Introduçâo
As falhas no projeto contemporáneo de construçao da paz liberal liberal peacebuilding)*** estäo se tornando, gradualmente, mais aparentes. Isso exige urna discussäo sobre possíveis respostas a essas falhas, o que é, sem dúvida, um dos mais importantes debates que ocorrem atualmente sobre construçao da paz. A ortodoxia familiar de construçao da paz liberal depende da transplantaçao e da exportaçao de condicionalidade e dependencia, com vistas a consolidar um contrato social entre populaçoes, seus governos e o Estado, em que repouse urna paz liberal legítima e consensual. Esta mistura de regulaçao institucional e liberdades liberáis faz da paz liberal urna "paz-comogovernança", por meio da quai a paz é vista tanto por académicos quanto por formuladores de políticas como emergindo do estabelecimento das instituiçoes necessárias para a governança permanente, liberal, da sociedade, da economia e da politica.
No entanto, o que, com frequência, ocorre é urna forma híbrida de paz liberal, sujeita a críticas locáis poderosas, à resistencia, por vezes, e à percepcäo de que a construçao da paz internacional está fracassando em corresponder às expectativas. Amiúde, essas dinámicas têm ocorrido como resultado da insercäo de estrategias neoliberais no processo de liberalizacäo. Isso debilita a tentativa de se construir um contrato social institucionalizado por meio do consentimento Estado-sociedade e o substituí por um reiterado sistema de classes.1 Com efeito, isso reafirma o medo de Polanyi de que as elites tendam a se contrapor, onde podem fazê-lo, a movimentos democráticos voltado à construçao do bem-estar (welfarism).2 Os problemas levantados sao amplificados em cenários de pós-conflito de desenvolvimento, como é o caso na maior parte das operaçoes de construçao da paz hoje em dia. Em termos kantianos, os problemas com que a paz liberal tem se deparado e a crise pela qual está hoje passando podem ser denominados "retrocesso" (backsliding). Isso se refere tanto a urna deterioraçao física da paz durante um processo de sua construçao quanto a um retrocesso do pròprio marco da paz liberal por parte de atores internacionais e locáis. Tem sido particularmente notável que a construçao da paz liberal nào vem sendo capaz de construir políticas unidas a partir de fragmentos territorials no Kosovo, na Bosnia, no Afeganistâo, no fraque, no Sri Lanka e mesmo na Irlanda do Norte, onde alguns ou todos de seus elementos estäo em desenvolvimento.
Isso indica urna necessidade ou de reforma do modelo liberal para a paz, ou de estabelecimento de urna capacidade de coexistencia desse modelo com alternativas, ou de substituiçao do modelo. Dado que a última opçâo é, atualmente, em grande medida, um projeto de longo prazo, este artigo trabalha com o pressuposto de que as duas primeiras sao repostas plausíveis. A evidencia indica a exigencia de urna mudança significativa da relaçao da construçao da paz liberal com seus sujeitos, e isso géra, inescapavelmente, um efeito substantivo no proprio paradigma de paz liberal (e, em particular, ñas certezas universais nas quais ele repousa). Se a construçâo da paz pretende ir além das reivindicaçoes e dos fracassos modernistas do Estado neoliberal (que parecem tê-la cooptado), em direçao à meta de construçâo de urna política estável que sustente a vida cotidiana, crie um contrato social e se baseie em empatia institucional e emancipacäo civil, o mecanismo reducionista e de racionalizacäo da construcäo-da-paz-comoconstrucäo-do-Estado (peacebuilding-as-statebuilding) tem de reformar seu engajamento com seus sujeitos. Se eia pretende ir em direçao a urna forma transformativa e social de construçâo da paz, tem de reconhecer a natureza intersubjetiva da relaçao entre os planejadores e os receptores da paz liberal que rapidamente hibridiza. Um contrato social entre construtores da paz (peacebuilders) e individuos e comunidades locáis é implícito nisso, ainda que difícil de ser atingido. Este artigo examina urna gama de questöes inerentes ao paradigma de construçâo da paz liberal, algumas causas de "retrocesso" e o que pode ser feito no que tange a tais causas, no sentido de utilizar a construçâo da paz para criar um novo contrato social e atingir o que se poderia muito bem ser urna forma "híbrida liberal-local" de paz.3
Governance e a paz liberal
Muitos dos debates sobre paz parecem justificar a longevidade do modelo liberal-realista de paz na teoria das Relaçoes Internacionais, ao invés de desafiá-lo.4 Valida-se, assim, a abordagem padräo para pensar sobre a paz, a quai é compartilhada por grande parte da ortodoxia da teoria das Relaçoes Internacionais. Essa versäo depende da regulaçao e das liberdades oferecidas por urna paz liberal e se articula ao mecanismo da "governança", como pode ser visto em zonas de pós-conflito, do Camboja ao Timor Leste, e até mesmo no Afeganistao.5 A paz liberal abarca esses debates por meio da confiança no estabelecimento de locáis de poder internacionalmente monitorados ou controlados - funcionarios públicos, Estados, elites e doadores -, cujo papel é construir marcos regulatórios para a governança da política, da economia e da sociedade.6 Para realistas, isso pode ser encontrado no sistema de balança de poder, no qual os Estados dominantes equilibram os intéresses e o poder uns dos outros, assim produzindo estabilidade no sistema internacional (embora existam, atrelados a isso, medo, militarismo e interesse nacional). Para idealistas, fiincionalistas, internacionalistas e liberáis associados, instituicöes e organizaçoes internacionais desempenham um papel similar, ainda que, em vez de ser o medo um mecanismo central da balança de poder, o sistema liberal-institucional de regulacäo hierárquica se baseia na cooperacäo mutua. Um sistema liberal de governança é estabelecido, por conseguite, para incorporar tais normas e fluxos de cooperacäo. Construtivistas, teóricos da Escola Inglesa, cosmopolitas e comunitaristas e teóricos críticos concordam com isso, no entanto enfatizam a importancia diferencial de fronteiras, soberanía, questöes subjetivas, como identidade, e o papel central de questöes e atores subestatais.7 Mais urna vez, instituicöes, assim como atores privados, têm a tarefa de policiamento dos regimes e dos padröes de governança nesse nivel. Portante, a paz liberal estabelece modos de governança ñas áreas temáticas cruciais, políticas, económicas e sociais, que sao tidas como universais e assumidas como tendo sido consentidas aprioristicamente por todos, ainda que se mantenham graus de soberanía.
A partir de urna perspectiva metodológica, um entendimento da paz baseado em debates ortodoxos ñas Relaçoes Internacionais se foca em Estados e ñas instituicöes de governança. Contudo, as perspectivas de paz dos individuos e dos grupos sao negligenciadas, criando "Estados vazios" e urna "paz virtual",8 em que os habitantes podem ter direitos, porém estes sao inexequíveis unenforceable) e minados por urna ausencia de oportunidades materials. Estas sao controladas pelos funcionarios públicos e pelas elites. A teoria de Relaçoes Internacionais prioriza métodos de pesquisa designados a acessar o "internacional" (isto é, diplomatas, elites, funcionarios públicos, instituicöes, aparatos militares e suas estrategias), de modo que há pouca consideraçao de que estes lapsos ocorram. A paz liberal resulta em instituicöes e marcos regulatórios, porém nao afeta diretamente o individuo, ao menos em curto e mèdio prazos. Isso deve ao fato da paz liberal ser transferida por atores externos pela força, coerçâo, condicionalidade ou dependencia. Mesmo nos casos em que a paz liberal foi consensualmente instalada, o quadro ainda é problemático. O ethos da sociedade liberal é o individualismo no contexto de instituiçôes universais, todavía urna de suas fraquezas centrais tem sido que as últimas ganham vida pròpria, tornando-se desconectadas de seus sujeitos contratuais e vitimas de cooptacäo por elites ou pelos processus tecnocráticos de tomada de decisäo de atores externos distantes. Em um contexto de construcäo da paz liberal, esse problema é acentuado, haja vista que seu foco na construcäo de um Estado necessita de atividades de cima para baixo (top-down) e intervencionistas, incluindo objetivos militares, humanitarios e das instituiçôes. Estados e políticas pós-conflito agravam as falhas do sistema liberal de onde sao transferidos - e também apontam para partiçao ou secessäo e para violencia como modos plausíveis de oposicäo.
