Dores lombares são o segundo sintoma de maior incidência nos Estados Unidos, superado apenas por problemas respiratórios. Segundo uma estimativa recente, os custos da remuneração de inválidos e da perda de produtividade podem chegar a 100 bilhões de dólares anuais (Borssok, Le Bel e McPeek, 1993). No Brasil, apesar de não termos dados precisos, estima-se que os neurologistas e os ortopedistas são o grupo de profissionais que têm entre seus clientes um grande número de pessoas com queixas de lombalgia e lombociática (Carvalho, 1999).
A Lombalgia pode ser definida como uma dor no terço inferior da coluna vertebral, mais especificamente entre os L1 e L5. Por lombociática entende-se a manifestação de dores lombares com irradiação para os membros inferiores através do nervo ciático. Freqüentemente essas dores apresentam-se associadas. As intervenções medicamentosas, cirurgias e microintervenções são os procedimentos mais freqüentemente utilizados para o tratamento de dores lombares.
A Comissão de Avaliação de Instituições de Reabilitação dos Estados Unidos, a Sociedade Americana de Dor e a Agência para Políticas de Saúde têm sugerido avaliações psicológicas como parte do tratamento de síndromes dolorosas, justificando a necessidade de produzir mais conhecimentos sobre a etiologia das dores lombares para que intervenções mais eficazes possam ser realizadas (Tollison e Hinnant, 1996; Kerns e Rosenberg, 1997).
Segundo a IASP (International Association for the Study of Pain), a dor é uma experiência desagradável, sensitiva e emocional, associada a uma lesão real ou potencial ou descrita em termos dessa lesão. Diversos autores e teorias contribuíram para a compreensão da dor como um fenômeno multidimensional. Melzack e Wall (1965), durante a década de 60, do século passado, vêm salientando, através da construção da Teoria do Portal (Gate Control), a importância da modulação realizada pela espinha medular, sistema nervoso central e hipotálamo sobre processos e estímulos dolorosos. Estes autores sugerem, de forma analógica, que "existe um sistema de portal no sistema nervoso central que se abre e fecha, deixando passar ou bloqueando as mensagens de dor até o cérebro". (p. 972).
De acordo com a Teoria do Portal, fenômenos de dor consistem de componentes sensório-discriminativo, motivacional-afetivo, e cognitivosvalorativos. A teoria de Melzack e Wall, além de ampliar a compreensão das dores, enfatiza a importância dos aspectos emocionais na instalação e manifestação de processos dolorosos. Embora a Teoria do Portal ofereça uma explicação sobre a participação de aspectos psicológicos associadas à dor, existem ainda outras evidências da multidimensionalidade da instalação e manifestação da dor, a seguir citamos algumas destas evidências:
· A influência de pensamentos e emoções sobre respostas fisiológicas, tais como, tônus muscular, fluxo sangüíneo, níveis de substâncias na corrente sangüínea e cérebro;
· A participação dos neurotransmissores nos processos dolorosos;
· A influência da valoração de eventos dolorosos na qualidade emocional da dor;
· A diversidade de representações sobre dor em diferentes culturas e suas implicações na manifestação e instalação de dores;
· As diferenças individuais na percepção de li-miares de dor.
· A possibilidade de ansiedade, depressão, raiva e outros estados emocionais, provocarem alterações viscerais, autonômicas e mioesqueléticas;
Além dessas evidências, outros estudos (Wadden, 1994; Sullivan, 1994; Martinez e Castro, 1992; Tollison, 1992) apontam para uma associação entre depressão e ansiedade e a instalação ou manifestação de dores crônicas ou agudas. Esse tem sido o referencial, a partir do qual, a clínica médica e neuropsicológica tem desenvolvido e aplicado técnicas para auxiliar no diagnóstico e tratamento de di-versos tipos de dor (ver Coleman, 1997).
