Resumo: A presente pesquisa teve como objetivo analisar as percepções e formas de atuação de professoras do Ensino Fundamental I diante de situações de bullying escolar. Nesta investigação, de natureza qualitativa, do tipo estudo de caso múltiplo, assumiu-se como procedimentos metodológicos a aplicação de questionários e a realização de entrevistas semiestruturadas com professoras de quatro escolas, cada uma dela s localizadas em diferentes regiões de um município de pequeno porte do interior do Estado de São Paulo. Os resultados apontaram, conforme o relato das professoras, que os pátios das escolas são os locais onde mais ocorrem as manifestações de bullying, seguido das salas de aula. Das situações de intimidação sistemática vivenciadas, predominaram aquelas relacionadas à estrutura físico-corporal das vítimas. Embora a maioria das participantes tenha mencionado o contato com situações de bullying, na práxis pedagógica e/ou na instituição escolar onde atuam, poucas desenvolveram alguma atividade interventiva, em virtude de não terem formação ou apoio da gestão escolar para tal.
Palavras chave: Bullying escolar. Ensino Fundamental I. Práxis pedagógica.
Abstract: The present research had as objective to analyze the perceptions and forms of action of primary school teachers in front of school bullying. As methodological procedures, semi-structured interviews were carried out with the teachers offour schools, each one being located in different regions, in a small municipality in the interior of the Sao Paulo, Brazil. The research is qualitative, of the multiple case study type. According to the report of the teachers, the schools courtyards are the places where bullying occurs most often, followed by classrooms. Of the situations of systematic intimidation experienced, those linked to the physical and corporal structure of the victims predominated. Although most of the participants mentioned contact with bullying situations, in the pedagogical praxis or in the educational institution where they work, few developed any intervention activity, due to lack of training or support from school management.
Keywords: School bullying. Elementary school. Pedagogical praxis.
1Introduçao
Ao considerar a escola como o primeiro local onde ocorre a socialização entre pares de diferentes culturas, condições socioeconómicas, etnias e generos, identifica-se uma diversidade sociocultural nem sempre aceita ou respeitada, sobretudo quando é posta em cheque diante de valores difundidos e tidos como hegemónicos no atual sistema, que por sua vez estäo arraigados em processos de desigualdade social (FRANCISCO; LIBÓRIO, 2015; SILVA; COSTA, 2016).
Diante dos casos de intolerancia e da intimidação sistemática, fruto das relações sociais produzidas cotidianamente, esta pesquisa restringiu-se as ocorrencias no ámbito da escola, classificadas na literatura como bullying escolar. A respeito do processo histórico que deu origem aos estudos sobre o bullying, destaca-se o sueco Dan Olweus, pioneiro nas investigações sobre o tema. Suas motivações decorreram do suicidio de tres adolescentes, perseguidos e intimidados por colegas em uma escola norueguesa, ainda na década de 1970 (OLWEUS, 1991).
No Brasil, as pesquisas relacionadas ao tema säo mais recentes, uma vez que tiveram inicio somente no fim dos anos 1990 (FANTE, 2005). Entretanto, o bullying passou a receber maior visibilidade social após expressiva divulgação da tragédia ocorrida em uma escola do Rio de Janeiro, conhecida como o massacre de Realengo. Na ocasiäo (07 de abril de 2011), 12 crianças foram assassinadas, sendo que o atirador e também autor do massacre já havia estudado na referida unidade escolar. Segundo relatos, o autor dos disparos foi vítima de intimidação sistemática por parte dos colegas de escola. Este fato deu origem a Lei n° 13.277/2016, decretada e sancionada pela entäo Presidenta Dilma Rousseff, que instituiu o dia 07 de abril como o Dia Nacional de Combate ao bullying e a violencia na escola (BRASIL, 2016).
Olweus (1993) caracteriza o fenómeno como a manifestação de comportamientos agressivos e intimidadores, dentre os quais se destacam as diversas técnicas de amedrontamento que resultam em atos violentos (físicos ou verbais), intencionais e repetitivos contra um individuo (vítima/alvo), decorrentes da ação de um agressor agindo sozinho ou coletivamente. Superando por incorporação essa conceituação, Francisco e Libório (2011) e Francisco e Coimbra (2019) apontam que o bullying deve ser entendido como uma manifestação humana, socialmente construida, sendo esse um aspecto negligenciado em parcela expressiva dos estudos sobre o assunto. O agressor e a vítima näo säo os únicos responsáveis pelas ocorrencias, deve-se considerar a força dos valores sociais e crenças culturais que ensejam práticas pouco empáticas.
