Resumo
As concepçôes dos educandos acerca de um tema, sob a perspectiva cognitivista de aprendizagem, exercem influência sobre os processos de construçao do conhecimento realizados pelo aprendiz. Assim, o conhecimento e a reflexao sobre as concepçôes discentes sao pontos importantes para a conduçao dos processos de ensino e de aprendizagem. Portanto, com base nesses pressupostos, o presente trabalho tem como objetivo apresentar uma análise das concepçôes dos alunos acerca do tema Imunologia e do tópico sistema imune humano (SIH) e suas relaçôes com o ensino e a aprendizagem do tema no contexto de um curso técnico de nivel médio de Enfermagem. Para tanto, realizamos uma pesquisa descritiva com abordagem qualitativa. Os dados foram coletados por meio de atividades diagnósticas, entrevistas, observaçôes e gravaçôes de áudio. As análises dos dados foram realizadas com base no método interpretativo hermenêutico, em consonância com a abordagem qualitativa. Mediante as análises foi verificada a atribuiçao majoritária de açôes bélicas ao SIH, como ataque e defesa destinados à proteçao do organismo contra a invasao de patógenos e/ou corpos estranhos. Foi identificada a crença de que os microrganismos sao inimigos e precisam ser vencidos por linfócitos, anticorpos e fagócitos. A presença da metáfora bélica nas respostas e nas falas dos alunos foi relacionada à compreensao dos fenómenos imunológicos ligados exclusivamente à manutençao da saúde como condiçao de isençao de corpos estranhos no organismo humano. Foi verificado um limitado conhecimento da fisiología do sistema imunológico na dinámica de interaçôes do organismo consigo mesmo e com componentes do ambiente em que este se encontra inserido. Apenas um dos 71 alunos participantes da pesquisa mencionou, indiretamente, a relaçao do SIH com o conceito homeostase, ou seja, como um sistema que atua na manutençao da estrutura (conservaçao da organizaçao) do organismo por meio do equilibrio metabólico dinámico. Com base nos resultados da investigaçao, sugerimos a necessidade da valorizaçao do ensino de Imunologia com abordagem biológica, sistêmica, homeostática e nao metafórica. Justificamos esta indicaçao em razao da relevância desse conhecimento para compreensao da saúde e das relaçôes estabelecidas entre o organismo e o ambiente, além da compreensao global do organismo e do conjunto de interaçôes internas e externas que atuam na manutençao da vida. Ademais, ressaltamos a sua importância para a tomada de decisao adequada à manutençao da saúde e do bem-estar físico, social e mental. Por fim, preconizamos a necessidade de realizaçao de um ensino que considere as concepçôes dos educandos e a influência dessas no processo de aprendizagem.
Palavras-Chave: Ensino de Imunologia; Concepçôes de alunos; Homeostase.
Abstract
Learner's conceptions about a theme, under the light of the cognitive learning process, influence the student's knowledge building process. Therefore, the awareness and reflection upon those learner's conceptions are important points to the orientation of teaching-learning processes. Thus, based on this assumption, this study aims to present an analysis regarding the conceptions of the students about Immunology and the human immune system (SIH) and its relations to the teaching and learning of this theme in the context of a nursing technical course. For this purpose, we developed a descriptive research with a qualitative approach. The data were collected through diagnostic activities, interviews, observations and audio recordings. The data analysis followed a hermeneutic interpretive method basis in line with the qualitative approach. It was verified the allocation of army actions to the immune system, such as attack and defense, aiming to protect the organism against the invasion of pathogens and/or foreign bodies. It was identified the belief that microorganisms are enemies and must be defeated by lymphocytes, antibodies and phagocytes. The presence of the war metaphor, in students' oral and written answers, was related to the understanding of the immunological phenomena exclusively connected with the maintenance of health through the elimination of foreign bodies from the system. It was verified the little knowledge of the immune system's physiology in the dynamic of the organism interactions with itself and also with the environment. Only one of the 71 students, who participated in the research, mentioned, indirectly, the relationship between immune system and the homeostasis concept, in other words, as a system acting to maintain the organism's structure (maintenance of organization) by a dynamic metabolic balance. Based on the results of the study, we suggest the need to improve the teaching of Immunology following a biological, systemic, homeostatic and non-metaphorical approach. We legitimate this indication due to the importance of this global knowledge to the understanding of health and the relations established with the body and the environment, in addition to a global understanding of the organism and the set of internal and external interactions that operate in maintaining life. Besides, we highlight the importance of decision making suited to keep health as well as physical, social and mental well-being. Finally, we suggest that this finding indicates the need of implementation of a teaching which considers the perceptions of learners on Immunology and the influence of those in the process of learning the subject.
Keywords: Education on Immunology; Students' conceptions; Homeostasis.
INTRODUÇÂO
Os estudos relacionados ao levantamento de concepçôes de educandos apresentam, sob a perspectiva cognitivista de aprendizagem, grande relevância para as escolhas e para a estruturaçâo de estratégias de ensino. Sob a óptica cognitivista construtivista, conhecer como o aluno concebe determinado tema é fundamental para o docente desenvolver situaçôes do evento educativo que auxiliem ao aluno aprender significativamente os conhecimentos científicos (Ausubel et al., 1980; Novak & Gowin, 1984; Ausubel, 2003; Moreira, 2011). Para isto, o ensino deve mediar a relaçâo entre os conhecimentos científicos e os conhecimentos e concepçôes do aprendiz, para ser capaz de ajudá-lo a conferir significado pessoal às asserçôes de conhecimentos compartilhadas e validadas pela Ciência (Driver et al., 1999; Brasil, 2008a).
Ademais, a concepçâo do educando acerca de um tema, sob a perspectiva cognitivista de aprendizagem, exerce influência sobre os processos de construçâo do conhecimento realizados pelo aprendiz. Assim, o conhecimento e a reflexâo sobre as concepçôes discentes sao pontos importantes para a conduçâo dos processos de ensino e de aprendizagem. Portanto, com base nesses pressupostos, diante de nossa preocupaçâo em desenvolver um ensino potencialmente significativo, e cientes da estruturaçâo curricular da Educaçâo Básica brasileira no modelo de aprofundamento e consolidaçâo dos conhecimentos (Brasil, 2006), o presente trabalho tem como objetivo apresentar uma análise das concepçôes dos alunos acerca do tema Imunologia e do tópico sistema imune humano (SIH) e suas relaçôes com o ensino e a aprendizagem do tema no contexto de um curso técnico de nivel médio de Enfermagem no qual atuamos. Destacamos que esse estudo trata-se de um recorte de um trabalho1 mais amplo acerca do ensino e da aprendizagem de Imunologia, este desenvolvido no contexto da pôs-graduaçâo em Ensino em Biociências e Saúde, Fiocruz/RJ.
Enfocamos o tema Imunologia por este agregar um conjunto de conhecimentos de grande relevância para compreensao da saúde e das relaçôes estabelecidas entre o organismo e o ambiente (Vaz et al., 2011). Essa área de conhecimento fornece explicaçôes para diversos fenómenos que ocorrem no corpo para a manutençâo de seu equilibrio em relaçâo ao seu entorno e consigo mesmo. Além disso, destaca-se o fato de a Imunologia se constituir como um campo essencial para a saúde pública, por instrumentalizar conceitualmente os discentes quanto aos conceitos relativos à dinámica da saúde, das patologías, da açâo dos medicamentos como os soros, as vacinas, os antialérgicos, etc.
Assim, entendemos que ensinar Imunologia em contexto escolar é, também, educar para a saúde. A aprendizagem da Imunologia e do SIH possibilita a construçâo de conhecimentos que podem resultar em mudanças de atitudes e construçâo de valores importantes para o estudante realizar escolhas de opçôes e tomar decisôes adequadas à sua saúde e ao bem-estar físico, social e mental. Na educaçâo, a formaçâo conceitual e o estabelecimento de relaçôes entre conceitos sâo pontos fundamentais para formaçâo do individuo, posto que a ausência de informaçâo incapacita e/ou dificulta a aprendizagem, a tomada de decisâo e, dessa forma, o exercício pleno da cidadania (Chassot, 2006).
A IMUNOLOGIA E O SISTEMA IMUNE2 HUMANO NA LITERATURA DIRECIONADA AO ENSINO
A Imunologia é apresentada, nos títulos voltados para o ensino na área biomédica, como uma ciência que se preocupa em investigar o conjunto de interaçôes, processos fisiológicos e de estruturas que constituem o sistema imune no organismo dos vertebrados mandibulados (Parham, 2001 ; Rosen & Geha, 2002; Parslow et al., 2004; Murphy et al., 2010; Levinson, 2010; Abbas et al., 2011 ; Forte, 2011).
De maneira geral, a Imunologia é entendida fisiologicamente, na literatura especializada, como apenas mais um aspecto da homeostasia global do organismo (Abbas et al., 2011 ; Vaz et al., 2011). A açâo do sistema imune é vista com o fito de manter o organismo isento, protegido e/ou defendido de substâncias estranhas e/ou de invasäo causada por outros organismos, potenciais causadores de doenças, provenientes do ambiente (Parham, 2001 ; Parslow et al., 2004; Murphy et al., 2010; Levinson, 2010; Abbas et al., 2011; Forte, 2011).
Siqueira-Batista et al. (2009) assinalam que os textos sobre Imunologia presentes nos títulos comumente adotados pelas escolas de Ensino Superior encontram-se inscritos, de maneira quase hegemónica, sob o paradigma metafórico marcial, belicoso e beligerante, inerente à concepçâo teórica usual da medicina ocidental.
De acordo com esta perspectiva, as açôes decorrentes das interaçôes que acontecem entre o hospedeiro e outro organismo (um microrganismo, por exemplo) sâo interpretadas como manobras de ataque e/ou de defesa para proteçâo. Assim, de acordo com esta concepçâo, os organismos "vivem em guerra", "num conflito armamentista" inter e intraorganismos. Neste contexto de competiçâo, ''vence" quem tiver as melhores "armas" e/ou estratégias (Siqueira-Batista et al., 2009; Vaz et al., 2011).
