Prezada Editora:
No final do ano de 2019, surgiu na China, na província de Hubei, vinculada a um mercado de frutos do mar, uma doença que causava uma forma de pneumonia grave até entäo desconhecida. A infecçâo foi associada ao vírus SARS-CoV-2, o sétimo vírus da família dos coronavírus que atingem os seres humanos1,2.
A partir de 21 de janeiro de 2020 a Organizaçâo Mundial de Saúde iniciou a publicaçâo diária de Relatórios de Situaçâo da Doença de Coronavírus (COVID-19), o primeiro demonstrou uma rápida disseminaçâo do vírus na China, na Tailandia, no Japäo e na Coreia do Sul3. Ao ponto que o relatório de número 26 (15 de fevereiro de 2020) demonstrou que o novo coronavírus estava presente em cinco continentes (África, América, Ásia, Europa e Oceania), apresentando a rápida disseminaçâo da doença pelo planeta4.
No Brasil, a primeira confirmaçâo oficial, por parte do Ministério da Saúde, ocorreu no dia 26 de fevereiro, e no dia 3 de março o número já era de 2 casos confirmados, ambos com histórico de viagem a Itália5,6. Assim, o Brasil passou a constar no relatório da Organizaçâo Mundial de Saúde a partir do dia 27 de fevereiro de 20207.
A partir disso, os casos vem aumentando em proporçöes exponenciais e, quase tres meses depois (14/05/2020), o país encontra-se com 203.165 casos confirmados e 13.999 óbitos decorrentes de infecçâo pelo novo coronavírus8. Sem contar com a subnotificaçâo alertada por especialistas, uma vez que o Brasil é um dos países que menos realiza teste em proporçâo a sua populaçâo9.
Se por um lado tem-se um vírus ainda pouco conhecido, no que diz respeito a sua exata forma de transmissäo e aos efeitos no organismo das pessoas, soma-se o fato de serem baixas as taxas de testagem. Este quadro demonstra que näo há uma dimensäo exata com o que se está lidando e suas proporçöes10.
Com isso, várias medidas vem sendo tomadas pelas autoridades dos diferentes entes federativos - uniäo, estados, municipios e distrito federal. Alguns com restriçöes mais duras em relaçâo ao isolamento social e ao fechamento do comercio e circulaçâo de pessoas no tecido urbano, já outros com medidas mais brandas. O consenso gira em torno de que as atividades educacionais, nos diversos niveis de formaçâo (desde a educaçâo infantil até a pos-graduaçâo), estäo ocorrendo de forma virtual e na impossibilidade desta modalidade encontram-se suspensas, bem como todas as formas de aglomeraçäo, como estrategias de conter a disseminaçäo do virus.
Na América Latina as medidas de isolamento social e cuidados com higiene requeridas assumem características particulares, isso porque muitas vezes elas näo podem ser cumpridas. O näo cumprimento se deve pelas condiçöes objetivas de parcela da popu^äo, visto que näo tem acesso a abastecimento de água, saneamento básico e uma unidade habitacional adequada. Além disso, säo muitos os trabalhadores informais, subempregados e desempregados os quais veem ruírem suas condiçöes objetivas de vida, mais do que nunca.
Dentre os diferentes reflexos que esta situaçäo de pandemia vem apresentando a sociedade, destaca-se a incerteza nos aspectos de tratamento e prevençäo (ainda näo há vacinas e tratamentos eficazes devidamente comprovados), as incertezas do ponto de vista económico (aumentou o número de pessoas desempregadas e muitos impossibilitados de realizar suas atividades, em especial os informais), as incertezas de retorno das atividades (näo há previsäo de libe^äo); o distanciamento como algo que contribui para o adoecimento mental; a possibilidade de infe^äo pelo novo coronavirus; a possibilidade de colapso dos sistemas de saúde; entre outras questöes delicadas do momento.
Autores que discutem situaçöes de catástrofes afirmam que podem ser naturais ou provocadas pelas pessoas, ainda climáticas ou tecnológicas, esperadas ou imprevisíveis; e afetam as pessoas de diferentes formas11. Nesse contexto, a pandemia do novo coronavírus pode se enquadrar como uma situaçäo de emergencia e, ao observar, que se trata de uma doença altamente transmissível e os indicadores de gravidade clínica também sugerem alta gravidade10, pode-se dizer que se trata de uma catástrofe imprevisível.
Outro aspecto que se deve atentar é que as pessoas contaminadas e que evoluem para um quadro infeccioso grave, e por consequencia indo a óbito, ficam distanciadas da família as vezes por dias ou semanas. Nesses casos de óbito a família fica impedida de fazer os ritos de despedida, gerando sofrimento e dificuldade em elaborar o luto, desencadeando transtornos psicossomáticos.
