Submetido 08/03/2017 - Aceito 27/08/2017
DOI: 10.15628/holos.2017.6254
RESUMO
Este trabalho aborda protagonismo juvenil no ensino médio em meio a demandas curriculares. No campo metodológico, apresenta resultados de pesquisa realizada em manchetes midiáticas, as quais deram visibilidade a alguns movimentos em defesa da educaçao pública. Destaca dois movimentos tendo como protagonistas jovens alunos (e possivelmente seus professores) do ensino médio, desencadeados por demandas curriculares, ambos acontecidos no período entre final de 2015 e inicio de 2016, com ocupaçoes de escolas nos estados de Goiás e de Sao Paulo. No campo teórico, trata de uma abordagem pósestrutural com base na Teoria do Discurso de Laclau e Mouffe (2015). Nessa perspectiva, considera como demandas curriculares os eventos propostos pelas secretarias de educaçao dos estados de Goiás (a implantaçao de Organizaçöes Sociais) e de Sao Paulo (o programa de reorganizaçao escolar) e estudantes envolvidos nas referidas manifestaçöes e ocupaçoes de escolas como sujeitos na/da constituiçao política. Com base na lógica laclauniana, reivindicaçöes aqui destacadas, em especial pela configuraçao do protagonismo juvenil, foram/vao se apresentando a partir das referidas demandas. Os sujeitos envolvidos vao se constituindo em processos articulatórios de negociaçao, de identificaçao, marcados pela contingencia, tentando fixar determinados sentidos (dentre outros) de qualidade de educaçao, nao definidos a priori.
PALAVRAS-CHAVE: Demandas Curriculares, Protagonismo juvenil, Políticas curriculares, Ensino médio, Teoria do discurso.
ABSTRACT
This assignment addresses youth protagonism in high school in the midst of curricular demands. In the methodological field, presents results of research carried out in media headlines, which gave visibility to some movements in defense of public education. It highlights two movements that have as protagonists young students (and possibly their teachers) of high school, triggered by curricular demands, both occurring between the end of 2015 and beginning of 2016, with occupations of schools in the states of Goiás and Sao Paulo. In the theoretical field, it deals with a post-structural approach based on the Discourse Theory of Laclau and Mouffe (2015). From this perspective, considers as curricular demands the events proposed by the secretariats ofeducation of the states of Goiás (the implantation of Social Organizations) and of Sao Paulo (the school reorganization program) and students involved in the mentioned manifestations and occupations of schools as subjects in/of the political constitution. Based on Laclaunian logic, the claims highlighted here, especially for the configuration of youth protagonism, were / are coming from these demands. The subjects involved are becoming articulatory processes of negotiation, of identification, marked by contingency, trying to establish certain meanings (among others) of quality of education, not defined in first place.
KEYWORDS: Curricular Demands, Youth protagonism, Curricular policies, High school, Discourse theory.
1 INTRODUÇAO
Neste trabalho apresentamos dois movimentos tendo como protagonistas jovens alunos (e possivelmente seus professores) do ensino médio em defesa da educaçao pública, desencadeados por demandas curriculares. Ambos aconteceram no período entre final de 2015 e inicio de 2016, os quais tratam de ocupaçöes de escolas ocorridas nos estados de Goiás e de Sao Paulo. Para tanto, fazemos uso de manchetes que circularam/circulam na midia ("A ocupaçao das escolas em SP contada pelos próprios estudantes," 2015), ("Ocupaçao de escolas traz questionamento sobre avaliaçöes externas," 2015), ("Cresce ocupaçao de escolas em Goiás em defesa da educaçao pública," 2015) e ("Contrários a novo modelo de gestao, estudantes ocupam 27 escolas em Goiás," 2016) que deram visibilidade aos referidos movimentos.
Discutimos políticas curriculares em uma abordagem pós-estrutural com base na Teoria do Discurso de Laclau e Mouffe (2015), na compreensao de curriculo como "luta política por sua própria significaçao, . . . pela significaçao do que vem a ser sociedade, justiça social, emancipaçao, transformaçao social" (Lopes & Macedo, 2011, p. 253).