Segundo Vaz (2011a), "A "defesa" imunológica é um comentário legítimo que podemos fazer sobre o resultado de interaçôes do organismo com agentes infecciosos, mas como tal, ela pertence a nossa descriçâo, e nâo ao mecanismo operante no organismo observado" (p.153). É fundamental nâo confundir os mecanismos com o resultado da operaçâo desses mecanismos, já que a consequência da operaçâo está no futuro e, por isso, nâo pode servir de guia para as situaçôes que se passam no presente e tampouco para as pretéritas. Por isso, nâo se recomenda pensar, sob a perspectiva da visâo médica, na "defesa" imunológica como mecanismo e em suas metáforas "cognitivas" de reconhecimento e memória.
A atuaçâo do sistema imune como resultado de simples relaçôes causais tem sido questionada na literatura por alguns autores que apontam possibilidades de gestaçâo de novos modelos de compreensâo da atuaçâo deste sistema no organismo (Vaz & Faria, 1998; Siqueira-Batista et al., 2009). Segundo esta perspectiva, os eventos imunológicos sâo compreendidos como fenómenos biológicos de natureza sistêmica, dinámica, complexa e conservadora. As interaçôes imunológicas sâo interpretadas como resultantes das estruturas celulares e moleculares associadas ao sistema imune e ao organismo como um todo (Vaz & Pordeus, 2005). Estas resultam, como sugere Vaz (1999, 2011a), de sua dinámica estrutural e promovem a interaçâo entre estruturas e o processamento de materiais, como se o organismo se defendesse sem planejamento prévio e intencional. Dessa forma, a atuaçâo do sistema imune no contexto do organismo é entendida como uma vertente da dinámica fisiológica variável e relativamente constante de interaçao do organismo com ele mesmo e com o ambiente, para a manutençao da vida do organismo humano.
Concepçôes presentes na literatura, desde a década de 1960, têm sido apontadas como possibilidades e como referências para se pensar numa possível transiçao do paradigma marcial vigente na Imunologia para a construçao e afirmaçao de novas proposiçôes de cunhos fisiológicos. Como consequência, espera-se a instituiçâo de novos modelos de compreensao menos beligerantes e mais focados na compreensao da atuaçao do sistema imune dirigida à restauraçao do equilibrio perdido e/ou à manutençâo da estrutura e do equilibrio do organismo (Vaz, 1999; Siqueira-Batista et al., 2009).
Entre as alternativas teóricas para a compreensao do SIH, destacam-se as perspectivas da biología do viver de Humberto Maturana e da dinámica estrutural de Jorge Mpodozis. Entretanto, nota-se a prevalência, dentre a maioria dos imunologistas ditos "tradicionais", de uma visâo e de uma compreensao metafórica do sistema imune como de açao belicosa, defensiva e protecionista (Daniel-Ribeiro & Martins, 2009), apesar do progressivo entendimento dos fenómenos imunológicos como a tolerância, a presença de anticorpos (produçao de imunoglobulinas) em animais germ free e antigen free, a resposta e a memória imunes, além de as alergias e a inflamaçao estéril apontarem para açôes que nao se adequam e nao sao devidamente explicadas pelo paradigma protecionista (Vaz & Carvalho, 2009; Vaz et al., 2011).
Para Vaz (2011b), o sistema imune atua de forma sistêmica, vive à deriva em um presente continuamente variável e atua como referencia em seu devir histórico e nao como meta a um ponto determinado (defesa) no futuro. Essa proposiçao se opôe ao acaso e à aleatoriedade neodarwinista em prol de deriva natural do sistema em funçao de sua estrutura e pelos encontros estabelecidos pelo SI com o meio (organismo).
Para os imunologistas e os pesquisadores de vanguarda, a adoçao de ideias teleológicas de cunho protecionista surge somente para confundir os processos com os resultados que esses processos geram. Eles entendem a interpretaçao protecionista de natureza bélica como uma maneira de invocar o futuro para explicar o presente e como a materializaçao da tentaçao do pensar de forma finalista, fora da operacionalidade sistêmica e biológica (Botelho, 2011; Mpodozis, 2011a). Portanto, segundo Mpodozis (2011a), a defesa no contexto imunológico trata-se de uma metáfora ruim, como a que refere o gene como elemento que contém informaçao genética.
Em termos operacionais, as metáforas supracitadas, assim como a metáfora cognitiva (de reconhecimento, estranhamento e memória exercidos pelo SI) nao têm valor para a compreensao dos eventos biológicos porque nao se referem aos processos, às matrizes estruturais, operacionais e de situaçôes de complementaridade de eventos. Para Mpodozis (2011a) e Vaz (2011b), o conhecimento da matriz dos processos torna desnecessária a utilizaçao de metáforas explicativas.
Ademais, a metáfora bélica protecionista revela a abordagem do operar do SI apresentando o organismo como uma caixa preta, em que ocorrem processos ainda desconhecidos e na qual entram antígenos e saem anticorpos específicos. Vaz (2011c) destaca que esta proposiçao denota a influência da forma de pensar dominante, behaviorista (comportamentalista), na época do franco desenvolvimento imunoquímico da Imunologia. Os estudos deste tipo focam na pesquisa de estímulos e de respostas com o foco do olhar sobre as reaçôes de antígenos-anticorpos. Neste contexto, a percepçao do organismo como um todo é preterida, ou seja, nao é considerada, e, por isso, fica de fora deste tipo de estudo (Ramos, 2011a; Vaz, 2011a; Vaz, 2011c).
A Biologia e as suas subáreas de conhecimentos contemporáneas sao reducionistas. Em geral, estas se fixam em momentos e nao nas dinámicas da transformaçao e da conservaçao. Seus estudos nao contemplam os processos, focam somente os resultados. Por esta razao, segundo Mpodozis (2011b), a concepçao do organismo como caixa preta de conotaçao defensora impede a compreensao dos processos que geram os fenómenos que observamos.
Gregory Bateson (1987) alerta que nao podemos esquecer que essa caixa preta onde sao colocados os processos desconhecidos foi inventada por nós. Ela nao pertence à natureza e nem aos mecanismos naturais (Vaz, 2011c).
Ideias sistêmicas, históricas e nao protecionistas que defendem que o sistema imune é dinámico e que apresenta constante mudança estrutural (circulaçao de componentes) voltada para a conservaçao da dinámica estrutural estao presentes na literatura (Mpodozis, 2011a). De acordo com estas ideias, os organismos sao sistemas autopoéticos que se constroem e mantém a si mesmos, e, por esta razao, a dinámica do viver (montar, conservar e regenerar a forma do organismo) nunca cessa (Vaz, 2011a). Durante o viver, o corpo segue conservado. A sua forma se mantém, mas a constituiçâo (os seus componentes) se altera, ou seja, os componentes podem mudar de lugar e de atuaçâo (Ramos, 2011b). Todavía, a discussâo sobre essas ideias permanece restrita a um reduzido número de publicaçôes (Mpodozis, 2011a).
Desse modo, observa-se que, na literatura voltada para a apresentaçâo da Imunologia contemporánea, há duas fortes tendências: uma que apresenta, em geral, as pesquisas básicas e outra, as aplicadas. Estas se remetem ao período de instituiçâo da área e, consequentemente, à dicotomia existente entre as imunidades celular e humoral. Respectivamente, uma refere-se à bioquímica, representada pela Genética Molecular e pela Biologia Celular de linfócitos (células do sistema imune) e a outra, à base tecnológica, empenhada no desenvolvimento de novas vacinas (Vaz & Faria, 1998; Daniel-Ribeiro & Martins, 2009). Apesar da relevância para compreensâo da atuaçâo do sistema imune, a busca por proposiçôes e a construçâo de teorias de cunho biológico aparecem na literatura de forma discreta (Siqueira-Batista et al, 2009), ou seja, menos numerosas, no montante da produçâo de conhecimentos na área.
Esta opçâo de apresentaçâo do tema fortalece a perpetuaçâo de ideias hegemônicas acerca do modus operandi do Sistema Imunológico, baseado na Teoria da Seleçâo Clonal, e a concepçâo inadequada da Imunologia como uma ciência consensual, em detrimento da oportunidade de reflexâo e de análise do tema valendo-se das controvérsias associadas a esta área de conhecimento.
Perfil dos textos das obras que tratam da Imunologia e do SIH
A literatura3 voltada para o ensino superior em geral apresenta a Imunologia Básica de forma capitular. Os conteúdos remetem-se aos conceitos de Imunidade e das respostas imunológicas, aos elementos participantes destas, à avaliaçâo imunológica laboratorial e às alteraçôes que podem gerar quadros de doenças (Coico & Sunshine, 2010; Murphy et al., 2010; Levinson, 2010; Abbas et al., 2011; Forte, 2011).
A sequência de apresentaçâo de conteúdos comumente segue um enredo padrâo que se inicia com a apresentaçâo da origem histórica da Imunologia no mundo ocidental como campo de conhecimento e de desenvolvimento científico. Em seguida, observa-se a narraçâo de processos de desequilibrios que ocorrem no organismo mediante a interaçâo com microrganismos, nos processos tumorais, nas hipersensibilidades e nas doenças autoimunes (Coico & Sunshine, 2010; Murphy et al., 2010; Levinson, 2010; Abbas et al., 2011; Forte, 2011).
Para tanto, sâo apresentados: conceitos básicos de imunidade, os elementos constituintes do SIH (células, tecidos, órgaos e moléculas), as açôes do sistema imune inato, os processos de reconhecimento e de apresentaçâo de antígenos, o desenvolvimento dos linfócitos, os processos da imunidade mediada por células, a imunidade humoral, as imunoglobulinas, as imunodeficiências, as alergias/hipersensibilidades, as técnicas de diagnóstico e os recursos imunológicos para tratamentos e profilaxia (Coico & Sunshine, 2010; Murphy et al., 2010; Levinson, 2010; Abbas et al., 2011; Forte, 2011).
Ao longo dos capítulos que apresentam os diferentes tópicos relacionados à Imunologia Básica e ao SIH, por vezes, observa-se a retomada da história das descobertas (relatos de experimentos e dos processos de construçâo de proposiçôes) imunológicas (Coico & Sunshine, 2010; Murphy et al., 2010; Levinson, 2010; Abbas et al., 2011; Forte, 2011).