Lisboa, Braga e Ebert (2009) classificam o bullying em dois tipos2, ou seja, o direto e o indireto. No bullying direto, os agressores sao passíveis de identificação (a vítima sabe com exatidão quem está praticando), uma vez que utilizam agressöes físicas, verbais e/ou materiais. Por vez, no bullying indireto, esse processo de identificação dos agressores é mais difícil, pois ele se consubstancia por meio de fofocas, boatos e difamações que, comumente, provocam o isolamento social das vítimas.
Para Fante (2005), dentre os diferentes papéis que os(as) estudantes assumem nas situações de bullying, destacam-se os(as) agressores(as), vítimas (típicas, provocadoras ou agressoras) e os(as) espectadores(as) (testemunhas). Contudo, nao há consenso na literatura sobre essa classificação, visto que autores como Lopes Neto (2005) e Oliboni (2008) utilizamse das nomenclaturas alvos (vítimas) e autores (agressores).
Em linhas gerais, o bullying traz uma série de implicações e consequencias para todos os envolvidos. Via de regra, as vítimas sofrem seus efeitos a curto prazo, dentre os quais se destacam as reações psicossomáticas, a insônia, a falta de amigos, o absenteísmo, a evasao escolar, além de comportamientos de risco a saúde, tais como o uso de drogas (LISBOA; BRAGA; EBERT, 2009; CHAVES; SOUZA, 2018; SILVA et al, 2018). A longo prazo, destacam-se a dificuldade de estabelecer relações interpessoais e o surgimento de quadros depressivos que, em casos mais extremos, podem levar ao suicídio (FANTE, 2005; CHAVES; SOUZA, 2018).
No que tange a figura dos agressores, há uma maior probabilidade dos mesmos se envolverem em atos infracionais no futuro (ZAINE; REIS; PADOVANI, 2010). É ponto assente que estes últimos também precisam de ajuda, visto que suas ações sao social e culturalmente construídas (FRANCISCO; COIMBRA, 2015, 2019). Já os espectadores, mesmo que nao tenham uma participaçao ativa nas ocorrencias, podem desenvolver dificuldades de relacionamento entre seus pares (FANTE 2005; SILVA et al., 2017).
Mesmo diante das consequencias elencadas, muitas vezes o bullying é banalizado tanto nos espaços escolares e quanto na sociedade. Há de se pensar em programas de combate mais amplos, que contemplem a heterogeneidade dos sujeitos sociais (FRANCISCO; LIBÓRIO, 2015; CHAVES; SOUZA, 2018), de forma que nao fiquem restritos a nomear X ou Y como responsáveis pelas ocorrencias.
Destarte, é necessário investigar a raiz do problema considerando os aspectos sociais, culturais, políticos e económicos que influenciam a proliferaçao do bullying no cotidiano escolar. Há que se pensar em projetos mais amplos que tenham foco na superaçao das relações que existem no cotidiano escolar e para além dele, com o objetivo de prevenir a exclusao dos alunos. Se o bullying é uma manifestação humana, produzida culturalmente, a mesma sociedade que a pratica tem os meios e condições para superá-lo (FRANCISCO; LIBÓRIO, 2015).
Ventura, Vico e Ventura (2016) apontam a importancia de o tema ser abordado desde a formação inicial de professores(as) e se estender aos processos de formação continuada. Mesmo diante das diversas tragédias anunciadas, as políticas públicas, os cuniculos e os estudos científicos ainda são dispersos. Segundo os referidos autores, é papel das instituições educativas a prevenção, o reconhecimento e o combate ao bullying escolar.