Com efeito, a paz-como-governança se tornou o objetivo e a norma liberal do pós-Guerra Fria em zonas de confuto pelo mundo. Os conflitos proveram urna oportunidade para que urna comunidade epistêmica de Estados, doadores, agencias, instituiçôes financeiras internacionais e organizaçôes näo governamentais (ONGs) interviesse, no sentido de dirigir essas reformas, de acordo como o consenso geral de construcäo da paz. Governança é tanto urna ferramenta-chave quanto um objetivo-chave nessa confluencia teórica e de políticas acerca da paz liberal. A reforma da governança reflete o modo liberal para a redistribuiçao de poder, prestigio e "regras e direitos incorporados no sistema" liderado por um ator hegemônico (GILPIN, 1981, p. 42). Dessa forma, balança de poder, hegemonía e constitucionalismo (IKENBERRY, 2001, p. 23) convergem na paz liberal, permitindo imposiçao (enforcement) (WALTZ, 1979, p. 95), governança hegemônica ou dominaçao coercitiva (IKENBERRY, 2001, p. 27), urna ordern sustentável (IKENBERRY, 2001, p. 29) direitos e limitaçôes constitucionais acordados (GILPIN, 1981, p. 43). Isso produz urna forma híbrida em que o realismo oferece urna paz existente em um nivel básico de ordern e as abordagens liberáis, um processo complexo que constrói urna forma de paz universal muito mais ambiciosa. A paz liberal que substituiu a Guerra Fria é urna paz-como-governança institucionalizada, conduzida por atores dominantes, como os Estados Unidos, as Naçoes Unidas e o Banco Mundial, ao lado de principáis doadores, tais como a Uniäo Europeia e outros.
O marco multinível e multidimensional de govemança liberal é, obviamente, hierárquico e aberto a cooptacäo por parte de seus patrocinadores e doadores dominantes, como tem sido, com frequência, acusado de ser. Contudo, isso talvez seja tao significativo quanto o fato de os atores locáis também possuírem consideráveis capacidade e agencia para inserir suas próprias agendas no projeto, em especial se encontram apoio na comunidade internacional, como o exemplo do projeto de Kosovo para formaçao de um caráter de Estado statehood). Muitas operacöes de construcäo da paz liberal sao baseadas em altos níveis de consenso local e internacional, ao menos inicialmente, embora isso amiúde se dissipe, na medida em que expectativas de justiça ou transformacäo sociais nao sao correspondidas. Portante, nao obstante o arcabouço de governança liberal avançar significativamente a nocäo de paz, ele ainda abarca grandes exclusses, pautadas nos funcionamentes de sua economia, de seus pressupostos culturáis e identitários e na capacidade dos hegêmonas de enflaquecer alguns de seus processus. Em particular, a tendencia à incorporacäo de um sistema econòmico neoliberal tem minado muitos dos beneficios que a paz liberal ofereceu em sua versäo mais antiga, pós-guerra, centrada no bem-estar (welfarist) (especialmente na Europa). Além disso, onde a paz liberal é imposta externamente em zonas de confuto ou pós-conflito por meio da força ou de condicionalidades, eia tende a urna forma neocolonial ou, na melhor das hipóteses, tutelar de paz. Por firn, eia tende a construir urna forma de paz limitada pela soberanía territorial, assim recriando formas inflexíveis de soberanía estatal.
A crítica de Foucault (1991, p. 87-104) é perspicaz: "vivemos em urna era de 'governamentalidade'", na qual a paz é produzida por governos e Estados soberanos, e suas instituicöes, operando de urna maneira tradicional, de cima para baixo. Formas de governança näo estatais e nao oficiáis também se tornaram importantes, ao nivel da sociedade civil, na construcäo da paz liberal através de urna forma de biopoder,9 na qual os atores säo empoderados e tornados capazes de intervir nos mais privados aspectos da vida humana, sendo sua contribuiçao ao desenvolvimento da paz liberal. A govemança liberal é dirigida por Estados dominantes e suas instituicöes, e sua direcäo, representada, na maior parte, como neutra, objetiva e benevolente é, ao mesmo tempo, acusada com frequência de manter práticas insidiosas de intervençao ñas comunidades anfitriäs e receptoras.10 Eia iguala boa governança a desenvolvimento equitativo e política econòmica e reforma política neoliberais, resultando em urna relacäo de condicionalidade entre seus agentes e receptores.11
Duffield (2001, p. 11) mostrou como sistemas liberáis de governança global sao utilizados para criar a paz liberal e para "transformar as sociedades disfuncionais e afetadas por guerras com as quais eia se depara em suas fronteiras". Sem dúvida, na pratica, há pouca evidencia de que a paz imaginada nesta confluencia de teoria e políticas esteja apta a emergir sem grande apoio externo e significativo consenso local. Os modelos da pacificacäo da Europa e do Japäo por intermedio da construcäo do Estado nao corroboram (contrariando a opiniäo popular) a hipótese de que Estados colapsados ou conflitos territorials podem ser abordados universalmente pelo modelo de paz liberal. Isso näo pode entendido como urna confirmacäo da posicäo teórica convencional de que a paz liberal é universal e transferível. As varias formulacöes dos debates liberáis internacionalistas, liberáis institucionalistas, diretamente ligadas ao eixo realista-idelista descrevem urna evolucäo de régimes de governança inerentes à paz liberal,12 estabelecidos, com nitidez, na documentacäo das Naçôes Unidas.13
O pensamento ao qual esses documentos conduzem é que, enquanto os atores internacionais se focam na construcäo do Estado como um veículo para a governança, a paz liberal exige urna profunda intervencao ñas instituicöes sociais, económicas e governamentais daquele Estado, com vistas a criar urna paz doméstica ou local sustentável. Por tras das intervençoes fronteadas por ONGs, por agencias e institucionalmente, reside a presença financeira e ideológica de Estados liberáis e o processo é conduzido em particular pelas abordagens neoliberais para reforma e desenvolvimento económicos. Isso faz emergir a possibilidade de que o que é cada vez mais importante é o fato de os Estados pós-conflito gerenciarem suas economías de urna maneira que proveja empregos e recursos económicos e um livre-mercado em um contexto globalizado, talvez até mesmo a expensas de democracia, direitos humanos e das minorías e um Estado de direito. Isso, sem dúvida, ocorre como parte da paz reguladora no pós-Guerra Fría, na qual o consenso local e a paz liberal estäo justapostas (CLARK, 2001, p. 175). Sendo assim, a paz liberal reproduz urna paz virtual latente ñas "instituiçoes frías", ñas quais há ausencia de empatia, de cuidado e de capacidade de emancipacäo - urna forma ortodoxa institucional de paz-como-governança.
Em razäo de a paz liberal estar sendo desenvolvida como um marco universal, eia depende de mecanismos institucionais de transferencia. Na melhor das hipóteses, estes sao derivados do sistema das Nacöes Unidas e com consentimento local, ainda que, sem dúvida, mesmo nesse contexto, isso resida em urna assercäo do conhecimento especializado sobre os locáis e indígenas (talvez mais ignominiosamente no contexto do Banco Mundial).14 Tem sido a tendencia imbuir tais trocas de condicionalidades (tanto "negativas" quanto "positivas"), a firn de atingir os objetivos dos construtores da paz, com a expectativa de que, em longo prazo, o "bem supremo" seja realizado. Há limitada evidencia disponível para se avallar isso, embora, obviamente, quanto mais limitados säo os objetivos reivindicados, mas se pode dizer de maneira sensata que a construcäo da paz e a construcäo do Estado desempenharam importantes contribuiçoes, como na Bosnia ou no Kosovo. A dificuldade é que tal parcimônia näo representa necessariamente urna paz autossustentável ou a realizacäo de um bem social mais ampio. Em alguns casos, a coerçao foi utilizada como recurso, também levando à resistencia na regiäo (como no Afeganistäo, no Timor Leste ou no Kosovo). Tudo isso deve navegar pelo incitamento de dependencia entre atores locáis; no entante, mais urna vez, a experiencia tem demonstrado que, nos lugares dos quais os atores internacionais se retiram ou nos quais eles "se reduzem", a estagnaçao ou o colapso se sucedem, como, em diferentes momentos, no Camboja, na Bosnia e no Timor Leste (RICHMOND; FRANKS, 2009, cap. 2 e 3). O que tende a remanescer dessas complexas questöes é um foco em instituiçoes, tanto sua transferencia, em termos de eficiencia, quanto a governança local, em termos da priorizaçao da propriedade local. Grande parte da literatura de solucäo de problemas (principalmente de estudiosos e formuladores de política treinados no ocidente) representa essas tendencias.15
Retrocesso: Problemas emergentes com a paz liberal
A paz liberal oferece um projeto técnico e um processo para estabilizacäo de sociedades pós-conflito. Contudo, demonstrou-se urna expressiva propensäo ao retrocesso. Em casos como Camboja, Oriente Medio, Sri Lanka, Líbano, Kosovo, Bosnia e Timor Leste, tentativas diretas e indiretas vêm sendo feitas por meio de condicionalidade de doadores, arranjos com o Banco Mundial ou relacöes diplomáticas e estratégicas para introduçao gradual de democratizaçao, pluralismo, Estado de direito, direitos humanos e formas neoliberais de operacäo do mercado. Um ampio acordo acerca desses termos é normalmente aparente entre construtores da paz, o qual descrevi anteriormente como um fraco "consenso sobre construcäo da paz" (peacebuilding consensus) sobre a paz liberal (RICHMOND, 2004, p. 83-101), e atores locáis, com frequência, aderem nominalmente a esse consenso. Todavía, em trabalhos comparativos em numerosos casos, as pesquisas indicam que, a despeito da construcäo de condicionalidade e instituicöes liberáis, pouco muda nos aparatos políticos discursivos em contextos de pós-conflito. Nacionalistas na Bosnia aínda ameaçam a unidade da Bosnia pós-Dayton e poucas reformas vêm sendo internalizadas. No Kosovo, a violencia étnica é recorrente e a diferença étnica parece estabelecida como a base para o Estado que emergirá da recente declaracäo de independencia. No Timor Leste, problemas políticos e socioeconómicos levaram ao colapso completo do Estado liberal em 2006, quatro anos depois das Nacöes Unidas terem se retirado e da independencia ter sido alcançada. Recentes movimentos no Timor Leste presenciaram a colocacäo de questöes de bem-estar e culturáis no primeiro plano do debate político (e urna concomitante estabilizaçao).16 A "boina" liberal-internacional no Afeganistäo mal cobre toda a Kabul. Em muitos desses casos, urna "reduçao" está em andamento, porém há poucos indicios de que o que tem sido alcançado é autossustentável (RICHMOND; FRANKS, 2009).
