Resumo
Este artigo tem como objetivo ressaltar o desenvolvimento históricosocial da imagem da bruxa de acordo com as perspectivas culturais, sociais e religiosas desde os primórdios de nossa civilizaçâo ocidental até a era contemporánea. Este panorama histórico será discutido com base na influencia mitológica no que se refere a formaçâo da imagem feminina transgressora que deu origem a renomada "caça as bruxas" na Idade Média. Para tanto, tomaremos como base os escritos de Civita, (1997), Blécourt (2017), Clark (2006), Maxwell-Stuart (2017), Page (2017), Sharpe (2017), Wallis (2017) e de versöes fílmicas contemporáneas, desde he Wizard of Oz (1939) até he Witch (2015), que retratam a transformaçâo da imagem da bruxa para que possamos analisar, através de sua iconografia, como tal imagem foi e é relegada aos ditames de diversas épocas históricas. Palavras-chave: Bruxa; Bruxaria; História; Mitologia; Cinema.
Abstract
This article aims at discussing the historical-social development of the witch's image according to cultural, social and religious perspectives since the earlier stages of our Western civilization until the contemporary era. his historic overview will be discussed according to mythological influences referring to the construction of the female image as transgressor which originated the acclaimed Middle Age "witch hunt". In order to do so, we will use works by Civita, (1997), Blécourt (2017), Clark (2006), Maxwell-Stuart (2017), Page (2017), Sharpe (2017) and Wallis (2017) apart from contemporary film versions from he Wizard of Oz (1939) through he Witch (2015), which depict the witch's image transformation, so we can analyze, through its iconography, how such image was and is determined by the demands of several historical eras.
Keywords: Witch; Witchcraft; History; Mythology; Cinema.
A bruxaria e o feminino através da história
Bruxa, feiticeira, mandingueira, adivinha, vidente, maga, mágica, necromante, nigromante, lâmia, xamâ, sábia, sacerdotisa, pitonisa sâo alguns dos termos associados aquela mulher que manifestava e manifesta algum conhecimento sobre - presságios, adivinhaçöes, benzeduras, curas através das ervas, partos e oraçöes - cultuando um mundo invisível, mágico, misterioso e numinoso sobre o qual o conhecimento científico e racional tem muito pouco a explicar e comprovar. Para que entendamos as transformaçöes históricas pelas quais as representaçöes da imagem da "bruxa" passou, se faz necessário olharmos para um passado bem longínquo em que o feminino era visto como força fundamental para a sobrevivencia na terra.
Como nos conta a História e nos comprovam estudos arqueológicos1 houve uma época em que uma cultura "matrifocal" regia nossa civilizaçao. Tal cultura denomina-se "matrifocal," e nao "matriarcal," pelo fato de nao permitir, principalmente, distinçöes hierárquicas entre homens e mulheres.2 Nao havendo relaçöes baseadas no poder, os individuos relacionavam-se com o princípio do coletivo, do trabalho e vida em comunidade onde nao havia espaço para guerras, ameaças e destruiçöes de seus semelhantes. A vida era totalmente regida pela relaçao entre o individuo e a natureza. As mulheres, por seus ciclos menstruais e de fertilidade e gestaçao, eram diretamente relacionadas com os ciclos da natureza. A própria terra era considerada como a "grande mae," aquela que nutria e dava sustento aqueles que dela dependiam, daí a importância atribuída ao aspecto "feminino," tanto do ser humano quanto da terra que habitava. O individuo era totalmente absorvido e integrado a natureza, aos seus ciclos de vida e morte, e aos cuidados ao tratar com a terra, pois dela advinha sua existencia e continuidade.3 (CABREIRA, 2012, p. 23-24)
Tal cultura matrifocal foi primordialmente retratada através da mitologia, do folclore e de achados arqueológicos, em que foram encontrados nao só pinturas rupestres neolíticas em cavernas representando figuras femininas, bem como esculturas do corpo feminino bastante avantajado em tamanho, como a Venus de Willendorf (CIVITA, 1997, p. 10) com seus seios e corpo arredondados, representando feminilidade e fertilidade: a mulher doadora de vida.
De acordo com a explicaçao de Joseph Campbell: "Nao resta dúvida de que nas épocas mais remotas da história do homem a força mágica e misteriosa da femea era tao maravilhosa quanto o próprio universo; e isto atribuiu a mulher um poder prodigioso, poder este que tem sido uma das maiores preocupaçöes da parte masculina da populaçao - como quebrálo, controlá-lo e usá-lo para seus próprios fins." (apud CIVITA, 1997, p. 11)
Os desacordos causados entre o feminino e o masculino, entao, seriam retratados nas mitologias de diversas culturas desde a do povo agrário sumério (4.000 a.C.) até as invasöes das tribos guerreiras semitas, antigos caçadores, e dos povos da Europa e do sul da Rússia, os invasores helénicos e arianos, criadores de gado, que desestruturariam as sociedades harmônicas e nao-heróicas, nas quais se manifestava o culto a Deusa. Tais intrusos paulatinamente substituiriam as mitologías baseadas na tradiçâo da Deusa-Mae por aquelas representadas por divindades masculinas e guerreiras, em figuras como Javé e Zeus. (CIVITA, 1997, p. 13). Consequentemente, as tensöes desencadeadas por tais diferenças culminariam numa das mais nefastas turbulencias sociais na Europa medieval, a caça as bruxas.
Quando começam as invasöes nos dominios da deusa, surge um novo tema recorrente na mitologia: um herói, deus ou mortal, destrói uma corporificaçao monstruosa de uma deusa que antes fora suprema, e por fim recebe um tesouro fabuloso, que trará beneficios a toda a humanidade. (CIVITA, 1997, p. 15)
Como exemplos desta mudança em relaçâo a figura da Deusa, podemos citar algumas lendas tidas como "revisionistas [...] nas quais a deusa é destruida ou na melhor das hipóteses, casa-se e é relegada a um papel inferior, [imagens estereotipadas que] sobreviveram nas tradiçöes bíblicas do Velho e do Novo Testamento, bem como nos mitos homéricos da Grécia e de Roma" (CIVITA, 1997, p. 15). Assim, temos a lenda babilónica de Marduk e Tiamat; as lendas gregas de Zeus e Tifon; a lenda semita de Lilith; a lenda grega da Medusa, uma das tres Górgonas, e a lenda da "arquifeiticeira Hecade, temivel rainha do baixomundo" (CIVITA, 1997, p. 19); e a lenda de Circe, a maga loira, que desempenha um papel importante na Odisséia [...] e Homero e sua sobrinha Medéia. Figuras femininas, e muitas vezes animalescas, que representam o lado temido, malévolo, destruidor e sombrio da Deusa-Mae, que passa de "mae-doadora" para aquela "mae-devoradora" que toma a vida de forma vingativa, trágica e avassaladora, conservando a natureza ambivalente de bem e mal que sempre foi a marca da divindade feminina.
Com poucas e notáveis exceçöes, tais como Afrodite e Atena, as divindades femininas da mitologia homérica viriam a assumir traços e comportamentos sombrios e ameaçadores, delineando o posterior mito europeu da bruxa. Mas esse processo de passagem, do culto a uma deusa que continha tanto a vida como a morte, para um culto no qual o lado sombrio encobria sua luz, transcorreu como um processo gradual e que jamais chegou a um desfecho. Deusas e deuses, seres de um nivel mais alto e mais baixo, possuidos pelo bem e pelo mal, continuaram a surgir nas mitologias da Grécia e de Roma. (CIVITA, 1997, p. 16)
Apesar dessa desmistificaçâo da figura da Deusa-Mae, tanto romanos quanto gregos cultuavam algumas divindades que ainda remetiam as tradiçöes antigas que reverenciavam a magia, cujas celebraçöes se assemelhariam ao futuro sabá das bruxas. Em Roma temos o culto a deusa-mae Cibele; na Grécia o culto a Dionisio; os mistérios Eleusinios (considerados os mais dignos) em homenagem a Demeter, deusa da terra e esposa de Zeus; a deusa da lua Diana (Roma) e Artémis (Grécia); e as lendas sobre as strigaes dos antigos povos germánicos do norte da Europa, que de acordo com "Festus [eram] "mulheres que praticam feitiçaria e que sao chamadas de mulheres voadoras"" (CIVITA, 1997, p. 23).