O consenso existente entre os especialistas e pesquisadores, segundo Burish e Bradley (1993) é de que há necessidade de uma maior compreensão sobre a instalação e manifestação de síndromes dolorosas e a presença de estados emocionais associa-dos a estas, particularmente se considerarmos os eventos fisiopsicológicos pregressos e o modo de ação dos indivíduos em seu cotidiano de vida e trabalho (hábitos, atitudes, posturas).
Método
Foram entrevistados 55 pacientes com diagnóstico de lombalgia e lombociática atendidos no NIDINeurociências, no período de agosto a novembro de 2000 e janeiro de 2001. Foram incluídos nesse estudo todos os pacientes com queixas de lombalgia e lombociática, que realizaram avaliação neuropsicológica. É importante salientar que a avaliação neuropsicológica é indicada quando:
1) os sintomas trazidos pelo paciente são mai ores dos que os esperados pela avaliação clínica ou radiológica,
2) há suspeita de distúrbio psicológico; comportamento inadequado ou uso de drogas associados ao sintoma.
A avaliação neuropsicológica possui múltiplos objetivos, dentre eles avaliar a manifestação comportamental de lesões cerebrais. A avaliação neuropsicológica (realizada em duas entrevistas, com uma hora de duração cada ), pode compreender diferentes baterias de testes em função da indicação clínica; nessa situação, utilizamos uma bateria com-posta dos seguintes instrumentos: anamnese neuropsicológica, testes de desempenho específicos, WISC, Wartegg, Inventário de Pacientes com Dor, Inventário de Sintomas (SCL-90-R) e Lista de Even-tos Estressantes.
No diagnóstico e tratamento de síndromes dolo-rosas, nosso enfoque principal é realizar uma avaliação psicológica que permita compreender a multidimensionalidade desse fenômeno, visando identificar a presença de aspectos emocionais e/ou comportamentais que possam estar contribuindo para instalação ou manifestação do sintoma. Com especial atenção em estados emocionais, dentre eles, depressão, ansiedade e somatização associados a síndromes dolorosas. Após o término da avaliação, é dada uma devolutiva do resultado ao cliente e encaminhado um parecer da avaliação ao médico solicitante.
No que se refere aos instrumentos utilizados neste estudo, estaremos apenas nos atendo à análise dos escores do SCL-90-R. Este instrumento é um inventário de sintomas desenvolvido por Derogatis (1975), que visa refletir padrões de sintomas psicológicos, possui nove escalas e índices globais1 desenvolvidos para avaliar os níveis de estresse sintomatológico e psicológico. Composto por 90 itens, cada item é pontuado em cinco escalas de stress, com escores variando de zero a quatro, associados às palavras "nunca", "um pouco", "moderadamente", "freqüentemente", "extremamente". Deve ser utilizado como um instrumento de diagnóstico processual dos sintomas psicológicos, ainda que tenha sido elaborado em conformidade com o DSM II.
O SCL-90-R tem sido utilizado para diferentes procedimentos ou fins: avaliações em pacientes psiquiátricos, acompanhamento de usuários de psicofármacos, avaliações em intervenções psicoterapeuticas, avaliação do nível de stress psicológico e psicopatológico, desordens depressivas e/ou ansiogênicas, comportamentos suicidas, usuários de álcool, pessoas que sofreram abuso sexual, disfunções sexuais, intervenções médicas e cirúrgicas.
Resultados
Por se tratar de um estudo preliminar, a análise estatística dos resultados limitou-se apenas à distribuição de freqüências. Os resultados foram distribuídos em três grandes grupos (com resultados percentuais até 50, entre 51 a 65 e entre 66 a 80). Além disso, foram calculadas as médias e desvio padrões para cada escala, com a finalidade de estabelecer referências padronizadas para a sua utilização em grupos de pacientes com dor.
Optamos por organizar os resultados percentuais em três grandes grupos pelas seguintes razões: na amostra americana do SCL-90-R, o percentil 50 é a média dos resultados e o desvio padrão é 14.6; ou seja, o segundo grupo (percentis entre 51 e 65) está à 1,0 desvio padrão da média e o terceiro grupo (percentis entre 66 e 80) à 2,0 desvios padrões da média. Além disso, na prática clínica, observamos que pacientes com escores menores que 50 não apresentam alterações emocionais, pacientes com resultados entre 51 e 65, apresentam alterações emocionais leves, enquanto que pacientes com resultados entre 66 e 80 apresentam distúrbios psicológicos significativos.