Kant foi claro ao dizer que seu sistema de paz perpétua näo avançaria progressivamente, e sim seria sujeito a ataques, obstáculos e problemas, tanto interna quanto externamente. Importa notar, ainda, que Kant acreditou que seu sistema necessitarla estar apto a conduzir relaçoes pacíficas com outros nao liberáis e näo deveria ser usado como um pretexto para práticas ou guerras hegemônicas com esses outros. Como argumenta Macmillan (2006, p. 52-73), esse sistema näo deveria se tornar urna base para novas e exclusivistas práticas contra outros näo liberáis. Qualquer esperança de desenvolvimento de urna paz mais ampia nesses termos exige um engajamento também mais ampio do que o projetado, com frequência, por teóricos da paz democrática - em outras palavras, mais liberalismo, e näo urna reversäo ao iliberalismo na esperança de que isso impedirá qualquer "retrocesso". Portante, abordagens kantianas para a paz exigem um foco näo apenas na democracia e no comercio, como também ñas causas profundas mais ampias do confuto, incluindo bem- estar e cultura (MACMILLAN, 2006, p. 71). Nesse sentido, Kant näo foi, meramente, um pilar de sua fundacäo, e sim buscou abalar os confortáveis pressupostos aos quais seu pròprio pensamento poderia conduzir, embora eie tenha também estendido o pensamento de Rousseau acerca da paz pelo favorecimento da democracia.17 Assim, estendendo essa linha de pensamento, retrocesso, para Kant, era mais do que apenas um obstáculo estrutural; era também um representante do fracasso da reputada política "liberal" em encontrar com o outro de urna maneira reflexiva e pluralista, sem reversäo ao engajamento hegemônico coercitivo e condicional. Kant näo teria querido ver, por exemplo, o argumento da paz democrática se tornar urna razäo para colonialismo ou imperialismo, como demonstrou Jahn (2006, p. 203). O retrocesso concerne tanto ao fracasso das políticas pós-conflito em atingir e manter padröes liberáis quanto à imposicäo de um consenso sobre construcäo da paz que pouco considere o "local", o costume, a cultura e os indígenas, assim como, obviamente, que porte pressupostos simplistas acerca da universalidade e da possibilidade de transferencia de soluçôes técnicas e contextuáis para a paz. Aponta-se, ainda, para a necessidade de ir para além do liberalismo.
Respostas institucionais aos problemas de construçao da paz liberal se focam amiúde na coordenaçao e na eficiencia das operacöes de construçao da paz, em vez de ñas questöes mais profundas que também têm surgido, como as que seräo apontadas a seguir. Conforme argumentaran! Mann (2005) e Snyder (2000), a democratizacäo pode levar à polarizacäo étnica e mesmo à violencia genocida. Certamente, tal polarizacäo tem ocorrido na Bosnia e no Kosovo. Direitos humanos liberáis podem ser culturalmente inapropriados ou contestados, como observamos em contextos culturáis em que comunidades, tribos ou cías, e näo os individuos, säo as unidades de análise, como em grande parte da África subsaariana, no Pacífico ou na Asia (VINCENT, 1986). O Estado de direito pode mascarar a desigualdade e a privatizacäo das funçôes do Estado, em detrimento dos necessitados, como parece ser o caso por meio de todas as intervençoes de construçao da paz, onde as taxas de subsistencia e de desemprego raramente melhoram (SRIRAM, 2004). A construçao da sociedade civil está frequentemente sujeita à "busca por posiçoes mais favoráveis ou convenientes" forum shopping) e a urna mentalidade instrumentalista de projeta, ao invés de se voltar às necessidades localizadas. O desenvolvimento, em suas formas neoliberais ou modernizantes, pode marginalizar os necessitados (DUFFIELD, 2002, p. 1.049-1.071). Devido ao fato de a construçao da paz liberal ser sempre imaginada, em maior ou menor medida, dentro de um marco de Estado liberal e neoliberal, eia pode se tornar um agente tanto de autodeterminaçao etnocèntrica, nacionalismo, quanto de urna vida socioeconòmica "mia", haja vista que tais Estados näo podem competir internacionalmente em um mercado aberto e näo possuem os recursos para estabelecer urna base econòmica. Essa emergencia de vida nua para cidadäos significa que o almejado pelo contrato social liberal entre governo e cidadäo näo é atingido e, de fato, os cidadäos podem optar por migrarem para mercados cinzas ou negros, milicias ou crime transnacional (PUGH, 2005, p. 23-42). Essas dinámicas näo antecipadas säo as principáis origens do retrocesso e podem ser observadas através de urna gama de operaçoes de paz desde o firn da Guerra Fria.
Significam, essas críticas que a paz liberal é um projeto fracassado ou ele está apenas sofrendo pelo desgaste e pode ser resgatado? É bastante nítido que é um projeto de cima para baixo, promovido por urna aliança de atores liberáis, hegemônicos. O consenso subjacente sobre a construcäo da paz é ampio, porém o projeto de paz liberal está sob considerável extenuacäo, visto que nao promove ñas zonas de conflito tudo aquilo que promete. Além disso, é ontologicamente incoerente, o que se reflete em sua coordenacäo. Ele oferece varios estados de ser - para um mundo estadocentrado, dominado por democracias constitucionais soberanas, um mundo dominando por instituicöes, um mundo no qual os diretos humanos e a autodeterminacäo säo valorizados. A única maneira pela qual esse sistema de paz pode ser coerente é se ele for entendido como hierárquico e regulador, o que, entäo, prove o arcabouço em que os direitos humanos e a autodeteiminacäo podem ser observados. A democracia propicia o sistema político no qual esse processo se torna nacionalmente representativo. A dificuldade disso é que o individuo é subserviente à estiutura e ao sistema, os quais podem capacitar em certos contextos, porém näo o fazem em outros. Nos lugares em que a aplicacäo da lei e a vigilancia säo fracas, os abusos, em gérai, se seguem e säo cometidos pelas élites que controlam os varios sistemas que produzem a paz liberal.
Isso significa que se exige do individuo do pós-conflito, que é relativamente impotente, que desempenhe "atos de paz liberal", tais como votar, pagar impostos, engajar-se no livre mercado e esperar por direitos, a firn de manter o olhar internacional satisfeito; porém, näo se espera que essa performance porte qualquer peso, em especial em termos materials. Os direitos destituem as necessidades. A paz liberal é, com facilidade, tornada virtual ou hiperreal; a còpia näo representa a verdadeira intencäo da comunidade internacional. Com isso, a paz liberal passa a ser urna paz virtual, associada de maneira mais forte com formas conservadoras de liberalismo e sustentada pela teoria realista. Nesse sentido, a paz liberal produzida pelos pensamentos realista e idealista, e mesmo nos contextos do construtivismo e da teoria crítica, é virtual e construida, antes de tudo, para beneficiar a comunidade internacional, na esperança de que os locáis se beneficien! mais tarde, na medida em que eia for internalizada e o local for "convertido". As contribuiçoes pós-estruturalistas para a teoria de Relacöes Internacionais, as quais viram esse processo de cabeça para baixo e defendem o reconhecimento, a contextualizaçâo, a emancipaçao e a de-securitizaçâo do individuo, falham em oferecer urna saída desse impasse. De fato, os debates convencionais têm até conseguido cooptar aspectos da agenda pós-estrutural - em particular, os requisitos de emancipacäo, empatia e cuidado (mas nao o reconhecimento da alteridade) - no consenso convencional, produzindo urna forma emancipatória de liberalismo, ao menos em termos retóricos. O consenso internacional e académico acerca da paz liberal em todos os sentidos tem sido alcançado com base no pressuposto de que seus marcos de normas e governança säo universais. No entanto, essa conclusäo vem sendo atingida apenas a partir de urna consulta limitada, principalmente entre os vitoriosos da Segunda Guerra Mundial. Infelizmente, como é bem conhecido, essa conversaçao reforçou e favoreceu a hegemonía de atores públicos, Estados-chave e suas organizaçoes, e resultou na relativa marginalizacäo de atores näo estatais, Estados em desenvolvimento, Estados pós-coloniais, individuos, comunidades e outros agrupamentos identitários. Isso também pode ser descrito como urna forma de orientalismo, na qual as comunidades epistémicas liberáis de construtores da paz transferem os regimes de governança, por meio de um processo de financiamento condicional, treinamento e criacäo de dependencia, para receptores mais "primitivos" ñas zonas de confuto. Esse processo é apoiado pela hegemonía ideológica de formas contemporáneas de liberalismo, as quais säo projetadas pelos varios meios de capitalismo editorial como inexpugnáveis. Elas objetivam fazer com que os receptores internalizem a paz liberal, na medida em que, contraditoriamente, auferem agencia e autonomia.
Há numerosas razôes pelas quais isso tem funcionado. Em primeiro lugar, a despeito do firn da Guerra Fría, há urna variável resistencia aos diferentes aspectos ideológicos e aos pressupostos básicos dessa paz liberal. Embora a maioria aceite que a democratizacäo deva ser urna pedra angular de organizacäo política, partes do Oriente Medio, do Sul da Asia e da África subsaariana sao lideradas por goveraos que nao aspiram à democracia. Isso näo significa dizer que as populacöes dessas regiöes näo aspiram à autodeterminaçao democrática, porém as aspiracöes democráticas säo, com muita frequência, ligadas muito de perto a aspiracöes de secessäo e criacäo de Estado onde minorías identitárias desejam a separacäo, a firn de evitarem um status minoritario. A democratizacäo tem regularmente mostrado gerar apenas um abrandamento da politica feudal ou corrupta, em vez de urna reforma radical. Muitos pelo mundo aspiram a livres mercados e comercio irrestrito, todavía a vasta maioria das populacöes afetadas pela guerra e pelo confuto säo economicamente desfavorecidas tanto pela guerra quando pelo livre comercio. Muitos outros veem a economia política internacional como urna redistribuicäo de recursos em favor das elites que comandara o caráter neoliberal da paz liberal, significando que as políticas económicas geralmente desfavorecem os já marginalizados. Muitos resistem as estrategias de desenvolvimento neoliberal que acompanham a paz liberal. Alguns resistem as reivindicaçoes universais da retórica dos direitos humanos.
Muitas elites tradicionais têm adotado o que Van de Walle (2001) chamou de "síndrome da reforma parcial", de acordo com a quai as élites locáis usam as instituiçoes e as dinámicas da paz liberal em seu pròprio beneficio, por meio de um comportamento literalmente näo cooperativo, similar ao comportamento do carona, em relacäo aos recursos que a paz liberal prove, e implementando apenas parcialmente suas demandas. Nesse sentido, a agenda da paz liberal é conduzida por urna nocäo neoliberal de poder - dinheiro e recursos podem ser usados para produzir o desenvolvimento e a reforma institucional em zonas de confuto. Elites locáis militas vezes usam isso para camuflar a ausencia de reforma.
Grande parte do foco liberal nessa versäo liberal da paz, no entanto, está em como eia se concentra nas instituicöes, no oficialismo (da burocracia) e na reforma de cima para baixo, assim resultando na criacäo de "Estados vazios", cujos cidadäos, em geral, näo säo vistos ou ouvidos. De fato, tem havido urna grande tentativa de se engajar nesse problema, a firn de identificar e empoderar grupos isolados e marginalizados em zonas de pósconflito e prover, realmente, a cada cidadäo, direitos e agencia, conforme convém a seu status na paz liberal. Alguns, como Ignatieff (2003, p. 92), denominaram isso urna "paz bruta e disponível"; outros, tais como Fukuyama (2004, p. 53), argumentaram que isso, a rigor, resulta na destruicäo mesmo da pouca capacidade local ou indígena que já existia. Em outras palavras, a agenda da paz liberal está longe de ser inconteste, coerente ou corroborada na pràtica. E marcada por cooptacäo local, retrocesso e malestar internacional.
Intervençoes
Com vistas a obter alguma forma de paz liberal, é necessario que formas profundas de intervencäo militar, política, social e econòmica ocorram. Essa intervencäo é legitimada ou pelo consenso entre atores locáis ou internacionais ou pela reivindicacäo universal de que a construcäo da paz liberal traz urna paz sustentável para todos. Com efeito, o aspecto emancipatório da paz liberal, que oferece justiça social e liberdades, legitima o movimento de sua versäo ortodoxa. Isso reflete o contrato social liberal, o qual opera na aquisicäo de legitimidade para as instituicöes reguladoras da governança requisitadas pela paz liberal (democracia, Estado de direito, direitos humanos e reforma de livre mercado), oferecendo, principalmente, direitos políticos aos individuos, como se fossem atrativos suficientes para que eles aderissem o projeto do Estado liberal. Opera-se com o pressuposto de que esses direitos säo mais significativos do que os ganhos materials, mesmo para os individuos em situacöes de pós-conflito nas quais o bem-estar pode ser um problema. E neste formato de cima para baixo, institucional, que a construcäo da paz liberal fracassa em considerar de maneira adequada os requisitos para um contrato social para além dos direitos políticos para atores populares. Por conseguinte, a legitimidade do projeto de construcäo da paz liberal é, com frequência, debilitada por urna ausencia de consenso desses atores. Isso leva ao retrocesso, visto que eles rejeitam o institucionalismo vazio e urna paz virtual. Estender essa dinàmica indica nao apenas urna rejeicäo da construcäo da paz liberal, mas também a possibilidade de tentativas locáis de cooptacäo e de resistencia diante delà. Muitas vezes, decorrem disso um recurso à força ou a estrategias intervencionistas biopolíticas cada vez mais profundas. Estas também representam formas de retrocesso. Essas dinámicas podem ser ampiamente observadas em muitos engajamentos de construcäo da paz, tanto de funcionarios públicos e elites quanto de dentro da sociedade civil e de movimentos sociais.
Conforme tem demonstrado a experiencia da Somàlia ao Timor Leste ao longo da última década, esse tipo de retrocesso nao pode ser supresso por tecnologías de intervencäo e governança liberal ou pelo uso da força em tais circunstancias. O que precisa ser considerado por construtores da paz liberal é como identificar os direitos e recursos particulares que atrairiam atores populares, elites e individuos a aceitar a governança reguladora das instituiçoes liberáis engendrada na versäo de cima para baixo da paz liberal ou como constituir um contrato social aceitável em cada contexto cultural.
O contrato social
A paz liberal é essencialmente urna aspiraçao liberal-institucionalista ocidental e as condiçoes locáis sao, muitas vezes, urna representaçao mais exata, ainda que pouco lisonjeira, da paz liberal e suas ambiciosas, porém inatingíveis, reivindicaçoes. Emergem questöes acerca da possibilidade da paz liberal ser construida por meios näoliberais. E largamente conhecido que o Estado vestifaliano é sujeito a muitas falhas, indo das excessivas preocupacöes com territorio, segurança e soberanía - frequentemente relacionadas aos direitos e ao bem-estar de seus cidadäos, ao majoritarismo étnico e a outros problemas de identidade que debilitam a soberanía territorial centralizada - à tendencia ao autoenaltecimento e à fragilidade. Sem dúvida, nos casos em que um Estado liberal está sendo construido, seria de se esperar que tais fallías nao se repetissem no novo Estado. No mínimo, a construcäo da paz cria um híbrido, o que também faz emergir a questäo da diferença entre coerçao e tolerancia no pensamento liberal. Grande parte da agenda liberal-institucionalista em ambientes de pós-conflito depende da condicionalidade e, com populacöes näo acostumadas a um contrato social lockeano, leva urn tempo até que elas empunhem, com objetivo de criar legitimidade popular para as instituicöes de governança, as ferramentas oferecidas pelo requisito do Estado liberal para um contrato social. Contudo, onde os construtores da paz liberal perpetram ou "toleram" atividades incomensuráveis com a governança liberal, o contrato social local é impedido. Por vezes, isso ocorre com a cooperacäo dos construtores que sao motivados por urna crença neocolonial de que a governança iliberal pode fundar as bases para o desenvolvimento de um contrato social. Eles sao empoderados para colocar questöes de segurança humana e justiça social depois da segurança e das instituicöes. No entanto, um contrato social liberal necessita, no mínimo, de um engaj amento muito mais ampio com os individuos em pós-conflito (isto é, näo apenas com Estados pós-conflito representados por elites) por um período de tempo mais longo do que vem ocorrendo geralmente.
Essa paz liberal objetiva criar um contrato social lockeano no quai a governança é trocada por segurança e liberdades físicas, materials, sociais e culturáis. Até o momento, o produto da construcäo da paz liberal tem sido a criacäo de instituicöes governantes que fracassam em vincular os cidadäos coletivamente, haja vista que elas têm almejado assegurar o Estado e urna paz regional. Ilustram-se, assim, as inconsistencias no tipo de contrato social vislumbrado pela comunidade internacional, pelas elites locáis e pelos cidadäos locáis. Emergem, ainda, questöes acerca de que tipo de contrato social vincula a comunidade internacional liberal que participa da construcäo da paz. O contrato social que emerge da construcäo da paz liberal se foca no desenvolvimento de urna franquía neoliberal; os marcos institucionais näo säo adotados por participantes locáis, amiúde levando a urna paz elitista e etnopolítica que näo respeita direitos e necessidades individuais. Isso o força a se tomar urna forma institucional de governança liberal disciplinar, outra forma de retrocesso contemporàneo.
Democracia e instituiçoes liberals
O retrocesso ocorre, mais obviamente, quando, após se chegar a urna forma embrionaria de paz liberal, retoma-se à violencia. E o que Kant (1991, p. 93-130) quis dizer quando alertou na "Paz Perpétua" para a probabilidade de retrocesso, por meio do quai a democracia era enfraquecida. Percepçôes locáis de violencia estrutural também sao implicadas por esse conceito. Há, nisso, urna gama de efeitos: näo cumprimento da reforma liberal-institucional, ausencia de implementacäo, corrupcäo, rejeicäo, tentativas de renegociacäo do processo de paz fora das normas liberáis, ausencia de vontade internacional e cooptaçao local de processo de paz por razöes relacionadas a fatores causais nào resolvidos e em curso. Isso pode, realmente, engendrar urna contestacäo da fundacäo normativa e da universalidade da paz liberal, o que pode acontecer devido ao foco excessivo na expansäo de um Estado centralizado e de instituiçoes e ao desenvolvimento da governanca baseada nessa expansäo. Em particular, a ideologia neoliberal deixa que numerosos individuos tenham que cuidar de si mesmos, enquanto sustenta o conveniente pressuposto de que as instituiçoes e os mercados liberáis prover-lhes-äo suficiente proveito para que aceitem sua distante governança. Tais dinámicas podem ser causas de retrocesso da democracia ou, decerto, podem tomar a democracia irrelevante em alguns Estados pós-conflito. Emergem questöes acerca de se a democracia pode ser construida por meios näo democráticos e se as instituiçoes representativas podem ser construidas por meios näo liberáis. Urna resposta simples seria um foco na social-democracia, em urna economia mista e em provisoes de bem-estar que auxiliem o restabelecimento do contrato social e permitam a emergencia de coalizöes democráticas que sejam mais ampias do que aquelas elitistas e, frequentemente, predatorias que têm marcado muitos Estados pósconflito. Obviamente, isso ainda näo resolvería os problemas associados à existencia de profundas lacunas entre a governança liberal e as práticas locáis, em termos de cultura e costumes.
Neoliberalismo
Essas questöes se originam, principalmente, do pròprio modelo e do modo pelo qual eie é visto com um sacrossanto projeto, mas também dos interesses ideológicos dos principáis órgaos que o impulsionam. Por exemplo, o Banco Mundial é urna cooperativa e nao há muito controle a partir do centro dos escritorios locáis e suas atividades.19 Ainda, as informacöes advindas dos escritorios locáis para Washington é muitas vezes enviesada em favor das preferencias ideológicas de Washington. Um exemplo célebre disso foi quando o Timor Leste foi declarado um sucesso pelo diretor do Banco Mundial em um discurso na Indonesia apenas poucos dias antes de seu colapso em marco de 2006, devido, em parte, ao fracasso dos modelos neoliberais.20 Desde entao, o escritorio do Banco Mundial no Timor tem adotado urna abordagem mais keynesiana, até mesmo apoiando a tentativa do governo de introduzir um sistema básico de bem-estar.21 O trabalho em desenvolvimento e bem-estar precisa ser contextualmente específico, em especial no que tange às necessidades localizadas, de modo que pouco pode ser feito além de urna aplicacäo das estrategias neoliberais, na expectativa de que possa ser gerado um efeito lento e em um distante futuro, enquanto se destina grande parte das populacöes em pós-conflito à vida nua e se enfraquece o contrato social. O engajamento com o contexto e com o bem-estar parece representar, atualmente, urna grande mudança ideológica que interferiría no foco de eficiencia que as instituiçoes tendem hoje a adotar. De fato, tendo em vista que o crescimento é a prioridade da construcäo da paz liberal, tem-se pouco espaço para o foco em questöes de bem-estar/sociais no nivel micro, devido ao fato de que isso poderia interferir no pròprio crescimento. Esse círculo vicioso leva a urna falta de capital, à subsistencia e ao crime, em vez de levar à estabilizacäo e ao contrato social.
As preocupacöes imediatas de oportunidade econòmica e justiça social das sociedades civis sao, em geral, de menor significancia em um processo de construcäo da paz liberal que seja densamente dirigido pela reforma neoliberal, na qual os mercados supostamente devem lidar com esses problemas. Do Camboja ao Kosovo, as altas taxas de pobreza e de desemprego e a continua predominancia de subsistencia e de economías cinzas significarli que a maioria da populacäo experimenta um alivio apenas de suas preocupacöes de segurança, näo desempenha um papel ativo em um livre mercado e näo paga impostos, por conseguinte possui reduzido papel formal no Estado, salvo o ocasional exercício de seu direito democrático ao voto. Está se provando extremamente difícil persuadir os atores locáis a se "mover para dentro" desse Estado, exceto os políticos, os funcionarios públicos e o quadro profissional local de atores internacionais que se beneficiam de altos salarios e acesso ás instancias de poder de urna operacäo de construcäo da paz. Estes säo Estados sombríos, replicando um meio no qual as pessoas normáis importam menos do que seus hipotéticos direitos e oportunidades.
Contra-debates surgiram como parte de urna resistencia à percebida colonizacäo do sujeito pela construcäo da paz liberal, a qual governa o "local" e, em razäo de sua associacäo com o neoliberalismo, é cada vez mais vista como predatoria, e näo como algo que conecta a construcäo da paz à "vida cotidiana".22 Essa insatisfacäo está presente nos ámbitos académico e político, assim como em localidades de construcäo da paz - como é evidente ñas campanhas de "kosovarizacäo" e "timorizacäo" e também na crescente relutância de alguns governos e atores em confuto (por exemplo, no Sudäo) em cooperar com construtores da paz externos. As tendencias liberais/neoliberais de construcäo da paz tém levado seus componentes-chave a se tornar, na perspectiva local, meros exercícios de registro de marcas comerciáis, o que, a rigor, retorna o poder material e normativo ás mäos das elites, em vez de se originar da solidariedade e legitimidade sociais ou de estabelecer respostas institucionais de longo alcance e consensuáis, que reflitam preferencias e culturas locáis, para conflitos arraigados. Com efeito, o aspecto de resolucäo de confuto da construcäo da paz parece, hoje, ter sido subsumido pelos aspectos ideológicos e gerenciais liberaisinstitucionalistas, por vezes cooptados pelo recente modismo de estatismo neoliberal.
Críticas locáis levantam problemas muito perturbadores concernentes ao marco da paz liberal. Elas alvejam o instrumentalismo e a insensibilidade internacionais, com frequência implicando na conexäo com urna "mobilidade social descendente" na regiäo (e no crescimento difundido do Coeficiente de Gini - medidas de desigualdade - dos Estados pós-conflito). Isso faz com que a construcäo da paz liberal perca legitimidade, afetando nao apenas o projeto de pacificacäo para o Estado, mas também o papel da comunidade internacional, cuja credibilidade sofre aos olhos de atores locáis perante os cidadäos dos Estados. Qualquer foco nos direitos enquadrados pelo Conselho Económico e Social (ECOSOC) tende igualmente a ser ignorado pela comunidade internacional, ainda que bem-estar, empregos, cultura e identidade sejam aquilo frequentemente mais valorizado em períodos de transicäo nos ambientes pós-conflito.
Bem-estar e cultura
A construcäo da paz liberal depende da transplantacäo e da exportacäo de condicionalidade e dependencia enquadradas por um sistema de valor universal, a firn de consolidar o contrato social. No entanto, a falta de conhecimento local muitas vezes resulta em urna percepcäo de enfraquecimento dos intéresses locáis e o modelo de paz liberal se foca nos direitos, relegando as necessidades. O bem-estar nao é visto como significativo em termos da construcäo de um contrato social e, em vez disso, é deixado para a assistência humanitaria e para o desenvolvimento de longo prazo. A cultura é ignorada, como nao sendo parte do arcabouço político, económico e social institucional. Isso rebaixa o contexto local e a comunicacäo da quai a construcäo da paz depende. Vozes locáis sao vistas como "fatos inconvenientes" e o nexo-chave para a avaliacäo da legitimidade da construcäo da paz liberal se situa entre a comunidade internacional e a elite do Estado pós-conflito, em vez de estar nos atores locáis e em um contrato social reconstituido com seu proprio Estado e com a comunidade internacional. Um participante de um workshop sobre construcäo da paz que aconteceu em Sarajevo resumiu essas falhas, chamando os construtores da paz de "construtores ambivalentes",23 a firn de sublinhar a lacuna entre as percepcöes locáis do que deveria fazer a construcäo da paz e o que é, na realidade, atingido. Argumentou-se que a paz liberal nitidamente näo representou os objetivos, consensos e debates locáis, tampouco correspondeu a suas próprias reivindicacöes sobre segurança, direitos, instituiçoes ou necessidades. Esses fatores levam à resistencia ou, pior do que isso, ao abandono da política e impedem a moderaçâo na vida cotidiana em zonas pós-conflito, por conseguinte enfraquecem a paz liberal e sua proposta de contrato social exatamente no terreno em que se faz mais necessaria.
Isso levanta a questäo de se a paz liberal permite a participacäo local ou se, em vez disso, leva à cooptacäo de atores locáis. Outra possibilidade é que essa paz seja vulnerável à cooptacäo por parte de locáis. Urna dimensäo ulterior desse debate tem sido urna discussäo de práticas e processus indígenas, operando de baixo para cima e fundados em práticas da cultura local e tradicionais. Esse debate tem girado em torno de urna romantizacäo da contribuicäo indígena, como se esta fosse necessariamente pacifica; um pragmatismo sobre a possivel replicacäo de práticas positivas e negativas, a partir da perspectiva das normas internacionais; e urna rejeicäo do local como corrupto, desviante, traumatizado e hábil em culturas de violencias. Por conseguinte, a nocäo paz ascendente e localizada, mesmo indigenamente baseada, é também muito problemática, em especial porque está distante de ser nítido se o marco da paz liberal pode se ajustar suficientemente, para incorporar tais dinámicas, sem que necessariamente se perca qualquer integridade que possa portar.
O que tem acontecido é que a paz liberal, ao lado de seu consenso sobre a construçâo da paz, se tornou urna marca comercial, exportada dentro de um contexto neoliberal para franquías no campo que cooptara o projeto da paz liberal, mas também sao forçadas a se conformar a ele. Isso exige das agencias externas que reivindiquem imunidade dos próprios requisitos liberáis que elas tentam apoiar. Isso depende, ainda, da construçâo de urna legitimidade para a paz liberal e para os atores internacionais que a constroem no campo. Demanda-se a superaçâo dos problemas metodológicos ligados ao ato de falar em nome do outro, escutando-os e entendendo seu contexto e sua cultura.24 Esse fracasso denota o expediente da construçâo da paz liberal, sua ausencia de conhecimento locai e engajamento ou contextualizaçâo.
Do retrocesso para um híbrido local-liberal
Urna crítica gérai dos problemas encontrados pela construcäo da paz liberal é que eia tem se mostrado focada em discursos neoliberais de reforma, sustentados pela mesma base epistêmica de conhecimento, visäo ontològica do mundo e métodos. Isso significa que é necessario distinguir entre a construcäo do Estado que implanta versöes neoliberais de construcäo da paz, focando-se em solucöes dirigidas pelo mercado em paralelo com a democratizacäo e a criacäo de um Estado de direito et cetera, e formas de construcäo da paz que se focam no desenvolvimento da agencia da sociedade civil, a partir do nivel popular, pautadas em urna abertura comunicativa e em um engajamento cultural. Um lado mais obscuro dos vieses que permanece potencialmente a ser explorado na construcäo da paz liberal reside em seus tratamentos de raça e género (HOBSON, 2007, p. 91-116). Muitos trabalhos vém sendo conduzidos para incluir o género de modo convencional nesse marco, embora muitos permaneçam extremamente críticos em relacäo ao que tem sido alcançado. Pouco até entäo tem sido escrito sobre o problemático aspecto da raça dentro desse paradigma.
Em muitos casos, os problemas apareceram devido nao às reportadas características neocoloniais da construcäo da paz liberal - ainda que tenha havido reclamacöes acerca de suas dinámicas intervencionistas e indutoras de dependencia -, mas à ausencia de acordo, respeito e desenvolvimento na regiäo. Com o risco de ser reducionista, o desacordó político, a falta de conhecimento local e o fracasso socioeconómico tem marcado todos esses processos. Isso tem sido, em alguma medida, um resultado das estrategias e prioridades da comunidade internacional, focada principalmente em questôes de segurança e instituiçoes ou governança política. Isso näo quer dizer que a construcäo da paz liberal é fadada à faina, porém, nitidamente, estas sao as duas principáis causas do fenòmeno de retrocesso. Este representa o colapso local da construcäo da paz liberal em alguns casos e, em outros, um recuo internacional das ambiçoes de seu consenso sobre a construcäo da paz liberal. O aspecto de bem-estar (isto é, lidar com necessidades, em vez de atribuí-las ao mercado) desses fracassos está, provavelmente, em grande parte, ao alcance dos atores interaacionais e contribuiría para o estabelecimento do acordo politico, caso pudesse ser reincorporado à agenda liberal. Fortalecer o conhecimento local, evitar a coercäo e construir condicionalidades em ámbito local, e näo internacional, também poderia ser atingidos com facilidade. A ética mais antiga de construcäo da paz, colocar os mais marginalizados em primeiro plano (ao invés do Estado), seria adequada. Isso poderia beneficiar a coerência teórica interna da paz liberal e a eficacia dos mecanismos desenvolvidos para colocá-la em pràtica. Ainda mais importante, fortalecerse-iam as relacöes da construcäo da paz liberal com políticas locáis, expectativas das economías e das sociedades e sua habilidade em responder a diferentes contextos societais, culturáis e geopolíticos, embora com cautela, a firn de nao induzir urna dependencia no longo prazo ou ser vista como engenharia social.
É obvio que esses aprimoramentos ocorreriam ainda dentro do enquadramento territorializado do Estado soberano. Isso trata muitos confutes, efetivamente, pela via da reparacäo de um de seus fatores causaischave. E mais provável que tais desenvolvimentos conduzam a construcäo da paz liberal para além do liberalismo. Nesse contexto, o retrocesso pode ser repensado como um processo pelo quai os marcos da paz liberal confrontam e negociam com seus outros e, disso, emerge urna forma híbrida de paz (BHABHA, 1994, p. 49). E neste mesmo processo de retrocesso que o liberal e o local se encontram e renegociam seus relacionamentos, amiúde implantando níveis surpreendentes de agencia. Tudo isso näo significa que a paz liberal seja um projeto falido, e sim que eia é muito menos multidimensional do que se pensou anteriormente, que tem sido lenta ao se adaptar aos desafíos ou fraquezas e que é essencialmente contestada na pratica e na teoria. E bastante nítido que os pressupostos ontológicos que acompanham a paz liberal sao contestados pelo mundo - em alguns contextos islámicos e naqueles de outras religiöes, em Estados autoritarios, em locáis tribais e de cías e em sociedades ñas quais as práticas tradicionais e culturáis näo se ajustam à concepcäo ocidental de direitos humanos, economía neoliberal e democracia. Em adiçao a isso, a paz liberal é, em essência, encapsulada em um Estado, requerida como urna carapaça à quai os regimes de governança podem se ajustai-, podendo ele mesmo se tomar um espaço de conflito. Conforme muitos estudos têm demonstrado, a difusäo do Estado liberal no mundo em desenvolvimento e pós-colonial näo tem sido muito bem sucedida. A soberanía territorial e o caráter de Estado statehood) criam dilemas, tangentes a como manter o Estado coeso contra urna tendencia de unidades etnoterritoriais à fragmentaçao.
O que torna a hibridizacäo da paz liberal carregada é o problema epistemológico com que se depara ao se lhe contrapor. A ideologia da paz liberal é tao dominante e percorre tantas normas, instituicöes e atores que é fácil assumir que o espectro realista-idealista e o compromisso que o liberalismo representa estâo hoje completamente determinados e incontestáveis. Contudo, quando se olha para o problema da paz e, em particular, para tentativas de aplicar a paz liberal em zonas de pós-conflito, como o Kosovo e o Iraque, está-se longe de haver consenso. Em um nivel muito básico, silenciadas pela preponderancia do sistema liberal-internacional, a propria ontologia e a epistemologia a eia relacionada da paz liberal estâo sendo disputadas e o retrocesso é bastante familiar. Este ainda pode ser interpretado de maneira mais precisa como um processo agonístico de hibridizacäo, o qual está conduzindo a urna forma pós-liberal de paz, mais apta a mediar as relacöes entre liberáis e outros.
O pensamento recente sobre construcäo da paz indígena e propriedade local e sobre participacäo em zonas de conflito como formas de assegurar que qualquer paz criada seja nao apenas sustentável, como também autossustentável, é parte desse movimento, näo obstante ser apresentado com frequência como resgatando o liberalismo. O argumento acerca da participacäo local, avançado por Chopra e outros, sugere que a paz näo pode ser impingida em outros sem seu consentimento e participacäo no processo, mesmo que por um conjunto de atores internacionais e multilaterais.25
O resultado é que urna forma híbrida da paz liberal tem se desenvolvido, por intermèdio da qual atores locáis, elites, instituicöes e sociedade civil capturam e cooptam a construcäo da paz liberal, a qual, por sua vez, de maneira condizente com a forma liberal, tolera tal subversäo, com a condicäo de que eia permaneça dentro da ampia paróquia das prioridades institucionais e normativas que compöem a paz liberal. Ao mesmo tempo, isso opera para modificar e reforma tais tendencias. Subjacente a esse processo, todavía, há um continuo favorecimento das elites dominantes por parte de construtores da paz liberal, ainda que isso signifique trabalhar com individuos e elites corrompidos. Ademais, sem dúvida, há também a corrupcäo que é por vezes produzida pelos atores locáis no conluio com esses construtores. Em outras palavras, os construtores da paz liberal subestimam os desafíos nao materials, em prol dos materials, na construcäo do Estado. Ao firn e ao cabo, a construcäo da paz liberal emerge como urna atividade elitista, suscetível à captura pelas elites e à cooptacäo por práticas políticas que podem ter sido responsáveis pelo confuto em sua origem. Grande parte disso se relaciona a problemas causados pela ênfase exagerada na reforma econòmica e institucional e nos cañáis de elite de comunicacäo e execucäo, em vez de o foco se voltar para justiça social, empatia, cuidado e bem-estar.