Mas na Roma antiga havia uma alta distinçao entre magia branca e negra, sendo que a última era punida com a morte, principalmente se colocasse o estado e o imperador em risco. Assim, até a queda do Imperio Romano, temos a figura do(a) bruxo(a) que designava aquele(a) que praticava a magia - uma atividade corriqueira - e havia feiticeiros(as) em quase todas as comunidades. Contudo, por possuir um poder dual tanto para o bem quanto para o mal, o praticante de magia ou feitiçaria era temido por sua capacidade de proporcionar a ruina de uma pessoa, de uma plantaçao, de um rebanho ou desencadear intemperies seja por vingança ou desafeto. Assim, por precauçao, procurava-se nao desencadear a ira num mago. (CIVITA, 1997, p. 25).
Outro fato que se faz relevante é a associaçao de tais figuras mágicas com incursöes e festas noturnas, ideias que mais tarde seriam relacionadas aos encontros entre Sata e as bruxas. Pois, "nas terras do norte as reuniöes de feiticeiras eram conduzidas pela deusa Holda, esposa de Wotan" (CIVITA, 1997, p. 27), que representava tanto fertilidade quanto destruiçao "com seus exércitos de Valquirias"; além da temerária Freyja, a "senhora dos mortos"
Além das divindades germánicas e nórdicas temos também as deusas da mitologia celta que eram relacionadas com as guerras e com a arte do combate, tais figuras se mesclavam a variedade de demonios, ninfas e elfos do folclore británico. Com relaçâo aquela cultura, faz-se importante enfatizar que os celtas acreditavam no poder da magia e em sua eficácia e incorporavam tal poder em suas práticas sociais, contudo também nao toleravam o uso da magia para fins malévolos, assim como os romanos.
Para que possamos analisar a dimensao dessa atitude de aceitaçao da magia e da feitiçaria, além de sua transformaçâo através dos tempos, se faz necessário considerar que
Na Europa predominava uma visao mágica do mundo, tanto entre pagaos como entre os cristaos. As mensagens da mitologia e do folclore nao estavam apenas nas profundezas da psique humana; possuiam um significado real e imediato. Também traduziam um equilibrio delicado entre amor e ódio pela bruxa, figura de poder aparentemente imenso. E esse equilibrio, ao que parece, sempre parecia prestes a pender para o lado do medo e do horror. As pessoas pensavam saber o que era uma feiticeira; na verdade, conheciam-na por mais de uma dúzia de nomes diferentes. Precisavam apenas de mais um pretexto para dar vazao a seus instintos e atacar a fonte de inquietude que a bruxa representava. Infelizmente, isso foi exatamente o que ocorreu quando o cristianismo reivindicou seus direitos de gerir tanto suas vidas quanto suas lealdades. (CIVITA, 1997, p. 30)
Assim, desde os primórdios das civilizaçöes observamos que a figura feminina foi, e tem sido, retratada de acordo com conceitos e pré-conceitos muitas vezes discrepantes, oriundos de aspectos culturais, sociais, politicos, psicológicos e religiosos que distorcem as caracteristicas das mulheres enquanto seres individuais e sociais. Fato que se impöe diretamente ao poder de açâo e reaçâo que a mulher possa ter dentro de seu contexto histórico-cultural.
Relatos que enfatizam como, historicamente, as transgressöes aos valores das sociedades em que algumas mulheres viveram as colocaram a merce de fatores que determinaram seus destinos de forma trágica. Como nos exemplos de Margarida Porete e Joana D'Arc,4 estas mulheres foram condenadas por sustentarem comportamentos e ideais transgressores que as denegriram e levaram a condenaçâo por "bruxaria", demonstrando intolerancia e rigidez para com aspectos divergentes na atuaçâo feminina em sociedade.
Como nos relata Rose Marie Muraro, em sua "Breve Introduçao Histórica" da ediçao brasileira da obra Malleus Maleficarum: O Martelo das Feiticeiras (2002), "é preciso termos uma visao ao menos mínima da História da mulher no interior da História humana," se quisermos avaliar as condiçöes que relegaram a mulher ao obscurecimento, a perseguiçao e "castraçao" psicológica e moral em algumas épocas. Muraro faz uma retrospectiva histórica desde as primeiras culturas de coleta e de caça - em que a força física nao era necessária para a sobrevivencia e em que as mulheres possuíam um lugar central e eram consideradas como seres sagrados, integralmente ligadas a natureza -, até que a mulher se torne um ser subjugado pelas sociedades patriarcais. (CABREIRA, 2012, p. 221)
Assim como declara Katherine Howe, quando pensamos a respeito de bruxas nos dias de hoje, um padrâo de imagem aparece em nossas mentes: uma velha com nariz enverrugado, chapéu pontudo preto, trapos como roupas e um gato preto a seu lado (2014, p. 3), além da relaçâo quase que estrita com a maldade, o obscuro e o Diabo. No entanto, com o passar do tempo, tal imagem vem sendo apresentada sob diversas outras perspectivas, tanto quando consideramos a literatura quanto o cinema. Da tradicional feiticeira assustadora que adquire seus poderes em conluio com o Demonio até crianças que usam seus poderes natos na luta contra forças maléficas, as bruxas povoam a imaginaçâo da sociedade desde seus primórdios. Nosso objetivo principal neste artigo é analisar como o imaginário envolvendo a figura da bruxa aparece nas personagens de obras cinematográficas e como elas se relacionam com as tradiçöes que envolvem a magia e sua história.
Rotulada como demoníaca, a magia percorre um longo caminho desde as sociedades mais antigas. Desde povos que possuíam como divindade superior a Grande Mae, como já mencionado, até as práticas modernas de bruxaria, wicca e religiöes com bases esotéricas, o comportamento mágico sempre esteve presente, desde rituais extremamente elaborados até simpatias simples, passadas de geraçao em geraçao como forma de proteçao ou soluçao rápida para algum problema. As mais diversas culturas apresentam alguma forma de ritual mágico, desde oraçöes, conjuraçâo de nomes e palavras mágicas, amuletos até bonecos utilizados para infligir dor em alguma pessoa por meio de agulhas espetadas; vale notar a presença desse último objeto nao apenas em culturas africanas popularmente conhecidas pela prática de rituais como o voodoo, mas também em diversas culturas, entre elas o Judaismo (MAXWELL-STUART in DAVIS, 2017, p. 15). Tanto benevolente quanto hostil, a magia estava a serviço da sociedade para os mais diversos propósitos. O problema da magia nao se deve estritamente a sua natureza sobrenatural, mas sim ao que foge do ritual sagrado oficial:
In the early Middle Ages people used and feared magic for the same reason they used and feared any other sacred ritual: magic was thought to strengthen or sever relationships between people, to overcome material obstacles, and to spread good or evil by protecting a community or introducing sickness and death. But magic was the name given to a class of inappropriate sacred rituals, which were excluded from normative Christian practice. [...] An unauthorized sacred ritual was thought to express its practitioner's ignorance of appropriate sacred forms, adherence to heathen practice, or association with the Devil. (PAGE in DAVIS, 2017, p. 29)
O "triunfo" do Cristianismo sobre o Paganismo lhe dá aparente imagem de superioridade divina sobre os demais poderes demoníacos associados a feitiçaria, já que, na Idade Média, os magos eram comumente tidos como o contraponto dos santos: a apropriaçâo de determinados poderes sobrenaturais de forma positiva, relacionados aos magos, como o controle dos elementos da natureza e a cura, davam aos santos a posiçâo benevolente considerando Deus como a origem de tais poderes miraculosos; em oposiçâo, a magia prática, divinaçâo ou qualquer outro ato fora do alcance da Igreja era considerado como atividade demoníaca (PAGE in DAVIS, 2017, p. 29-30). Os costumes advindos do paganismo5 poderiam ter sido absorvidos pelo Cristianismo; no entanto, a seus praticantes restava a perseguiçâo.