Alguns/Algumas professores(as) tem difculdade em lidar com as ocorrencias de bullying, mas é necessário ressaltar que isso nāo se dá por falta de vontade, e sim pela falta de conhecimentos sobre o assunto (TOGNETTA; VINHA; AVILÉS, 2014; VENTURA; VICO; VENTURA, 2016). Como consequencia, muitas vezes as intervenções dos(as) professores(as) perante as ocorrencias acabam por naturalizar o bullying enquanto uma violencia habitual (SILVA; COSTA, 2016; VENTURA; VICO; VENTURA, 2016).
A responsabilidade de formar professores(as) capacitados(as), inicialmente, perpassa as universidades. Elas devem assumir um curriculo que dialogue com as necessidades reais das escolas. No que tange ao bullying escolar, os(as) professores(as) precisam ser capacitados para preveni-lo, identificá-lo e intervir coletiva e individualmente, quando necessário. Um(a) professor(a) bem formado(a) se sente apto(a) a lidar com qualquer manifestação de violencia (TOGNETTA; VINHA; AVILÉS, 2014; VENTURA; VICO; VENTURA, 2016).
Tal pesquisa se justificou diante da necessidade de se produzir mais conhecimentos acerca do tema, em consonancia com a realidade brasileira, a fim de se romper com discursos advindos do senso comum que ainda o tratam como algo natural, diante do processo de desenvolvimento humano (FRANCISCO; LIBÓRIO, 2015; CHAVES; SOUZA, 2018). Partindo dos aspectos destacados anteriormente, assumiram-se as seguintes problemáticas para esta pesquisa: O que pensam os(as) professores(as) do Ensino Fundamental I sobre as situações de bullying na escola? Como agem diante de tais ocorrencias? Na formação inicial ou nos espaços de formação continuada, o bullying escolar foi abordado? De que forma?
Como objetivo central a pesquisa primou por analisar as percepções e formas de atuação de professores(as) do Ensino Fundamental I perante situações de bullying escolar.
2Procedimentos Metodológicos
Na busca pela compreensao das percepções e atitudes dos(as) professores(as) do Ensino Fundamental I perante o bullying escolar, optou-se por uma pesquisa de natureza qualitativa, do tipo estudo de caso múltiplo. A pesquisa qualitativa responde a questöes muito particulares, "[...] trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profando das relações, dos processos e dos fenómenos que nao podem ser reduzidos a operacionalizaçao de variáveis" (MINAYO, 2002, p. 21-22).
Para Guerra (2014, p.11), a "abordagem qualitativa, [...] objetiva aprofiondar-se na compreensao dos fenómenos que estuda - ações dos individuos, grupos ou organizações em seu ambiente ou contexto social". Para tanto, são valorizadas suas impressöes e percepções.
Como destacado, nesta investigaçao, optou-se por abordar as percepções e ações de professores(as) do ensino fundamental I atuantes em distintas escolas vinculadas a rede municipal, sobre o bullying escolar. Tais aspectos alinham-se aos preceitos do estudo de caso múltiplo. Para Stake (2000), nessa modalidade procura-se captar a complexidade de um "sistema" em sua atividade, como por exemplo, nos casos onde vários individuos, simultaneamente, mesmo que em variadas realidades, vivenciam o mesmo processo.
2.1 Instituiçoes e participantes
A pesquisa foi desenvolvida em quatro escolas de um municipio de pequeno porte do interior de Sao Paulo, nas quais estao matriculadas crianças do Ensino fundamental I, ou seja, estudantes do 1° ao 5° ano. A escolha por essas escolas se deu na expectativa de abarcar uma unidade de cada regiao do municipio investigado. O municipio, de acordo com o senso, possui aproximadamente 25 mil habitantes (IBGE, 2010). Essa diversidade de escolas contemplou sujeitos que atuam com populações em condições económicas distintas. Por vez, o municipio foi escolhido em funçao das gestoras da Secretaria Municipal de Educaçao apresentarem postura de abertura e diálogo continuo com as universidades localizadas na regiao, inclusive através de parcerias viabilizadas em projetos de pesquisa e extensao.
2.2 Questionário e entrevistas semiestruturadas
Com a autorizaçao da Dirigente Municipal de Educaçao, procedeu-se ao contato com as direções de cada unidade escolar a fim de obter seu consentimiento e explicitar os objetivos da pesquisa. Foi estipulado que a coleta de dados ocorrena antes das Aulas de Trabalho Pedagógico Coletivo (ATPCs), momento de maior disponibilidade dos(as) entrevistados(as). Em conversa com os(as) professores(as) que demonstraram interesse e que preencheram o Termo de Consentimiento Livre Esclarecido (TCLE), foi entregue inicialmente um questionário com tres questöes abertas, a fm de utilizar as respostas para a seleção dos(as) professores(as) que participariam das entrevistas semiestruturadas. As questöes do questionário objetivavam saber se os eventuais participantes sabiam o que era o bullying escolar; se havia casos de bullying em sua sala; e se já desenvolveram ou desenvolviam alguma intervenção/projeto a fim de coibir tal manifestação de violencia.
Vale apontar que, durante o processo de aplicação do questionário, os(as) professores(as) que se opuseram participar da investigação ficaram numa posição defensiva, ao alegarem que a universidade apenas os(as) procura para realizar pesquisas e criticá-los(as). Mesmo diante da contraposição de tais argumentos e da explicação de que mo era essa a perspectiva assumida pelos(as) pesquisadores(as) responsáveis por esta pesquisa, vários(as) docentes não se sentiram mobilizados(as) a contribuir. Dessa forma, 20 professores(as) das escolas selecionadas responderam as questöes iniciais.
Em posse das respostas, os(as) participantes das entrevistas semiestruturadas foram aqueles(as) que souberam identificar o que era o bullying escolar; que já presenciaram situações em suas turmas; e que acenaram positivamente ou negativamente para o desenvolvimento de intervenções/projetos. Foi garantida a participação de dois/duas docentes por unidade escolar, totalizando oito participantes no segundo momento da investigação.
As entrevistas semiestruturadas foram realizadas de forma individual com as professoras selecionadas (08), e ocorreram por meio de um encontro em cada escola. As entrevistas foram gravadas. Em linhas gerais, as questöes das entrevistas objetivaram: a) saber o que pensavam sobre as situações de bullying ocorridas no ambiente escolar; b) averiguar se o tema foi contemplado durante a formação inicial e se era abordado durante a formação continuada; c) conhecer os criterios utilizados para identificar situações classificadas como bullying; d) levantar as principais características percebidas pelas professoras no que tange a difusäo do fenómeno; e) e os procedimentos adotados mediante tais ocorrencias.
O material, coletado por meio das entrevistas, passou por um processo de transcriçao, sendo organizado em eixos analíticos visando a problematização do presente estudo. O primeiro refere-se as "Percepções, concepções e processos de identifîcação do bullying escolar", ao passo que o segundo diz respeito a "Abordagem do bullying escolar na formaçao inicial e continuada e os reflexos na práxis pedagógica".
3Análise e discussäo dos dados
3.1 Percepçoes, concepçoes e processos de identificaçao do bullying escolar
Inicialmente, ao serem abordadas as impressöes sobre o bullying nos espaços escolares, das oito entrevistadas, cinco responderam que cabia ao professor ter um olhar voltado para tais ocorrencias. Abaixo se apresentam exemplos de falas:
Para mim o bullying deve ser aniquilado do ambiente escolar, pois ele produz sérias consequencias para a vida das crianças, tanto no seu desempenho escolar quanto na sua formaçao de personalidade, produzindo exclusao social, medo e, muitas vezes, o suicidio. Nós professores devemos estar atentos a todo o momento diante dessas ocorrencias, para nao serem passadas despercebidas. (VANESSA, ESCOLA 1, 2018).
Essas situações para mim, em minha formaçao era visto como algo natural. Mas hoje percebo que esta palavra forte vem modificando a vida de muitas crianças no ambiente escolar e cabe a nós professores buscar uma formaçao continuada para saber lidar com estas questöes preocupantes, pois queremos o melhor para nossos alunos. (MARIA, ESCOLA 2, 2018).
Nos exemplos supramencionados, identificou-se também a compreensao de que a formaçao de professores(as) é imprescindivel para uma efetiva intervençao diante das ocorrencias de intimidaçao sistemática. Nessa perspectiva, Pippi (2015), Ventura, Vico e Ventura (2016) apontam que é papel da comunidade escolar estar atenta a todo tipo de violencia, de modo que nao se tolere as manifestações explícitas ou implícitas. Para tanto, a comunidade escolar precisa refetir e buscar soluções para os problemas relacionados a violencia produzida num contexto especifico. Esse entendimento questiona, por exemplo, as perspectivas que buscam apenas criminalizar o bullying escolar ao tirar dos agentes educacionais a possibilidade de resolver aquilo que foi produzido socialmente através do diálogo e de ações interventivocoletivas.
Tal compreensao coaduna com o entendimento de que um simples programa de intervençao nao seja capaz de extirpar tais situações. Dai a importancia de se considerar o fenómeno em intersecçao com os aspectos sociais, políticos, económicos e culturais que influenciam as condutas dos(as) estudantes (FRANCISCO; LIBÓRIO, 2015; CHAVES; SOUZA, 2018). Eles(as) precisam ser levados(as) a entenderem de que forma a intimidaçao sistemática se produz no ambiente escolar, bem como os valores difundidos no sistema capitalista que culminam em práticas de ódio e de intolerancia.
Ao serem questionadas sobre os locais onde predominam as ocorrencias de bullying, todas as participantes sinalizaram o pátio das instituições, seguido das salas de aula, como exemplificado nos relatos abaixo:
Eu acho que o bullyingé pior no intervalo, mas dentro da sala também acontece. Mas como na sala a gente fica mais em cima, no momento voce já chama atençao e intervém. Já no intervalo por serem muitas crianças, as vezes, acaba passando e eles nao informam os tios (inspetores), só reclamam na sala para mim de alguma criança de outra sala ou algo do tipo. Entao acredito que no intervalo ocorra mais, por serem poucos inspetores para tantas crianças. (ESTER, ESCOLA 1, 2018).
As situações ocorriam desde a sala até o intervalo. Mas no intervalo era mais intenso, pois eles voltaram de uma forma diferente, eu notava. Acho que porque nao tinha muita gente vendo né, entao podiam falar o que pensavam. (MARIA, ESCOLA 2, 2018).
Na sala ocorre, mas fora dela é com mais frequencia, pois na volta do intervalo é que ouvia mais conversa, sem a monitoria é maior. Na sala por ter a autoridade do professor eles ficam acanhados, mas nao que nao poderia acontecer também, mas fora era com mais frequencia. (BRUNA, ESCOLA 3, 2018).
Tais dados corroboram as constatações realizadas por Ventura, Vico e Ventura (2016), devido ao fato de que os pátios escolares, assim como os banheiros e refeitórios, possuem menor vigilancia, todavia os autores ressalvam que devemos ficar atentos, pois o bullying nao ocorre apenas nesses locais. É importante destacar que tais dados estao assentados sob o olhar das professoras participantes desta investigaçao, visto que em pesquisas desenvolvidas sob a perspectiva dos estudantes, no contexto brasileiro, as salas de aula foram consideradas os espaços de maior difusão dos casos de intimidaçao sistemática (FANTE, 2005; FRANCISCO; LIBÓRIO, 2009; ZEQUINÄO et al, 2016).
Outro questionamento feito as participantes referiu-se a suas percepções sobre o sexo dos envolvidos nas situações de bullying. A maioria apontou o sexo masculino, até mesmo no papel de agressores. Na sequencia explicitam-se alguns exemplos de falas:
De conflitos maiores foram com meninos. As meninas eram as que ficavam quietinhas, manipulando a situaçao. Os meninos tinham muito de quererem se aparecer mais, entao muitas vezes saiam no braço para disputar força e masculinidade (SILVIA, ESCOLA 3, 2018).
Na maioria dos casos principalmente o agressor vem por parte dos meninos, geralmente os meninos apresentam este tipo de comportamento (FERNANDA, ESCOLA 4, 2018).
Embora os posicionamentos dos(as) professores(as) que vivenciam o dia a dia da educaçao básica devam ser considerados, é oportuno destacar que as atitudes dos(as) estudantes fazem parte de um sistema de relações sociais que demarcam as influencias culturais. Nao obstante, há vários estudos evidenciando que tanto meninos quanto meninas atuam como agressores(as) em situações de intimidaçao sistemática. (FRANCISCO; COIMBRA, 2015; ZEQUINÄO et al,2016; SILVA et al, 2018).