A Tabela 1 apresenta as médias e desvio padrão para as três escalas, neste grupo de pacientes.
[Image Omitted; See PDF]
A distribuição dos resultados em percentuais demonstra uma baixa concentração de escores (13%) abaixo da média norte-americana e uma maior concentração dos escores (40%) a um desvio padrão da média e (47%) dos escores a dois desvios padrões da média. Portanto, aproximadamente metade desta população estudada apresentou resultados significativamente altos no que se refere à presença do sintoma ansiedade, segundo o auto-inventário SCL-90-R.
[Image Omitted; See PDF]
A distribuição dos grupos de percentis demonstra uma baixa concentração de escores (8%), abaixo da média americana, uma maior concentração dos escores (38%) a um desvio padrão da média e 54% dos escores a dois desvios padrões da média.
[Image Omitted; See PDF]
A análise da distribuição dos resultados em percentis no SCL-90-R mostra valores significativamente altos no que se refere à presença do sintoma depressão, sugerindo uma forte associação entre o padrão sintomatológico orgânico e depressão na população estudada.
[Image Omitted; See PDF]
A distribuição dos grupos de percentis mostra uma baixa concentração de escores (6%), abaixo da média americana, e uma maior concentração dos escores (35%) a um desvio padrão da média e 59% dos escores a dois desvios padrões da média. Ou seja, nessa população, um número bastante alto de participantes (96%), manifestou outras queixas somáticas2 associadas a lombalgia e lombociática.
Conclusões
A análise dos resultados encontradas nesta população, aponta uma concentração dos escores nas três escalas, do grupo classificado como escore percentil alto (66 a 80), em contrapartida a uma baixa incidência no grupo classificado como escore percentil baixo (até 50). Em média 50% do escores encontra-se no grupo escore T alto.
Comparando os resultados desta pesquisa com os encontrados no manual do SCL-90-R, observa-se uma variação significativa dos escores em percentuais encontrados em população em geral ou sem dor. Os resultados obtidos nesse estudo sugerem alterações nas escalas de ansiedade, depressão e somatização, em pacientes com dores crônicas de natureza lombar e lombociática, em comparação com o grupo de controle do teste nos Estados Unidos. Não poderiam ser feitas comparações diretas entre os resultados de uma população com dor e sem dor, em função da variável dor por si só ser um fator ansiogênico ou causar depressão. Tratar-se, portanto, de um estudo preliminar, dado à inexistência de instrumentos psicométricos para avaliação de pacientes com dor no Brasil (o teste SCL-90-R não é padronizado no Brasil).
As alterações emocionais associadas à lombalgia e à lombociática, apontadas neste estudo, vão de encontro à Teoria do Portal e aos resultados de pesquisas apresentados em pesquisas similares no exterior, no sentido de que podem existir aspectos emocionais e comportamentais associados à dores crônicas e agudas, passíveis de interferir ou colaborar para a manifestação ou perpetuação destas. De alguma forma que justificaria a necessidade da utilização de avaliações psicológicas no tratamento de pacientes com dor, com o intuito de realizar um diagnóstico mais amplo e proporcionar intervenções mais efetivas.
É importante salientar que ainda existe um longo caminho para a compreensão da instalação e manifestação de dores e das múltiplas variáveis en-volvidas neste processo. E, sem dúvida nenhuma, a padronização de resultados e o desenvolvimento de testes específicos para esta população são um passo importante na avaliação psicológica de síndromes dolorosas.
Ader, R. & Cohen, N. (1991).Psychoneuroimmunology. New York: Academic Press,
Borssok, D., Le Bel, A. & McPeel, B. (1993). The Massachusetts general hospital handbook of pain management. New York: Little Brown Company.
Coleman, D. (1997). Equilíbrio Mente Corpo. Rio de Janeiro: Campus.
