Resumo: Este artigo discute a relaçâo entre as abordagens deliberacionistas de democracia e a Teoria Crítica. Para tanto, apresentam-se très argumentos que sugerem urna dissociaçâo entre os dois corpos teóricos: 1) A deliberaçâo reforça quadros de dominaçâo existentes; 2) A deliberaçâo conformou-se às instituiçoes liberáis em voga; e 3) A guiñada empírica dos estudos deliberativos aproximaram-nos da teoria tradicional. A partir desses argumentos, o texto ressalta a existência de um diálogo instável entre a abordagem deliberativa e o legado frankfurtiano.
Palavras-chave: Democracia Deliberativa; Teoria Democrática; Teoria Crítica; Escola de Frankfurt; Filosofía Política
Abstract: This paper discuss the relationship between deliberative approaches of democracy and critical theory. In order to do so, it presents three arguments that suggest a deep distinction between these two theoretical traditions: 1) Deliberation reinforces existent forms of domination; 2) Deliberation has accepted the existent democratic liberal institutions; 3) The empirical turn of deliberative literature has brought it closer to traditional theory. Based on these arguments, the article highlights the existence of an instable dialogue between the deliberative approach and the Frankfurtian legacy.
Keywords: Deliberative Democracy; Democratic Theory; Critical Theory; Frankfurt School; Political Philosophy
Introduçâo1
É comum associar o modelo deliberacionista de democracia ao legado político e filosófico da Teoria Crítica. Muitos deliberacionistas tendem a se pensar como os continuadores do legado de Frankfurt, buscando elaborar urna teoria que dê conta das aspiraçôes emancipatórias que alicerçam a escola. Tal associaçâo está ligada a, básicamente, très fatores: 1) o forte diálogo com as noçôes habermasianas de racionalidade comunicativa e esfera pública; 2) o caráter normativo do modelo; e 3) a crítica à teoria da escolha racional de origem liberal. Contestando a reduçâo da política à luta de individuos autointeressados, os deliberacionistas alegam propor um viés crítico, que aposta na comunicaçâo como modo de fortalecer a autonomía dos sujeitos e a construçâo colaborativa de decisöes.
O presente artigo busca discutir se essa vinculaçâo automática entre deliberaçâo e Teoria Crítica faz sentido. A motivaçâo para sua elaboraçâo nasceu nos debates do Grupo de Trabalho (GT) "Comunicaçâo e Política" do XIX Encontro Anual da Compós (2010). Naquela ocasiâo, advoguei urna abordagem ampliada de deliberaçâo, defendendo sua fidelidade ao legado crítico. Isso levou Luís Felipe Miguel a sugerir a inadequaçâo de meu argumento. O pesquisador indagou se a ampliaçâo do conceito de deliberaçâo nâo o destituía de todo teor crítico, reforçando a já sistemática negligência dos deliberacionistas à questâo do poder. Na opiniâo do autor, o modelo deliberativo teria se acomodado ao liberalismo.
Minha réplica a Miguel buscou recusar a associaçâo imediata entre a democracia deliberativa e as abordagens liberáis. Argumentei que havia distinçôes fundamentáis em termos de principios e premissas. A pergunta, contudo, nâo foi plenamente respondida, e este artigo busca refletir, com mais vagar, sobre a mencionada crítica.
O artigo está dividido em très seçôes. A primeira délas realiza urna breve discussâo sobre as raízes, definiçôes e objetivos da tradiçâo crítica. A segunda seçâo explora très argumentos que indicariam urna dissociaçâo entre o modelo deliberacionista e a Teoria Crítica: 1) A deliberaçâo reforça a ordern existente; 2) A deliberaçâo conformou-se às instituiçôes libérais; e 3) A guiñada empírica dos estudos deliberacionistas aproximou-os da teoña tradicional Por fim, na terceira seçâo, pontuam-se aproximaçôes e distanciamentos na tensa relaçâo entre o modelo deliberacionista e o legado crítico.
Meu argumento é o de que existe um diálogo instável entre a abordagem deliberativa e o legado frankfurtiano. É possível estabelecer muitos pontos de contato entre ambas as tradiçôes, sendo incorreto afirmar que o modelo deliberacionista liberalizou-se por completo. Por outro lado, seria igualmente inadequado supor urna continuidade absoluta entre as abordagens analisadas. Há hiatos significativos entre elas, os quais passam nâo apenas pelos ideáis políticos defendidos, mas também pelos principios metodológicos adotados. Sustento que um diálogo mais estável entre tais tradiçôes seria extremamente proficuo, contribuindo, inclusive, para a correçâo recíproca de aspectos subexplorados em cada urna délas.
Teoria Crítica: raízes, definiçôes e objetivos
A Teoria Crítica é urna tradiçâo de pensamento que "nao se limita a descrever o funcionamiento da sociedade, mas pretende compreendê-la à luz de urna emancipaçâo ao mesmo tempo possível e bloqueada pela lógica propria da organizaçâo social vigente" (Nobre, 2003, p. 9). O viés apresenta-se, assim, como elemento de urna práxis social que busca subverter experiências opressivas, estimulando sua transformaçâo estrutural (Wiggershaus, 2002). Criticando os esforços teóricos descolados da realidade social, essa vertente de pensamento protesta, filosóficamente, contra a ordem naturalizada, defendendo a autodeterminaçâo humana. Como sintetiza Carnaúba: "teoria crítica envolve diagnóstico do tempo presente, orientaçâo para a emancipaçâo e comportamento crítico" (Carnaúba, 2010, p. 196).
Embora existam diferentes correntes contemporáneas de pensamento crítico, as raízes da abordagem aqui enfocada encontram-se na Alemanha da década de 1920, quando um grupo de pesquisadores de orientaçâo marxista fundou o Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt. Associado à universidade da cidade, o Instituto surgiu no conturbado contexto da República de Weimar, em que tanto a direita como a esquerda alemâs se rearticulavam diante da iminência de urna grande transformaçâo. Nesse cenário, o grupo se propunha a agir por meio da prática teórica, superando o dualismo entre práxis e teoria2. Nâo caberia, aqui, mapear as proposiçôes e contribuiçôes de diferentes pesquisadores do Instituto. Para nossos objetivos, basta captar as premissas que alicerçam o legado de Frankfurt, as quais foram explícitamente delineadas depois que Horkheimer assumiu sua direçâo em 1931. Conduzindo o grupo por um período de duas décadas, o filósofo estabeleceu as diretrizes académicas (e pessoais) do Instituto.
Um texto seminal na definiçâo de tais diretrizes foi publicado em 1937, quando o autor buscou diferenciar a teoría crítica do que chama de teoria tradicional. Nesse texto, Horkheimer (1975a) questiona a ideia de que o papel de urna teoria seria acumular, a partir da observaçâo do mundo, um saber que permite a descriçâo minuciosa deste. Para o filósofo, as ciéncias humanas teriam se orientado pelo modelo das ciéncias naturais, colecionando evidéncias e descrevendo a realidade. Nessa abordagem tradicional, o
"... trabalho com principios gérais deve ser considerado ocioso e cómodo [...]. Em vista do quadro atual da pesquisa, o caminho que a sociología teria que percorrer seria a difícil ascensäo da descriçâo de fenómenos sociais até comparaçôes detalhadas, e só entâo a partir daí passar para a formaçâo de conceitos gérais" (Horkheimer, 1975a, p. 127).
Considerando induçôes como proposiçôes teóricas, o pensamento tradicional realimentaria a ordem existente. Abriría mâo, dessa maneira, da dimensâo normativa da teoria: "O cientista e sua ciéncia estâo atrelados ao aparelho social, suas realizaçôes constituem um momento de autopreservaçâo e da reproduçâo continua do existente, independentemente daquilo que imaginam a respeito disso" (Horkheimer, 1975a, p. 131). Tal forma de fazer ciéncia operaría da mesma maneira que a economía capitalista, naturalizando construçôes sociais e perpetuando formas de dominaçâo sob a aparência da neutralidade.
A Teoria Crítica, em contrapartida, deveria revisar as próprias categorías do pensamento, compreendendo as açôes sociais dentro de seu contexto e atentando para as relaçôes de dominaçâo que a perpassam. Em uma procura pelo resgate da dimensäo emancipatória da razäo, Horkheimer sugere que a Filosofía e a Ciéncia Crítica deveriam desnaturalizar o mundo para transformá-lo. O papel da Teoria Crítica seria desvelar o modo como a estrutura social coíbe a autonomía dos sujeitos, revelando chaves conceituais que fomentem a emancipaçâo humana.
A defesa da autodeterminaçâo nâo implica, contudo, a aceitaçâo do individualismo metodológico. Ao contrário, Horkheimer critica o modelo cartesiano que embasaria o pensamento burgués no quai o ego autónomo "se eleva à condiçâo de causa primeira do mundo ou se considera o proprio mundo" (Horkheimer, 1975a, p. 140). Para o autor, o processo de formaçâo da consciência nâo seria individual, mas da propria humanidade, o que promovería a transformaçâo social. A saída aberta por Horkheimer passa, assim, por uma revitalizaçâo da consciência crítica que permitiría aos seres humanos questionar as práticas que marcam a vida social desde seu interior.
Esse ponto é particularmente importante para entender a Teoria Crítica: a aposta é na procura por instâncias intramundanas de transcendéncia. Em Horkheimer, a possibilidade de transcendéncia reside na exposiçâo das contradiçôes de classe. No marxismo do autor, a teoria deveria intensificar a luta de classes, opondo-se aos apologistas do mundo vigente, aos conformistas e aos utópicos, que nâo compreendem as condiçôes de possibilidade da transformaçâo do mundo. Na leitura de Horkheimer, a reflexâo teórica deveria viabilizar, concreta e contextualizadamente, o fim da exploraçâo: "Se o pensamento nâo se limita a registrar e classificar as categorías da forma mais neutra possível, isto é, nâo se restringe às categorías indispensáveis à práxis da vida ñas formas dadas, surge imediatamente uma resisténcia" (Horkheimer, 1975a, p. 155).
A base da resisténcia advogada por Horkheimer é um marxismo nâo ortodoxo em que o ámbito económico é essencial, embora nâo seja a única dimensâo a ser considerada. "A crítica teórica e prática tem que focalizar inicialmente a causa primeira da miséria, a economía. Mas, julgar também as formas da sociedade futura, baseando-se apenas na sua economía, nâo seria um pensamento dialético, mas sim mecanicista" (Horkheimer, 1975b, p. 166-7).
O marxismo nâo economicista de Horkheimer fica evidente na Día/ética do Esclarecimiento, escrita em coautoria com Adorno. Publicada na década de 1940, a obra apresenta uma profunda discussâo sobre os efeitos da centralidade da razäo na modernidade. O livro aborda o modo como o iluminismo, manifesto nâo apenas na ciéncia, mas ñas práticas económicas e culturáis, prometeu-nos um mundo controlado e guiado pelos seres humanos, embora tenha conduzido a humanidade à submissâo e à perda da capacidade crítica (Adorno & Horkheimer, 1985). Como explica Duarte, na visâo dos autores, "a racionalidade que aprendeu a se empobrecer, a se coisificar, a fim de se tornar instrumento de dominio da natureza, nâo consegue mais encontrar o seu caminho de volta a si, e a inconsciéncia, outrora característica apenas da natureza, toma de assalto o ámbito da cultura" (Duarte, 1997, p. 49-50).
O império da racionalidade instrumental renovaría uma dinámica presente no mito, ao tentar dominar a realidade por meio da explicaçâo discursiva. No entanto, tal racionalidade teria dado um passo além ao mitificar-se. Explorando a manifestaçâo dessa dialética na literatura, na ciéncia, na filosofía, na indústria cultural e no antissemitismo, Adorno e Horkheimer (1985) evidenciam que a grande esperança emancipatória da humanidade converteu-se em sua maior prisâo. Alienaçâo, esvaziamento da linguagem, transformaçâo de meios em fins, conformismo e barbárie seriam frutos do mundo que se supôs esclarecido.
Diante deste cenário, A Día/ética do Esclarecimiento aposta na propria realizaçâo da modernidade, cujo elemento reflexivo poderia fomentar a autonomizaçâo da humanidade. Fundamental nesse processo seria uma renovaçâo da linguagem, que évitasse a separaçâo moderna entre os planos semántico e expressivo. Tal distinçao teria esvaziado a arte, a ciéncia e outras práticas comunicativas visceralmente importantes para a transformaçâo do mundo. É essa complexificaçâo da linguagem que Adorno tem em vista ao enfatizar a importáncia política da estética. Ao superar a clivagem entre o plástico e o significativo, a estética "redialetizaria" a racionalidade (Duarte, 1997, p. 61).
Mesmo que a primeira geraçâo frankfurtiana tenha sido mais eficiente no diagnóstico crítico das patologías da modernidade, as sementes para pensar a dialética entre opressâo e emancipaçâo foram lançadas. É a partir délas que Habermas, expoente da segunda geraçâo de Frankfurt, edifica sua obra, opondo a racionalidade comunicativa à racionalidade instrumental (Habermas, 1983; 1987). Também é a partir dessas sementes que Honneth (2003), líder da terceira geraçâo, reinterpreta a obra hegeliana e o papel da psicanálise ñas Ciéncias Sociais para elaborar sua teoria do reconhecimento. Por caminhos distintos e abrindo diálogos específicos, ambos buscaram fazer um diagnóstico de seu tempo para, criticamente, vislumbrar possibilidades emancipatórias viáveis, embora cerceadas.
Deliberaçâo: uma Teoria Crítica?
Exploradas algumas das definiçôes e dos objetivos que estruturam a Teoria Crítica, faz-se importante, agora, levantar argumentos que indicam hiatos fundamentáis entre tal tradiçâo e o modelo deliberacionista. Ainda que haja vários pontos de sobreposiçâo entre esses argumentos, apresentá-los-ei em très eixos distintos.
A deliberaçâo reforça a ordem existente
O primeiro argumento a ser mencionado encampa autores que afirmam que as premissas básicas da deliberaçâo pública alimentam processos opressivos. Sob a falsa alegaçâo de fomentar a participaçâo, a deliberaçâo legitimaria práticas e procedimentos que contribuem para a manutençâo do status quo. Esse argumento está presente desde as primeiras críticas de feministas e demócratas da diferença ás discussöes habermasianas (Fraser, 1999; Sanders, 1997; Young, 1996; Mouffe, 2005).
De modo gérai, afirma-se que as pressuposiçôes necessárias ao funcionamento da deliberaçâo sâo marcadas pelo ideário iluminista: a igualdade, a racionalidade, a possibilidade do consenso. Tais pressupostos obliterariam a percepçâo de desigualdades profundas, ocultando o modo como o consenso racional pode reproduzir anseios de grupos dominantes. O modelo deliberacionista, com suas exigências formalistas, mascararia relaçôes de dominaçâo, reforçando-as. Nesses termos, a abordagem deliberativa seria antitética ao ideário crítico: sem revelar as contradiçôes sociais, ela acabaría por fortalecer o mundo vigente, cristalizando visöes de mundo e valores opressivos.
A imposiçâo de ideáis racionalistas e universalistas daria continuidade ao projeto iluminista, suprimindo o agonismo e cristalizando hegemonías (Mouffe, 2005). Além disso, o foco na deliberaçâo suprimiría diversas modalidades de açâo importantes para a transformaçâo do mundo (Young, 2003). Sintetizando os argumentos de demócratas da diferença, Pereira explica essa questäo:
"A excessiva ênfase dada pelos teóricos deliberativos da democracia no consenso e nos espaços de partilha de poder [...] de certa forma acabou por obscurecer outras formas de açâo política, tais como manifestaçôes, passeatas, abaixo assinados, invasöes e cyberaçôes desenvolvidas por actores da sociedade civil" (Pereira, 2010, p. 11).
Em grande medida, esses efeitos colaterais do modelo deliberativo dever-se-iam, alegam os críticos, à sua negligência em relaçâo à questäo do poder. Ao buscar expandir o conceito de política para além da luta de interesses, os deliberacionistas teriam enfocado a cooperaçâo, esquecendo-se que política é uma questäo de interesse e poder (Shapiro, 1999). Na opiniäo de Mouffe:
"De acordo com a abordagem deliberativa, quanto mais democrática uma sociedade, menos o poder será constitutivo das relaçôes sociais. Se aceitarmos, contudo, que as relaçôes de poder säo constitutivas do social, entäo a questäo principal para a política democrática nao é como eliminar o poder, mas como constituir formas de poder mais compatíveis com valores democráticos" (Mouffe, 2005, p. 19).
Essa preocupaçâo com a negligência do poder e do conflito é a base dos temores de Luís F. Miguel. Em trabalhos recentes, o pesquisador tem procurado vincular as consequências maléficas da guiñada deliberativa a este ponto. Vale citar, aqui, o artigo em que ele discute o conceito de representaçâo, pontuando a "necessidade de recolocar a noçâo de interesse no centro da nossa compreensäo da representaçâo política, bem como de restabelecer o entendimento que a atividade representativa é uma forma de exercício de poder (Miguel, 2010, p. 2).
Para alguns, a falta de uma discussäo sobre poder entre os deliberacionistas fomentaría a naturalizaçâo das assimetrias. Ao pressupor a igualdade entre os deliberantes, a ideia de força do melhor argumento legitimaria decisöes cujas bases residem no poder do interlocutor. É assim que, apesar de suas contribuiçôes, diversos fóruns participativos podem reproduzir as relaçôes assimétricas existentes (Cornwall & Coelho, 2009). Ademáis, tais fóruns correm o risco de silenciar atores da sociedade civil, impedindo a expressäo de críticas mais contundentes à situaçâo vigente.
Para além da reproduçâo de assimetrias e do enfraquecimento de atores críticos, outro aspecto que pode evidenciar um hiato entre tais fóruns deliberativos e os pressupostos da Teoria Crítica é a sua crescente mercantilizaçâo. Basta lembrar, aqui, que pesquisadores de renome, como James Fishkin e Ned Crosby, patentearam seus desenhos institucionais. Hendriks e Carson (2008) dedicam-se ao estudo deste mercado de consultoria deliberativa que gerou marcas e movimenta, anualmente, milhöes de dólares na venda de processos, cursos, softwares e práticas de moderaçâo a governos e organizaçôes políticas.
Se tal processo de mercantilizaçâo pode difundir a deliberaçâo, ele também pode encorajar a proliferaçâo de processos que fomentam uma espécie de pseudo-participaçâo discursiva. Frequentemente, ferramentas deliberativas seriam aplicadas de forma descontextualizada, comercializando um bem que näo deveria operar com a lógica comercial. Além disso, consultores podem buscar dirigir processos em determinadas direçôes ou mesmo avahar positivamente processos que fracassaram para garantir a continuidade dos negocios. Afinal, ninguém deseja clientes insatisfeitos. Assim, "a motivaçâo de aprofundamento da democracia está sendo substituida pelos imperativos dos negocios e da competiçâo" (Hendriks & Carson, 2008, p. 309). As autoras lembram, ainda, que a comercializaçâo da deliberaçâo tende a compatibilizá-la com o sistema capitalista em vigor, afastando o modelo de suas raízes frankfurtianas.
A deliberaçâo conformou-se às instituiçôes liberáis e às instltulçôes existentes
O segundo eixo de distanciamento entre o modelo deliberacionista e o legado crítico nâo expressa uma desconexâo originária entre as duas tradiçôes, mas um progressivo afastamento entre elas. O argumento, aqui, é o de que a democracia deliberativa teria se acomodado às configuraçôes políticas atuais. Embora tenha nascido crítica ao liberalismo, pouco a pouco, a deliberaçâo tê-lo-ia aceitado, justificando as instituiçôes existentes.
Essa crítica emerge de forma contundente na leitura que Dryzek (2000a) faz sobre o desenvolvimento da obra de Habermas. Dryzek aponta que, diferentemente das contribuiçôes críticas desenvolvidas na Teoria da Açâo Comunicativa, Habermas teria, paulatinamente, aceitado a democracia liberal tal como ela se encontra institucionalizada. Nessa leitura, Direito e Democracia (1997) defendería um modelo em que a discussâo ocorreria de forma pulverizada e as decisöes políticas estariam restritas aos representantes eleitos.
Embora Habermas reconheça o papel da sociedade civil, seu modelo de circulaçâo de poder estaría assentado em uma proposta conservadora ao reduzir a participaçâo popular à formaçâo da opiniâo pública, o que seria plenamente condizente com abordagens liberáis. Ademáis, é somente nos momentos de crise que Habermas concede alguma capacidade de influência à sociedade civil. O filósofo nâo vislumbra uma participaçâo mais efetiva desta ou mesmo experimentos democráticos que redesenhem as relaçôes entre Estados e cidadâos.
O argumento, em suma, é o de que o principal filósofo deliberacionista teria cedido demais ao liberalismo. Habermas aceitaría elementos centrais "do sistema político liberal, tais como eleiçôes, o poder normativo do legislativo e a estrutura administrativa para implementá-lo" (Pereira, 2010, p. 10). Para lembrar uma clássica frase de Adorno e Horkheimer (1985), é como se Habermas mudasse a indumentária da sempre semelhante democracia liberal, que legitima diversas formas de opressâo do mundo atual.
Dryzek (2000b, p. 80) aponta, ainda, que muitos liberáis teriam se declarado deliberacionistas porque os principios deliberativos ajudam a justificar direitos liberáis. Além disso, processos de formaçâo e revisâo da constituiçâo sâo pensados pelos liberáis como alicerçados em intercámbios argumentativos. É isso que teria levado autores como Rawls, Ackerman e Estlund a se interessarem pela deliberaçâo.
No mesmo esteio, Faria tem refletido sobre o processo de aproximaçâo dos deliberacionistas com o liberalismo. De acordo com a pesquisadora, "para acomodar conceitos como autointeresse, poder e conflito e outras formas de comunicaçâo que nâo só o discurso, mas também a barganha, esta teoria tem se distanciado dos pressupostos que a orientava" (Faria, 2010, p. 1). A busca por um modelo mais realista teria enfraquecido o teor crítico que alicerçava o modelo. Isso seria patente na proposta de sistema deliberativo defendida por Mansbridge (1999; 2007), no modelo integrado de deliberaçâo de Hendriks (2006) e na ideia de um sequenciamento de etapas deliberativas advogada por Goodin (2005).
Transformada em uma prática mais informal, que envolve diferentes modalidades comunicativas e diversas arenas sociais, o "objetivo da deliberaçâo passa a ser [...] clarear o conflito e tentar conformá-lo e, nâo mais, a busca do consenso em torno do bem-comum" (Faria, 2010, p. 7). Ao descartar a ideia de bem-comum e atentar para a necessidade de acordos entre posiçôes inconciliáveis, a política voltaria a ser concebida como luta de interesses divergentes. Assim, Faria ressalta que a deliberaçâo tornou-se muito próxima "daquilo que podemos chamar de pluralismo de segunda geraçâo e/ou neo-corporativismo que enfatizam a importância da atividade e da dinámica de grupos de interesse para a democracia" (Faria, 2010, p. 14). O giro do giro deliberativo, como o nomeia a pesquisadora, enfraqueceria sua potencialidade crítica, reduzindo o horizonte normativo apregoado pelos deliberacionistas clássicos.
A guiñada empírica aproximou a abordagem deliberacionista da teoria tradicional
O terceiro eixo de distinçâo entre o viés deliberacionista e a tradiçâo frankfurtiana também está ligado a este giro do giro deliberativo diagnosticado por Faria. No entanto, o foco, aqui, nâo recai na convergéncia política entre o pluralismo e o deliberacionismo, mas envolve uma questäo epistemológica. Ao operacionalizar-se empíricamente, o modelo deliberacionista nâo só se tornou mais realista, mas também adotou premissas e estratégias típicas da teoria tradicional.
A guiñada empírica da teoria deliberativa nos anos 2000 é marcada por um crescente número de trabalhos dedicados à produçâo de operadores, escalas, métodos e softwares voltados à análise de processos deliberativos (Black et al, 2009; Bächtiger et al, 2009; Dryzek, 2008; Thompson 2008; Stromer-Galley, 2007; Rosenberg, 2005). Tais estudos buscam compreender os padröes de funcionamento da deliberaçâo no mundo real, aplicando o denso quadro normativo deliberacionista ao estudo de práticas diversas.
Ainda que fóruns deliberativos configurem-se como um objeto privilegiado de pesquisa3, muitas investigaçôes voltam-se para o estudo de conversaçôes políticas informais4, dos meios de comunicaçâo5 e de debates parlamentares5. A internet, com suas salas de bate-papo, fóruns, blogs e redes sociais, também tem se mostrado um objeto atraente7. Black e seus colaboradores (2009) indicam que, entre os métodos mais frequentemente empregados em tais estudos, estâo os surveys, as entrevistas, a análise de dados indiretos e a análise de discussâo, na quai se inserem análises de conteúdo e de discurso.
Neste artigo, seria impossível fazer um mapeamento detalhado das nuances e idiossincrasias dos diferentes estudos. Gostaria de chamar a atençâo, contudo, para um objetivo comum a muitos deles: a mensuraçâo da deliberatividade de fragmentos do tecido social. Grande parte das investigaçôes busca estudar interlocuçôes ou arenas discursivas específicas a fim de avahar quâo próximas se encontram dos procedimentos deliberativos. Conceitos caros aos deliberacionistas, como inclusäo, reciprocidade e publicidade, servem de base à estruturaçâo de livros de códigos para a análise concreta de fenómenos sociais.
Uma metodología de mensuraçâo de deliberatividade que tem ganhado grande projeçâo é o Discourse Quality Index (DQI). Desenvolvido por Steenbergen e seus colaboradores (2003) a partir da ética do discurso habermasiana, o instrumento oferece um detalhado livro de códigos para micro- análises comparativas8. Outra tentativa interessante de construçâo de um instrumento de mensuraçâo de deliberatividade foi proposta por Wessler (2008) para a análise de debates políticos nos meios de comunicaçâo. O pesquisador alemâo também defende uma abordagem comparativa, voltando-se para a compreensâo do impacto de diferentes sistemas de comunicaçâo sobre a deliberaçâo.
Mas como essa guiñada empírica pode contribuir para o afastamento da teoria deliberacionista de suas raízes frankfurtianas? Nâo é meu intuito afirmar que a pesquisa empírica é inviável dentro do marco filosófico crítico. Tampouco ousaria apregoar que o pensamento especulativo pode desprender-se de diagnósticos empíricamente fundamentados. A questâo é que a análise de deliberatividade tem se configurado, frequentemente, nos moldes da ciencia tradicional.
A preocupaçâo com o método sobrepöe-se, sistemáticamente, aos conceitos e problemas de pesquisa. Busca-se mensurar o mundo exaustivamente por meio de modelos estatísticos, a partir dos quais se extraem, por induçâo, generalizaçôes teóricas sobre o funcionamento da deliberaçâo. Os propósitos dessas mensuraçôes, e mesmo os elementos que as fundamentam, nem sempre sâo bem delimitados. Eliminam-se atributos importantes, como a sinceridade dos interlocutores, o grau de visibilidade das discussöes9 e as especificidades culturáis de diferentes localidades. Negligencia-se que o que é uma "boa" deliberaçâo pode variar de um contexto para outro10. Mensurar processos distintos com categorías pré- definidas pode engessar a análise e negligenciar modalidades deliberativas diversas.
Observa-se que, pouco a pouco, a teoria deliberacionista teria deixado de se configurar como um horizonte normativo que possibilita uma análise crítica do mundo para se transformar em um instrumento de descriçâo da realidade. O foco exclusivo na mensuraçâo de deliberatividade - a obsessâo em testar a hipótese da existéncia da deliberaçâo - tem cerceado a realizaçâo de outros tipos de estudos que nâo buscam descrever o mundo, mas refletir, criticamente, sobre ele. Assim, a guiñada empírica alterou nâo apenas as definiçôes da democracia deliberativa, mas alguns de seus propósitos.
Há que se perceber, ainda, que os resultados dessas investigaçôes parecem alimentar, em alguns casos, a ordem existente. Em primeiro lugar, nota-se que a maioria das pesquisas indicam que o mundo real está aquém dos ideáis deliberativos, em um pessimismo esvaziado que alimenta conformismo ou utopia, ambos destituidos de natureza crítica. Em segundo lugar, observam-se os estudos que depositam grande esperança em pequeños fragmentos de deliberatividade, nâo percebendo muitas das injustiças profundas que marcam as democracias liberáis contemporáneas. Em terceiro lugar, vale lembrar, com Hendriks e Carson (2008), que muitos estudos empíricos nâo estâo a serviço do aprofundamento democrático11. 0 uso administrativo de tais pesquisas mostra-se fundamental para a manutençâo do mercado de processos, consultorias e softwares que tem metas muito mais quantificáveis do que a promoçâo do debate entre cidadâos. A mercantilizaçâo da democracia deliberativa evidencia como essa teoria foi colonizada pela lógica do mercado, contribuindo para a manutençâo de práticas opressivas que a Teoria Crítica sempre buscou suprimir.
Entre aproximaçôes e distanciamentos
Apresentados très eixos argumentativos que reivindicam a existência de um hiato entre teoria deliberacionista e o legado frankfurtiano, faz-se preciso, agora, enfrentar a indagaçâo que move o presente artigo: a democracia deliberativa é uma teoria crítica? Com o perdâo da zona de conforto, a resposta é: sim e nâo. Mantenho o argumento de que há distinçôes fundamentáis entre a abordagem deliberacionista e o pluralismo liberal e reafirmo que a deliberaçâo pode ser eficiente na superaçâo de assimetrias, mas devo reconhecer que a teoria deliberacionista nâo é inteiramente fiel à tradiçâo crítica.
No que concerne ao primeiro eixo argumentativo sobre a distinçâo originária entre Democracia Deliberativa e Teoria Crítica, julgo-o, em grande medida, inadequado. O modelo deliberacionista de democracia nâo é contrário ao agonismo, nem fecha os olhos para as profundas assimetrias que marcam as comunidades políticas (Mansbridge et al, 2010; Dryzek & Niemeyer, 2006; Bohman, 1996). Interesse e poder sâo conceitos úteis à matriz deliberacionista, ajudando a descortinar práticas opressivas e a refletir sobre a possibilidade de superaçâo délas. Aliás, o foco no debate argumentativo implica o reconhecimento de que os jogos de força existentes nâo devem ditar o rumo das decisöes, o que ocorre, por definiçâo, ñas barganhas do liberalismo pluralista.
Desse modo, nâo é paradoxal falar em negociaçôes deliberativas. A questâo é que tais negociaçôes devem ser nâo-coercitivas (Mansbridge et al, 2010). O autointeresse tampouco precisa ser deixado de lado nessa teoria, como o evidenciam, coletivamente, alguns dos expoentes do modelo: "qualquer ideal do político, de democracia legítima e de democracia deliberativa deve incluir o autointeresse e conflitos entre interesses de modo a reconhecer e celebrar, no ideal em si mesmo, a diversidade de seres humanos livres e iguais" (Mansbridge et al, 2010, p. 69). De acordo com eles, o autointeresse é importante para a deliberaçâo tanto porque provê informaçôes sobre o bem-comum e sobre o conflito em questâo, como porque alimenta diversas formas frutíferas de acordo. A "asserçâo e busca do autointeresse é, em muitos casos, necessária para construir uma negociaçâo justa e plenamente cooperativa" (Mansbridge et al, 2010, p. 75).
É exatamente esse reconhecimento do poder e do interesse que abre o segundo eixo argumentativo exposto no presente artigo. É curioso que alguns autores que salientam a progressiva aproximaçâo entre deliberacionistas e neopluralistas reconheçam que a preocupaçâo com a dimensâo do poder já estava dada ñas discussöes origináis de Habermas (Faria, 2010). Nesse sentido, o giro do giro parece conduzir, como o proprio nome sugere, ao ponto de partida, sem que se note uma alteraçâo profunda ñas premissas trabalhadas. Ao salientar a questâo do poder e do interesse, os deliberacionistas nâo se distanciam de seus alicerces, mas parecem clareá-lo.
Com isso, näo quero dizer que a deliberaçâo sempre foi um nome sofisticado para a defesa do pluralismo liberal. Ao contrário, reafirmo que a deliberaçâo foi (e continua a ser) distinta dele. A diferença básica entre as duas abordagens reside na compreensäo dos atores políticos e da formaçâo dos interesses. Fundada na açâo comunicativa habermasiana, a abordagem deliberacionista questiona a filosofía da consciência e o individualismo metodológico, que sâo essenciais ao liberalismo. Como percebe Rosenberg, para um importante conjunto de deliberacionistas, o pensamento nâo é uma atividade que se processa na mente do individuo, mas algo que emerge da "interaçâo entre vários sujeitos e das conexöes estabelecidas no percurso dessa afetaçâo recíproca" (Rosenberg, 2007, p. 12). A premissa do modelo deliberacionista é a de que as preferências e os interesses dos atores sâo continuamente alterados na medida em que se veem atravessados ou confrontados por outros discursos. Por isso, a política nâo se reduz à competiçâo de preferências. A política brota da propria construçâo intersubjetiva dos sujeitos e de suas preferências.
Isso nâo significa que todos os atores sociais sejam gentis e benevolentes a ponto de abrir mâo de seus interesses12. A questâo é que os próprios sujeitos sâo entendidos como produtos de uma intersubjetividade fundante, que é discursivamente atualizada. Interesses e preferências nâo sâo simplesmente expressos para que alguma instáncia mediadora busque conciliá-los publicamente. Sem deixar de ser agonística, a esfera pública deliberativa nâo se restringe a um espaço de choque entre preferências pré-estabelecidas. Sua funçâo é mais estrutural e envolve a propria formaçâo de valores, preferências e atores sociais. Essa é uma diferença fundamental em relaçâo à teoria pluralista.
Nesse sentido, o reconhecimento de que diferentes formatos comunicacionais podem ser úteis à deliberaçâo, bem como a defesa de que processos deliberativos podem ocorrer de forma dispersa no tempo e no espaço, nâo significa uma concessâo ao liberalismo. Essa adaptaçâo da comunicaçâo a contextos específicos de enunciaçâo nâo leva, necessariamente, a uma perda da dimensâo crítica. A construçâo de uma teoria atenta ao contexto em que opera é premissa essencial da tradiçâo crítica que nunca se propos a projetar horizontes normativos irrealizáveis. É exatamente por isso que Habermas (1997) faz questâo de salientar a riqueza da tensâo entre a normatividade e a facticidade. O que se nota é uma aproximaçâo com o pragmatismo filosófico que, aliás, tem ajudado a revitalizar o legado frankfurtiano.
Por outro lado, e ainda no que concerne ao segundo eixo argumentativo explorado neste artigo, é preciso ter cautela com a disposiçâo de alguns deliberacionistas para acatar as instituiçôes liberáis. A falta de imaginaçâo política pode levar a uma aceitaçâo da democracia como ela se encontra, em evidente contradiçâo com a tradiçâo crítica. A estruturaçâo de um mundo mais justo e menos opressivo requer a reflexâo constante sobre os formatos institucionais mais adequados à garantía da participaçâo coletiva, bem como sobre o sistema político-económico que os envolve.
Nessa mesma linha, é preciso ter cuidado com estudos que ressaltam que a deliberaçâo pública já existe de uma forma dispersa em fragmentos midiáticos. Nâo se deve perder de vista que Habermas (1983; 1997; 2006) manteve uma visâo ambivalente em relaçâo aos media, apontando diversos constrangimentos que bloqueiam as promessas tecnológicas. Estudos que ressaltam a potencialidade deliberativa dos medía d escort i nam pontos interessantes do funcionamento democrático, mas nâo devem ser usados para justificar a ordem existente e restringir a transformaçâo social.
Se, de fato, a tendência de alguns pesquisadores em aceitar a democracia existente evidencia uma perda do teor crítico, isso nâo é consequência imediata e necessária da matriz teórica sob análise. Tanto que Dryzek consegue distinguir, no interior da familia deliberacionista, uma abordagem liberal e uma abordagem crítico-discursiva:
"É importante resistir à assimilaçâo da democracia deliberativa ao constitucionalismo liberal e recuperar a democracia discursiva como uma alternativa que é mais insistentemente crítica nao apenas às constituiçôes liberáis, mas, sobretudo, às estruturas do Estado e à economía política de que tais constituiçôes fazem parte" (Dryzek, 2000b, p.81).