Entendemos o protagonismo juvenil entao destacado como um processo de constituiçao política dos estudantes envolvidos nas manifestaçöes e/ou nas ocupaçöes das escolas, desencadeado por demandas curriculares das secretarias de educaçao em pauta. Tais demandas geraram/geram reivindicaçöes diversas, situaçöes em que os sujeitos envolvidos vao se constituindo em processos articulatórios de negociaçao, de identificaçao, marcados pela contingencia, tentando fixar determinados sentidos (dentre outros) de qualidade de educaçao, nao definidos a priori. Sujeitos e demandas constituem-se e articulam-se mutuamente (Laclau, 2013), em processos nos quais "o sujeito nao existe antes da açao política, mas se constitui por essa açao." (Lopes & Macedo, 2011, p. 182).
2 A IMPLANTAÇAO DE ORGANIZAÇÖES SOCIAIS EM GOIÁS
Em diferentes municipios do estado de Goiás, escolas da rede estadual de ensino foram ocupadas por alunos que protestavam contra o novo modelo de gestao proposto pelo governo, as chamadas organizaçöes sociais (OSs)1. Esse movimento começou no dia 9 de dezembro de 2015 com a ocupaçao, em Goiânia, de um colégio estadual inativo desde 2014 ("Cresce ocupaçao de escolas em Goiás em defesa da educaçao pública," 2015).
Conforme disponível no portal da Secretaria de Estado da Educaçao, Cultura e Esporte (SEDUCE), ao ser interrogada sobre por que adotar esse modelo de parceria na Educaçao, a secretária da SEDUCE responde que as OSs aumentam "o poder de atuaçao do Estado, possibilitando que se faça mais e melhor, de forma ágil, em beneficio do cidadao" ("Perguntas e respostas sobre OSs atualizadas, 2015). A proposta é que empresas, grupos ou organizaçöes sociais que possuem experiencia em gestao, especificamente em gestao escolar, atuem como parceiros, sob a supervisao dessa secretaria de educaçao, no processo de gestao de parte da rede escolar, "possibilitando, inclusive, que a SEDUCE se concentre cada vez mais na melhoria da qualidade da política educacional a ser implementada nas escolas" ("Perguntas e respostas sobre OSs atualizadas," 2015).
O que muda para os estudantes com a implementaçlo das OSs é pauta das perguntas elaboradas pela SEDUCE ("Perguntas e respostas sobre OSs atualizadas," 2015). Destacamos, portanto, algumas das respostas dadas (também pela própria SEDUCE):
("Perguntas e respostas sobre OSs atualizadas," 2015) O estudante será o maior beneficiado. Ele terá uma escola mais organizada, com professores e diretores integralmente disponíveis para atender as suas necessidades. Também encontrará na escola um lugar com segurança reforçada, boa estrutura e um espaço agradável e propicio ao aprendizado. É o que as OSs terlo que oferecer e é o que o Estado vai fiscalizar rotineiramente, com vistas a garantir o bem-estar dos estudantes.
As mudanças apontadas para os professores sao assim traduzidas:
("Perguntas e respostas sobre OSs atualizadas," 2015) As OSs na Educaçlo representarlo novas possibilidades de carreira para os profissionais da Educaçlo, que poderlo atuar em ótimas condiçöes de trabalho; seleçlo, progressio e remuneraçlo em bases estritamente meritocráticas; com aplicaçlo dos principios da gestlo democrática do ensino.
O entendimento é que, na prática, os repasses públicos passem a ser feitos as entidades, que serlo responsáveis pela manutençlo das escolas e por garantir melhor desempenho dos estudantes nas avaliaçöes feitas pelo estado. Elas podem inclusive contratar professores e funcionários ("Contrários a novo modelo de gestlo, estudantes ocupam 27 escolas em Goiás," 2016). Para a secretária de educaçao "este modelo será uma iniciativa inovadora, tornará o sistema mais ágil, mais eficiente e fará avançar a qualidade da educaçao" ("Cresce ocupaçlo de escolas em Goiás em defesa da educaçlo pública, " 2015).
De acordo com manchete disponível na midia ("Cresce ocupaçlo de escolas em Goiás em defesa da educaçlo pública," 2015), o dirigente da Unilo Goiana de Estudantes Secundaristas (UGES) e da Unilo Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES) considera que o movimento desencadeado pelos estudantes é contra o modelo de gestlo imposto de forma verticalizada, sem a participaçlo dos que fazem a escola. "E os estudantes goianos nao aceitam mais que as coisas da educaçao sejam impostas de cima para baixo. Para implantar um novo modelo de educaçlo tem que conversar" ("Cresce ocupaçlo de escolas em Goiás em defesa da educaçlo pública," 2015). Na opinilo de um professor envolvido no protesto, "A educaçlo está indo para a mlo de OS, para mlo de empresário que nlo slo do meio da educaçlo. Esse é o objetivo da luta" ("Cresce ocupaçlo de escolas em Goiás em defesa da educaçlo pública," 2015).