Burish, T. & Bradley, L. (1993).Coping with chronic disease. Nova York: Academic Press.
Carvalho, M. M. M. J. (1999). Dor um estudo multidisciplinar. São Paulo: Summus.
Kerns, R. D. & Rosenberg, R. (1997). Readiness to adopt a self-management to chronic pain. Pain, 72, 227-234.
Lubkin, I. M. (1986). Chronic disease: Impact and intervention. New York: Jones and Bartlett Publisher.
Mader, M. J. (1996) Avaliação neuropsicológica. Revista Ciência e Profissão. 16, 12 -18.
Martinez, J. E. & Castro, P. D. (1992). Aspectos psicológicos em mulheres com fibromialgia. Revista Brasileira de Reumatologia, 32, 51-60.
Melzak, R. & Wall, P. B. (1965). Pain mechanism: A new theory. Science, 150, n. 3699, 971 - 979.
Melzak, R. & Wall, P. B. (1994). Textbook of pain (3rd. edition). Churchill Livingstone: New York.
Melzak, R. & Wall, P. B. (1982). O desafio da dor. Fundação Calouste Gulbekian. Lisboa.
Morgan, C. D. & Wiederman, M. W. (1998). Discriminant validity of the SCL-90-R dimensions of anxiety and depression. Assessment, 5, 197-201.
Pimenta, C. I. M. & Teixeira, M. J. (1997). Questionário de dor McGill: Proposta de adaptação a língua portuguesa. Revista Brasileira de Reumatologia, 47, 177-186.
Tollison, C. B. & Hinnant, B. W. (1996). Psychological testing in the evaluation of the patient in pain. Em P. Waldman (Org). Intervention pain management in pain. (p.p. 119 - 128). New York: W.B. Saunders Company.
Roberto Moraes Cruz I; Jamir João Sardá Jr. II
I Universidade Federal de Santa Catarina
II Universidade do Vale do Itajaí, SC
You have requested "on-the-fly" machine translation of selected content from our databases. This functionality is provided solely for your convenience and is in no way intended to replace human translation. Show full disclaimer
Neither ProQuest nor its licensors make any representations or warranties with respect to the translations. The translations are automatically generated "AS IS" and "AS AVAILABLE" and are not retained in our systems. PROQUEST AND ITS LICENSORS SPECIFICALLY DISCLAIM ANY AND ALL EXPRESS OR IMPLIED WARRANTIES, INCLUDING WITHOUT LIMITATION, ANY WARRANTIES FOR AVAILABILITY, ACCURACY, TIMELINESS, COMPLETENESS, NON-INFRINGMENT, MERCHANTABILITY OR FITNESS FOR A PARTICULAR PURPOSE. Your use of the translations is subject to all use restrictions contained in your Electronic Products License Agreement and by using the translation functionality you agree to forgo any and all claims against ProQuest or its licensors for your use of the translation functionality and any output derived there from. Hide full disclaimer
© 2003. This work is published under http://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/deed.pt (the “License”). Notwithstanding the ProQuest Terms and Conditions, you may use this content in accordance with the terms of the License.
Abstract
O presente estudo teve por objetivo verificar a presença da depressão, ansiedade e somatização em um grupo de pacientes com lombalgia e lombociática, atendidos no Núcleo de Intervenção e Diagnóstico por Imagem (NIDI), em Florianópolis. A compreensão da dor como um fenômeno multidimensional fundamenta as abordagens mais efetivas de síndromes dolorosas reconhecem a mediação de aspectos emocionais e comportamentais sobre as mesmas. Os 50 (cinqüenta) pacientes avaliados realizaram uma anamnese neuropsicológica e uma bateria de testes psicológicos para avaliar desempenho padrões psicológicos associados à dor. Analisamos os resultados das escalas de depressão, ansiedade e somatização do SCL-90-R e verificamos uma associação significativa entre depressão, ansiedade e somatização associadas à lombalgia e à lombociática, demonstrando a importância da avaliação psicológica no diagnóstico e tratamento de síndromes dolorosas de origem lombar.