Nesse ponto a magia passa a ser quase que indissociável da imagem de Sata. Sob a visao da Igreja Medieval, os hereges praticantes de bruxaria funcionavam como meios para que o Príncipe das Trevas pudesse atuar no mundo físico. Seus escolhidos, como já mencionado, estavam destinados a perdiçâo e abandonavam a verdadeira fé, que seria no Deus cristao, para se render as tentaçöes do Diabo. A partir daqui, um fato de extrema importancia serve como divisor de águas quando nos referimos a bruxaria: a associaçâo quase que integral da magia ao sexo feminino. Embora nao existisse tal relaçao tao estrita previamente e nem grandes demonstraçöes de ódio as mulheres (CLARK, 2006), elas passam a ser vistas como as preferidas de Satanás para a realizaçao de seus atos contra Deus e a humanidade. Segundo Clark (2006), mesmo de forma pouco elaborada, as proposiçöes a respeito dessa relaçâo entre mulher e Demonio se dividiam em, basicamente, tres grupos expressos de maneira quase metódica:
Primeiro, supunha-se, como principio geral, que as mulheres eram, por natureza, mais fracas que os homens com respeito a qualidades intelectuais e psicológicas fundamentais e, portanto, tinham o que o autor chamou de "maior facilidade para a queda". Segundo o Malleus maleficarum elas nao poderiam aprender adequadamente assuntos espirituais e eram crédulas e impressionáveis em suas crenças. Ao mesmo tempo, suas "paixöes e afeiçöes descontroladas" deixavam-nas ressentidas com a autoridade e difíceis de disciplinar, de forma que eram uma ameaça potencial permanente a ordem de Deus. A chave para sua perversidade residia, sobretudo, em seus apetites carnais, que eram muito maiores que os dos homens. As mulheres eram, pois, mentalmente fracas e de comportamento instável, criaturas imperfeitas por natureza, de quem só se poderia esperar o mal e a depravaçâo.6 (CLARK, 2006, p. 163)
O rebaixamento da mulher a uma posiçâo quase que infantilizada intelectual e psicologicamente é um dos primeiros pontos a serem observados quanto a sua associaçâo com a bruxaria. Nao ser capaz de discernir adequadamente entre o bem e o mal as coloca em lugar propicio para a influencia negativa por parte dos demonios, vindo a cair em suas garras por falta da inteligencia que seria mais avantajada nos homens. Ponto interessante que diz respeito a essa suposta debilidade intelectual reaparece quando a bruxaria sobrenatural começa a ser desmentida, talvez em um principio de racionalizaçâo sobre o tema; segundo Sharpe (in DAVIS, 2017) declarou-se que aqueles que renunciassem a Cristo ou fizessem um pacto com o Diabo deveriam ser punidos como apóstatas ou idólatras, "but much of what witches were supposed to do was either illusory or based on faulty intellectual premises" (p. 79). Em segundo lugar, as mulheres seriam mais carnais do que os homens; como observamos anteriormente, caracteristicas associadas aos instintos eram relegadas ao sexo feminino, já que aos homens cabia o lado racional mais desenvolvido, e com isso vem a ideia de que sexo, ambiçâo e inconstancia eram aspectos muito mais próximos do feminino do que do masculino, traços esses também relacionados com o Demonio e nisso se funda o argumento principal do Malleus maleficarum: "all witchcraft comes from carnal lust, which is in women insatiable. [...] Wherefore for the sake of fulfilling their lusts they consort even with devils" (Malleus maleficarum, Parte 1, Questao 7). Assunto recorrentemente apontado pelos autores sobre bruxaria dessa época é a seduçâo de Eva pelo Diabo, a primeira pecadora que, por sua vez, seduziu Adao para que desobedecesse as ordens de Deus. "Alguns chegaram a chamar Eva de a primeira bruxa, uma associaçâo que, mais do que qualquer outra, torna inteligivel o vinculo de genero sobre o qual todos se apoiavam" (CLARK, 2006, p. 164). Porém, a bruxaria ainda exigía mais vínculos com o sexo feminino:
O terceiro elemento no argumento era explicar quaisquer outras características especificas do crime em termos de fraquezas e deficiencias características femininas. Por exemplo, as mulheres eram igualmente curiosas e loquazes - "linguarudas" [...] Isto as tornava mais ávidas que os homens por saber coisas proibidas, mas menos capazes de conserválas para si. Além disso, eram mentirosas, orgulhosas, fúteis e cobiçosas, fraquezas que o diabo poderia explorar nos estágios iniciais de sua campanha para prende-las. [...]
Mais do que qualquer outra coisa, as mulheres eram maliciosas, rancorosas e vingativas [...]
Mesmo um leve desgosto [...] poderia impelir as mulheres para o diabo, isto trabalhava em seu favor, assim como a satisfaçâo de seu orgulho e de sua avidez pelo mando. (CLARK, 2006, p. 164)
Curiosidade, fraqueza, mentira, orgulho, futilidade, malicia, rancor, vingança e as mais reprováveis características humanas eram relacionadas quase que exclusivamente ás mulheres, fazendo-as iscas perfeitas para o Diabo e seus servos. Até mesmo uma pseudo-ciencia servia de justificativa para que as mulheres fossem colocadas como inferiores, como o formato de seus corpos e suas entranhas. A imagem da bruxa é, entao, moldada de acordo com tais crenças e abarca nao apenas pessoas especificas, mas todo um genero que dividiría traços semelhantes físicos, comportamentais e intelectuais. Além disso, ainda reforça o demoniaco naquelas que fogem aos padröes de juventude e beleza, como as velhas, mendigas, doentes, as obstinadas e dominadoras, as que usurpavam o controle masculino, as que se comportavam como homens, as que buscavam superioridade sexual, as prostitutas ou qualquer mulher ás margens da sociedade que nao tivessem a imagem da mulher boa e pia, paciente, silenciosa, domesticada e religiosa (CLARK, 2006, p. 184-185).
O mal toma a frente quanto á imagem da bruxa; crenças e rituais populares praticados tanto por homens quanto mulheres sao agora obras do Demonio, independentemente das intençöes por trás da magia. Segundo Clark (2006, p. 579), no inicio da Europa Moderna, grande parte da literatura sobre bruxaria tem como objetivo demonizar quaisquer recursos tradicionais preferidos por pessoas necessitadas, ampliando o termo "bruxaria" para incluir todos os artificios que seriam obstáculos para a hegemonia do clero.
Nao restava nesse contexto religioso qualquer aspecto da magia que pudesse ter algum tipo de aprovaçao. Tanto bruxas boas quanto malignas seriam apenas duas versöes do mesmo mal temido e presente no mundo. Sata era responsável pelos poderes de ambas, nao importando a intençao daqueles que recorriam a elas em busca de ajuda. As tradiçöes de curandeirismo e medicina "primitiva" que tinham na natureza suas fontes de conhecimento sao condenadas. Os adivinhos, desde que nao fossem reconhecidos como os profetas do Senhor, também recebiam a pena por heresia e bruxaria. Os encantadores e todos aqueles que lidavam com os aspectos tidos como sobrenaturais eram automaticamente associados ao Demonio e mereciam as inúmeras formas de penalidades da época (CLARK, 2006, p. 585).
Pode-se alegar que tal tipo de comportamento se restrinja a uma época remota, distante tanto no quesito temporal quanto cultural e comportamental; no entanto, a perseguiçao de tudo aquilo que foge ao conservadorismo tradicional, principalmente levando em consideraçao os contextos cristaos europeu e americano, se faz presente até os dias de hoje, nao importando o quanto haja cada vez mais a ascensao de elementos religiosos que remontam ás antigas práticas tidas como bruxaria. Se levarmos em conta que até tempos recentes vigoravam na Inglaterra7 leis que tinham a prática de feitiçaria como crime, nao podemos afirmar que haja um grande distanciamento da cultura medieval de caça ás bruxas e, provavelmente, a imagem associada a elas nao tenha se modificado drasticamente com o passar de todos esses anos.
Da história para o cinema - perpetuaçâo e modificaçâo da imagem da bruxa
Tantas representaçöes e conceitos a respeito das bruxas acabam chegando até os dias de hoje sob diferentes formas. O cinema, por exemplo, é um dos responsáveis por essa disseminaçâo de imagens e funciona tanto como perpetuador quanto modificador da relaçâo que podemos ter com a bruxaria. Se a magia se faz presente desde os primordios dessa arte, como nos filmes de Mélies, nos quais, curiosamente, ela tinha grande relaçâo com o Diabo,8 a bruxa toma seu lugar como personagem icônico em produçöes cinematográficas desde a temida Bruxa Malvada do Oeste e a doce Glinda, em he Wizard of Oz (1939), até homasin, no mais recente he Witch: a New-England folktale (2015). Uma análise pormenorizada de todas as personagens que já foram denominadas bruxas nesse período de tempo demandaría uma extensâo de trabalho muito maior; portanto, vamos nos deter em personagens selecionadas que demonstrem a modificaçâo ou a persistencia de um padrâo na caracterizaçâo e na visâo a respeito da feiticeira.