Ao longo das manifestaçöes e das ocupaçöes nas escolas, estudantes aproveitaram para mostrar como queriam a educaçlo. Nas portas de algumas delas, vários cartazes pediam recuo na implantaçlo do modelo das OS, enfatizando: "Educaçao nao é mercadoria". Era possível localizar em banheiros reivindicaçöes, por meio de cartazes, que ao uso por transexuais, conforme o genero com o qual alunos se identificam ("Contrários a novo modelo de gestlo, estudantes ocupam 27 escolas em Goiás," 2016).
Destacamos aqui falas que ilustram o envolvimento de alunos, nesses movimentos, acontecidos entre o final de 2015 e o inicio de 2016, palco de reivindicaçöes diversas, dentre a luta contra a ideia de privatizaçlo do sistema de ensino. Para um dos alunos, a compreensao é que "A escola é o lugar dos estudantes. Estamos saindo da nossa zona de conforto e abrindo nossa boca. Estamos lutando pela educaçao, que é um direito nosso" ("Contrários a novo modelo de gestlo, estudantes ocupam 27 escolas em Goiás," 2016), corroborando a ideia da necessária unilo entre estudantes, pais e professores "para transformar a educaçao pública em prioridade nacional e assim construir(mos) uma verdadeira pátria educadora que contemple a maioria da populaçlo e com clareza nos de uma educaçlo democrática e de qualidade" ("Cresce ocupaçlo de escolas em Goiás em defesa da educaçlo pública," 2015).
Uma das reivindicaçöes dos estudantes, no inicio de 2016, era que o editai de chamamento das OS, publicado no Diário Oficial do Estado em dezembro de 2015, fosse revogado e que o governo discutisse o modelo com a comunidade escolar. "Nao houve diálogo algum. Estamos lutando por melhorias na educaçao. Estamos cansados de receber migalhas enquanto o dinheiro fica no bolso dos grandes" ("Contrários a novo modelo de gestao, estudantes ocupam 27 escolas em Goiás," 2016), afirma um aluno de 16 anos, acrescentando que: "Em Sao Paulo, as ocupaçöes deram certo, o que temos a perder? Eles acreditaram. Vamos fazer isso porque acreditamos que vai dar certo".
Para além da reivindicaçao principal pela nao implementaçao das OS, muitas sao/foram as demandas que levaram os alunos, senao no processo de ocupaçao das escolas, as ruas como forma de protesto. Dentre elas estao melhorias na infraestrutura das escolas estaduais e falta de verba para a manutençao de serviços básicos nas escolas.
Outra pauta de reivindicaçöes era a reabertura de uma escola que havia sido fechada, desativada. "Eu estudava no . . . 2 quando ele foi fechado, primeiro foi a desculpa de uma reforma, depois de que nao havia alunos suficientes para manter a escola funcionando" (CONTRARIOS..., 2016), conta uma das ocupantes, de 16 anos que afirma que estava viajando de férias, e quando chegou recebeu a noticia de que a escola tinha fechado e que seria transferida para um outro colégio.
De acordo com a manchete, nas ocupaçöes houve estudantes do ensino superior, artistas e professores universitários e da educaçao básica que frequentam os locais, mas quem fala pelo movimento é sempre um secundarista, geralmente que estuda ou estudou na escola. "A coisa mais importante é que nao estamos filiados a nenhum partido político. Ninguém fala de partido político aqui" ("Contrários a novo modelo de gestao, estudantes ocupam 27 escolas em Goiás," 2016), afirma um aluno de 17 anos de uma das escolas ocupadas.
3O PROGRAMA DE REORGANIZAÇAO ESCOLAR EM SAO PAULO
No estado de Sao Paulo o programa de Reorganizaçao3 Escolar apresentado pelo governo Geraldo Alckmin, em dezembro de 2015, gerou a mobilizaçao de estudantes paulistas, que sairam as ruas e ocuparam escolas em protesto contra o referido programa. Tal ocupaçao desencadeou "questionamento sobre avaliaçöes externas" ("Ocupaçao de escolas traz questionamento sobre avaliaçöes externas," 2015), defendendo boicote ao Sistema de Avaliaçao de Rendimento Escolar do Estado de Sao Paulo (SARESP), em um debate sobre a validade desse tipo de avaliaçao externa e padronizada. A referida prova é criticada, dentre outras justificativas, por criar rankings de escolas.
O SARESP é uma avaliaçao feita pelo governo do estado, com o objetivo de fazer um diagnóstico nao dos estudantes individualmente, mas das escolas e da rede de ensino. Tal processo acontece anualmente, no mes de novembro, com estudantes dos 3°, 5°, 7° e 9° anos do ensino fundamental e da 3- série do ensino médio. Seus resultados integram o Indice de Desenvolvimento da Educaçao do Estado de Sao Paulo (IDESP), que estabelece metas tanto para a rede como para cada escola separadamente. "Esse indicador é usado, por exemplo, para calcular se os professores receberao bônus por desempenho. Além disso, a nota é usada para estabelecer políticas de educaçao" ("Ocupaçao de escolas traz questionamento sobre avaliaçöes externas," 2015) como é o caso da proposta de reorganizaçao da rede de escolas, motivo das ocupaçöes nas escolas. "Dependendo da nota que os alunos de uma escola tiverem, a escola recebe prestigio e cria competiçao entre professores e alunos".
A manchete "A ocupaçao das escolas em SP contada pelos próprios estudantes" ("A ocupaçao das escolas em SP contada pelos próprios estudantes," 2015), destaca experiencias vivenciadas por alunos, e por eles contadas, cujo movimento foi retratado de perto por colunistas de diversos meios de comunicaçao registrando o dia a dia de alunos que deram sua contribuiçao. Destacamos a seguir, portanto, alguns recortes desses relatos de experiencia.
Com a chamada de que "A ESCOLA É NOSSA, NINGUÉM TEM O DIREITO DE FECHAR", uma aluna do 3° ano do ensino médio de uma escola estadual relata ("A ocupaçao das escolas em SP contada pelos próprios estudantes," 2015) a sua participaçao nos movimentos de ocupaçao de uma escola. Quando tomou conhecimento meses anteriores ao movimento "que a reorganizaçao do ensino estadual de Sao Paulo fecharía nosso ensino médio", gerando "um abalo muito grande de alguns alunos e professores", decidiu que "nao queria deixar isso passar em branco e tive que me aliar a outras escolas para entrar na luta" ("A ocupaçao das escolas em SP contada pelos próprios estudantes," 2015), visto que a escola onde estudava nao se mobilizou contra a proposta do governo. Ela declara que encontrou, por meio do Facebook, uma aluna de outra escola da rede estadual de ensino, a qual pedia ajuda na divulgaçao da campanha de arrecadaçao de água para os alunos que tinham acabado de ocupar a escola. Naquele processo de ocupaçao ela conta que
("A ocupaçao das escolas em SP contada pelos próprios estudantes," 2015) Já fazia quase dez dias que os alunos do ensino médio e fundamental II tinham começado a ocupar a escola, no dia 12 de novembro. Durante os primeiros [dias de ocupaçao], os portöes ficaram abertos para as aulas dos pequenos do fundamental I. Foi assim até que a vice-diretora entrou na escola e humilhou os alunos: disse que eram inúteis e nao conseguiriam mudar nada. Ai resolveram fechar a escola de vez.
Outra aluna, também ocupante, estava dormindo todos os dias na escola com demais alunos e professores, acompanhou os alunos na audiencia de conciliaçao com o governo do estado, no dia 19 de novembro, e disse que lá também nao houve diálogo sobre as escolas que iriam fechar.
Conforme publicado na manchete em pauta ("A ocupaçao das escolas em SP contada pelos próprios estudantes," 2015), muitas sao as justificativas dos estudantes para participarem do movimento de ocupaçao das escolas. Uma aluna, de 14 anos, diz que entrou no movimento porque já estuda ali (na escola ocupada) há oito anos e é onde estao todos os seus amigos. "Se eu mudar de escola, nao sei o que vou fazer". Para um rapaz, de 16 anos, que ia para a ocupaçao todos os dias depois do trabalho, o medo consistía em ser transferido para um colégio distante, pois "Estudo há bastante tempo aqui, é perto de casa e a outra escola fica bem longe" ("A ocupaçao das escolas em SP contada pelos próprios estudantes," 2015). Para ele, é a primeira vez que ve os alunos da escola unidos para uma grande causa.
A aluna aqui destacada por fazer seu relato na manchete conta que, em conversa com uma colega, também ocupante, descobriu "que as escolas fechadas vao virar Etec, escolas técnicas, ou serao usadas pela prefeitura". Por outro lado, muitos alunos que participavam da ocupaçao falaram de uma possível privatizaçao do terreno da escola. Um deles afirma: "Aqui é um bairro bom e o terreno é enorme, dá para fazer um condominio bem grande aqui" ("A ocupaçao das escolas em SP contada pelos próprios estudantes," 2015).
Quanto ao movimento em si, a aluna afirma que apesar de nos primeiros dias ter havido confronto com a polícia, tudo foi se tranquilizando no decorrer da semana, e que, mesmo com as aulas interrompidas, a escola está aberta para todos: "os meninos jogam bola na quadra e as meninas espalham cartazes pela escola, que por sinal, está em um ótimo estado". E enfatiza: "Eles se revezam nas tarefas, limpam o pátio e até os banheiros. Os alunos estao com o pé firme no chao e nao vao desistir da sua luta tao cedo, eles abraçaram o lema #naofecheaminhaescola [emphasis added] e ¡rao levar isso até o fim" ("A ocupaçao das escolas em SP contada pelos próprios estudantes," 2015).
4DEMANDAS, SUJEITOS E POLÍTICAS CURRICULARES: PELA TEORIA DO DISCURSO, ALGUMAS CONSIDERAÇÖES
O pós-estruturalismo busca na abordagem foucaultiana a sua análise do poder, por meio do diagnóstico das estruturas de "saber-poder" e da denúncia das tecnologías da dominaçao. Para Foucault, para além de repressivo o poder é também produtivo: cria novos saberes os quais tanto podem oprimir quanto libertar; nao está localizado em um único local, como por exemplo, no Estado; é descentrado, disperso por todo o sistema social (Peters, 2000). Lopes e Macedo (2011) defendem que assumir uma perspectiva pós-estrutural implica "aceitar que todo e qualquer sentido somente pode ser criado dentro de sistemas de linguagem ou de significaçao" (p. 202).
A Teoria do Discurso (TD) de Laclau e Mouffe (2001) é definida como uma teoria política, devendo ser lida, de acordo com Mendonça (2012, p. 205), "como uma empreitada intelectual no sentido de fornecer ferramentas teóricas para a explicaçao de fenómenos sociopolíticos," em que discurso possui centralidade explicativa para esse projeto teórico. Nessa perspectiva,
(Laclau, 2011, p. 9-10) . . . discurso é uma totalidade relaciona! de significantes que limitam a significaçao das práticas e que, quando articulados hegemonicamente, constituem uma formaçao discursiva. E esta é conjunto de discursos articulados, por meio de diferentes práticas hegemônicas; entender uma formaçao discursiva significa entender um processo hegemônico: como sao definidos os termos do debate político, quais agendas e açöes sao priorizadas, que instituiçöes, diretrizes e normas sao criadas.
Consideramos a partir dessa teoria que reivindicaçöes aqui destacadas, apontadas em especial pela configuraçao do protagonismo juvenil, foram/vao se apresentando a partir de demandas. Compreendemos os eventos propostos pelas secretarias de educaçao dos estados de Goiás (a implantaçao de Organizaçöes Sociais) e de Sao Paulo (o programa de Reorganizaçao Escolar) como demandas curriculares; os representantes das secretarias estaduais de educaçao e os estudantes envolvidos nas referidas ocupaçöes e/ou manifestaçöes de escolas como sujeitos na/da constituiçao política.
Destacamos, portanto, a lógica laclauniana de que as demandas constituem o sujeito. Demandas sao para Laclau (2013), resultado de uma articulaçao de demandas a qual se encontra em situaçao peculiar com a ordem estabelecida, apresentando-lhe reivindicaçöes. Por essa lógica, é possível perceber que nesse processo de articulaçao de demandas (apontadas pelas secretarias estaduais de educaçao em pauta) na luta pelo discurso hegemônico, os sujeitos envolvidos (sejam os que representam as secretarias estaduais de educaçao sejam os estudantes de escolas ocupadas e/ou manifestantes) vao se constituindo em processos articulatórios de negociaçao, de identificaçao, marcados pela contingencia, tentando fixar determinados sentidos, nao definidos a priori. Sujeitos e demandas constituem-se e articulam-se mutuamente (Laclau, 2013), em processos nos quais "o sujeito nao existe antes da açao política, mas se constitui por essa açao." (Lopes & Macedo, 2011, p. 182).
No caso das ocupaçöes de escolas em Sao Paulo, os motivos de participaçao dos estudantes foram desde críticas/questionamentos quanto as avaliaçöes externas, passando pela luta da permanencia de algumas escolas de ensino médio, em alguns bairros específicos. Em Goiás, para além das reivindicaçöes em torno de processos participativos para a definiçao do modelo de gestao das escolas, manifestantes e/ou ocupantes reivindicam políticas para as questóes de genero.
A categoria 'sujeito' é colocada em crise no estruturalismo, pela crítica ao existencialismo e ao humanismo. Estudos pós-estruturais, como os de Mainardes, Ferreira e Tello (2011) consideram a açao dos sujeitos um aspecto crucial para a compreensao das políticas e enfatizam a fluidez do poder e sua posse pelos diferentes agentes. Para Laclau e Mouffe (2015, p.198), "a categoria sujeito é penetrada pelo mesmo caráter ambíguo, incompleto e polissemico que a sobredeterminaçao assinala para toda identidade discursiva", situaçao em que a subjetividade do agente apresenta a mesma precariedade e ausencia de sutura.
Nessa perspectiva, o sujeito se constitui pelas demandas articuladas, por movimentos de reivindicaçöes a ordem estabelecida (Laclau, 2013). Lopes e Macedo (2011, p. 229) afirmam que as demandas "borbulham de forma desordenada como possibilidades nao sendo apresentadas por nenhum sujeito previamente constituido". O processo de identificaçao dos sujeitos se dá a medida que algumas demandas ganham força e centralidade, possibilitando-lhes se identificar uns com os outros, em aglutinaçöes que se desenvolvem com vista ao atendimento de suas demandas diferenciais.
A centralidade das demandas, em sua dinámica nao essencialista, se dá enquanto antagonismo, momento de fixaçao, provisório e contingente, e se faz em relaçao a uma diferença excluida da articulaçao discursiva, a qual "é simultaneamente condiçao de possibilidade da articulaçao (garante que a articulaçao exista) e de impossibilidade da articulaçao (confronta e bloqueia essa mesma articulaçao)" (Lopes, 2014, p. 10). Assim, "as formas de garantir essa centralidade sao definidas na luta política, pela articulaçao de demandas e de grupos em torno de posiçöes que precisam ser hegemonizadas, ou seja, "vendidas" como de todo o grupo ou, mais eficazmente, de toda a sociedade." (grifos das autoras, Lopes & Macedo, 2011, p. 229).
Laclau e Mouffe (2001) defendem a ideia de que há processos de identificaçao, em que os sujeitos se aproximam e se constituem como grupos "identitários" politicamente ativos. Um exemplo desse processo de identificaçao pode ser aqui apresentado na situaçao, supracitada, em que um estudante que participou das manifestaçöes e/ou ocupaçöes de escolas em Goiás faz referencia ao movimento de Sao Paulo. Ele afirma que "Em Sao Paulo, as ocupaçöes deram certo, o que temos a perder? Eles acreditaram. Vamos fazer isso porque acreditamos que vai dar certo" ("Contrários a novo modelo de gestao, estudantes ocupam 27 escolas em Goiás," 2016).
Convém destacar, ainda, alguns sentidos de qualidade da educaçao atribuídos pelos sujeitos envolvidos nesses movimentos: para os manifestantes e/ou ocupantes das escolas do estado de Goiás, uma educaçao de qualidade precisa ser democrática, de prioridade nacional com vistas a construçao de "uma verdadeira pátria educadora que contemple a maioria da populaçao" ("Cresce ocupaçao de escolas em Goiás em defesa da educaçao pública," 2015). Para a secretária da SEDUCE, a qualidade se apresenta na estrutura organizacional da escola, entendida como "um lugar com segurança reforçada, boa estrutura e um espaço agradável e propicio ao aprendizado" com fiscalizaçao rotineiramente do Estado, bem como na disponibilidade de "professores e diretores integralmente disponíveis para atender as . . . necessidades" dos estudantes ("Perguntas e respostas sobre OSs atualizadas," 2015).
Quanto a constituiçao de projetos educacionais, destacamos, conforme considerado por Lopes e Macedo (2011), o necessário reconhecimento do Outro (identificaçao) na constituiçao de projetos educacionais. Essas autoras apontam que tal reconhecimento nao deve sufocar a singularidade do Outro, o que equivaleria a objetivá-lo e eliminaría a própria possibilidade de educar. Políticas de curriculo, como as propostas dos governos de Goiás e de Sao Paulo, aqui destacadas, tendem a regular os sujeitos definindo-lhes um lugar no mundo simbólico, "desconsiderando a pluralidade de suas identidades, renunciando a outras possibilidades de ser dos sujeitos" (Lopes & Macedo, 2011, p. 230). Parece ser a busca por esse reconhecimento que tem mobilizado (nao somente) estudantes nas/para as manifestaçöes e/ou ocupaçöes aqui destacadas, na perspectiva de negociaçöes frente as políticas curriculares que foram/vao se apresentando.
1"Uma Organizaçao Social (OS) é uma entidade sem fins lucrativos, uma associaçao, que, por cumprir determinados requisitos exigidos em Lei, é considerada apta para fazer parceria com o Estado nas áreas da Saúde, Cultura, Educaçao, Serviços Sociais, etc. Dentre os requisitos estao a finalidade nao lucrativa e o comando da associaçao por um Conselho de Administraçao com membros do Estado e da Sociedade". (RESPOSTAS..., 2015).
2 Nas manchetes midiáticas foram usados nomes ficticios para os envolvidos nos movimentos. Neste texto, nao há referencias a nomes de pessoas e das escolas.
3 "Segundo a Secretaria Estadual de Educaçao, o processo de reorganizaçao tinha como objetivo criar 754 escolas de segmento único, ou seja, que atendam exclusivamente uma faixa etária de ensino (só os primeiros anos do ensino fundamental, só os últimos anos do ensino fundamental ou só o ensino médio). O objetivo visava a facilitaçao da gestao das escolas, diminuindo o conflito entre os estudantes". "Com isso, 94 escolas devem ser fechadas e 754 terao seu funcionamento alterado". (A ocupaçao das escolas em SP contada pelos próprios estudantes," 2015).
REFERENCIAS
A ocupaçao das escolas em SP contada pelos próprios estudantes. (Redaçao em 9 de dezembro de 2015 as 16:39). Recuperado de https://catracalivre.com.br/geral/cidadania/indicacao/aocupacao-das-escolas-em-sp-contada-pelos-proprios-estudantes/
Contrários a novo modelo de gestao, estudantes ocupam 27 escolas em Goiás. Recuperado de http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2016-01/contrarios-novo-modelo-degestao-estudantes-ocupam-27-escolas-em-goias.
Cresce ocupaçao de escolas em Goiás em defesa da educaçao pública. Recuperado de http://www.vermelho.org.br/noticia/274565-8.
Laclau, Ernest & Mouffe, Chantal. (2001). Hegemony and socialist strategy. Londres,
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Mainardes, J., Ferreira, M. dos S. F. & Tello, C. (2011). Análise de políticas: fundamentos e principais debates teórico-metodológicos. In S. J. Ball; Mainardes, J. Mainardes (Orgs.), Políticas educacionais: Questöes e dilemas. Sao Paulo.
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Ocupaçao de escolas traz questionamento sobre avaliaçöes externas. Recuperado de http://www.tonorumo.org.br/2015/11/ocupacao-de-escolas-traz-questionamento-sobreavaliacoes-externas/.
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Peters, Michael. (2000). Pós-esruturalismo e filosofia da diferença: Uma introduçao. Traduçao de Tomaz Tadeu da Silva. Auténtica: Belo Horizonte.
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Abstract
In the methodological field, presents results of research carried out in media headlines, which gave visibility to some movements in defense of public education. In the theoretical field, it deals with a post-structural approach based on the Discourse Theory of Laclau and Mouffe (2015). From this perspective, considers as curricular demands the events proposed by the secretariats ofeducation of the states of Goiás (the implantation of Social Organizations) and of Sao Paulo (the school reorganization program) and students involved in the mentioned manifestations and occupations of schools as subjects in/of the political constitution. The subjects involved are becoming articulatory processes of negotiation, of identification, marked by contingency, trying to establish certain meanings (among others) of quality of education, not defined in first place.
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1 Universidade Estadual do Rio Grande do Norte
2 Instituto Federal do Rio Grande de Norte