O foco do enredo dos livros direciona-se à interaçâo do hospedeiro com o ambiente, especificamente com as muitas espécies de microrganismos nocivos. O norte da apresentaçâo dos conteúdos é o conjunto de respostas geradas para inviabilizar (promover a morte) e eliminar os microrganismos patogénicos invasores do organismo. Recebem destaque os mecanismos de imunidade pelos quais as células brancas especializadas (linfócitos) do organismo humano reconhecem e atacam os microrganismos patogénicos e as células infectadas. O SIH em seu estado normal (de equilíbrio) nâo é apresentado. A atuaçâo do SIH é descrita de forma reducionista. A diferenciaçâo progressiva do tema é valorizada pela apresentaçâo de partes com amplo detalhamento bioquímico. Contudo, a retomada (reconciliaçâo integrativa) às ideias centrais do tema (por exemplo: a homeostase4) que o subsidiam é muito rara e, na apresentaçâo de alguns tópicos, nao é observada. As interaçôes benéficas com os microrganismos sao citadas, porém pouco exploradas. Situaçâo idéntica é observada quanto ao ponto de vista ecológico de interaçâo entre os seres vivos. Observa-se a auséncia da apresentaçâo e/ou descriçâo da fisiología do SI no estado de saúde (Coico & Sunshine, 2010; Murphy et al., 2010; Levinson, 2010; Abbas et al., 2011; Forte, 2011). Logo, a Imunologia é apresentada como a área que estuda as respostas imunes que ocorrem após o organismo entrar em contato com microrganismos e outras moléculas estranhas.
A perspectiva explorada pelos livros é a do paradigma protecionista caracterizado pela apresentaçâo metafórica de perfil bélico. Segundo este, há necessidade de proteçâo do organismo contra as infecçôes geradas por corpos estranhos e as interaçôes de hospedeiro-microrganismo sâo explicadas pela concepçâo de processos de ataque-defesa típicos de situaçôes de guerra (Coico & Sunshine, 2010; Murphy et al., 2010; Levinson, 2010; Abbas et al., 2011; Forte, 2011). Neste cenário, é propagada uma visâo finalista de cunho defensivo e de natureza antropocêntrica, que parece ser consensual na literatura, já que nâo sâo exploradas as controvérsias existentes no campo da Imunologia e nem apresentadas outras perspectivas de compreensâo da atuaçâo do SI.
Por conseguinte, é difundida a ideia de que o SI tem como funçâo fisiológica básica (bélica, defensiva e até mesmo intencional) proteger (defender) o organismo de agentes infecciosos e de danos causados por estes ou por substâncias nocivas (Daniel-Ribeiro & Martins, 2009).
A funçâo protetora, que resulta na eliminaçâo de agentes infecciosos, na remoçâo de tecidos lesados e/ou mortos e no reparo de lesôes, é reiterada ao longo de todos os capítulos da maioria das obras voltadas para o ensino e que abordam a Imunologia dita Básica (Coico & Sunshine, 2010; Murphy et al., 2010; Levinson, 2010; Abbas et al., 2011; Forte, 2011).
O SISTEMA IMUNE NO ORGANISMO HUMANO: SÍNTESE DE UMA PERSPECTIVA GERAL E AMPLA
O SIH é constituido por órgaos, tecidos, células e moléculas que sâo responsáveis pela imunidade5 (Figura 1). Segundo a literatura clássica da área, tais componentes encontram-se distribuidos de forma difusa no organismo humano e atuam de maneira coletiva, cooperativa e coordenada para responder à presença de substâncias "estranhas" ao organismo (Abbas et al., 2011 ).
A característica impar do tecido imunológico, que o diferencia dos demais sistemas que constituem o organismo, é a movimentaçâo constante de seus principais componentes celulares. Estes transitam pelo sangue, pelos tecidos e, com frequéncia, retornam ao sangue (Abbas et al., 2011 ).
As células do SIH normalmente estâo presentes no organismo como células circulantes do sangue e na linfa, como aglomerados anatomicamente definidos como órgaos linfoides e espalhadas praticamente em todos os tecidos que compôem o corpo humano. As capacidades de circular, de migrar para os e dos tecidos, além de realizar trocas entre sangue e linfa sâo fundamentais para a atividade imunológica (Abbas et al., 2011).
A capacidade migratória de suas células e de seus tecidos somada às capacidades destes elementos de identificaçâo e de manutençâo do padrâo de organizaçâo do organismo sâo as características que, em conjunto, conferem ao SIH a capacidade imunológica conservadora (mantenedora do equilíbrio dos processos autopoiéticos de geraçâo, manutençâo e reconstruçâo - regeneraçâo - da forma do organismo). Por isso, o resultado das açôes do SIH é a promoçâo da homeostase (Audersik et al., 2003; Curtis & Barnes, 2015) por meio da manutençâo (conservaçâo) da organizaçâo da estrutura do corpo (da forma biológica), esta última essencial para a manutençâo da vida do organismo (Ramos, 2011c).
Segundo Maturana e Varela (1980), a automanutençâo dos seres vivos e alcançada por meló da interaçâo da rede interna de um sistema químico que continuamente reproduz a si mesmo no contexto do limite (do padräo de organizaçâo - a configuraçâo de relaçôes características de um sistema particular) da producäo própria.
De forma ampia e de acordo com a perspectiva ecol?gica do pensamento sist?mico, a manuten?ao da vida ? viabilizada pela obten?ao de mat?ria e energ?a e por sua metaboliza?ao. As intera??es realizadas pelos seres vivos por meio das rela??es ecol?gicas sao essenciais ? vida e cruciais para transferencia da mat?ria e da energia entre os organismos. Em associa?ao ?s intera??es dos seres vivos, um conjunto enredado constituido pelo metabolismo energ?tico, pelas estruturas anat?micas e pelos processos fisiol?gicos que envolvem a digestao, a respira?ao, a excre?ao, a imunidade, a circula?ao, a sinaliza?ao, a nutri?ao e a reprodu?ao promove a homeostase, a autopoiese (?o fazer a si mesmo?), a perpetua?ao do organismo e a manuten??o da vida (Odum, 1988; Capra & Luisi, 2014).
A ado?ao dos pressupostos do pensamento sist?mico e da biologia conservadora para subsidiar a interpreta?ao da a?ao SIH permite a extrapola?ao da interpreta?ao metaf?rica b?lica de sua a?ao e de sua atua?ao priorit?ria nos casos de infec??es de natureza ex?gena.
METODOLOGIA
Caracteriza??o da pesquisa
O presente estudo resulta de uma pesquisa descritiva, com abordagem qualitativa, que buscou realizar o levantamento e a an?lise das concep??es dos alunos acerca do tema Imunologia. Para tanto, uma determinada realidade escolar foi observada e, com base nesta, foram coletados dados por meio de atividades diagn?sticas, entrevistas, observa??es e grava??es de ?udio das aulas de um curso de extensao de Imunologia b?sica, oferecido a alunos matriculados em turmas dos 3? e 4? anos do Curso T?cnico, de nivel M?dio, de Enfermagem. As an?lises dos dados foram realizadas com base no m?todo interpretativo hermen?utico, em conson?ncia com a abordagem qualitativa (Moreira & Caleffe, 2006).
O tema do objeto desta investiga?ao foi determinado por este agregar um conjunto de conhecimentos relevantes para compreensao da sa?de e das rela??es estabelecidas entre o organismo e o ambiente. Em adi?ao, foi considerada a sua import?ncia para forma?ao do cidadao, em especial, do profissional da ?rea da sa?de, para a tomada de decisao adequada ? manuten?ao da sa?de e do bem-estar f?sico, social e mental.
O contexto e o locus do trabalho
O presente trabalho foi desenvolvido no contexto de ensino de cinco turmas do curso de extensao intitulado 'Imunologia b?sica?, realizado nos anos de 2009 e 2012. Tr?s turmas foram constituidas por alunos matriculados, concomitantemente, nos 3? anos, do Ensino M?dio e do Ensino T?cnico, de nivel M?dio, do curso de Enfermagem, do ensino diurno, de uma escola localizada no Municipio de Nova Igua?u, Estado do Rio de Janeiro. Duas turmas foram constituidas por alunos que cursavam somente o 4? ano (o ?ltimo), do Curso T?cnico, de nivel M?dio, de Enfermagem da mesma institui?ao de ensino supracitada, em 20096.
A pesquisa contou com a participa?ao de um total de 71 alunos. Todos os alunos participantes deste estudo e seus respons?veis foram informados, antes do inicio do curso de extensao, sobre a pesquisa e forneceram a autoriza?ao para utiliza?ao dos dados obtidos, mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e do Termo de Assentimento do sujeito. O conjunto de principios ?ticos e regras referente ? realiza?ao de pesquisas com seres humanos no Brasil, que ? regulamentado pela Resolu?ao do Conselho Nacional de Sa?de (CNS/1996), foi plenamente observado neste trabalho.
A sele??o do locus do trabalho
A determina?ao do locus do trabalho foi motivada pelo fato da primeira autora desse artigo atuar como docente, na institui?ao pesquisada, da disciplina de Biologia, oferecida pelo curso de Ensino M?dio T?cnico de Enfermagem. Ademais, a aten?ao aos relatos orais dos alunos lhe permitiu perceber a utiliza?ao, pelos mesmos, de conceitos conflitantes de natureza de senso comum e incoerentes (inadequados) com o conhecimento científico vigente sobre o tema Imunologia. Tais observaçôes foram realizadas em aulas que tratavam do tema Genética, específicamente os assuntos polialelia, tipagem sanguínea e fator Rh.
Identificagäo das concepgöes dos alunos inscritos no curso de extensáo sobre o tema Imunologia
As concepçôes dos sujeitos da pesquisa a respeito do tema Imunologia foram levantadas oralmente, durante as aulas, e mediante aplicaçâo de uma questáo introdutória (O que você espera estudar em um curso intitulado "Imunologia Básica?), de entrevista e de uma atividade diagnóstica com perguntas abertas (Apéndice A) antes do inicio das atividades teóricas relativas ao curso de extensáo em Imunologia básica. Após a devoluçâo das respostas escritas referentes ao estudo de Imunologia na Educaçâo Básica, foram realizadas entrevistas com todos os alunos participantes da pesquisa. Neste período destinado às entrevistas, também foram realizados o preenchimento da pauta do registro de frequência, a distribuiçâo dos materiais didáticos do curso e a apresentaçâo da programaçâo do mesmo. Com o auxilio de um monitor, foi possível administrar a realizaçâo de todas estas atividades de forma concomitante. Desta forma e por trabalharmos com grupos compostos por uma média de 14 alunos, conseguimos conduzir todas as entrevistas e evitar a espera dos alunos para a realizaçâo desta etapa da coleta de dados.
RESULTADOS
Concepçôes dos alunos do curso técnico, de nível médio, de Enfermagem sobre Imunologia e sistema imune humano
Na primeira aula do curso de extensáo em Imunologia básica, antes da apresentaçâo do curso e dos conteúdos que seriam abordados pelo mesmo, foram aplicados très pré-testes: uma questáo introdutória (O que você espera estudar em um curso intitulado "Imunologia Básica?); uma atividade dignóstica com perguntas abertas (Apéndice A); e, em seguida, foi realizado o levantamento oral das concepçôes dos alunos acerca do tema do curso e do que esperavam estudar no curso. Ao término da atividade que promoveu o espaço de discussáo, no qual foi possível realizar o levantamento oral das concepçôes acerca do tema em questáo, os alunos foram questionados se já haviam estudado Imunologia. No caso de resposta afirmativa, estes deveriam especificar em que nível de escolaridade e/ou série e em qual disciplina haviam estudado o tema Imunologia. A resposta a esse questionamento foi apresentada por escrito.
Todos os alunos (71) que participaram da primeira aula do curso de extensáo atribuíram ao SIH açôes bélicas, como ataque e defesa destinados à proteçào do organismo contra a invasáo de materiais e/ou corpos estranhos. Tal visáo denota o olhar usual da Imunologia, ligado à saúde, como mencionado por Vaz (1999).
Identificamos a crença em que os microrganismos sáo inimigos e precisam ser vencidos por linfócitos, anticorpos e fagócitos. Relacionamos a presença da metáfora bélica nas respostas e nas falas dos alunos com a compreensáo dos fenómenos imunológicos ligados exclusivamente à manutençâo da saúde como condiçâo de isençâo de corpos estranhos no organismo humano. Associamos este tipo de descriçâo do SIH a uma concepçào típica da visáo médica, segundo a qual, de acordo com Vaz (2011a), é conferida énfase no resultado da açáo e náo no mecanismo operante no organismo.
As respostas apresentavam em seus teores a metáfora comumente utilizada na literatura clássica da área, como apontado por Siqueira-Batista et al. (2009). Contudo, observamos que a metáfora, além de predominar na concepçáo do sujeito, influenciava as definiçôes e as relaçôes conceituais acerca do tema.
Os alunos, quando questionados oralmente sobre a defincáo do termo saúde, apresentaram respostas que evidenciaram a apropriaçáo do modelo sanitário hegemónico7. Nestas náo foram observadas articulaçôes dos fatores bem-estar físico, mental e social à ausência de doenças, como sugere a defincáo do estado de saúde8 proposta pela Organizaçáo Mundial da Saúde - OMS (WHO, 2016).
"Saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e nâo consistindo somente da ausência de uma doença ou enfermidade." (WHO, 2016).
Nao foram verificadas as relaçôes dos eventos imunológicos como fenómenos biológicos que acontecem em decorrência das estruturas celulares e moleculares das estruturas associadas ao sistema imunológico e que resultam na interaçao entre estruturas, processamento de materiais de natureza endógena e/ou exógena, como se o organismo atuasse (se defendesse) sem planejamento prévio e intencional para manter o seu equilibrio e o seu funcionamento, como sugere Vaz (1999).
O entendimento e a construçao das explicaçôes dos eventos imunobiológicos se demonstraram limitados e reduzidos às situaçôes de conflitos e aos combates entre organismos exógenos e o organismo humano. Entao, entendemos que a utilizaçao da terminología da metáfora de natureza bélica, o "análogo", restringía a compreensao do conhecimento atual acerca da biologia e da fisiologia do SIH, "o alvo" da metáfora.
Concordamos com Ferraz e Terrazan (2003) quando afirmam em seu trabalho que o conhecimento que nao é corretamente compreendido por meio do uso da analogia e/ou metáfora9 significa que o modelo análogo ou metafórico nao apresenta atuaçao efetiva de ancoragem no processo de aprendizagem. Em outras palavras, neste caso, a analogia nao apresenta os elementos passíveis de relaçôes adequadas com o conhecimento que se pretende ensinar. Assim, sugerimos que o contraste apresentado pela metáfora bélica restringe a amplitude do "alvo" e, por esta razao, a relaçao entre o "alvo" e o "análogo" pode limitar a compreensao do individuo acerca do tema, ou seja, o "análogo" pode se configurar como um obstáculo epistemológico.
Destacamos que o uso de metáforas e analogias no ensino visa facilitar a comunicaçao entre alunos, professores e/ou autores, além de atuar como estratégia pedagógica para a construçao de conhecimentos científicos. Espera-se que o uso da analogia neste processo de construçao favoreça o estabelecimento de relaçôes entre um sistema conceitual científico (desconhecido ou pouco conhecido) e um sistema conceitual familiar ao discente. Neste contexto, busca-se tornar o conceito desconhecido compreensível para o sujeito por semelhança (Ferraz & Terrazan, 2003).
Contudo, é recomendado que sejam identificadas as características relevantes (as semelhanças) do alvo e do análogo, com mapeamento de similaridades (explícitas e esclarecedoras) e de falhas da analogia para o esboço do novo conhecimento em construçao (Ferraz & Terrazan, 2003). Desse modo, cabe à analogia o papel heurístico, e, por isso, esta deve ser eliminada a partir do momento em que tenha esgotado o seu papel. O que ficará das experiências referentes à adoçao da analogia serao somente os resultados do que ela pode sugerir. Portanto, recorrendo ao recurso da analogia, Perelmam (1987) salienta que o papel da analogia "será de andaimes de uma casa em construçao, que sao retirados quando o edificio está terminado". (Perelman, 1987 citado por Andrade et al. 2002, p.2). Ou seja, a analogia nao pode ser interpretada como o conceito em si em estudo. Caso isso ocorra, o aprendiz poderá internalizar somente os detalhes e os contrastes mais evidentes e apelativos em detrimento do conceito científico que se pretende trabalhar.
Segundo Siqueira-Batista e colaboradores (2009), o modelo marcial da Imunologia remete à concepçao teórica inerente à medicina ocidental, que, em última análise, representa uma leitura limitada da diversidade do sistema imunológico a simples relaçôes causais de defesa contra os ataques microbianos ou das revoltas internas. Porém, esses mesmos autores apontam que a literatura clássica da área, utilizada para o ensino de Imunologia nos cursos de graduaçao, adota frequentemente este modelo metafórico e analógico. Desta forma, sugerimos que a atribuiçao bélica conferida ao SIH pelos alunos desse estudo seja justificada pela provável exposiçao a discursos de professores formados sob esta perspectiva. Soma-se a isso a utilizaçao dos livros didáticos de Biologia10, adotados pela escola no período pesquisado, cujos trechos relacionados ao tema Imunologia apresentam os tópicos resumidos do tema inscritos sob a metáfora bélica, sem a devida exposiçao das limitaçôes desta, como fonte de leitura e referência para os seus estudos.
Em adiçao, verificamos, como anunciado por Vaz (1999, 2011a), o pouco reconhecimento da fisiología do sistema imunológico na dinâmica de interaçôes do organismo consigo mesmo e com componentes do ambiente em que se encontra inserido.
Apenas um dos 71 alunos que responderam a atividade diagnóstica (pré-teste) aplicada na primeira aula mencionou, indiretamente, a relaçao do SIH com o conceito de homeostase, ou seja, como um sistema que atua na manutençao da estrutura do organismo por meio do equilibrio metabólico dinámico, quando afirmou que:
"No contexto do organismo humano, o sistema imune tem como papel principal ajudar no combate de tudo aquilo que prejudique, ou que nao esteja de maneira adequada no organismo humano. " (Aluno 01)
Este aluno, quando questionado oralmente quanto ao que seria o "tudo aquilo que prejudique", respondeu: "... tudo... coisas de dentro e de fora do organismo..."; e quanto ao que seria o "que nao esteja de maneira adequada no organismo.", respondeu: "... em equilíbrio."
Destacamos que o conceito homeostase foi considerado por este trabalho, em consonância com Novak (1970) e com os Parámetros Curriculares Nacionais PCN+ (Brasil, 2008b), como ideia central da Biologia e, de acordo com o recorte desta pesquisa, ideia central para o entendimento da atuaçao do sistema imune no organismo humano. Portanto, assumimos, de acordo com os pressupostos curriculares brasileiros, que o tópico sistema imune humano trata-se de uma forma de aprofundamento (de diferenciaçao progressiva) dos temas Imunologia e corpo humano, e estes últimos sao consolidados (reconciliados integrativamente) pela ideia central homeostase. Por isso, esperávamos que os alunos associassem a homeostase à Imunologia e ao sistema imune e vice versa.
Quando perguntamos sobre o que os alunos esperavam estudar em um curso intitulado Imunologia básica, observamos elevada frequência referente à expectativa de estudar doenças, quadros e/ou momentos em que há desequilibrio no organismo e que o SIH apresenta reatividade fora da sua dinámica de equilíbrio estável (Tabela 1). Para listar e consolidar os tópicos previamente associados à Imunologia e ao SIH pelo grupo de alunos da pesquisa, foi realizada, de acordo com Malafaia et al.(2010), a análise do conteúdo das respostas obtidas relativas às questôes da atividade avaliativa 02 (Apêndice A). As respostas fornecidas pelos alunos foram analisadas conforme o método de contagem por incidência de determinadas respostas no grupo para a definiçao das categorias e do tópicos-chave associados aos temas pesquisados.
Observamos que o enfoque esperado pelos alunos quanto ao ensino de Imunologia era semelhante ao apontado por Vaz (2008) e Siqueira-Batista et al. (2009), quando mencionam em seus trabalhos o enfoque recorrentemente conferido pela literatura específica da área.
De maneira geral, os alunos esperavam estudar tópicos relacionados à proteçao do organismo, tratamento de doenças, agentes patogénicos, anatomia e fisiologia do SIH, vacinas, além das pesquisas e inovaçôes relacionadas ao tema. Tópicos que nao corroboram e que nao sao plenamente explicados pela perspectiva metafórica bélica defensiva, como: a tolerância imunológica; a hipersensibilidade; a natureza das alergias; a inflamaçao estéril; a autoimunidade; e a imunidade tumoral, nao foram apontados pelos alunos. Esses resultados revelam que a natureza das concepçôes dos alunos participantes da pesquisa acerca da Imunologia limitava-se às interaçôes do organismo associadas a processos infecciosos e a recursos terapéuticos relacionados, em especial, à resposta imune humoral.
Os itens relacionados à anatomia e à fisiologia do SIH, além das vacinas, estiveram presentes em maior frequência nas respostas dos alunos. Observamos que foi a expectativa de quase todos os alunos estudarem sobre estes tópicos. Entretanto, verificamos, no conjunto de respostas da avaliaçao diagnóstica aplicada antes do inicio do curso, e no discurso oral dos alunos, que os conhecimentos sobre estes tópicos eram fragmentados, como apontado por Krasilchik (2012), limitados a um tipo de açao do SIH e fundamentados, de forma geral, por proposiçôes de cunho de senso comum.
O levantamento oral realizado apontou que os alunos, quase em sua totalidade, desconheciam os padrôes de respostas imunológicas, as estruturas, as células, os componentes, a dinámica e as açôes relacionadas ao SIH. Para os alunos, a fisiologia do SIH limitava-se à produçao de anticorpos e à fagocitose em situaçôes em que o organismo humano é "atacado" por agentes exógenos.
Todavia, ressaltamos que todos os alunos já tinham cursado as disciplinas de Anatomia e Fisiologia, Microbiologia e Parasitologia e Biologia, nas quais sao tratados os temas de Anatomia, Fisiologia e Citologia. Esses resultados confirmam os relatos da Coordenadora do curso Técnico, de nivel Médio, de Enfermagem e dos professores que atuavam na disciplina Biologia, oferecida pelo Ensino Médio. Segundo esses profissionais, o SIH nao era efetivamente trabalhado no contexto das disciplinas supracitadas, ministradas no curso técnico de Enfermagem, por nao haver docente com formaçao específica para atuar com o tema. Já na disciplina Biologia, o tema era tratado superficialmente nos 1° e 2° anos do Ensino Médio, somente quando eram trabalhados assuntos relativos ao sistema circulatório e à imunizaçao, envolvendo soro e/ou vacina.
Salientamos que os registros referentes ao ensino de Imunologia Básica e do SIH realizado no locus da pesquisa corroboram os resultados encontrados na literatura quanto à abordagem superficial e limitada do tema, em decorréncia do ensino incipiente da Imunologia na Educaçao Básica (Canto & Barreto, 2006; Souza et al., 2007), e à relaçao com a formaçao deficitária de professores que atuam nos niveis de ensino Fundamental e Médio acerca do tema (Canto & Barreto, 2006).
Em sintese, embora o tema Imunologia nao fosse assumidamente desenvolvido plenamente no ensino realizado pelos profissionais que atuavam no locus da pesquisa, os alunos o conheciam, ainda que fizessem uso de conceitos superficiais e, por vezes, inadequados.
Diante deste cenário, entendemos que se faz necessário que os docentes que atuam no ensino de Ciências e de Biologia no contexto investigado entrem em contato com referenciais mais amplos e diversos acerca do tema Imunologia durante a sua formaçao continuada. Espera-se que, dessa forma, esses profissionais nao venham tratar do tema em suas aulas de forma limitada à produçao e açao de soros e vacinas e restrita a uma visao teórica.
Para subsidiar as nossas asserçôes acerca da abordagem superficial e limitada do tema, destacamos os registros de quatro alunos, identificados pelos números 8, 10, 11 e 15, que mencionaram em suas respostas que a Imunologia estuda as doenças que afetam o sistema imunológico. Quando solicitada oralmente a verbalizaçao da explicaçao para tal padrao de resposta, o aluno 10 disse: "há coisas que atacam... atingem... o meu sistema imune!". O aluno 11 justificou oralmente a sua resposta, afirmando que: "A Imunologia estuda o sistema imunológico e as suas doenças específicas...", como o aluno 15, que afirmou: " A Imunologia estuda as doenças que prejudicam o sistema imune.".
Quando perguntados se a Imunologia estudava somente as doenças relacionadas ao sistema imune, estes alunos confirmaram que sim. Esses alunos relataram que essas doenças acometeriam, específicamente, o SIH, nao havendo relaçao com outros sistemas que constituem o organismo. Ou seja, ambos consideravam que a Imunologia estudava as doenças que se relacionavam com o sistema imune como um evento local, específico e isolado do e no organismo. Apenas o aluno 8 respondeu que as doenças que acometem o SIH poderiam acometer outros sistemas; contudo, quando solicitado um exemplo, este nao o forneceu.
Interpretamos esses padröes de respostas às questöes apresentadas pelas atividades diagnósticas e esses relatos orais como evidência da visao reducionista e da leitura limitada e compartimentalizada da constituiçao e do funcionamento o organismo. Mediante estes registros, foi possível notar a dificuldade dos alunos quanto à generalizaçao e à extrapolaçao dos fenómenos biológicos que ocorrem no organismo como um todo. Desse modo, inferimos, subsidiados pela Teoria da Aprendizagem Significativa (Ausubel et al., 1980), que estes tipos de respostas denotam a ocorrência de uma incipiente diferenciaçao progressiva (detalhamento) quanto ao tema, porém sem a reconciliaçao integrativa (generalizaçao) do mesmo. Ou seja, os dados apontam que há diferentes conceitos mais específicos relacionados ao SIH na estrutura cognitiva do sujeito, contudo, estes nao estao (sao) relacionados e nem integrados a conceitos biológicos mais amplos, como, por exemplo, o de homeostase e o de organismo, como o conjunto e a integraçao dos sistemas. Assim, nos pareceu que, nesse contexto, havia a valorizaçao dos acontecimentos locais (das partes) em detrimento do acontecimento global no organismo (do todo), como é verificado na literatura das Biociências (Mayr, 1998) e do ensino em Biociências (Krasilchik, 2012; Brasil, 2008b).
O aluno 12 respondeu à questao introdutória como se somente algumas doenças tivessem relaçâo com a atuaçao do sistema imunológico em nosso organismo. A visao do organismo como uma unidade biológica com sistemas que atuam de forma integrada nao foi observada. Interpretamos esta visao como uma evidência da concepçao compartimentalizada do conhecimento.
Destacamos que a concepçao de inserçao do sistema imune no organismo de forma diferenciada à da inserçao dos demais sistemas que constituem o corpo humano é semelhante à observada por Andrade et al. (2014) nos livros didáticos aprovados pelo programa do livro didático brasileiro para o ensino de Biologia no Ensino Médio. Este achado parece corroborar a influência exercida pelos livros didáticos na construçao e/ou na consolidaçao da visao fragmentada e nao sistêmica do sistema imune e do organismo humano. Este tipo de visao é consonante com as observaçôes de Krasilchik (2012) e Mayr (1998) acerca do conhecimento biológico. Estes autores apontam a ausência de integraçao dos conteúdos, a apresentaçao (o ensino), a aprendizagem e o desenvolvimento dos conhecimentos biológicos focados nas causas próximas (nas partes) em detrimento das causas últimas (visao integradora dos fenómenos).
De acordo com Gerhard e Rocha Filho (2012), a fragmentaçao dos saberes escolares nao colabora com a organizaçao do pensamento científico dos estudantes e, tampouco, com o desenvolvimento da capacidade de pensar globalmente um determinado problema. Segundo estes autores, a abordagem isolada e de forma desconexa das partes interligadas do saber dificulta a percepçao das relaçôes existentes entre os saberes e, por conseguinte, promove uma visao limitada para a compreensao da realidade. Desta forma, compreendemos que a aprendizagem fragmentada do tema SIH pode gerar obstáculos para a percepçao das relaçôes e da complementariedade existentes entre o SIH e diferentes conhecimentos biológicos.
Observamos, também, nas respostas do aluno 12 "Espero estudar como a Imunologia age no nosso corpo. E algumas doenças relacionadas [à] Imunologia.." e "Saber como é efetivamente a açâo da Imunologia e relembrar algumas doenças relacionadas a ela.." (grifo dos autores), que a Imunologia era entendida como uma "entidade" que age no organismo humano.
Quanto às respostas que apresentavam a expectativa de estudo de agentes como virus e bactérias relacionados a doenças (Alunos 2 e 14) em um curso intitulado Imunologia básica, sugerimos que estas estejam relacionadas à organizaçao e à execuçao do currículo do curso Técnico, por meio da apresentaçao de tópicos relacionados à Imunologia, mencionados superficialmente, na disciplina de Microbiologia e Parasitologia, e presentes na ementa dessa mesma disciplina.
Observamos variedade e divergências de respostas quanto à questao sobre os alunos já terem estudado Imunologia em algum momento de suas vidas académicas (Figura 2). Dos 71 alunos entrevistados que responderam a esta questao, somente 10 foram capazes de identificar em qual disciplina haviam sido tratados, de alguma forma, tópicos referentes à Imunologia.
Por meio das atividades diagnósticas, dos levantamentos orais e das entrevistas, foi possível verificar que, nas disciplinas do curso técnico e na disciplina Biología, oferecida pelo Ensino Médio, os tópicos referentes à Imunologia foram apenas comentados eventualmente e superficialmente pelos docentes, quando alguns temas foram abordados. Entretanto, estes tópicos nao foram efetivamente trabalhados. Talvez por esta razao tenhamos observado a recorrência da associaçao dos tópicos imunizaçao e prevençao de doenças com o SIH. Contudo, percebemos que a Anatomia e Fisiologia desse sistema eram desconhecidas pelos alunos, prevalecendo, no discurso dos mesmos, noçôes superficiais, como apontado por Canto e Barreto (2006) e Souza et al. (2007), sobre o SIH e expressôes do senso comum, como: "O sistema imune cria os anticorpos, e 'constrói' as ferramentas necessárias para combater as doenças" (Aluno 2). O aluno 2, quando questionado sobre as "ferramentas necessárias para combater as doenças", nao foi capaz de citá-las. Além disso, nao mencionou e pareceu desconhecer o processo de produçao natural de anticorpos (imunoglobulinas) que ocorre nos organismos sadios, nao vacinados, nao submetidos a outros tipos de intervençao e mantidos em ambientes isentos de germes (Vaz & Carvalho, 2009).
Já o aluno 3 mencionou que "O organismo da mäe tentará combater aquele sangue de Rh diferente do da mäe."., porém, nao foi capaz de descrever sucintamente o processo por ele denominado de "combate", de acordo com a abordagem apresentada nos livros didáticos de Biologia do Ensino Médio.
Observamos, também, que vários alunos apresentavam conhecimentos limitados acerca dos eventos fisiológicos relacionados ao SIH. Estes alunos utilizaram a palavra 'baixo' para adjetivar a atuaçao do SIH nos casos de desequilibrio que pode resultar em doença. A estes alunos, foi solicitada uma descriçao do que seria e/ou caracterizaria a situaçao do "sistema imunológico baixo". Esta solicitaçao nao foi atendida. Os alunos nao conseguiram verbalizar uma descriçao do estado apontado por eles em suas falas. Aventamos que a utilizaçao da expressao de senso comum "sistema imunológico baixo", neste caso, tenha decorrido do desconhecimento da anatomia e fisiologia do SIH.
Na descriçao da fala do aluno 5 "Na aplicaçâo de vacinas que säo apenas virus atenuados para 'ativar' o organismo a produzir seus próprios anticorpos", podemos observar que o aluno apresentava conhecimentos limitados quanto à composiçao e quanto aos tipos de vacinas. Este citou somente vacina de natureza viral atenuada, ou seja, vacinas constituidas por virus, de açao enfraquecida, que portam mutaçôes que interferem com o ciclo viral. DNA, microrganismos inativados ('mortos'), conjugados (partes dos microrganismos - subunidades vacinais), antígenos sintéticos e de origem bacteriana (atenuada e/ou inativada) nao foram considerados como possíveis bases para as vacinas (Abbas et al., 2011). Além disso, destacamos que o aluno considerou que somente a aplicaçao de vacina e/ou o contato com agentes microbianos poderiam estimular a produçao de anticorpos no organismo. Novamente, observamos o desconhecimento do processo de produçao natural de anticorpos que ocorre no organismo (Vaz & Carvalho, 2009).
Na sentença "O sistema imune [,] quando detecta algo incomum ao organismo [...] que possa fazer mal, fabrica anti-corpos para tentar conter o corpo invasor.", construida pelo aluno 6, observamos a relaçâo direta da presença de "algo" incomum, de origem exógena, com o estímulo da produçâo de anticorpos no organismo. A produçâo de anticorpos sem a presença do "algo" incomum nao foi considerada por este aluno. Contudo, o Aluno 4 discordou, acertadamente, da sentença proferida pelo Aluno 6 na discussâo instituida, citando o desenvolvimento das doenças autoimunes, como uma evidência de que a produçâo de anticorpos pode acontecer mesmo para "algo" comum ao organismo (órgaos que constituem o próprio organismo, por exemplo) e que nâo faça mal para o mesmo.
"Ele [sistema imune] atua na defesa do organismo, existem 'soldadinhos' que lutam contra os agentes estranhos para nos proteger. " (Aluno 9)
O aluno 9 usou uma metáfora bélica genérica, "soldadinhos", para representar tanto os elementos celulares quanto os moleculares (linfócitos e anticorpos, por exemplo) envolvidos com a atividade do SIH. A diferenciaçâo dos elementos constituintes do SIH e as formas de atuaçâo destes nao foram observadas no discurso do aluno. Destacamos que a relaçâo de atuaçâo destes componentes contra agentes estranhos esteve presente tanto no discurso deste aluno, como no discurso de outros alunos. Porém, a interaçâo fisiológica com o próprio organismo nâo foi relatada, exceto pelo relato pontual do aluno 4 associado à doença autoimune.
Entendemos que a utilizaçâo do discurso metafórico "'soldadinhos' que lutam" para designar e descrever a açâo dos componentes do SIH se configurou como um recurso explicativo da concepçâo de açâo e do reconhecimento de seus componentes como uma caixa preta. Como apontado por Mpodozis (2011b), entendemos que este recurso nao elucida os processos e nem os eventos aos quais a este se refere e, por isto, nao tem valor explicativo de fato.
O conceito de resposta imune celular apareceu discretamente e, na maioria das vezes, esteve omisso no discurso dos alunos. Verificamos que a visâo inadequada de que a atuaçâo do SIH resulta sempre em produçâo de anticorpos (para defesa e proteçâo do organismo contra agentes, em geral, de natureza exógena) esteve frequentemente presente no levantamento inicial das concepçôes dos alunos sobre o tema do curso de extensâo. Este resultado remete à apresentaçâo tradicional e hegemônica do SIH nos livros didáticos, observada por Andrade et al. (2014). Nesses livros, observa-se a valorizaçâo histórica da resposta imune humoral em detrimento das demais açôes relacionadas ao SIH. Associamos esse perfil de respostas dos alunos e da apresentaçâo do tema nos livros didáticos ao fato de, segundo Abbas et al. (2011) e Daniel-Ribeiro e Martins (2009), grande parte do conhecimento atual sobre a imunologia ter sido iniciada e desenvolvida pelos estudos sobre a produçâo de anticorpos.
A visâo dos microrganismos como inimigos que precisam ser vencidos por linfócitos, anticorpos e por recursos terapéuticos auxiliares, como anti-inflamatórios e antimicrobianos (antibióticos e quimioterápicos), reitera a relevância da compreensâo ampla do tema, além da resposta imune humoral, já que o conhecimento limitado do tema pode gerar importantes consequéncias. Sabe-se hoje, por exemplo, que a adoçâo de profilaxia e de terapéutica antimicrobiana baseada no uso de antibióticos está associada ao aumento da resistência a açâo desses tipos de medicamentos em populaçôes bacterianas. Portanto, o mau uso desses recursos terapéuticos ocasionam problemas ambientais, económicos, além de efeitos adversos em seus usuários (Siqueira-Batista & Gomes, 2010).
"Quando o meu organismo é atacado por microrganismos, meu sistema imune manda produzir anticorpos para destruir os microrganismos, se os mesmos já forem reconhecidos, ou seja, que já estao registrados [...]" (Aluno 8)
Repetidamente, observamos a utilizaçâo de termos bélicos relacionados à descriçâo da interaçâo do organismo com o contexto, com o ambiente e com os organismos presentes neste. O organismo humano é posto como vítima da açâo dos microrganismos. A participaçâo do organismo no processo de interaçâo com os microrganismos nâo é reconhecida, tampouco, há reconciliaçâo integrativa das interaçôes realizadas pelo organismo humano, específicamente pelo sistema imune, com o conceito de relaçôes ecológicas. Assim, diante desses dados, sugerimos que a ausência de reconciliaçâo integrativa com outros conceitos de outras áreas de conhecimento nâo favorece a ampliaçâo da estrutura cognitiva e, por isso, pode reduzir a possibilidade de compreensâo do tema de forma sistémica, como destaca Ramos (2011b) e Siqueira-Batista et al. (2009).
A produçâo de anticorpos aparece no discurso como resultado exclusivo do ataque de microrganismos, ou seja, como um evento pontual e direcionado a elementos exógenos ao corpo. A resposta imune celular, que, no caso de açôes virais no organismo, sao mais importantes do que a produçâo de anticorpos (Abbas et al., 2011 ), nao foi considerada. O aluno 8 relatou desconhecer o processo de "destruiçâo dos microrganismos" pela açao dos anticorpos. A açao de neutralizaçao realizada pelos anticorpos nao foi citada e a possibilidade de tolerância a elementos exógenos ao organismo nao foi considerada. Estes dados foram interpretados como resultado do desconhecimento da fisiología do SIH.
O aluno 9 associou a eliminaçao de secreçôes (pus) com a eliminaçao de antígenos e de microrganismos quando citou que "[...] ele [sistema imune] também age na eliminaçao desses seres quando já estäo mortos, causando secreçôes.". Nao houve a associaçao da morte de células do SIH e dos tecidos lesados do organismo com a formaçao das secreçôes, como na definiçao apresentada por Abbas e colaboradores (2011 ).
"... ao tomarmos vacina, como por exemplo a BCG, se o nosso sistema imune näo responder a ela de nada adianta. Pois[...] é necessário que aconteça um 'abcesso', um processo infeccioso como resultado de que houve atuaçâo!" (Aluno 10)
"Ele [sistema imune] ajuda ao nosso organismo contra as doenças, ou seja, quando reconhece as doenças, ele as combate e näo nos permite ter síntomas dessa doença." (Aluno 11)
"Na vacina, o nosso sistema imune atua identificando aqueles microrganismos e nos defende contra eles deixando células de memória para que, entäo, se atacados por estes microrganismos nosso corpo venha se lembrar e mais uma vez nos defender sem comprometer nosso organismo." (Aluno 12)
"Ele [sistema imune] tem o papel de nos prevenir contra situaçôes estranhas que possam ocorrer no organismo..." (Aluno 13)
"Quando uma pessoa estar com infecçâo na garganta, por exemplo, o organismo produzirá os anticorpos necessários para combater com essa infecçâo, quando isso näo ocorre temos que estimular essa produçâo através de vacina... medicamentos, etc."(Aluno 13)
"Na invasäo de algum virus. Quando esse virus penetra no organismo humano o sistema imune irá identificá-lo e tentar combater esse virus de alguma maneira. " (Aluno 15)
Todos estes relatos foram questionados nos momentos de discussao (negociaçao de significados) que sempre sucediam às atividades de levantamentos escritos e/ou orais. Observamos que os alunos (os próprios forneceram relatos deste tipo) nao sabiam descrever e/ou explicar como aconteciam os processos citados por eles. As restriçôes de conhecimentos associavam-se a tópicos variados, desde como se dá a Identificaçäo' do virus no organismo humano (Aluno 15), como se estimula o organismo a produzir anticorpos (Aluno 13), a descriçao das "situaçôes estranhas" que podem acontecer no organismo (Aluno 13), como o organismo identifica os microrganismos, como surgem as células de memória, até como estas atuam em nosso organismo (Aluno 12). As dificuldades de encadeamento na construçao de respostas observadas foram por nós justificadas pelos conhecimentos superficiais do tema.
Os alunos manifestaram desconforto quando foram solicitadas maiores informaçôes sobre as suas respostas. Falas do tipo "Näo sei explicar como funciona...", "O corpo faz algo... mas näo sei o que é.", "o corpo faz alguma coisa para proteger... mas näo sei como acontece", "É, professora... está faltando alguma coisa para eu responder esta pergunta" foram recorrentes na atividade de levantamento dos conhecimentos prévios.
Dessa forma, ficou evidente que os alunos perceberam que eram capazes de responder prontamente a algumas questôes postas, todavia nao sabiam explicar muitas de suas respostas e tinham dificuldades de utilizar o que sabiam para responder às novas situaçôes (questôes) propostas. Logo, pelos relatos orais e escritos e pelas observaçôes realizadas, inferimos, com base nos pressupostos da teoria da aprendizagem significativa (Moreira, 2011), que os conhecimentos prévios dos alunos decorreram de aprendizagem mecánica, do compartilhamento de um discurso muitas vezes composto por frases prontas cuja natureza deriva do senso comum, e de explicaçôes analógicas e/ou metafóricas superficiais presentes nos textos dos livros didáticos dos ensinos Fundamental e Médio e nos discursos dos professores.
Diante destes dados, entendemos que a concepçao do SIH restrita à ideia de "ataque e defesa" contra agentes exógenos para manter o organismo isento de possíveis causadores de doenças inviabiliza a compreensao da natureza e da atuaçao biológica do sistema imune no contexto do organismo. Sob esta óptica bélica contra invasores de natureza externa, nao faz sentido promover a lise de células próprias ou tumorais (já que estas nao atacam, somente ocupam o organismo) e a fagocitose de células próprias mortas. Em consonância com Mpodozis (2011a), Ramos (2011a, 2011c) e Vaz (1999) assinalamos que preterir as relaçôes de manutençao de estrutura, de síntese de proteínas, de tolerância e de nutriçao do organismo no contexto da atuaçâo do sistema imune nao parece adequado à compreensâo ampla deste último.
As células interagem com outras células e moléculas próprias ou nao e o resultado, em geral, nao se limita ao processamento destas com a sua internalizaçao em um endossomo ou a sua inviabilizaçao ("eliminaçao") para que nao mais participe da constituiçao do organismo. A dita eliminaçao pode acontecer por diversas razôes, como, por exemplo: porque uma célula nao realiza mais uma determinada tarefa ou porque a célula passou a participar da produçao (replicaçao) de um agente exógeno (Abbas et al., 2011 ).
A apresentaçao de antígenos e a interaçao entre elementos de naturezas endógena e exógena ocorrem a todo momento no organismo. Entretanto, como aponta Ramos (2011b), a metáfora bélica na maioria dos casos nao é adequada à atuaçao do SIH. Um alimento, uma célula na qual há replicaçao de virus ou que age no processo tumoral, ou até mesmo a inalaçao de graos de pólen nao configuram um ataque deliberado ao organismo. O organismo quando interage com esses elementos nao está realizando a defesa contra a açao de todos os exemplos supracitados. De fato, o organismo buscará interagir com cada um desses elementos conforme as suas especificidades (Murphy et al., 2010), sejam eles endógenos ou exógenos, para manter a sua estrutura e o seu funcionamento, ou seja, para manter a homeostase do sistema e, de forma mais ampla, a do organismo (Ramos, 2011 b).
Nos casos que envolvem agentes, virais, microbianos e outros, a metáfora "de ataque e de defesa" do organismo nao se aplica à maioria dos casos e por isso nao se justifica. Em geral, a metáfora é corroborada pelos argumentos correlatos de luta, de agressividade, de combate violento, do perigo da invasao e da necessidade de matar o 'adversário' e, dessa maneira, ficar isento deste em seu organismo. Contudo, nota-se que, quando o ser "invadido" nao é o organismo humano, o fenómeno é visto sob outro olhar, alinhado à perspectiva ecológica defendida por Odum (1988) e Capra e Luisi (2014), segundo a qual as relaçôes entre os seres vivos sao inerentes à vida no planeta. As interaçôes entre os seres vivos sao apresentadas como naturais e necessárias à obtençao de matéria e de energía para a manutençao da vida.
Diante da argumentaçao belicosa, algumas questôes sempre ficam à margem desta concepçao e sucedem a essa proposiçao de açao. Dentre estas, apresentamos as seguintes: Por quê um microrganismo "invade" e/ou "ataca" uma célula? Por que todas as células em algum momento de suas vidas endocitam outras células e/ou moléculas? Um macrófago que fagocita uma bactéria está agindo primeiro "atacando" esta ou está somente "defendendo" o organismo contra (em resposta) à açao da bactéria? Por que o nosso organismo realiza a resposta inflamatória quando há uma fratura óssea nao exposta, já que o osso é próprio? Por que nao há a plena resposta inflamatória contra a flora intestinal ou demais floras associadas às mucosas, já que a isençao de organismo de natureza nao-própria é o objetivo de açao do SIH (na perspectiva belicosa), segundo a literatura utilizada no nivel médio de escolaridade? Por que, em geral, nao fazemos resposta imunológica mais intensa para a maioria dos alimentos que ingerimos, já que estes sao de natureza nao-própria?
As respostas para essas perguntas transitam em direçao do "pano de fundo" que é constituido pela nutriçao e pela manutençao da estrutura e do funcionamento dos organismos. A luta ou guerra para simplesmente matar o adversário e ficar isento, livre, deste em seu organismo, como propôe o "análogo" da metáfora, nao responde adequadamente as perguntas apresentadas. Ademais, é notório que muitas vezes a presença de um agente exógeno nao gera danos e/ou resposta ao organismo, como a tinta utilizada em tatuagens. Pelo contrário, o agente exógeno muitas vezes pode inclusive contribuir para o seu melhor funcionamento, como, por exemplo: a flora intestinal (Vaz & Faria, 1998; Vaz, 2011 c).
Sabe-se que os conhecimentos acerca da anatomia e da fisiologia do SIH, em parceria com os da Biologia Celular, sao fundamentais para a compreensâo da Imunologia sob a perspectiva do conceito estruturante homeostase (Brasil, 2006). Por esta razao, defendemos que o ensino de Imunologia deve ir além das proposiçôes presentes na metáfora bélica. Todavia, reconhecemos que o conjunto de conhecimentos supracitados nao irá conferir garantias absolutas para o sucesso dos processos de ensino e de aprendizagem. Tanto a compreensao do tema, como a superaçao de obstáculos epistemológicos que por ventura sejam estabelecidos pela adoçao da metáfora bélica no processo de construçao de conhecimentos podem nao ser alcançadas pelo discente.
Nao podemos perder de vista que a aprendizagem, sob a perspectiva cognitivista, depende de vários fatores. Dentre estes, destacamos a prontidao do sujeito para aprender, ou seja, o conjunto de conhecimentos prévios presentes na estrutura cognitiva do sujeito passível de relaçao com o que se pretende ensinar. A intencionalidade e a predisposiçao do sujeito em relacionar o que ele conhece com os novos conhecimentos apresentados no processo de ensino também exercem grande influência no processo de aprendizagem. Outros pontos a serem considerados para ocorrência do processo de aprendizagem sao o planejamento e o desenvolvimento de eventos e de materiais de ensino que apresentem os conteúdos de forma cognoscível e que venham a favorecer o estabelecimento da relaçao entre o que o discente conhece e o conteúdo que se pretende ensinar (Ausubel et al., 1980; Moreira, 2011).
Desse modo, diante desse cenário e de nossos achados, apontamos a necessidade de realizaçao de um ensino que considere as concepçôes dos educandos sobre Imunologia e a influência destas no processo de aprendizagem do tema. Ademais, com base nos resultados da investigaçao, defendemos que os ensinos de Ciências e de Biología valorizem a abordagem biológica homeostática do sistema imune e a compreensao global do organismo e do conjunto de interaçôes internas e externas que atuam na manutençao da estrutura do organismo por meio do equilibrio metabólico dinámico. Assumimos esta posiçao, por acreditar que essas concepçôes sao essenciais para compreensao ampla da saúde, dos processos de doença e das relaçôes estabelecidas entre as partes do organismo e destas com o ambiente.
Salientamos que os resultados encontrados quanto às concepçôes dos alunos inscritos no curso de extensao em Imunologia acerca do tema Imunologia foram fundamentais para a definiçao do planejamento das aulas e para a organizaçao e o desenvolvimento das atividades realizadas nas mesmas. Somente diante dos resultados referentes ao que os alunos já sabiam pudemos perceber que a Anatomia e a Fisiologia do SIH nao eram familiares aos alunos, e que a revisao e a relaçao dos conhecimentos associados à homeostase e à Biologia Celular eram importantes para a apresentaçao e para o desenvolvimento do tema no inicio e no decorrer do curso.
Assim, pensar em educaçao para saúde no contexto escolar pesquisado nos remete à importância do conhecimento para as açôes que resultam em melhores condiçôes de vida. Na prática, os conhecimentos da Imunologia e do SIH, aliados aos conhecimentos psiconeuroendócrinos, sao centrais para compreensao da saúde e para as açôes promotoras de saúde. Dessa maneira, acreditamos que a educaçao para saúde deve preconizar a priori a construçâo conceitual e a percepçao da interlocuçao de saberes aparentemente dispersos para promover o desenvolvimento pleno de um sujeito capaz conferir sentido às situaçôes que lhes sao apresentadas e agir para prevençao, promoçao e cuidado da saúde.
CONSIDERAÇOES FINAIS
Ensinar nao é uma tarefa simples. Nao há uma forma UNA, prescritiva e pronta a seguir, capaz de atender a todas as demandas e superar todas as dificuldades, inerentes do aprender. Entretanto, a compreensao de como o sujeito aprende e dos fatores envolvidos neste processo pode favorecer a seleçao de distintas estratégias metodológicas para o desenvolvimento de práticas de ensino de boa qualidade em diferentes contextos.
Com base nessas asserçôes, acreditamos que o professor deve conduzir a sua prática com o fito de mediar e favorecer a relaçao e a interaçao individual entre o sujeito e o objeto de ensino. Em suma, o ensino deve oferecer ao aluno ambientes e situaçôes que favoreçam as relaçôes e interaçôes entre: os alunos; os alunos e o professor; e, sobretudo, entre os alunos e o conhecimento.
Dessa forma, destacamos a relevância da realizaçao do levantamento das concepçôes dos alunos acerca do tema para o processo educativo, pois o conhecimento é construido na escola e fora dela socialmente e historicamente. Assim, conhecer as concepçôes dos alunos antes da realizaçao do ensino se faz importante, pois esses alunos trazem consigo conhecimentos, que devem ser considerados pelos docentes, e que influenciarao decisivamente, juntamente com a sua disposiçao para aprender, a aprendizagem do tema no desenvolver das aulas.
No contexto dessa pesquisa, a atribuiçao, quase que na sua totalidade, de açôes bélicas ao SIH, como ataque e defesa destinados à proteçao do organismo e manutençao da saúde, esta como um estado de isençao (ausência) de microrganismos no organismo, pareceu-nos limitada e presente em diferentes níveis de ensino. Sugerimos que tal concepçâo possa comprometer aprendizagens futuras relacionadas ao tema Imunologia, à compreensâo do global da atuaçâo do sistema imune nos organismos e dos estados de saúde e doença, configurando-se, assim, como um obstáculo epistemológico. As metáforas podem criar realidades para o sujeito. Desse modo, uma metáfora pode ser um guia para uma açâo futura. Esta açâo se baseará na metáfora e, por esta razâo, reforçarà a evocaçâo da metáfora como uma explicaçâo coerente que tenderá a se perpetuar e a se tornar a compreensâo "real" de um fenómeno, mesmo que esta seja inadequada. Por conseguinte, caso, nesse contexto, as concepçôes dos alunos sejam desconsideradas no processo de ensino, espera-se que os alunos nâo venham reformar as suas concepçôes a respeito da Imunologia. E a ausência dessa reforma em sua estrutura cognitiva poderá impedir a aprendizagem adequada e coerente de diferentes e plurais perspectivas científicas acerca do tema.
Salientamos que o conhecimento da atribuiçâo de cunho bélico à atuaçâo do SIH, conferida pelos alunos, somado ao pouco reconhecimento da fisiología do sistema imunológico na dinámica de interaçôes do organismo consigo mesmo e com componentes do ambiente em que se encontra inserido foram fundamentais para nortear o ensino de Imunologia realizado por nós posteriormente a esta pesquisa.
Ademais, as concepçôes reveladas pelos sujeitos dessa pesquisa parecem indicar a necessidade de realizaçâo de um ensino de Imunologia, em seus diferentes níveis (Básico [Fundamental e Médio], Técnico e Superior), que valorize a abordagem biológica homeostática do SIH e a compreensâo global do organismo e do conjunto de suas interaçôes internas e externas.
Nessa direçâo, destacamos a importância do aprofundamento das investigaçôes em outros níveis de ensino para subsidiar discussôes e reflexôes sobre o que nos parece ser a visâo limitada e socialmente compartilhada sobre a Imunologia e o SIH, e sobre a atençâo a ser dada a estes conhecimentos, trazidos pelos alunos, no evento educativo, além de suas implicaçôes com o processo de aprendizagem adequada do tema.
1 A pesquisa referente a este trabalho foi encaminhada e aprovada pelo Comité de Ética em Pesquisa (CEP) Fiocruz/RJ, sob o protocolo 456/08, CAAE 0022.0.011.000-08 e sob o número CAAE 14971413.6.0000.5248, conforme as recomendaçôes da Resoluçâo 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
2A designaçâo sistema imune foi adotada por este trabalho. Contudo, ressaltamos que esse mesmo sistema pode ser denominado sistema imunológico e/ou sistema imunitário.
3Este tipo de literatura é utilizado na formaçâo de profissionais da área da saúde e de professores de Ciências e de Biologia. Além disso, a literatura voltada para o ensino superior é utilizada, também, como referência para elaboraçâo de livros textos voltados para Educaçâo Básica (Martins et al., 2012).
4 A homeostase aparece nos textos dos livros como uma ideia central reconciliadora (de integraçâo), porém com significado condicionado à doença e relacionado aos fenómenos que permitem ao organismo se recuperar de uma resposta imunológica de forma que possa responder novamente. O significado relacionado ao equilíbrio do organismo associado às açôes de natureza autopoiética nâo é apresentado e, portanto, esta perspectiva nâo é explorada e nem desenvolvida pelos títulos clássicos utilizados no ensino de Imunologia.
5 O termo imunidade aplicado à Imunologia apresenta, historicamente, diferentes significados relacionados à proteçâo. Recentemente a literatura clássica aponta que é adequado entendé-lo como o resultado da reaçâo do organismo a determinados componentes de microrganismos, macromoléculas, próprias ou nâo, como proteínas e polissacarídeos e outras pequenas substâncias que sâo reconhecidas como elementos estranhos ao organismo independentemente da consequéncia fisiológica ou patológica (Abbas et al., 2011).
6At? o ano de 2009, o curso T?cnico, de nivel M?dio, de Enfermagem da Unidade de Ensino pesquisada era realizado em quatro anos letivos. A partir do ano de 2010, este mesmo curso passou a ser realizado em tr?s anos letivos.
7 De acordo com este modelo, a saúde é concebida como a ausência de doença. E a doença consiste no mau funcionamento físico e/ou químico do organismo sob a lógica mecanicista (DIAS et al, 2007).
8 A defincáo de saúde consta no preámbulo da Constituyo da Assembleia Mundial da Saúde, adotada pela Conferencia Sanitária Internacional realizada em Nova York (19/22 de junho de 1946) e assinada em 22 de julho de 1946 pelos representantes de 61 Estados, com vigor a partir de abril de 1948, nao emendada desde entao (WHO, 2016).
9 Analogia e metáfora sao conceitos que implicam a comparaçao entre dois elementos (dominios) distintos e o reconhecimento de semelhanças relevantes. De forma geral, ambas as palavras sao consideradas sinónimas. Contudo, a metáfora é mais sintética e mais sugestiva. Já a analogia é mais sistemática, ou seja, a estrutura dos domínios comparados é apresentada de forma explícita e, portanto, as relaçôes entre os domínios sao mais evidentes (Ferraz & Terrazan 2003).
10 Biologia - Volume único. Sónia Lopes & Sérgio Rosso. - Sao Paulo: Saraiva, 2005.
Biologia - Volume 2 Biologia dos organismos. Amabis & Martho - Sao Paulo: Editora Moderna, 2010.
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Recebido em: 14.06.2016
Aceito em: 10.10.2016
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Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Avenida Carlos Chagas Filho, 373 - Edificio CCS, Bloco C, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
APÉNDICE A - ATIVIDADE DIAGNÓSTICA
Atividade diagnóstica:
1a Questâo: Como o sistema imune atua no contexto do organismo humano?
2a Questâo: Cite (liste) palavras e/ou termos que você relaciona ao sistema imune.
3a Questâo: Identifique e descreva duas situaçôes em que o seu sistema imune atua e/ou atuará em seu organismo.
Situaçâo 01 -
Situaçâo 02 -
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Copyright Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Física Dec 2016
Abstract
Learner's conceptions about a theme, under the light of the cognitive learning process, influence the student's knowledge building process. Therefore, the awareness and reflection upon those learner's conceptions are important points to the orientation of teaching-learning processes. Thus, based on this assumption, this study aims to present an analysis regarding the conceptions of the students about Immunology and the human immune system (SIH) and its relations to the teaching and learning of this theme in the context of a nursing technical course. For this purpose, we developed a descriptive research with a qualitative approach. The data were collected through diagnostic activities, interviews, observations and audio recordings. The data analysis followed a hermeneutic interpretive method basis in line with the qualitative approach. It was verified the allocation of army actions to the immune system, such as attack and defense, aiming to protect the organism against the invasion of pathogens and/or foreign bodies. It was identified the belief that microorganisms are enemies and must be defeated by lymphocytes, antibodies and phagocytes. The presence of the war metaphor, in students' oral and written answers, was related to the understanding of the immunological phenomena exclusively connected with the maintenance of health through the elimination of foreign bodies from the system. It was verified the little knowledge of the immune system's physiology in the dynamic of the organism interactions with itself and also with the environment. Only one of the 71 students, who participated in the research, mentioned, indirectly, the relationship between immune system and the homeostasis concept, in other words, as a system acting to maintain the organism's structure (maintenance of organization) by a dynamic metabolic balance. Based on the results of the study, we suggest the need to improve the teaching of Immunology following a biological, systemic, homeostatic and non-metaphorical approach. We legitimate this indication due to the importance of this global knowledge to the understanding of health and the relations established with the body and the environment, in addition to a global understanding of the organism and the set of internal and external interactions that operate in maintaining life. Besides, we highlight the importance of decision making suited to keep health as well as physical, social and mental well-being. Finally, we suggest that this finding indicates the need of implementation of a teaching which considers the perceptions of learners on Immunology and the influence of those in the process of learning the subject.
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