A Organizaçâo Mundial de Saúde, ao discutir a saúde mental nas emergencias, afirma que alguns transtornos mentais pré-existentes tendem ao agravamento após uma situaçâo de catástrofe. E, ainda, há a introduçâo de outras situaçöes como luto, ansiedade, uso e abuso de álcool e outras drogas, entre outros, embora as pessoas enfrentem as situaçöes adversas de formas individuais e diferentes entre si12.
Nesse sentido é necessário que os gestores se ocupem da elaboraçâo de um plano de respostas a saúde mental e atençâo psicossocial no cenário da pandemia, sobretudo por se tratar de uma catástrofe imprevisível. Este plano pode abarcar estratégias de promoçâo da saúde mental, por meio do estímulo dos cuidados solidários na comunidade, atividades artísticas, culturais e religiosas adaptáveis, atentando para as orientaçöes de biossegurança. Essas e outras estratégias promovem um sentimento de acolhimento e de pertencimento das pessoas, elas passam a se sentir menos solitárias e, portanto, o risco de adoecimento é reduzido. Além disso, o sistema de saúde nao fica onerado com a contrataçâo de mais profissionais para dar conta do adoecimento em si13.
Nao se descarta a relevancia da rede de atençâo psicossocial organizada e apta a atender situaçöes em que um processo patológico está sendo instaurado, aí sim torna-se necessário oferta de serviços de maior complexidade com a presença de profissionais qualificados e disponibilidade de psicotrópicos as pessoas que necessitem deste suporte.
Neste sentido, o Brasil, país que conta com o Sistema Único de Saúde, sendo um sistema com acesso universal, tem em sua base legal a prerrogativa de desenvolver açöes nos diferentes níveis, a saber: promoçâo da saúde, prevençâo de doenças, proteçâo, diagnóstico, tratamento, reabilitaçâo, reduçâo de danos, cuidados paliativos e vigilancia em saúde14. Portanto, em alinhamento com a Organizaçâo Mundial de Saúde esse sistema busca privilegiar o enfoque a saúde e nâo a doença.
Com isso, a saúde mental precisa ser olhada com o viés da produçâo de saúde e nâo na ótica da patologia. Sistemas universais privilegiam esta lógica, em contraponto a outros modelos de sistemas, como o seguro-saúde, no qual o olhar é focado para o adoecimento da pessoa segurada. Portanto, há que se investir e expandir os sistemas universais de modo a proporcionar o acesso aos serviços de saúde de maneira organizada, sistematizada e integral.
Mediante o atual cenário, da pandemia do novo coronavírus, no que tange a saúde mental entende-se que os transtornos psicossociais podem ser evitados com base em açöes de promoçâo da saúde mental. Sendo assim, é necessário trabalhar com os sentimentos que afloram neste período, tais como tristeza, raiva, impotencia, insegurança, entre outros, sem categorizá-los como transtorno mental. Com isso, nao se deve perder de vista que essas questöes estâo sendo vividas pelo coletivo, ainda que com particularidades, e precisam ser abordadas como tais.
Na América Latina as medidas de isolamento social e cuidados com higiene requeridas assumem características particulares, isso porque muitas vezes elas näo podem ser cumpridas. O näo cumprimento se deve pelas condiçöes objetivas de parcela da populaçâo, visto que näo tem acesso a abastecimento de água, saneamento básico e uma unidade habitacional adequada.
Com isso, a saúde mental precisa ser olhada com o viés da produçao de saúde e nao na ótica da patologia.
Referencias
1. Wu F, Zhao S, Yu B, Chen YM, Wang W, Song ZG, et al. A new coronavirus associated with human respiratory disease in China. Nature. 2020;579(7798):265-69. https://doi.org/10.1038/s41586-020-2008-3
2. Zhu N, Zhang D, Wang W, Li X, Yang B, Song J, et al. A novel coronavirus from patients with pneumonia in China. 2019. N Engl J Med. 2020;382:727-33. https://doi.org/10.1056/NEJMoa2001017
3. World Health Organization. Novel coronavirus (2019-nCoV): situation report - 1 [Internet]. 2020 Jan [cited 2020 May 12]. Available from: https://www.who.int/docs/default-source/ coronaviruse/situation-reports/20200121-sitrep-1-2019-ncov.pdf?sfvrsn=20a99c10_4
4. World Health Organization. Novel coronavirus (2019-nCoV): situation report - 26 [Internet]. 2020 Feb [cited 2020 May 12]. Available from: https://www.who.int/docs/default-source/ coronaviruse/situation-reports/20200215-sitrep-26-covid-19.pdf?sfvrsn=a4cc6787_2
5. Brasil. Ministerio da Saúde. Brasil confirma primeiro caso da doença [Internet]. 2020 Feb [cited 2020 May 13]. Available from: https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46435-brasil-confirma-primeiro-caso-de-novo-coronavirus
6. Croda JHR, Garcia LP. Resposta imediata da Vigilancia em Saúde a epidemia da COVID-19. Epidemiol Serv Saúde. 2020;29(1):e2020002. https://doi.org/10.5123/S1679-49742020000100021
7. World Health Organization. Novel coronavirus (2019-nCoV): situation report - 38 [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2020 Feb [cited 2020 May 12]. Available from: https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/situation-reports/20200227-sitrep-38-covid-19.pdf?sfvrsn=2db7a09b_4