Iniciando pelo clássico he Wizard of Oz, acompanhamos Dorothy (Judy Garland) desde sua fazenda no Kansas até a mágica terra de Oz, para onde é levada por um tornado e acidentalmente matando a Bruxa Malvada do Leste. Aterrissando na terra dos Munchkins, Dorothy é recebida por Glinda (Billie Burke), a Bruxa Boa do Norte, chamada para investigar a menina. Glinda é calma, doce e se veste em tons de rosa, com uma coroa e uma varinha de condâo. Tal imagem inegavelmente evoca a pureza e bondade raramente associadas as bruxas. Seu contraponto é a Bruxa do Oeste (Margaret Hamilton), cuja aparencia evoca o grotesco e o mal, assim como a descriçâo mencionada previamente dada por Katherine Howe: ela se veste inteiramente de preto, com um chapéu pontudo, sua pele é verde, seu queixo e nariz sâo desproporcionais, alongando seu rosto de forma caricata. Além disso, a bruxa voa em sua vassoura e se transporta em meio a nuvens de fumaça e fogo, assustando a todos ao redor a ponto de que desmaiem.
As bruxas do Norte e do Oeste formam dois lados de uma figura que, com o passar do tempo, abandona qualquer traço de bondade quando é excluida da sociedade para pertencer ao lado maligno sobrenatural. Embora nâo haja referencias explícitas a religiosidade que relaciona a bruxaria diretamente com o aspecto demoníaco, he Wizard of Oz nos mostra a cultura que distingue entre bondade e maldade pela aparencia dada ao indivíduo, como notamos no diálogo entre Glinda e Dorothy:
Glinda: he Munchkins called me because a new witch has just dropped a house on the Wicked Witch of the East. here's the house, and here you are, and that's all that's left of the Wicked Witch of the East.
And so, what the Munchkins want to know is, are you a good witch or a bad witch?
Dorothy: But I've already told you, I am not a witch at all. Witches are old and ugly.
What was that?
Glinda: he Munchkins. hey are laughing because I am a witch. I'm Glinda, the witch of the North.
Dorothy: You are? I beg your pardon. But I've never heard of a beautiful witch before.
Glinda: Only bad witches are ugly.
Se no passado bastava uma imagem física que fugisse aos padröes de beleza e juventude aceitáveis para que uma mulher fosse tachada de bruxa, Oz reforça um estigma que persiste na sociedade. Dorothy se espanta ao ser indagada sobre ser uma bruxa, alegando o contrário já que bruxas sao velhas e feias. Para sua surpresa, Glinda é uma delas, causando a consternaçao na criança que nunca tinha ouvido falar em uma bruxa bonita antes. A Bruxa do Norte apenas enfatiza que apenas as bruxas más sao feias. he Wizard of Oz retrata dois lados da magia, separando-os tanto pelas intençöes da feiticeira quanto pela aparencia carregada de características até hoje associadas a essa dualidade:
The film obviously contributed to twentieth-century witch imagery. he Wicked Witch bestowed her green face on subsequent witches, especially Halloween representations [...] In contrast, Halloween witches dressed up as Glinda are as rare as they are in films or television series (or are unrecognizable, because they are mistaken for fairies or princesses). (BLÉCOURT in DAVIS, 2017, p. 261)
Mesmo que a bruxa já tenha, antes de Oz, uma imagem relacionada com a maldade e com a feiura, provavelmente é a partir dele que esse estereotipo tao tradicional - roupas pretas, chapéu e rosto desfigurado - toma forma no imaginário popular e se torna um ícone de fantasias de Halloween e desenhos animados. Desde entao, um estigma já previamente carregado acaba por se tornar padrao, causando estranhamento quando é quebrado, como é o caso do filme I married a witch (1942), estreado pouco tempo depois de he Wizard of Oz. Neste filme, Jennifer (Veronica Lake) e seu pai ressurgem da morte séculos depois de serem condenados a fogueira pelos colonos da Nova Inglaterra. Desde o trailer do filme, já podemos observar uma quebra com, pelo menos, o aspecto físico grotesco da bruxa, quando o narrador declara: "Now, this little witch was no ordinary witch. Oh, no, she was beautiful". Com isso, nos deparamos com outro aspecto relacionado feminino e responsável pela condenaçao de quase todo o genero a relaçao com o mal: a seduçao e a sexualidade.
Jennifer fugia do arquétipo tradicionalmente associado a bruxa; ela era jovem e bonita. No entanto, justamente sua beleza e como ela é retratada pelo filme é que a tornam um perigo para Wallace Wooley, político comprometido com um relacionamento amoroso problemático, o descendente de Jonathan Wooley, o responsável pelas denuncias a Inquisiçao no século XVII. A bruxa e seu pai renascem na América moderna sob a forma de duas colunas de fumaça. Como o fogo foi responsável pela destruiçao de seus antigos corpos, por meio da magia Jennifer consegue recobrar sua forma física em meio a um incendio proposital iniciado pelos dois no Hotel Pilgrim, escolhido como parte de seus planos de vingança, já que incendiar o campo de milho nâo foi possível devido a sua substituiçâo por residencias no mundo atual. Wallace e Jennifer se conhecem nesse incendio, enquanto ele pensa que a está salvando das chamas. Ele a veste, pois estava nua, e a leva para outro quarto, iniciando o plano dela de faze-lo se apaixonar. Jennifer é sedutora, tentando usar de todos os recursos para conseguir realizar seu desejo de causar sofrimento, como seu tom de fala e seu corpo:
Wallace Wooley: Now you listen to me, young lady. Come on. Get up. Jennifer: I'm listening, Mr. Wooley.
Jennifer: Why do you look at me that way? Oh, my dress. Do you like it? Wallace Wooley: I-I don't know. It's such a shock to see you dressed. I mean... you're beautiful.
Jennifer: Enough to make a man fall in love?
Wallace Wooley: Mere physical beauty isn't everything.
Jennifer: [disappointed] hat's what I thought.
Parte dessa seduçâo se deve a sua praga jogada nos ancestrais de Wallace, a de que jamais se casariam com a mulher ideal, mergulhando os homens da família em um eterno ciclo de casamentos perturbados e infelizes; se conseguisse que ele se apaixonasse, estaría apenas dando continuidade a maldiçâo. Como já observado, uma das premissas do envolvimento do feminino com o diabo era, justamente, sua incessável luxuria e desejo carnal. Além disso, tal tipo de bruxaria era extremamente comum entre as crenças envolvendo as feiticeiras. Clark (2006) afirma que era amplamente aceito que as bruxas pudessem destruir a hierarquia marital semeando a discordia e incitando a promiscuidade; também provocavam brigas, ciúmes, desentendimentos e disputas, resultado de a magia feminina ser relacionada com a sexualidade e com os sentimentos (p. 131). A imagem da bruxa, nesse caso, pode até se distanciar do horror visual da Bruxa Malvada do Oeste; no entanto, carrega consigo o outro lado condenado, a incitaçâo ao sexo pecaminoso e a destruiçâo da família.
Embora os feiticeiros tenham um comportamento diabólico, como causando incendios, colocando maldiçöes e a tentativa de arruinar a vida de Wallace fazendo-o se apaixonar por Jennifer, suas imagens nâo evocam o medo e a repulsa, mas sâo extremamente cómicas. Ambos possuem discursos caricatos, foram condenados a fogueira por terem feito as ovelhas da vila dançarem e terem mudado as cores das vacas para azul e rosa; enquanto ainda sob a forma de fumaça, depois de ressuscitarem, protagonizam cenas que se desenvolvem beirando o absurdo, chegando a se alojarem dentro de duas garrafas como os mitológicos genios, plano perfeito para se disfarçarem caso uma delas nâo tivesse bebida alcoolica, fazendo o pai ficar bebado. Jennifer é divertida e engraçada até mesmo quando planeja alguma maldade, conseguindo seu objetivo com Wallace enquanto ela mesma se apaixona, formando um casal inesperado. Assim como Glinda, Jennifer é uma nova formulaçâo para a imagem da bruxa. Glinda é boa e pura; Jennifer inicia o filme como má, mas sob uma forma bela e extremamente cativante, abrindo o caminho para as bruxas queridas pelo público como Gillian (Kim Novak) do filme Bell, book and candle (1958), a bruxa que mora em um apartamento de Nova York e se apaixona por um publicitário, além de Samantha (Elizabeth Montgomery) e Endora (Agnes Moorehead), as feiticeiras inseridas no mundo moderno do seriado Bewitched (1964-1972).