Embora esse desequilibrio pareça ser problemático, também indica que a paz liberal embutiu em si mesma a capacidade de atores locáis (incluindo funcionarios públicos, políticos e atores da sociedade civil) influenciaren! seu desenvolvimento - reafirmarem um contrato social. Isso com frequência acontece pela cooptacäo de atores internacionais e suas instituiçoes importadas, seja através do emprego de um quadro pessoal internacional, seja por campanhas populares. Atualmente, é pràtica comum, por parte do quadro pessoal local de organizacöes internacionais e regionais e agencias, escrever relatónos, pagos pela comunidade internacional, cujos responsáveis constroem argumentos pressionando por objetivos locáis, talvez influenciados por seus contatos com políticos e funcionarios públicos locáis. Seu status de funcionarios de atores internacionais lhes prove a legitimidade para tanto. Por exemplo, o quadro pessoal local em Kosovo trabalhando para o Banco Mundial propiciou conselhos políticos e relatórios calcados na exigencia da soberanía de Kosovo (Albania), a firn de lidar com os problemas de desemprego e investimento.26 Tais relatórios sao urna expressäo da conexäo entre metas internacionais e locáis e criaram urna percepcäo no Kosovo de que a soberanía resolverá muitos dos problemas do processo de construcäo da paz, mesmo que a soberanía do Kosovo possa reproduzir um Estado dominado por um grupo étnico. A despeito dessas tensöes, o processo de construcäo da paz liberal capacitou esse tipo de agencia local, näo obstante ser fortemente pendente em favor de certos atores locáis que possuem acesso aos principáis atores internacionais, criando um viés em prol desses discursos oficiáis de reforma nos quais a paz liberal é pregada. Isso significa que os problemas internacionalmente percebidos de eficiencia, coordenacäo, condicionalidade e criacäo de dependencia e a suposta erosäo da capacidade local säo, em alguma medida, evitados, na medida em que atores locáis aprendem como reverter o processo de construcäo da paz liberal para seus próprios fins, produzindo novas formas de hibridizacäo.
O que está se tornando claro é que o retrocesso é, na verdade, a renegociacäo da paz liberal, para refletir dinámicas políticas, económicas, sociais e culturáis cruciais em seu contexto local.
Construcäo da paz para um novo contrato social e um híbrido local-liberal
Urna versäo emancipatória da paz liberal é a mínima base local e internacionalmente favorável para urna forma de paz híbrida liberallocal. Envolver-se-ia a inclusäo de outra carnada à tecnologia de governança até entäo desenvolvida e que se engajaria, de modo muito mais próximo, ao menos em um período de transicäo, com as necessidades de um individuo em pós-conflito. Deixando de lado a questäo bem mais difícil de se a paz liberal é viável mesmo em urna forma emancipatória e se existiriam alternativas, há manifestas áreas onde as causas de retrocesso podem ser abordadas. Estas podem oferecer empatia e cuidado por meio de suas instituicöes, contribuir para um contrato social, reconhecer dinámicas culturáis, oferecer recursos cotidianos e repousar sobre um contrato responsivo entre sociedades locáis e os construtores da paz liberal internacionais, o que pode, eventualmente, gerar autossustentabilidade.
Urna forma mais social de construçào da paz, que capacite a versäo liberal a desenvolver características emancipatórias (HELD, 2004, p. 3) e seja apta a prover a empatia, possibilitar a emancipaçao e lidar com a diferença, pode se imbuir do objetivo de reunir os processus de globalizaçào, integraçào, solidariedade e justiça, por meio de urna "governança multicentrada" (HELD, 2004, p. 75), indo para além dos pressupostos associados ao "liberalismo embebido" (HELD, 2004, p. 14).27 Isso reconhece os perigos da hegemonía e de ignorar as necessidades básicas dos individuos em sociedades em favor de goveraos, Estados e elites. Torna-se óbvia a necessidade de urna representaçào mais ampia, profunda e vasta e da construçào de um contrato social global via construçào da paz. Os limites da ordern internacional liberal foram agora atingidos e requerem ser transcendidos (HELD, 2004, p. 136).
Jabri argumentou que é preciso haver urna "política da paz", o que é indicativo de urna luta por urna ordern social justa, abrangendo individuos como agentes neles mesmos, e nao como meramente sujeitos de marcos de governança, e expressando solidariedade pelos seus direitos e necessidades (JABRI, 2007, p. 268). Está cada vez mais claro que o projeto da paz liberal tem subestimado o fato de a paz liberal ser fortemente contestada por atores que querem autodeterminar sua pròpria paz. A saída desse enigma é a fabricaçào de um novo contrato social em zonas de pós-conflito, em concordancia com o desenvolvimento de urna forma híbrida local-liberal de construçào da paz - ou urna forma de paz pós-liberal.
Isso levanta questöes relacionadas (1) aos acordos de condicionalidade entre a comunidade internacional e os receptores em ambientes de confuto, (2) à dependencia de ajuda, expertise e capacidade externa, (3) ao equilibrio entre propriedade local e internacional no processo de paz e, de fato, (4) à integridade do pròprio processo de paz. Quäo profundamente deveria a comunidade internacional se envolver na vida social, política e económica de urna sociedade em confuto e como se pode determinar o momento em que essa linha e atravessada, em especial na condicäo de um ator externo? O grupo epistérnico de atores interaacionais que está ocupado, transferindo instituiçôes, marcos e normas para ambientes de confuto, aparentemente concorda com o que deveria ser feito. Um consenso é crescente também acerca de como isso deveria ser feito. No entanto, nitidamente, há, da mesma maneira, muita preocupacäo sobre se as vozes locáis seräo ouvidas à medida que a construcäo da paz prossiga atuais agendas. Sem o consentimento e o consenso locáis nos diferentes processos envolvidos na construcäo da paz - sem parceria e propriedade locáis -, a paz levará um longo tempo até que se enraíze, se é que isso ocorrerá. Em outras palavras, construcäo da paz e desenvolvimento exigem näo apenas consenso internacional sobre o que deveria ser feito, e sim um processo de negociacäo entre receptores e a comunidade internacional, abrindo o debate sobre que tipo de paz está sendo fomentado em varias zonas de confuto pelo mundo.
Uma assercäo preliminar tem de ser feita sobre urna agenda modificada ou nova para a construcäo da paz: eia deve começar, necessariamente, pelo exercício da agencia por individuos e grupos, conduzindo a um processo democrático de representaçao, porém näo necessariamente encapsulado pelo Estado vestifaliano. Individuos e grupos têm de ser capazes de representar a si próprios. Nesse contexto, o direito à oportunidade de urna vida produtiva, com o respeito näo somente ao traballio, mas também às emoçoes, à cultura e ao aprendizado, deve, obligatoriamente, ser expresso como um direito humano básico. Todavía, a firn de desenvolver essa posicäo em urna nova agenda para a paz, novas metodologías e abordagens precisam ser adotadas, desenliadas para prover acesso intelectual a essa área. Certamente, pluralismo cultural e urna subjacente humanidade compartilhada näo precisam se contradizer. A cultura, por conseguinte, tem de ser um tema importante em qualquer discussäo de paz, devendo se reconhecer tanto sua fluidez e seu dinamismo quanto sua conexäo com a tradicäo e a coesäo social dai derivada (O'HAGAN, 2002, p. 232).
O que tais abordagens ainda indicam é a necessidade de um coerente programa de pesquisa sobre construcäo da paz que seja muito mais contextual, enquanto também multidimensional, multinível, com varios atores, intersubjetivo e emancipatório. Ele deve ser apto a interrogar as reivindicacöes e os pressupostos sobre representaçao, soberanía e hegemonía, ser bem menos resoluto quanto ao seu universalismo ou endosso da soberanía territorial e capaz de comunicar um programa de pesquisa sobre construcäo da paz liberal com outras disciplinas, com o mundo político e com a sociedade civil como um todo.
