [...]" (PESF 13).
"[...] O usuário acaba nao sendo de ninguém: eu aviso, ás vezes a Policlínica avisa; as vezes eu nao aviso, ás vezes a Policlínica nao avisa (a marcaçâo da consulta) [...]" (PESF 2).
A ausencia ou desconhecimento dos protocolos é recorrente na fala dos profissionais e gestores em outros estudos (Ferreira et al., 2010; Peiter et al., 2016; Serra & Rodrigues, 2010). Estudos reafirmam que a utilizaçâo de protocolos assistenciais auxilia no processo de regulaçâo (Lemöes et al., 2013; Peiter et al., 2016). No entanto, o estado de Santa Catarina já conta com Central de Regulaçâo Estadual desde 2010 com protocolos clínicos com acesso público via internet (Santa Catarina, 2018). Aqui também parece haver um consenso na fala dos participantes quanto a expectativa em torno dos protocolos como proposta para melhorar o sistema de regulaçâo, de acordo com os fragmentos de discurso:
"[...] como né melhoria, o que é possível fazer é, de novo, rever né a questao dos protocolos clínicos, que sao muito importantes[...] (PR 14).
"[...] organizar o fluxo, entao ter o protocolo de acesso [...] (PR 10).
Depositar as expectativas nos protocolos assistenciais parece apontar mais para uma racionalidade fundada na gestâo de recursos escassos e menos na produçâo do acesso ao cuidado especializado. Ainda que inseridos dentro de um complexo regulador articulado com gestâo, reguladores, especialista e pessoal da atençâo básica, os protocolos devem surgir a partir de problemas concretos do cotidiano e nâo serem impostos ou limitarem-se a práticas e procedimentos preestabelecidos que nâo irâo atender as reais demandas clínicas e organizacionais necessárias (Campos, 2012). Experiencia relatada em torno do acesso especializado em oftalmologia em Ribeirâo Preto mostra como os atores podem constituir protocolos clínicos e de regulaçâo a partir do diagnóstico de problemas locais fundados na negociaçâo e consensos (Paula et al., 2011). Outros autores apontam que sâo necessárias estratégias adicionais para garantir a adesâo dos trabalhadores a esses protocolos, como adequaçâo do ambiente de trabalho, treinamento e orientaçâo das pessoas e acompanhamento do cumprimento dessas regras, ou seja, a utilizaçâo de intervençöes educacionais que incluam mais de uma ferramenta, e empregadas regularmente ao longo do tempo (Akbari et al., 2008).
A existencia dos protocolos por si só nâo basta. Do ponto de vista organizacional, é preciso focar na gestâo do processo regulatório, cuja enfase deve ser a garantia do acesso a produçâo do cuidado e em suas etapas constitutivas, ou seja, na elaboraçâo, treinamento, monitoramento e revisâo permanente, que tornem os protocolos e sua aplicaçâo um registro dinámico e mutável em torno de um dado arranjo tecnológico.
"Ruidos" na comunicaçâo entre reguladores, atençâo básica e usuários
Diversos autores concordam ao afirmar que a comunicaçâo entre os atores do processo regulatório é essencial para que se possa maximizar sua efetividade a fim de garantir o acesso aos cuidados em saúde (Albieri & Cecilio, 2016; Silveira et al., 2018). Os participantes apontaram situaçöes estruturais e processuais que afetam a comunicaçâo com os usuários e podem prejudicar o acesso na medida em que, por exemplo, geram faltas as consultas agendadas:
"[...] a gente tem muitos casos de que eles falam: "Nao fui avisado", e eles estao certos, porque o telefone nao pega [...]" (PESF 10).
"[...] A paciente alega nao ter sido avisada, eu acho que tem a organizaçao da Unidade de Saúde, a questao do número de telefone, tem a questao também de algumas áreas de algumas Unidades de Saúde nao terem Agente Comunitário de Saúde, nesse caso específico, a culpa nem é tanto do paciente, realmente foi problema de comunicaçâo, talvez até por nao ter informado a troca do telefone, mas a gente tem outros meios pra avisar né, entao eu acho que nesse caso específico nao é só responsabilidade do paciente. [...]" (PR 9).
"[...] nós temos a dificuldade do telefone apesar de cada vez que o paciente vem numa consulta na triagem é conferido o telefone dele [...]" (PESF 2).
Em um estudo que avaliou o absenteísmo as consultas especializadas agendadas pelo sistema de regulaçâo no município de Gaspar, foram realizadas 966 ligaçöes como tentativa de contato com os participantes, dos quais 273 atenderam e 223 pessoas nâo foram contatadas, mesmo após tres tentativas para cada uma, em dias e horários diferentes. Nesse e studo , 1 0,4% das causas de näo contato e stavam relacionadas a tres categorias: "número näo cadastrado no sistema" , "número näo pertence ao paciente" e "número näo existe" (Brasileiro & Cordeiro, 2017).