Entretanto, essa recorrencia de amenizar o peso dado a bruxa, tornando-a mais palatável e agradável ao público, logo é quebrada com, no caso, um casal dos mais icônicos do cinema de terror, Minnie e Roman Castevet (Ruth Gordon e Sidney Blackmer) de Rosemary's baby (1968). O adorável casal se torna amigo dos novos vizinhos, Guy e Rosemary Woodhouse (John Cassavetes e Mia Farrow). Suas aparencias queridas e prestativas escondem, pelo menos de Rosemary, sua relaçâo direta com o Demônio, como seus adoradores, chegando a convencer Guy a oferecer sua esposa como receptáculo para o terrível bebe que viria ao mundo por meio de um ritual macabro envolvendo sexo com a própria entidade maligna, tudo isso em troca de fama e sucesso para o aspirante a ator. A história se desenrola com a histeria e pánico de Rosemary fundados em suas desconfianças a respeito da criança que carrega em seu ventre, até que após o nascimento ela aparentemente se rende ao grupo satánico que idolatra seu filho.
Esse filme nao apenas retrata um grupo de adoradores de Sata, mas retoma um dos pontos principais da história da bruxa, sua relaçâo estrita com o Diabo e a dependencia mútua entre eles, já que, como vimos anteriormente, o Senhor das Trevas dependería de seus servos, as bruxas e feiticeiros, para poder atuar no mundo físico. Ao contrário da concepçâo divina de Maria, Satanás nao pode escolher a seu bel prazer qualquer mulher e fecundá-la; ele depende do ritual preparado pelos bruxos seguidores dos Castevet e uma mulher que nem mesmo tivesse noçao do que estava acontecendo com ela, talvez por puro sadismo e maldade.
Apesar de todo o terror presente no filme, um dos pontos mais marcantes é quando Rosemary começa a ler o livro deixado por seu amigo antes de falecer, como forma de alertá-la a respeito de seus vizinhos. All of them witches trata das bruxas e bruxos famosos e seus rituais, de onde se destaca Adrian Marcato, pai de Steven Marcato, anagrama de Roman Castevet, causando a revolta de Rosemary e despertando pánico por seu bebe:
Guy: With a father like that no wonder he switched his name.
Rosemary: You don't think he is the same...
Guy: What? A witch? Oh, Ro, you're kidding, oh, Ro, honey.
Rosemary: His father was a martyr, do you know how he died?
Guy: Honey, it's 1966...
Rosemary: And this was published in 1933, there were covens in Europe, that's what they are called the... ah... the congregations. Covens in Europe, in America and in Australia and they have one right here, that whole bunch. he parties with the singing and the flute and the chanting, those are sabaths.
Guy: Honey, don't get excited...
Rosemary: Read what they do, Guy! hey use blood in their rituals! And the blood that has the most power is baby's blood, and they don't just use the blood, they use the flesh!
Embora o desejo dos Castevets pelo bebe de Rosemary nao seja tao grotesco, a imagem pregada a respeito da bruxa e de supostos rituais feitos nos covens apavora e causa um extremo desconforto no espectador ao acompanhar o drama da pobre mae encurralada em seu apartamento. Adrian Marcato e as bruxas do livro retratam nao apenas o poder demoníaco ligado a bruxaria, mas, principalmente, a perseguiçao de uma sociedade que busca proteger-se de tais forças, tal qual o povo medieval sob o controle da Igreja. Adrian foi linchado por uma multidao, certamente um fim trágico; no entanto, essa violencia perde lugar ao ser comparada com a destruiçao de vidas inocentes pelas maos das bruxas satanistas. Enquanto Samantha cativa o público em seu seriado, seguindo os passos de Jennifer, Minnie Castevet aparece como uma má recordaçâo que traz a tona medos que poderiam estar sendo enterrados.
A representaçâo da bruxa nao se modifica de forma drástica com o passar dos anos. Mesmo com filmes como he witches of Eastwick (1987) e Elvira: Mistress of the dark (1988) que tem como personagens principais bruxas extremamente cativantes para o espectador, principalmente Elvira (Cassandra Peterson), que se torna um dos ícones do cinema que segue essa temática, a bruxa ainda tem grande associaçâo com o Diabo. Em Eastwick, ele próprio aparece na cidade após ser invocado inocentemente por tres mulheres comuns, Alexandra, Jane e Sukie (Cher, Susan Sarondon e Michelle Pfeiffer); pelo menos, as figuras deixam de ser assustadoras e deformadas para continuar dando espaço a beleza feminina. Beleza que acaba exacerbada na sexualidade de Elvira. Além das roupas e acessórios que evocam símbolos relacionados as trevas, como o vestido preto tradicional da bruxa, aranhas, espinhos, caveiras, uma linguagem pouco convencional e o fato de ser apresentadora de filmes de terror, Elvira carrega, principalmente, a luxúria e sexualidade sempre tidas como pecaminosas e responsáveis pela taxaçâo do feminino como impuro e menor em comparaçao aos homens, que nao teriam tais características.
Elvira: Mistress of the dark cria uma bruxa que, embora chame a atençao por sua aparencia, traz consigo um conjunto de aspectos, talvez a que mais apresente dentre todas até esse ponto, relativos a bruxaria. Começando por sua presença em uma sociedade que a excluí, fazendo-a permanecer a margem por julgaremna inapropriada para o local. Elvira vai até Massachusetts em busca de sua herança deixada por sua tia Morgana e se depara com um povo extremamente conservador que a reprime de imediato:
Chastity: Listen, young lady, I don't know who you are or where you came from. But you most certainly don't fit in this town. Well, you don't even fit in that dress.
Elvira: Listen, sister. If I want your opinion, I'll beat it out of you.
Chastity: Anita! Anita! She is the Antichrist, I tell you. She is the Antichrist!
Fato interessante no diálogo entre as duas é Elvira ter sido chamada de Anticristo. Segundo Clark (2006), era parte da crença sobre as bruxas a imagem do Anticristo como pertencente a esse grupo. Mencionando o discurso de John Gasule, Clark destaca o trecho: "Cristo é um Deus encarnado, a Bruxa é (por assim dizer) um Diabo encarnado. Nao digo que uma Bruxa é o Anticristo, mas estou certo de que o Anticristo tem necessidade de ser uma Bruxa" (p. 430). Elvira é tudo o que vai contra a moral conservadora, o Anticristo que vem para destruir os moldes perfeitos da localidade, atraindo os jovens que buscam mais liberdade e diversao, os homens que nao podem desviar os olhares e provocando a fúria dos mais velhos e antiquados. É uma mulher livre, tanto no contexto social quanto com relaçao ao seu corpo; é bruxa nao, a principio, por ter poderes mágicos, que só sao descobertos com o decorrer do filme, mas sim por nao se adequar aos padröes esperados para uma mulher; é, como já descrito, linguaruda, maliciosa, e, como descrita por Chastity, "a person of easy virtue, a purveyor of pulchritude, one woman Sodom and Gomorrah, if you will, a slimy slithering succubus, a concubine, a streetwalker, a tramp, a slut, a cheap whore". Porém, apesar de tudo isso, Elvira representa, mais uma vez, a bruxa boa, descendente de bruxas que tentavam proteger os poderes da magia das forças do mal, representadas por seu tio, um bruxo satánico. A magia deixa de ser exclusiva do Demonio e passa a ser universal, seu uso tanto para o bem quanto para o mal depende da indole do feiticeiro. Também, talvez um dos fatos mais importantes quando consideramos a personagem é que, mesmo com todos os simbolos e ideias associadas a Elvira, a maldade é representada por um homem, seu tio, nao mais pela bruxa mulher.
O que podemos depreender, até agora, é a recorrencia da comicidade para retratar o lado bom das bruxas. Talvez como forma de distanciá-las da atmosfera de terror, a comédia sirva como estilo preferido para essa representaçâo. Jennifer, Samantha, Endora, Alexandra, Jane, Sukie e Elvira fazem o público rir como forma de aproximaçao e aceitaçao da bruxa, mais uma vez, como parte da sociedade.