8. Brasil. Painel Coronavirus [Internet]. 2020 [cited 2020 May 15]. Available from: https://covid.saude.gov.br/
9. Basso M. Subnotificaçao dificulta combate a covid-19 no Brasil [Internet]. 2020 Mar [cited 2020 May 13]. Available from: https://www.dw.com/pt-br/subnotifica%C3%A7%C3%A3o-dificulta-combate-%C3%A0-covid-19-no-brasil/a-52919120
10.Freitas ARR, Napimoga M, Donalisio MR. Análise da gravidade da pandemia de Covid-19. Epidemiol. Serv. Saúde. 2020;29(2):e2020119. http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742020000200008
11.Franco MHP. A Intervençâo psicológica em emergencias: fundamentos para a prática. Sao Paulo: Summus Editorial, 2015
12.World Health Organization. Mental Health in Emergencies [Internet]. 2019 Jun [cited 2020 May 13]. Available from: http://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/mental-health-in-emergencies
13.Chen Q, Liang M, Li Y, Guo J, Fei D, Wang L, et al. Mental health care for medical staff in China during the COVID-19 outbreak. Lancet Psychiatry. 2020;7(4) e15-e16. https://doi.org/10.1016/S2215-0366(20)30078-X
14.Brasil. Ministerio da Saúde. Portaría N° 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Politica Nacional de Atençao Básica, estabelecendo a revisao de diretrizes para a organizaçao da Atençao Básica, no ámbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da Uniao. 22 Set 2017.
You have requested "on-the-fly" machine translation of selected content from our databases. This functionality is provided solely for your convenience and is in no way intended to replace human translation. Show full disclaimer
Neither ProQuest nor its licensors make any representations or warranties with respect to the translations. The translations are automatically generated "AS IS" and "AS AVAILABLE" and are not retained in our systems. PROQUEST AND ITS LICENSORS SPECIFICALLY DISCLAIM ANY AND ALL EXPRESS OR IMPLIED WARRANTIES, INCLUDING WITHOUT LIMITATION, ANY WARRANTIES FOR AVAILABILITY, ACCURACY, TIMELINESS, COMPLETENESS, NON-INFRINGMENT, MERCHANTABILITY OR FITNESS FOR A PARTICULAR PURPOSE. Your use of the translations is subject to all use restrictions contained in your Electronic Products License Agreement and by using the translation functionality you agree to forgo any and all claims against ProQuest or its licensors for your use of the translation functionality and any output derived there from. Hide full disclaimer
© 2020. This work is published under https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/ (the “License”). Notwithstanding the ProQuest Terms and Conditions, you may use this content in accordance with the terms of the License.
Abstract
O consenso gira em torno de que as atividades educacionais, nos diversos niveis de formaçâo (desde a educaçâo infantil até a pos-graduaçâo), estäo ocorrendo de forma virtual e na impossibilidade desta modalidade encontram-se suspensas, bem como todas as formas de aglomeraçäo, como estrategias de conter a disseminaçäo do virus. World Health Organization. World Health Organization. Available from: https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46435-brasil-confirma-primeiro-caso-de-novo-coronavirus 6. World Health Organization. Geneva: World Health Organization; 2020 Feb [cited 2020 May 12]. Sao Paulo: Summus Editorial, 2015 12.World Health Organization.
You have requested "on-the-fly" machine translation of selected content from our databases. This functionality is provided solely for your convenience and is in no way intended to replace human translation. Show full disclaimer
Neither ProQuest nor its licensors make any representations or warranties with respect to the translations. The translations are automatically generated "AS IS" and "AS AVAILABLE" and are not retained in our systems. PROQUEST AND ITS LICENSORS SPECIFICALLY DISCLAIM ANY AND ALL EXPRESS OR IMPLIED WARRANTIES, INCLUDING WITHOUT LIMITATION, ANY WARRANTIES FOR AVAILABILITY, ACCURACY, TIMELINESS, COMPLETENESS, NON-INFRINGMENT, MERCHANTABILITY OR FITNESS FOR A PARTICULAR PURPOSE. Your use of the translations is subject to all use restrictions contained in your Electronic Products License Agreement and by using the translation functionality you agree to forgo any and all claims against ProQuest or its licensors for your use of the translation functionality and any output derived there from. Hide full disclaimer
Details
1 Enfermeiro, Doutor pelo Programa de Pos-Graduaçao em Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas, Professor de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico no Colégio Politécnico da Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil.
2 Assistente Social, Doutora pelo Programa de Pós-Graduaęao em Serviço Social da PUCRS, Professora Associada na Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil.