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Introdução
No mês de junho de 2008, ativistas de direitos animais (ou, segundo sua autodenominação, abolicionistas) porto-alegrenses comemoraram a publicação de uma matéria no jornal Correio do Povo, reproduzindo a imagem de um anúncio outdoor por eles desenvolvido. O outdoor estampava a fotografia de um cavalo, que puxava carroças na cidade, caído e ensanguentado ao lado da frase "Prefeito: agora está em suas mãos o destino de um dos símbolos do Rio Grande do Sul". No anúncio, militantes mobilizam um dos símbolos da tradição gaúcha - o cavalo - em apoio à sanção de uma lei municipal que propunha a proibição do trânsito de carroças com tração animal na cidade de Porto Alegre (Correio do Povo, 2008).
Dois anos depois, uma ativista desse mesmo movimento publica na seção de artigos do jornal Zero Hora um texto no qual essas mesmas tradições são fortemente criticadas por serem utilizadas como justificativa para a exploração animal. Essa ativista afirma em seu artigo: "[...] tradição alguma é imutável sendo, para Montesquieu, a ignorância a mãe de todas as tradições". A militante segue expondo contradições das práticas dos gaúchos, que se indignam com determinadas formas de exploração de alguns tipos de animais e defendem a exploração de outros em nome da tradição, descrevendo, posteriormente, um conceito incomum à linguagem cotidiana, mas central para os ativistas de direitos animais: senciência (Hassen, 2010).
Já em 2011, militantes de direitos animais figuram novamente nas páginas do jornal Zero Hora, relatando como compatibilizam sua escolha moral por hábitos veganos ao cotidiano na "terra do churrasco". Em busca da divulgação de sua identidade coletiva, os ativistas dão "dicas de sobrevivência" àqueles que desejam se tornar veganos e relatam casos pessoais vistos como capazes de romper estereótipos a respeito das práticas veganas. Assim, uma ativista relata, por exemplo, a surpresa de médicos e familiares ao constatarem que seu bebê, nascido após uma gestação vegana, estava em perfeitas condições de saúde (Luz, 2011). Em outra ocasião, militantes promoveram especialmente para uma profissional desse mesmo jornal um "churrasco vegano", com vegetais e "carne de soja", buscando demonstrar que a adoção do veganismo não implica no abandono do churrasco dominical entre amigos e parentes (Almeida, 2011).
Dessa forma, ativistas desenvolvem enquadramentos interpretativos1 distintos que ora defendem, ora se opõem,...