A partir dos anos 90, a bruxa parece surgir com mais frequencia nas produçöes tanto do cinema quanto da TV. Já nos primeiros anos temos he witches (1990) e Hocus Pocus (1993), dois filmes inicialmente destinados ao público infanto-juvenil mas que se tornaram clássicos do genero da fantasia. Em ambos temos, outra vez, o retorno da bruxa demoniaca, principalmente no primeiro, no qual Sra. Ernst (Anjelica Huston), a Grande Bruxa, comanda todas as feiticeiras com o objetivo principal de matar todas as crianças da Inglaterra. Cheias de verrugas, com os pés deformados, carecas e, no caso da Grande Bruxa, uma forma física que mais se assemelha a demonios do que a humanos, elas retomam o legado da Bruxa do Oeste e dos bruxos descritos no livro dado a Rosemary, tanto pela terrivel aparencia caricata da primeira quanto pelo nivel de maldade e sacrificio inocente dos segundos.
O mesmo legado é seguido pelas irmas Sanderson, de Hocus Pocus. Embora em um filme extremamente mais leve, por se tratar de uma comédia, Winnie, Sarah e Mary (Bette Midler, Sarah Jessica Parker e Kathy Najimi) sao retratadas como as bruxas adoradoras de Sata, seu mestre, como afirmam em diversas passagens do filme, chegando a confundi-lo com um dos habitantes da cidade fantasiado para o Halloween. As irmas sao necromantes, um dos mais famosos tipos de magia, conhecido desde a antiguidade pelos oráculos que se comunicavam com os mortos. No caso delas, a necromancia está presente em seus objetos mágicos, como o livro feito de pele humana e a vela de sebo de defunto que as trouxe de volta a vida quando acesa na véspera do Dia das Bruxas. Assim como as feiticeiras de he witches, as irmas Sanderson caçam crianças, no caso, para manter sua juventude e beleza, resultando na mais icônica cena do filme no qual Sarah canta enquanto voa em sua vassoura para enfeitiçar e atrair as crianças de toda a cidade, tal qual Winnie que hipnotiza os adultos que frequentavam a festa de Halloween, com a música I put a spell on you. Se a música e a dança já chegaram a ser consideradas como obras do adversário (WHITMONT, 1993, p. 103), nao é de se estranhar sua utilizaçao pelas bruxas em seus rituais, do mesmo modo que Gillian e os Castevet o fazem em seus filmes.
Algum tempo depois, sao lançadas, quase que simultaneamente, Sabrina, the teenage witch (1996), he Craft (1996) e Bufy, the vampire slayer (1997), produçöes que se destinam ao público adolescente e tentam remodelar a figura da bruxa já tao fortemente enraizada no imaginário popular. Sabrina reapresenta uma versao modernizada e jovem de Bewitched, uma nova personagem que seja cativante para o público que nao teve contato com Samantha e vinha sendo caçado pelas versöes demoníacas das feiticeiras anteriores. Por outro lado, as adolescentes que formam seu próprio coven em he Craft e Willow (Alysson Hannigan), a bruxa de Bufy, reconstroem a imagem da bruxa a partir das novas correntes exotéricas e da grande expansao da Wicca que ocorrem desde a década de 80. Tais novas formas de abordar a magia advem do constante aumento da busca por uma conexao com uma ancestralidade tanto no ámbito religioso do paganismo quanto em seu estilo de vida, envolvendo diversas culturas como a druídica, nórdica e xamánica (WALLIS in DAVIS, 2017, p. 244-245). As personagens se moldam a sociedade que procura novas crenças e desenvolve uma nova forma de pensamento mágico por meio de experiencias como ocorrem em he Craft e Bufy: "the once-non-magician begins to do what magicians do, and begins to find magical ideas persuasive because he begins to notice and respond to events in different ways" (WALLIS in DAVIS, 2017, p. 244). A magia deixa de ser um reduto demoníaco, se insere na sociedade pela experimentaçao e por sua busca direta. Do mesmo modo, a ideia do mal como aspecto intrínseco da bruxa é transferida para uma característica do ser humano, livrando as bruxas de um peso que carregam desde suas primeiras condenaçöes. Ao contrário do que afirmava,9 agora vemos a representaçao das bruxas boas e más como opostas, tanto no cinema quanto na sociedade, colocando a responsabilidade do uso da feitiçaria naqueles que a buscam, como é visto no filme e no seriado, nao em uma força maior que controle a todos como seus servos.
O mesmo padrao de crença se observa no discurso de Sally (Sandra Bullock) do filme Practical Magic (1998), a bruxa dona de uma loja de produtos e medicamentos naturais que está sendo investigada pela polícia devido a morte do namorado de sua irma:
Sally: Belladonna, it's a sedative, people put it in their tea to relax, calm their nerves.
Gary: Some people also use it as a poison.
Sally: Which people?
Gary: Witch people.
Sally: Ha...
Gary: Witches.
Sally: Witches... I guess you found me out, huh. You should come around here on Halloween, you'd really see something then.
Gary: Ah, yeah?
Sally: Yeah, we all jump off the roof and fly. We kill our husbands too. Or is that outside your jurisdiction?
Gary: Do you have any idea of how strange this all sounds to me? I got people telling me that you are up here cooking up placenta, that you are into Devil worship.
Sally: No, no, there's no Devil in the craft.
Gary: So, what kind of craft do you do?
Sally: I manufacture bath oils, and soaps, and hand lotions, and shampoo, and the aunts they like to meddle in people's love lifes... Magic isn't just spells and potions. Your badge... it's just a star, just another symbol, your talisman. It can't stop criminals in their tracks, can it? It has power because you believe it does.
Rituais simplificados e caseiros, conhecimento de ervas, cristais e elementos da natureza fazem parte dessas novas crenças mágicas. A magia e bruxaria voltam a fazer parte da sociedade séculos depois de terem sido rechaçadas e reprimidas, ressurgindo no mundo moderno. A representaçâo da bruxa adquire um outro patamar com a chegada do novo milenio, evoluindo para libertá-la, quase que completamente, da imagem satánica que ainda poderia carregar. Sucessos do cinema e da TV como a saga Harry Potter (2001 - 2011) e he mists of Avalon (2002), já alicerçados pelas obras apresentadas anteriormente, consolidam uma restauraçâo dos conceitos que envolvem a feitiçaria, ambas produçöes retratando a magia como alheia aos conceitos que a condenam.
Avalon nos mostra Viviane (Anjelica Huston) e sua luta para manter vivas as tradiçöes da ilha encantada em meio ao sufocamento cristáo presente no mundo exterior as brumas e a vida de Morgana (Julianna Margules), a futura Senhora de Avalon que abandona sua terra e seu destino para viver longe da terra mágica. A magia, aqui, é nata naqueles nascidos na ilha, devotos da Grande Deusa e vem definhando em um mundo que começa a abandonar as tradiçöes antigas devido a imposiçâo das amarras do Cristianismo, que está em expansáo pelos reinos e iniciando seu processo de demonizaçâo das culturas a serem suplantadas pela nova fé.
Já Harry Potter tem como característica que o distingue [...]
[...] the absence of any explicit references to religion or demonology; spells are performed without the aid of a higher being, such as Aza(za)el, Hecate, Lilith, or some other deity. he 'dementors' in Potter, who represent a cross between 'demon and 'dementia', come closest to demons; they suck away will power [...] (BLÉCOURT in DAVIS, 2017, p. 255)
A magia também é nata nos descendentes dos bruxos, em oposiçâo aos "trouxas"; no entanto, sem qualquer referencia religiosa, ela tem a liberdade, assim como em he Craft e Practical Magic, para circular entre as esferas do bem e do mal, dependendo do mago que as usa. Tanto a magia benevolente quando a magia das trevas sao acessíveis a todos os bruxos, novamente deixando a responsabilidade do uso a cargo da consciencia individual.
Ainda com relaçao a redençao da imagem tradicional da bruxa má, podemos também citar o filme Maleficent (2014) em que a personagem principal, Malévola (Angelina Jolie), retrata um outro lado do conto de fadas A Bela Adormecida (1812) em que a bela "bruxa má" tem seu papel vingativo e malévolo transformado positivamente para que a ordem se restabeleça. Sem contar o significado positivo que lhe é atribuido como aquela que salva Aurora (Elle Fanning) de seu sono profundo através de um beijo marcado pelo "verdadeiro amor". Nesta cena vemos como a ideia do feminino "construtivo" usurpa o papel do príncipe salvador, aquele - representante masculino - que trará redençao a princesa enclausurada e silenciada.