Mas os horários em que sâo feitas as tentativas de contato por telefone ou pessoalmente precisam ser revistos:
"[...] durante o horário, digamos, comercial, é mais difícil tu conseguir contato com os pacientes [...] a partir das seis da tarde é bem mais tranquilo conseguir contato com os pacientes [...] " (PR 9).
"[...] nós temos dificuldade em encontrar esse usuário pelo horário que a gente liga, geralmente é o horário em que ele está trabalhando [...] " (PESF 2).
Problemas sâo observados na dimensâo da acomodaçâo, na medida em que há dificuldades reconhecidas na maneira como estâo organizados para atender aos usuários e na capacidade destes em se adaptar a esses fatores (Penchansky & Thomas, 1981). Os participantes reconhecem que o contato com os usuários precisa melhorar:
"[...] podia ter uma central de comunicaçao e um dia antes da consulta, ó seu fulano de tal, amanha o senhor tem consulta, o senhor confirma essa consulta? [...] "(PR 1).
Iniciativas desse tipo já foram implementadas no Brasil e na Suiça (call-centers somente ou associados a uso de SMS), com resultados modestos na reduçao do absenteismo (respectivamente 27% para 18% e 11,4% para 7,8%) (Albieri et al., 2014; Perron et al., 2010). A utilizaçao de aplicativos de mensagens via internet (WhatsApp, Telegram, Signal entre outros), ou mesmo o envio de mensagem de texto para os usuários lembrando sobre o agendamento da consulta, pode ser um meio eficaz e de baixo custo para reduzir o absenteismo nas consultas médicas. Esse tipo de recurso tecnológico foi utilizado com sucesso para agilizar a comunicaçao interprofissional, ainda que resultante da iniciativa individual dos profissionais e nao como parte de uma estratégia institucional como proposta aqui (Silva & Moreira, 2019).
Observou-se algumas falas antagónicas quando se refere a responsabilidades pela comunicaçao. Parece que sempre "o outro" não está di sponível. Os parti cipantes das E SFs manifestaram suas dificuldades de diálogo com o setor de Regulaçao:
"[...] nao tem um médico regulador que eupossa falar [...]" ( PE S F 2).
"[...] da noitepro dia nao tem como avisar (aos usuários sobre a data da consulta) [...]" (PESF 8).
"[...] os médicos, nao existe reuniao entre voces, entre regulaçao [...]" (PESF 6).
Em contrapartida, no outro grupo, houve falas atribuindo as Equipes da Atençao Primária problemas na comunicaçao com os usuários:
"[...] tem a questao da falta do aviso sim das ESFs [...]: "Ah porque eu nao consigo avisar que o telefone nao tá atualizado!", tudo bem, mas tu tem Agente Comunitário [...]" (PR 10).
A falta de comunicaçao entre as equipes de ESF e a equipe de regulaçao é uma questao estratégica apontada por diversos autores. Silveira et al. (2018), ao entrevistar médicos das ESFs, reconhecem problemas de comunicaçao, como o preenchimento insuficiente de informaçöes, mas, como estratégia de aperfeiçoamento, ainda valorizam pouco a melhoria da comunicaçao. Outros autores, com um olhar a partir dos reguladores, assinalam a necessidade de a atençao básica informar mais detalhes dos casos a regulaçao e reitera a necessidade de maior envolvimento e capacitaçao daqueles no processo (Ferreira et al., 2010; Peiter et al., 2016). Encontrar pontos de contato entre as equipes de ESF, especialistas e equipe de regulaçao deve ser uma prioridade da gestão, que podem ser concretizados, por exemplo, através de encontros presenciais periódicos para discutir protocolos ou planos terapéuticos (Albieri & Cecilio, 2016). Ou ainda encontros virtuais, por correio eletrônico interno (no caso de Gaspar disponível por ter uma rede informatizada) ou por grupos de mensagem com os especialistas a fim de elucidar dúvidas clínicas, o que poderia evitar o encaminhamento para consultas de casos mais simples.
Mas ambos os grupos de participantes concordam em responsabilizar o usuário:
"[...] nós temos dificuldade em encontrar esse usuário pelo horario que a gente liga, geralmente é o horário em que ele está trabalhando e ele nao atende daí ele nao retorna a ligaçao [...]" (PESF 2).
"[...] Na Regulaçao, a maioria dos faltantes sao os pacientes que sao avisados. Até porque a gente registra nao só relacionado a especialidade né, de forma geral quando a gente liga pra avisar o paciente, a gente registra com quem falou, o dia que foi falado, pra quando o exame foi agendado ou consulta [...]" (PR 9).
Além disso, tém ciéncia da sua responsabilidade em dar transparéncia do processo ao paciente:
"[...] deveria dar mais informaçoes aos pacientes como funciona essa classificaçao, essa regulaçao[...] " (PR 4).
"[...]a gente ter uma política de... de divulgaçao dessas filas de espera né [...] " (PR 1).
A melhoria do acesso passa por iniciativas de gestão por uma maior acomodaçâo, ou seja, ajustar a oferta dos serviços as necessidades e possibilidades do usuário. Ouvir e envolver o usuário nesse processo pode aumentar a aceitabilidade (Penchansky & Thomas, 1981). Portanto, criar mecanismos de participação do usuário individual na marcação de sua consulta, ou seja, permitir que ele exponha os dias e horários de maior disponibilidade para comparecer ao encontro com o médico especialista. Por outro lado, ter os conselhos locais de saúde como espaços comunitários de diálogo acerca do processo de regu^ão, de modo a aumentar a transparéncia da gestão.
"[...] Sensibilizar o paciente da importancia das consultas e exames.... Orientar o paciente a procurar a Unidade pra saber das consultas e exames encaminhados [...]" (PESF 6).
A comunicação é um processo necessário para que ocorra a troca de informaçoes entre os sujeitos, sendo essencial para a vida em sociedade, no nosso caso em particular, no processo da regu^ão. Para que a comunicação seja possível, é necessário que os atores (equipes de ESF, equipe de regu^ão e usuários) estabeleçam um diálogo com base em suas pretensöes de validade. Caso discordem, cada sujeito pode apresentar seus argumentos que justifiquem suas ideias, a fim de entrarem em um consenso. Essa reflexão, baseada na teoria Habermasiana da açâo comunicativa (Schubert & Gedrat, 2016), faz-se necessária na medida em que as propostas que partem dos participantes da pesquisa, e referendadas por outros estudos (Batista et al., 2019; Gawryszewski et al., 2012), parecem ocupar o campo normativo-organizacional, mas deixam escapar os elementos subjetivos das disposiçöes e intençöes dos atores. Estudos tem apontado a necessidade de espaços de encontro entre generalistas, especialistas e reguladores com resultados promissores (Albieri & Cecilio, 2016; Ferreira et al., 2010; Peiter et al., 2016). Portanto, investir no diálogo entre os envolvidos deve estar no centro da agenda daqueles que reconhecem no sistema de saúde, além de dimensöes técnico-científica e organizacionais, uma dimensão política, na qual as subjeti vi d ad es e "v erd ad es" dos atores envolvidos devem ser ouvidas, respeitadas, valorizadas na busca de um sistema efetivo, humano e equânime.
Considerares finais
Nosso estudo revelou que o acesso a atençâo especializada apresenta alguns problemas complexos. A escassez de recursos é posta em evidencia pelo descompasso entre oferta (número insuficiente de profissionais especialistas) e demanda (excesso de encaminhamentos aos especialistas pela Atençâo Básica) e pelas fragilidades na estrutura da central de regulaçâo. Observou-se que a falta e/ou desconhecimento de protocolos clínicos e organizacionais no sistema de regulaçâo favorece que cada ator (regulador, professional da ESF e usuário) opere de acordo com suas convicçöes. Além disso, o posicionamento dos envolvidos nesse processo também chamou a atençâo, tendo como pano de fundo falhas de comunicaçâo entre eles.
Problemas complexos difícilmente terâo soluçöes fáceis. Para além de reconhecer a necessidade de um reordenamento organizacional no sistema de regulaçâo com estrutura adequada, protocolos, fluxos definidos e vagas em especialistas em número adequado, é preciso uma mudança estratégica. Adotar a atençâo básica como centro das redes de atençâo e colocá-la como coordenadora do cuidado parece urgente e nâo é tarefa fácil. Esse desafio só pode ser levado a cabo colocando o diálogo no centro da agenda política.
Esses atores estâo dispostos e preparados?
Cite como
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Abstract
A regulaçao assistencial envolve relaçöes políticas, técnicas e de cuidado, que fazem a mediaçao entre as necessidades da populaçao e o acesso aos serviços de saúde. Dificuldades no acesso å assistencia especializada geram filas de espera, demora nas consultas e críticas dos usuarios. O objetivo desse estudo foi identificar limites no processo de regulaçao do acesso ås consultas médicas especializadas através da percepçao de gestores e de profissionais de saúde. Trata-se de uma pesquisa exploratoria, do tipo estudo de caso, com abordagem qualitativa. Foram realizados dois grupos focais, sendo o primeiro com os profissionais das Estratégias de Saúde da Família e o segundo com gestores e profissionais do setor de regulaçao do municipio. Como resultados foram apontadas limitaçöes estruturais tais como a carencia de materials e de profissionais especialistas e reguladores. Foi apontado ainda ausencia ou desconhecimento de fluxos e protocolos regulatórios além de problemas na comunicaçao entre os atores envolvidos. Dentre os desafíos aos gestores estao prover uma estrutura material e humana adequada ao sistema de regulaçao e adotar a atençao básica como coordenadora do cuidado tendo o diálogo entre os atores como estratégia central.