Para manter a abordagem deliberacionista vinculada ao legado crítico, seria essencial submeté- la ao processo dialético, prescrito por Horkheimer. Essa redialetizaçâo da teoria deliberacionista depende, em grande medida, da consolidaçâo de novas diretrizes empíricas. A acomodaçâo de alguns deliberacionistas ao liberalismo caminha de mäos dadas com a tendência de realizaçâo de pesquisas administrativas, cujo objetivo é mensurar a deliberatividade de fragmentos de realidade. É, pois, nesse terceiro eixo que nota-se o distanciamento mais profundo da abordagem deliberacionista em relaçâo à tradiçâo crítica. Curiosamente, trata-se do eixo menos discutido pelos críticos da deliberaçâo, que parecem aceitar a acomodaçâo deliberacionista aos surveys e métricas da ciéncia tradicional.
Para evitar erros de interpretaçâo, faço questâo de reiterar que o problema nâo é a pesquisa empírica em si. O ponto, repito, sâo as premissas epistemológicas que vêm marcando as investigaçôes. O foco na descriçâo e na mensuraçâo do mundo opera com um paradigma pouco frutífero para a realizaçâo dos ideáis frankfurtianos. A acomodaçâo de pesquisadores deliberacionistas à matriz positivista nâo engendra um giro do giro, mas uma virada unilateral que dificulta a leitura crítica do mundo e a reflexâo em torno de possibilidades emancipatórias.
A dimensâo epistemológica é fundante da Teoria Crítica. Nesse sentido, ressalto a riqueza da utilizaçâo da teoria deliberacionista nâo como uma hipótese a ser confrontada com a deliberatividade do mundo, mas como uma matriz teórica complexa para a reflexâo sobre fenómenos sociais e para a proposiçâo de uma renovaçâo do funcionamento da democracia. Matriz esta que ajuda a criticar as relaçôes de poder existentes e a pensar as condiçôes para a superaçâo da opressâo. Argumento, assim, que o revigoramento da agenda de pesquisa nessa área, com a alteraçâo de objetivos e métodos, pode reconectar a teoria deliberacionista ao legado frankfurtiano, contribuindo para a sua permanente renovaçâo.
Essa reconexâo implicaría um diálogo mais estável entre as tradiçôes. A instabilidade da relaçâo entre a teoria deliberacionista e a herança crítica advém das várias dimensöes de aproximaçâo e distanciamento entre elas. Meu argumento é que uma operacionalizaçâo metodológica distinta da abordagem deliberativa solidificaría o laço original entre as tradiçôes, fomentando uma teoria democrática normativamente radical, capaz de impulsionar uma agenda política emancipatória.
A proficuidade desse diálogo mais estável está relacionada à possibilidade de uma mútua revisâo, que, simultáneamente: 1) democratize a Teoria Crítica; e 2) ressalte a dimensâo contestatória de um debate público que toma corpo em práticas comunicativas diversas. A crítica recíproca entre deliberaçâo e Teoria Crítica possibilita o deslocamento das fronteiras de ambas, ressignificando-as.
0 primeiro aspecto supramencionado se liga às contribuiçôes que a teoria deliberativa traz à tradiçâo frankfurtiana. A primeira geraçâo da escola nâo possuía uma clara teoria democrática, mesmo porque era extremamente cética em relaçâo às instituiçôes liberal-burguesas das democracias da primeira metade do século XX. Embora defendesse a centralidade da liberdade e da autodeterminaçâo, muitos frankfurtianos da primeira geraçâo foram acusados de certo elitismo que se contrapunha ao igualitarismo marxista que advogavam. A guiñada proposta por Habermas, da quai se origina o deliberacionismo, cria as bases para a estruturaçâo de uma teoria democrática consistente e coerente, que abre novas agendas para a Teoria Crítica. Agendas essas que tornaram a Teoria Crítica uma ferramenta mais útil para a compreensâo dos fenómenos políticos do final do século XX, e para a proposiçâo da emancipaçâo possível nesse cenário. A crescente atençâo de deliberacionistas críticos à transnacionalizaçâo da democracia é uma ilustraçâo nesse sentido, como evidenciam trabalhos do proprio Habermas (2001), de Dryzek (2006) e de Bohman (2007).
O segundo aspecto diz respeito à manutençâo da dimensâo radicalmente contestatória da teoria deliberacionista de democracia, que nâo nasceu como abordagem para descrever as instituiçôes democráticas existentes, mas como perspectiva normativa que nunca se quis utópica. O legado crítico é a base da vitalidade emancipatória de que depende a normatividade deliberativa. Isso porque impulsiona a revisibilidade interna da propria teoria deliberativa, levando-a a repensar alguns de seus elementos essenciais. Nota-se, nesse sentido, toda uma literatura recente que tem mostrado a crescente preocupaçâo de deliberacionistas em pensar aspectos fundamentáis para a conformaçâo de um viés capaz de questionar as opressöes estruturais do mundo contemporáneo.
Ressalta-se, aqui, a maior atençâo ao papel democrático das emoçôes (Mansbridge, 1999; Dryzek, 2000a; Dahlberg, 2005; Parkinson, 2006; Thompson, 2008; Mendonça, 2011). Deliberacionistas têm salientado a centralidade das paixôes ñas lutas de atores críticos e sua conséquente releváncia na propulsâo da democracia deliberativa (Young, 2000; Medearis, 2004; Mansbridge et al, 2010). Também merece destaque a pluralizaçâo das formas comunicativas aceitas pelos deliberacionistas, o que foi essencial para a democratizaçâo da propria teoria. Young (1996) foi a precursora desse movimento, ao chamar a atençâo para a importáncia de narrativas, cumprimentos e retórica. Logo, tal ideia viu-se amplificada com alguns estudos empíricos sobre testemunhos, como o de Black (2008), e com o aprofundamento da discussâo sobre retórica, que marca uma aproximaçâo dos deliberacionistas a Aristóteles (Dryzek, 2010; Chambers, 2009). Chambers (2009), particularmente, faz questâo de enfatizar como essa reaproximaçâo com a retórica é essencial para que a teoria deliberacionista mantenha-se crítica, já que o foco específico no desenho de microinstituiçôes deliberativas ou no teste da deliberatividade nâo daria conta de gerar os debates efetivamente públicos necessários à emancipaçâo de sociedades complexas.
Obviamente, tais exemplos nâo visam esgotar a discussâo dos recentes rumos da teoria deliberacionista. Meu intuito foi chamar a atençâo para a proficuidade de um diálogo estável entre Teoria Crítica e deliberaçâo, que fomente a elaboraçâo de uma teoria democrática radicalmente preocupada com a construçâo de um mundo mais justo. As correçôes mútuas entre ambas as perspectivas teóricas e a construçâo de operacionalizaçôes empíricas atentas a essas correçôes têm, pois, relevância nâo apenas científica, mas também política.
1 Urna versäo deste artigo foi apresentada ao Grupo de Trabalho (GT) "Comunicaçâo e Política" do XX Encontro da Compós, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (Brasil), de 14 a 17 de junho de 2011. As pesquisas que embasam este artigo receberam apoio da PRPq (Universidade Federal de Minas Gérais), do CNPq (Processo: 476130/2011-5) e da Fapemig (Editai 01/2011/Processo: SHA * APQ-00544-11) A essas instâncias, sou grato pelo financiamento. Também sou grato a Victor Guimaräes, Débora Bráulio e Jonas Guerzoni pelos vários e inspiradores debates sobre Teoria Crítica.
2 Para ricas apresentaçoes da historia do Instituto de Pesquisa Social, ver: Wiggershaus (2002); Jay (1996); Wheatland (2009); Nobre (2004; 2008); Duarte (2002).
3 Cf. Cornwall e Coelho (2009); Gastil e Levine (2005); Fung e Wright (2003).
4 Polletta (2008), Conover & Searing (2005).
5 Cf. Wessler (2008), Ettemma (2007), Maia (2008).
5 Cf. Bächtiger et al (2009), Steenbergen et al (2003).
7 Cf. Wales et al (2010); Davies & Gangadharan (2009); Xenos (2008); Graham & Witschge (2003).
8 O DQI tem sido revisado e alterado pelos pesquisadores, como explicitam Bächtiger et al (2009).
9 Gomes (2008) critica muitos estudos deliberacionistas que se contentam com a mensuraçâo da discutibilidade de fragmentos interacionais sem abordar a visibilidade de tais debates.
10 O sarcasmo e a ironia, por exemplo, sao mais fortes em algumas culturas e nem sempre indicam desrespeito.
11 Nâo me refiro, aqui, às pesquisas de Steenbergen et al (2003) e de Wessler (2008).
12 A esse respeito, ver Mendonça e Santos (2009).
Referencias Bibliográficas
Adorno, T. W.; Horkheimer, M. Dialética do esclarecimiento-, fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: J. Zahar Editor, 1985.
Bachtiger, A.; Shikano, S.; Pedrini, S.; Ryser, M. "Measuring Deliberation 2.0: Standards, Discourse Types, and Sequenzialization". Trabalho apresentado em ECPR General Conference. Potsdam, 5-12 Sept. 2009.
Black, L. W. "Deliberation, Storytelling, and Dialogic Moments". Communication Theory, vol. 18, n° 1, p. 93-116, Feb. 2008.
_____.; Urkhalter, S.; Gastil, J.; Stromer-Galley, J. "Methods for Analyzing and Measuring Group Deliberation". In: Holbert, L. (Ed.). Sourcebook of Political Communication Research: Methods, Measures, and Analytical Techniques. New York: Routledge, 2009.
Bohman, J. Deliberation: pluralism, complexity and democracy. Cambridge: MIT, 1996.
_____. Democracy across borders: from Démos to Dêmoi. Cambridge: The MIT Press, 2007.
Carnaúba, M. E. C. "Sobre a distinçâo entre teoria tradicional e teoria crítica em Max Horkheimer". Kinesis, II (03), p. 195-204, 2010.
Chambers, S. "Rhetoric and the Public Sphere: has deliberative democracy abandoned mass democracy?" Political Theory vol. 37, n° 3, p. 323-350, 2009.
Conover, P. J; Searing, D. D. "Studying 'Everyday Political Talk' in the Deliberative System". Acta Poiitica, International Journal of Political Science, vol. 40, n° 3, p. 269-283, 2005.
Cornwall, A.; Coelho, V. S. Novos espagos democráticos-, perspectivas internacionais. Sâo Paulo: Editora Singular, 2009.
Dahlberg, L. "The habermasian public sphere: taking difference seriously?" Theory and Society, vol. 34, n° 2, p. 111- 136, 2005.
Davies, T; Gangadhran, S. P. (Orgs.). Online Deliberation: Design, Research, and Practice. Chicago: University of Chicago Press, 2009.
Dean, J. "Why the net is not a public sphere". Constellations, vol. 10, n° 1, p. 95-112, 2003.
Dryzek, J. S. Deliberative Democracy and Beyond: liberals, critics, contestations. New York: Oxford University Press, 2000a.
_____. Discursive democracy vs. liberal constitutionalism. In: Saward, M. (ed.). Democratic innovation. Londres: Routledge, p. 78-89, 2000b.
_____. Deliberative Global Politics: Discourse and democracy in a divided world. Cambridge: Polity Press, 2006.
_____. "The empirical turn in deliberative democracy". Trabalho apresentado em Theory and practice of deliberative democracy workshop, ANU, Canberra, 7-8 fev. 2008.
_____. "Rhetoric in Democracy: A Systemic Appreciation". Political Theory-, vol. 38, n° 3, p. 319-339, 2010.
_____.; Niemeyer, S. "Reconciling pluralism and consensus as political ideals". American Journal of Political Science, vol. 50, n° 3, p. 634-649, 2006.
Duarte, R. Adornos: nove ensaios sobre o filósofo frankfurtiano. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1997.
_____. Adorno/Horkheimer & A Diaiética do Esciarecimento. RJ: Jorge Zahar, 2002.
Ettema, J. S. "Journalism as reason-giving: deliberative democracy, institutional accountability, and the News Media's Mission". Political Communication, vol. 24, n° 2, p. 143-160, 2007.
Faria, C. F. "Do ideal ao real: as consequências das mudanças conceituais na teoria da democracia deliberativa". 7o Encontro da ABCP, Recife, 4 - 7 ago. 2010.
Fraser, N. Rethinking the Public Sphere: a contribution to the critique of actually existing democracy. In: During, S. (ed.). The Cultural Studies Reader. Londres: Routledge, p. 518-536, 1999.
Fung, A; Wright, E. (eds.). Deepening Democracy. Londres/NY: Verso, 2003.
Gastil, J; Levine, P. (eds.). The deliberative democracy handbook: strategies for effective civic engagement in the twenty-first century. San Francisco: Jossey-Bass, 2005.
Gomes, W. Esfera Pública Política e Comunicaçâo em Direito e Democracia de Jürgen Habermas. In: Gomes, W.; Maia, R. (eds.). Comunicaçâo e Democracia. SP: Paulus, p. 69-115, 2008.
Goodin, R. E. "Sequencing Deliberative Moments". Acta Política, International Journal of Political Science, vol. 40, n° 2, p. 182-196, 2005.
Graham, T; Witschge, T. "In search of online deliberation: Towards a new method for examining the quality of online discussions". Communications, vol. 28, n° 2, p. 173-204, 2003.
Habermas, J. The Theory of Communicative Action, Volume 1: Reason and the rationalization of society. Boston: Beacon Press, 1983.
_____. The Theory of Communicative Action, Volume 2: Lifeworld and system - a critique of functionalist reason. Boston: Beacon Press, 1987.
_____. Direito e Democracia: entre a facticidade e a validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
_____. A consteiaçâo pós-nacional. Sâo Paulo: Littera Mundi, 2001.
_____. "Political Communication in Media Society: Does Democracy Still Enjoy an Epistemic Dimension? The Impact of Normative Theory on Empirical Research". Communication Theory, vol. 16, n° 4, p. 411-426, 2006.
Hendriks, C. M. "Integrated Deliberation: Reconciling Civil Society's Dual Role in Deliberative Democracy". Political Studies, vol. 54, n° 3, p. 486-508, 2006.
_____.; Carson, L. "Can the market help the forum? Negotiating the commercialisation of deliberative democracy". Policy Sciences, vol. 41, n° 4, p. 293-313, 2008.
Honneth, A. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Sao Paulo: Ed. 34, p. 7-19, 2003.
Horkheimer, M. "Teoria Tradicional e Teoria Crítica". In: Coieçâo Os pensadores. Sao Paulo: Abril Cultural, p. 125-162, 1975a.
_____. "Filosofía e Teoria Crítica". In: Coieçâo Os pensadores. Sao Paulo: Abril Cultural, p. 163-169, 1975b.
Jay, M. The dialectical imagination: a history of the Frankfurt School and the Institute of Social Research 1923-1950. Berkeley: University of California Press, 1996.
Maia, R. C. M. (org.). Mfdia e Deliberaçâo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008.
Mansbridge, J. Everyday Talk in Deliberative System. In: Macedo, S. (ed.). Deliberative Politics-, essays on democracy and disagreement. NY: Oxford University Press, p. 211-239. 1999.