Podemos dizer que a mesma quebra de paradigma com relaçao a representaçâo do feminino sombrío está no filme Into the Woods (2014), em que aquela que é retratada como horrenda, vingativa e vila tem seu aspecto grotesco redefinido positivamente quando a maldiçâo é desfeita mas seus poderes sao perdidos. Assim, percebemos que em nossa era contemporánea é possível constatar releituras de um feminino marcadamente sombrio e desfigurado pelo poder patriarcal de nossas sociedades. No entanto, tais releituras podem acabar retornando ao estado mais perverso que, assim como Satanás, perseguem e espreitam a sociedade e a cultura popular que recria tal imaginário.
Setenta e seis anos após he Wizard of Oz nos apresentar a Bruxa do Oeste e iniciar uma tradiçâo imagética da bruxa má, um dos filmes de terror contemporáneos mais populares e polemicos, he Witch: a New England Folktale (2015), nos apresenta homasin (Anya Taylor-Joy), a nova face da bruxa demoníaca. Sua familia abandona o vilarejo puritano no qual viviam, justamente por serem considerados rígidos demais pelo resto da sociedade, e fixam residencia as margens de uma floresta, sem que soubessem que aquele era o lugar onde habitavam servas do demonio. O filme, carregado pelo imaginário mais perverso com relaçao a bruxaria, desde as crenças envolvendo os familiares, animais mágicos que serviam de servos e ajudantes das bruxas, como o coelho, o bode e o corvo, ainda traz as figuras mais clássicas das bruxas.
Primeiramente, a bruxa velha e grotesca que sequestra o bebe da família, matando-o e usando sua carne e sangue em um ritual macabro, esfregando os restos da criança em si mesma e em sua vassoura. Depois, a bruxa mais jovem e com o apelo sexual tao marcante quanto Elvira, seduzindo Caleb (Harvey Scrimshaw), o irmao mais novo de homasin e provocando uma das cenas mais fortes do filme, quando o menino retorna a sua casa tempos depois de seu sequestro para, antes da morte, convulsionar junto de delírios orgásticos com visöes do Senhor. As bruxas, de he Witch, trazem consigo os piores traços relacionados ao Demonio e ao feminino, como a maldade, a capacidade de destruiçâo das familias, a luxúria e a sexualidade exacerbada para um meio social extremamente conservador e controlador.
Entretanto, talvez a parte mais importante do filme seja, justamente, quando homasin conjura Black Phillip, o bode preto da família, a falar com ela, invocando o Demônio e se rendendo após perder toda a sua família morta tragicamente, inclusive com a mâe sendo morta por suas próprias maos após atacá-la em fúria:
Thomasin: Black Phillip, I conjure thee to speak to me. Speak just thou you speak to Jonas and Mercy. Dost thou understand my English?... Answer me...
...
Black Phillip: What dost thou want? homasin: What can thou give?
Black Phillip: Wouldst thou like the taste of butter? A pretty dress? Wouldst thou like to live deliciously? homasin: Yes!
Black Phillip: Wouldst thou like to see the world? homasin: What do you want from me?
Black Phillip: Dost thou see a book before thee? Remove thy shift. homasin: I cannot write my name.
Black Phillip: I will guide thy hand.
Thomasin se junta ao sabá das bruxas no meio da floresta após assinar o livro do Demonio, todas nuas dançando em extase em movimentos descontrolados e animalescos, acompanhadas de seu mestre sob a forma de Black Phillip, até que saem voando, representaçâo essa do imaginário tradicional envolvendo os sabás satánicos (CLARK, 2006, p. 37-60). Mesmo depois de ter perdido tudo o que tinha e de todo o sofrimento causado pelo Diabo, a menina ainda aceita juntarse com o ser perverso em troca dos prazeres que ele pode oferecer. Antes de ser uma representaçâo da bruxaria em seu aspecto mais horrendo, he Witch retrata a bruxa como forma de rebeldia e libertaçâo (CLARK, 2006, p. 130). O Diabo é a maior fonte de maldade e as bruxas suas servas no mundo físico, mas também é aquele que oferece a liberdade em um mundo de amarras e imposiçöes religiosas.
Das culturas mais "primitivas" até o mundo contemporáneo, a magia faz parte da sociedade, independentemente de como ela é vista ou quais sao as opiniöes sobre ela. Historicamente relacionada com o feminino, a magia se transforma de acordo com a modificaçâo dos contextos sociais, passando de uma forma de conexao com os poderes da natureza, desde o conhecimento a respeito de ervas, ciclos das estaçöes, entendimento dos processos fisiológicos até rituais que buscassem um bem pessoal ou do grupo, como a cura de uma enfermidade ou uma colheita bem-sucedida, até chegar a ser completamente condenada e perseguida em meio a uma histeria religiosa que levou a morte milhares de pessoas, principalmente mulheres por associaçao com o Diabo dos tempos mais obscuros da Idade Média até os dias de hoje. Embora a sociedade tenha, aparentemente, evoluido tanto em questöes sociais quanto religiosas, o imaginario referente a bruxaria foi pouco modificado, apesar de haver grandes tentativas de modificaçâo e uma maior abertura para as práticas mágicas como forma de fé. Sem dúvida, tanto o cinema quanto a TV recebem grande parte da responsabilidade sobre como esse imaginario é moldado e como a cultura absorve novas representaçöes de um ícone já táo consolidado.
A imagem da bruxa sofre diversas remodelagens quando observamos as produçöes audiovisuais que abordam esse tema. Estâo presentes figuras grotescas, disformes e caricatas como em he Wizard of Oz e he Witches, reforçando a feiura como um traço característico da bruxa; no entanto, o que podemos notar é a preferencia por ressaltar, mesmo nos casos em que há o aspecto demoníaco ligado a elas, a beleza das feiticeiras, como é o caso de I married a witch e Elvira. Também há a transformaçâo quanto a posiçâo da feiticeira na sociedade. De exclusa e as margens, como a tradiçâo apontava, elas agora fazem parte da comunidade, mesmo que ainda em meio a receios quanto a suas intençöes benignas ou malévolas, tendo Practical magic como exemplo.
Por fim, quanto ao eterno dualismo entre bem e mal, nâo há padrâo entre as diversas representaçöes das bruxas por parte do cinema e TV, embora encontremos uma tendencia a separar as bruxas boas e más em generos diferentes, como a comédia e o terror, ainda nao podemos afirmar que haja a dissociaçâo da feiticeira com os dos lados mais sombríos do sobrenatural. Mesmo com exemplos como o da saga Harry Potter, sem qualquer referencia religiosa, he mists of Avalon, Practical magic e he Craft, ainda há, em maior peso, pelo menos atributos que podem ser ligados ao Demonio, mesmo que esse, sob a forma de Black Phillip, ofereça a salvaçâo e liberdade das amarras religiosas que, por tanto tempo, condenam nao apenas um personagem folclórico, mas todo um genero associado a ele.
Recebido em: 09/06/2018
Aceito em: 17/08/2018
* Doutorando em Estudos Literarios pela Universidade Federal do Paraná. Mestre em Estudos Literarios pela mesma instituiçâo. Graduado em Letras pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Seu e-mail é: [email protected]. ORCID: 0000-0002-7755-8120.
*· Pós-doutora pela Universidade Harvard. Doutorado Interdisciplinar em Ciencias Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina. Mestrado em Literaturas de Língua Inglesa pela Universidade Federal do Paraná. Professora Titular da Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Seu e-mail é: [email protected]. ORCID: 0000-0002-5918-5631.
Notas
1. La deidad primordial para nuestros ancestros paleolíticos y neolíticos era femenina, reflejando la soberanía de la maternidad. De hecho, no se ha encontrado imagen alguna de un Dios Padre todo a lo largo del registro prehistórico. Los símbolos e imágenes paleolíticos y neolíticos se arraciman en torno de una Diosa auto generada y sus funciones básicas como Dadora de Vida, Dispensadora de Muerte, y Regeneradora. Este sistema simbólico representa el tiempo cíclico, no lineal, mítico. (GIMBUTAS, M. La Civilización de la Diosa: El mundo de la antigua Europa, 1991, p. 111).
2. La religión de la diosa reflejó un orden social matrístico, matrilineal y endogámico durante la mayor parte de la historia humana temprana. Esto no fue necesariamente un "matriarcado", lo que erróneamente implica el "mando" de las mujeres como imagen refleja de la androcracia. Una tradición matrifocal perduró a través de las sociedades agricultura les primitivas de Europa, Anatolia y el Cercano Oriente, así como de la Creta minoica. En estas culturas el énfasis estaba sobre las tecnologías que nutrían las vidas de la gente, en contraste con el enfoque androcrático sobre la dominación". (GIMBUTAS, La Civilización..., op. cit., p. 115).