Para Além da Paz Liberal? Respostas ao "Retrocesso"
A ortodoxia familiar de construcäo da paz liberal depende da transplantacäo e da exportaçào de condicionalidade e dependencia, com vistas a consolidar um contrato social entre populaçoes, seus governos e o Estado, em que repouse urna paz liberal legítima e consensual. O que, com frequência, ocorre, é urna forma híbrida de paz liberal, sujeita a críticas locáis poderosas, à resistencia, por vezes, e à percepçào de que a construcäo da paz internacional está fracassando em corresponder às expectativas. Em termos kantianos, os problemas com que a paz liberal tem se deparado e a crise pela qual está hoje passando podem ser denominados "retrocesso". Tem sido particularmente notável que a construcäo da paz liberal nao vem sendo capaz de construir políticas unidas a partir de fragmentos territorials no Kosovo, na Bosnia, no Afeganistäo, no Iraque, no Sri Lanka e mesmo na Irlanda do Norte, onde alguns ou todos de seus elementos estâo em desenvolvimento. Isso indica urna necessidade ou de reforma do modelo liberal para a paz, ou de estabelecimento de urna capacidade de coexistencia desse modelo com alternativas, ou de substituiçào do modelo. Este artigo examina urna gama de questôes inerentes ao paradigma de construçào da paz liberal, algumas causas de "retrocesso" e o que pode ser feito no que tange a tais causas, no sentido de utilizar a construçào da paz para criar um novo contrato social e atingir o que se poderia muito bem ser urna forma "híbrida liberal-local" de paz.
Palavras-chave: Construçào da Paz Liberal - Construçào do Estado - Retrocesso - Contrato Social
Abstract
Beyond Liberal Peace? Responses to "Backsliding"
The familiar orthodoxy of liberal peacebuilding depends upon transplanting and exporting conditionality and dependency in order to cement a social contract between populations, their governments and the state, on which rests a legitimate and consensual liberal peace. What often emerges is a hybrid form of the liberal peace, subject to powerful local critiques, sometimes resistance, and to the perception that international peacebuilding is failing to live up to expectations. In Kantian terms, the problems that the liberal peace has faced, and the crisis that it is now in, can be termed "backsliding". It has been particularly notable that liberal peacebuilding has not been able to build united polities from territorial fragments in Kosovo, Bosnia, Afghanistan, Iraq, Sri Lanka, and even in Northern Ireland, where some or all if its elements are in development. This indicates a need for a reform of the liberal model for peace, or to establish a capacity for it to coexist with other alternatives, or to replace it. This article examines a range of issues inherent in the liberal peacebuilding paradigm, some causes of backsliding, and what might be done about them in terms of using peacebuilding to create a new social contract and to arrive at may well be a "liberal-local hybrid" form of peace.
Keywords: Liberal Peacebuilding - Statebuilding - Backsliding - Social Contract
* Este artigo é baseado era um capítulo que apareceu em: NEWMAN, Edward; PARIS, Roland; RICHMOND, Oliver P. New perspectives on the liberal peace. Tóquio: UNU Press, 2009. Agradecimentos, em particular, a Edward Newman. Todos os erros sao de responsabilidade do autor. Artigo recebido em setembro e apro vado para publicaçâo em novembro de 2010. Artigo traduzido por Victor Coutinho Lage. E-mail: [email protected].
*** Optou-se por traduzir peacebuilding como "construçao da paz", adaptando as variaçôes (como peacebuilders) quando possível. (N. do T.)
* Backsliding é um termo usado no cristianismo, designando urna volta a hábitos ou urna recaída em pecados, após o individuo já ter passado pela conversâo. Pode ser traduzido como "apostasia", porém a opçâo foi pelo termo "retrocesso", a firn de evitar urna ligaçâo muito estreita com conotaçôes religiosas. (N. do T.)
* O forum shopping é urna designaçâo informal para urna pràtica vinculada ao léxico jurídico e que se refere à tentativa, por urna das partes do litigio, de ter atencäo ao seu caso, a firn de levar a um julgamento que Ihe seja favorável. (?. do T.)
Notas
1 . Ver, entre outros, David Harvey (2005, p. 16).
2. Ver Karl Polanyi (1944).
3. Em outro lugar, denominei isso paz pós-liberal (RICHMOND, 2009).
4. Ver Oliver P. Richmond (2008).
5. Para mais desses estudos de caso, ver Oliver P. Richmond e Jason Franks (2009).
6. Ver, entre varios, Roland Paris (2004). Ver, ainda, Oliver P. Richmond (2005), em especial a conclusào.
7. Ver Oliver P. Richmond (2008), em especial a conclusào.
8. Ver Oliver P. Richmond (2005), em especial a conclusào.
9. Ver Michel Foucault (1976).
10. Ver, por exemplo, o prefacio do livro editado por Francois Debrix e Cynthia Weber (2003, p. xv).
11. Michael Dillon (2003, p. 135) argumenta que definir o desenvolvimento dessa maneira permite ao Banco Mundial se envolver em questôes políticas, o que é, na verdade, proibido em sua Carta.
12. Ver Hedley Bull (1977).
13. Para sua elucidaçào dessa abordagem, ver Kofi Arman (2001). Ver, ainda, "A more secure world" (UNITED NATIONS, 2004) e "The responsibility to protect" (THE RESPONSIBILITY..., 2001).
14. Ver Michael Goldman (2005, p. 57). Ver, ainda, Arthur MacEwan (1999).
15. Para apoiadores e críticos da "paz liberal", ver, entre outros, Michael Doyle (1983), Michael Doyle e Nicolas Sambanis (2006), Charles T. Call e Elizabeth M. Cousens (2008), Stephen D. Krasner (2004), Roland Paris (2002; 2004), J. Snyder (2000), David Rieff (2002), Michael Mandelbaum (2002), Michael Pugh (2005), David Chandler (1999), Mark Duffield (2001), Roger Mac Ginty (2008), Beate Jahn (2007) e Neil Cooper (2007).
16. Traballio de campo no Timor-Leste, novembro de 2008.
17. Ver, ainda, H. P. Kainz (1987, p. 65).
18. A versäo lockeana parece ser o pressuposto subjacente da maior parte dos debates sobre construcäo da paz/construcäo de Estado.
19. Depoimento de Ian Bannon a Oliver Richmond em 23 de fevereiro de 2007.
20. Idem.
21. Fonte oficial do Banco Mundial. Entrevista pessoal, Dili, 10 nov. 2008. Entrevistador: Oliver Richmond.
22. Ver, entre outros, Christine Sylvester (2006, p. 66), J. Briggs e J. Sharp (2004) e Mark Duffield (2002).
23. Ver a discussäo no projeto do worhhop em Sarajevo, em marco de 2007, no quai debatedores locáis foram extremamente críticos da construcäo da paz na Bosnia.
24 . Ver Michael Dillon (2005).
25. Sobre construcäo da paz indígena, ver Roger Mac Ginty (2008, p. 139-188). Sobre participaçao, ver Jarat Chopra e Tanja Hohe (2004).
26. Traballio de Campo no Kosovo, marco de 2006.
27. Ver J. G. Ruggie (1982).
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Oliver P. Richmond**
** PhD em Relaçôes Internacionais pela University of Kent, Reino Unido, professor na School of International Relations, University of St. Andrews, Reino Unido, diretor do Center for Peace and Conflict Studies, e advanced international scholar na Kyung Hee University, Coreia do Sul. E também um dos editores da Review of International Studies e editor da série de livros da Palgrave, Rethinking conflict studies. E-mail: [email protected].
Oliver Richmond PhD em Relaçôes Internacionais pela University of Kent, Reino Unido, professor na School of IR, University of St. Andrews, Reino Unido, diretor do Center for Peace and Conflict Studies e advanced international scholar na Kyung Hee University, Coreia do Sul. Suas publicaçôes incluem Liberal peace transitions (com Jason Franks, Edinburgh University Press, 2009), Peace in IR (Routledge, 2008), The transformation of peace (Palgrave, 2005), Maintaining order, making peace (Palgrave 2002) e Mediating in Cyprus (Frank Cass, 1998). É também um dos editores da Review of International Studies e editor da série de livros da Palgrave, Rethinking conflict studies.
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Copyright Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Jul-Dec 2010
Abstract
The familiar orthodoxy of liberal peacebuilding depends upon transplanting and exporting conditionality and dependency in order to cement a social contract between populations, their governments and the state, on which rests a legitimate and consensual liberal peace. What often emerges is a hybrid form of the liberal peace, subject to powerful local critiques, sometimes resistance, and to the perception that international peacebuilding is failing to live up to expectations. In Kantian terms, the problems that the liberal peace has faced, and the crisis that it is now in, can be termed "backsliding". It has been particularly notable that liberal peacebuilding has not been able to build united polities from territorial fragments in Kosovo, Bosnia, Afghanistan, Iraq, Sri Lanka, and even in Northern Ireland, where some or all if its elements are in development. This indicates a need for a reform of the liberal model for peace, or to establish a capacity for it to coexist with other alternatives, or to replace it. This article examines a range of issues inherent in the liberal peacebuilding paradigm, some causes of backsliding, and what might be done about them in terms of using peacebuilding to create a new social contract and to arrive at may well be a "liberal-local hybrid" form of peace. [PUBLICATION ABSTRACT]
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