_____. "Deliberative Democracy or Democratic Deliberation?" In: Rosenberg, S. (org.). Deliberation, participation and democracy, can the people govern? NY: Palgrave, p. 251-271, 2007.
_____.; Bohman, J.; Chambers, S.; Estlund, D; Follesdal, A.; Fung, A.; Lafont, C.; Manin, B.; Marti, J.L. "The place of self-interest and the role of power in deliberative democracy". Journal of Political Philosophy, vol. 18, n° 1, p. 64-100, 2010.
Medearis, J. "Social movements and deliberative democratic theory". British Journal of Political Science, 35, p. 53-75, 2004.
Mendonça, R. F. "Reconhecimento e (quai?) deliberaçâo". Opiniâo Pública, vol. 17, n° 1, p. 206-227, 2011.
_____.; Santos, D. B. "A cooperaçâo na deliberaçâo pública: um estudo de caso sobre o referendo acerca da proibiçâo da comercializaçâo de armas de fogo no Brasil". DADOS * Revista de Ciências Sociais, vol. 52, n° 2, p. 507-542, 2009.
Miguel, L. F. "Representaçâo e interesses: uma crítica a Young e Urbinati". 7°Encontro da ABCP, Recife, 4-7 ago. 2010.
Mouffe, C. "Por um modelo agonístico de democracia". Revista de Sociología e Política, vol. 25, p. 11-23, 2005.
Nobre, M. Apresentaçâo. In: Honneth, A. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Sâo Paulo: Ed. 34, p. 7-19, 2003.
_____. A Teoria Crítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
_____. Curso Livre de Teoria Crítica. Campinas: Papirus, 2008.
Parkinson, J. Deliberating in the Real World: Problems of Legitimacy in Deliberative Democracy. Oxford: Oxford University Press, 2006.
Pereira, M. A. "Movimientos sociais e democracia: a tensäo necessária". Texto apresentado no V. Congresso Latino Americano de Ciéncia Política, Buenos Aires, 28-30 jul. 2010.
Polletta, F. "Just Talk: Public Deliberation after 9/11". Journal of Public Deliberation, vol. 4, n° 1, p. 1-22, 2008.
Rosenberg, S. "The Empirical Study of Deliberative Democracy: Setting a Research Agenda". Acta Política, International Journal of Political Science, vol. 40, n° 2, p. 212-224, 2005.
_____. An introduction: Theoretical perspectives and empirical research on deliberative democracy. In:
_____. Deliberation, participation and democracy, can the people govern? New York: Palgrave MacMillan, p. 1-25, 2007.
Sanders, L. "Against Deliberation". Political Theory, vol. 25, n° 3, p. 347-376, 1997.
Shapiro, I. Enough of deliberation: Politics is about interests and power. In: Macedo, S. (ed.). Deliberative Politics: essays on democracy and disagreement. Nova York / Oxford: Oxford University Press, p. 28-38, 1999.
Steenbergen, M. R.; Bächtiger, A.; Spörndli, M.; Steiner, J. "Measuring deliberation: a discourse quality index". Comparative European Politics, vol. 1, n° 1, p. 21-48, 2003.
Stromer-Galley, J. "Measuring Deliberation's Content: A Coding Scheme". Journal of Public Deliberation, vol. 3, n° 1, p. 1-35, 2007.
Thompson, D. "Deliberative Democratic Theory and Empirical Political Science". Annual Review of Political Science, 11, p. 497-520, 2008.
Wales, C.; Cotterill, S.; Smith, G. "Do citizens 'deliberate' in on-line discussion forums? Preliminary findings from an internet experiment". 60th Political Studies Association Conference, Edinburgh, 2010.
Wessler, H. "Investigating deliberativeness comparatively". Political Communication, vol. 25, n° 1, p. 1-22, 2008.
Wheatland, T. The Frankfurt School in Exile. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2009.
Wiggershaus, R. A Escola de Frankfurt Historia, desenvolvimento teórico, sign if icaçâo política. Rio de Janeiro: DIFEL, 2002.
Xenos, S. "New mediated deliberation? Blog and press coverage of the Alito nomination". Journal of Computer-mediated communication, vol. 13. n° 2, p. 485-503, 2008.
Young, I. Communication and the Other: beyond deliberative democracy. In: Bebhabib, S. (ed.). Democracy and difference: contesting the boundaries of the political. Princeton: Princeton University Press, p. 120-135, 1996.
_____. Inclusion and Democracy. Oxford: Oxford University Press, 2000.
_____. Activist Challenges to deliberative democracy. In: Fishkin, J.; Laslett, P. (eds.). Debating deliberative democracy. Maiden: Blackwell, p. 102-120, 2003.
Ricardo Fabrino Mendonça
Departamento de Ciência Política
Universidade Federal de Minas Gérais
Ricardo Fabrino Mendonça - [email protected]
Submetido à publicaçâo em março de 2012.
Aprovado para publicaçâo em junho de 2012.
You have requested "on-the-fly" machine translation of selected content from our databases. This functionality is provided solely for your convenience and is in no way intended to replace human translation. Show full disclaimer
Neither ProQuest nor its licensors make any representations or warranties with respect to the translations. The translations are automatically generated "AS IS" and "AS AVAILABLE" and are not retained in our systems. PROQUEST AND ITS LICENSORS SPECIFICALLY DISCLAIM ANY AND ALL EXPRESS OR IMPLIED WARRANTIES, INCLUDING WITHOUT LIMITATION, ANY WARRANTIES FOR AVAILABILITY, ACCURACY, TIMELINESS, COMPLETENESS, NON-INFRINGMENT, MERCHANTABILITY OR FITNESS FOR A PARTICULAR PURPOSE. Your use of the translations is subject to all use restrictions contained in your Electronic Products License Agreement and by using the translation functionality you agree to forgo any and all claims against ProQuest or its licensors for your use of the translation functionality and any output derived there from. Hide full disclaimer
Copyright Universidade Estadual de Campinas, Centro de Estudos de Opinião Pública-CESOP Jun 2013
Abstract
This paper discuss the relationship between deliberative approaches of democracy and critical theory. In order to do so, it presents three arguments that suggest a deep distinction between these two theoretical traditions: 1) Deliberation reinforces existent forms of domination; 2) Deliberation has accepted the existent democratic liberal institutions; 3) The empirical turn of deliberative literature has brought it closer to traditional theory. Based on these arguments, the article highlights the existence of an instable dialogue between the deliberative approach and the Frankfurtian legacy. [PUBLICATION ABSTRACT]
You have requested "on-the-fly" machine translation of selected content from our databases. This functionality is provided solely for your convenience and is in no way intended to replace human translation. Show full disclaimer
Neither ProQuest nor its licensors make any representations or warranties with respect to the translations. The translations are automatically generated "AS IS" and "AS AVAILABLE" and are not retained in our systems. PROQUEST AND ITS LICENSORS SPECIFICALLY DISCLAIM ANY AND ALL EXPRESS OR IMPLIED WARRANTIES, INCLUDING WITHOUT LIMITATION, ANY WARRANTIES FOR AVAILABILITY, ACCURACY, TIMELINESS, COMPLETENESS, NON-INFRINGMENT, MERCHANTABILITY OR FITNESS FOR A PARTICULAR PURPOSE. Your use of the translations is subject to all use restrictions contained in your Electronic Products License Agreement and by using the translation functionality you agree to forgo any and all claims against ProQuest or its licensors for your use of the translation functionality and any output derived there from. Hide full disclaimer