3. De acordo com GIMBUTAS, seu estudo compreende "the period beginning with early agriculture in Europe, some nine to eight thousand years ago. he Neolithic farmers evolved their own cultural patterns in the course of several millennia. Food gathering gave way to food producing and hunting to a settled way of life, but there was no corresponding major change in the structure of symbolism, only a gradual incorporation of new forms and the elaboration or transformation of the old. Indeed, what is striking is not the metamorphosis of the symbols over the millennia but rather the continuity from Paleolithic times on. he major aspects of the Goddess of the Neolithic - the birth-giver, portrayed in a naturalistic birth-giving pose; the fertility-giver influencing growth and multiplication, portrayed as a pregnant nude; the life or nourishment-giver and protectress, portrayed as a bird-woman with breasts and protruding buttocks; and the death-wielder as a stiff nude ("bone") - can all be traced back to the period when the first sculptures of bone, ivory, or stone appeared, around 25,000 B.C. and their symbols - vulvas, triangles, breasts, chevrons, zig-zags, meanders, cupmarks - to an even earlier time" (GIMBUTAS, M. he Language of the Goddess. Londres: hames & Hudson Ltd., 2001. p. xix).
4. Como nos relata Borges: "Margarida Porete excomungada e sentenciada a morte na fogueira em 1310, por escrever um livro de teologia mística; Joana d'Arc, chefe de guerra de dez mil homens, responsável pela coroaçâo de Carlos VII, encarcerada, acusada de magia e heresia, queimada viva em praça pública, em 1431; Olympe de Gouges, autora da Declaraçâo dos Direitos da Mulher e da Cidadă, levada a guilhotina em 1793 por suas reivindicaçöes; [...] Bruxa, deusa, santa, rainha, guerrilheira, mäe, esposa, concubina, invisível... A mulher escondida, invisível, guardada, reprimida, suspeita, perigosa. É portanto a mesma luta de Margarida, Olympe, Joana, Rosa, Anita, que queriam, como as Marinalvas de hoje, cidadäs anónimas, uma forma mais integral de vida, uma identidade menos mutilada. A história da mulher é também a de seu corpo, da sua sexualidade, de seus amores e sentimentos; da sua loucura, da violencia sofrida e da praticada. É a história da família, da religiäo, do trabalho, da literatura, da educaçâo. Enfim, da diversidade de suas representaçöes e de suas imagens frente a sociedade". BORGES, R., In: BAUER, C. Breve História da Mulher no Mundo Ocidental. Säo Paulo: Pulsar, 2001.
5. Vale lembrar que pouco se sabe a respeito do paganismo como religiäo da Europa Ocidental para que se estabeleça uma conexäo entre as bruxas de rituais pagäos e os julgamentos da Inquisiçâo. Na Inglaterra, por exemplo, näo há evidencia da sobrevivencia desses cultos após o ano de 1035, parecendo ter desaparecido no continente ainda antes. As bruxas eram consideradas pelo Cristianismo como antagonistas, no entanto, eram condenadas como hereges, näo como pagäs (CAVENDISH, 1983, p. 288).
6. Embora o Malleus cite ambos homens e mulheres, ele é dirigido principalmente as bruxas. Seu texto é alimentado pela misoginia, em fu^äo da qual säo atribuídas a ela características desabonadoras, amealhadas enciclopedicamente e interpretadas como conotaçöes machistas, as mais pejorativas, na primeira parte do livro, para justificar as práticas terríveis prescritas na terceira parte (BYINGTON, 2009, p. 34).
7. Disponível em: https://www.parliament.uk/about/living-heritage/transforming society/private-lives/religion/overview/witchcraft/. Acesso em 02/06/2008.
8. Considerado como um dos pais do cinema, Mélies se utiliza de técnicas de ilusionismo juntamente com as do cinema para a cr^äo de seus filmes, dentre eles Le diable au covent (1900), Le chaudron infernal (1903) e Le diable noir (1905).
9. William Perkins falava para todos os protestantes quando insistía em que, "por Bruxas, nós entendemos näo exclusivamente aquelas que matam e atormentam, mas todos os Adivinhos, Encantadores, Bobos, todos os Magos, comumente chamados homens e mulheres ladinhos [...] e no mesmo número nós contamos todas as Bruxas boas, que näo fazem mal, mas bem, que näo estragam e destroem, mas salvam e libertam". Perkins näo era menos representativo da opiniäo pública inglesa ao dizer também que, dos dois tipos de bruxas, a "boa" era muito pior que a "má" - na verdade, "o Monstro mais horrível e detestável". Isto porque o diabo era diretamente responsável por ambos os conjuntos de açöes [...]. O diabo havia criado bruxas "boas" ao lado das "más" precisamente para que os enfeitiçados procurassem por elas - e dessa forma, de fato, por ele - para curas, perdendo assim sua integridade espiritual no instante de escaparem de suas afliçöes materiais. Os feiticeiros e feiticeiras, pensava Perkins, causavam "mil vezes mais dano" que bruxas "más; eles eram 'a mao direita do diabo, pela qual ele se toma e destrói as almas dos homens'". Depois do próprio Sata, o mágico da aldeia era "o maior inimigo do nome, da adoraçao e da glória de Deus que existe no mundo (CLARK, 2006, p. 585, grifo do autor).
Referencias
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Filmes:
Bell, book and candle. Direçao: Richard Quine. EUA: Julian Blaustein Productions Ltd, 1958 (106 min)
Bewitched. Criador: Sol Saks. EUA: Ashmont Productions, 1966-1972 (256 episódios)
Bufy: the vampire slayer. Criador: Joss Whedon. EUA: 20th Century Fox Television, 1996-2003 (144 episódios)
Elvira: Mistress of the dark. Direçao: James Signorelli. EUA: NBC Productions, 1988 (96 min)
Hocus Pocus. Direçao: Kenny Ortega. EUA: Walt Disney Pictures, 1993 (96 min)
I married a witch. Direçao: René Clair EUA: René Clair Productions, 1942 (77 min)
Into the woods. Direçao: Rob Marshall. EUA: Walt Disney Pictures, 2014 (125 min)
Maleficent. Direçao: Robert Strombert. Inglaterra: Walt Disney Pictures, 2014 (97 min)
Practical magic. Direçao: Griffin Dunne. EUA: Warner Bros, 1998 (104 min)
Rosemary's baby. Direçao: Roman Polanski. EUA: William Castle Productions, 1968 (137 min)
Sabrina, the teenage witch. Criadores: Jonathan Schmock e Nell Scovell. EUA: Viacom Productions, 1996-2003 (163 episodios)
The Craft. Direçao: Andrew Fleming. EUA: Columbia Pictures Corporation, 1996 (101 min)
The mists of Avalon. Alemanha, República Tcheca e EUA: Constantin Film, 2002 (183 min - 3 episodios)
The witches of Eastwick. Direçao: George Miller. EUA: Warner Bros, 1987 (118 min)
The witches. Direçao: Nicolas Roeg. Inglaterra: Lorimar Filme Entertainment, 1990 (91 min)
The Witch. Direçao: Robert Eggers. EUA: Parts and Labor, 2015 (92 min)
The Wizard of Oz. Direçao: Victor Fleming. EUA: MGM, 1939 (102 min)
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© 2019. This work is published under https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/ (the “License”). Notwithstanding the ProQuest Terms and Conditions, you may use this content in accordance with the terms of the License.
Abstract
Este artigo tem como objetivo ressaltar o desenvolvimento históricosocial da imagem da bruxa de acordo com as perspectivas culturais, sociais e religiosas desde os primórdios de nossa civilização ocidental até a era contemporânea. Este panorama histórico será discutido com base na inluência mitológica no que se refere à formação da imagem feminina transgressora que deu origem à renomada “caça às bruxas” na Idade Média. Para tanto, tomaremos como base os escritos de Civita, (1997), Blécourt (2017), Clark (2006), Maxwell-Stuart (2017), Page (2017), Sharpe (2017), Wallis (2017) e de versões fílmicas contemporâneas, desde he Wizard of Oz (1939) até he Witch (2015), que retratam a transformação da imagem da bruxa para que possamos analisar, através de sua iconograia, como tal imagem foi e é relegada aos ditames de diversas épocas históricas.