Pippi (2015) complementa sobre a necessidade de compreender as atitudes dos(as) envolvidos(as) e o porque de sua ocorrencia dentro das escolas, além do fato de que elas nao devem ser entendidas de maneira isolada, mas dentro de um contexto social, histórico e cultural frente as múltiplas determinates do atual modelo de sociedade. Nesse sentido, compreende-se que as ações ocorridas dentro dos muros escolares são reflexo da materialidade e objetividade das relações humanas, legitimadas mediante os saberes produzidos socialmente (REIS; CARVALHO, 2017).
3.2Abordagem do bullying escolar na formaçao inicial e continuada e os reflexos na práxis pedagógica
Ao questionar as participantes sobre as vivencias diante do tema bullying escolar, seja na formaçao inicial e/ou continuada, bem como a forma com que o mesmo foi abordado, constatou-se que em alguns casos ele foi debatido, mas apenas superficialmente. Abaixo sao apresentados alguns exemplos dos apontamentos feitos por elas:
Depois da faculdade nao me lembro de termos nenhuma formação específica sobre o bullying. Estou na rede há pouco tempo, ingressei ano passado no ensino fundamental, entao ainda estou começando né [...], mas na faculdade a gente ouvia bastante falar sobre isso. Eu lembro que a gente assistia alguns filmes, falando sobre o bullying de forma mais geral e, as vezes, abordava o que a gente deveria fazer, estar sempre conversando com as crianças e orientando, mas apenas na época da faculdade mesmo (ESTER, ESCOLA 1, 2018).
Na faculdade sim, via com frequencia sobre o conceito, quais atitudes sao adequadas em determinados momentos. Porém, é só na prática que sabemos como lidar, porque cada caso é um caso e nao podemos generalizar. Nos ATPCs nunca abordaram o assunto, pelos menos desde quando eu leciono aqui (VANESSA, ESCOLA 1, 2018).
Nao foram abordados! Em nenhum momento da minha faculdade essa palavra compareceu. Acredito ser um termo muito novo, perto da época que me formei. Mas nos ATPC sim, foram trabalhadas essas questöes, como uma forma de ajudar os professores a perceber as situações e intervir de forma mais ampla. Eu nao tive muitos casos de bullying nesta institui&ecedil;ao graças a Deus (MARIA, ESCOLA 2, 2018).
Eu me formei no ano de 2000 e, sinceramente, na época da minha formaçao essa palavra, acredito eu que seja um termo recente, pois essas situações já ocorriam, mas nao eram retratadas da forma que é agora [...]. Entao, foi dentro da formaçao continuada mesmo que esse termo apareceu e começou a se discutir mais, a questao dos direitos. Nos ATPCs foi mais por exigencia dos professores, porque eram situações que nao sabíamos mais como lidar e precisávamos de ajuda para intervir nessas situações (SILVIA, ESCOLA 3, 2018).
Embora nao haja consenso na fala das participantes, é evidente que as mais jovens tiveram contato com o tema em sua formaçao inicial, algo que é plenamente compreensível tendo em vista que a emergencia do tema no contexto brasileiro se deu a partir dos anos 2000 (FANTE, 2005; ANTUNES; ZUIN, 2008). A despeito de tres escolas terem realizado discussöes sobre o tema em seus ATPCs - a exceçao da escola 1 -, conforme o relato das participantes, urge a necessidade de uma formaçao mais consistente, capaz de superar o caráter informativo sobre o assunto. Os(as) professores(as) precisam se apropnar, inclusive, de literaturas científicas, de modo a objetivar tais conhecimentos e lidar com as situações de bullying por meio de intervenções mais amplas que conduzam os estudantes a refetirem sobre os motivos que ocasionam a produçao de situações de intimidação sistemática (LIMA; PEREIRA; FRANCISCO, 2018).
Ventura, Vico e Ventura (2016) reforçam a necessidade de preparação dos(as) educadores(as), seja na formação inicial, seja na continuada, capacitando-os(as), para que tenham condições de identificar, prevenir e combater o bullying de maneira efetiva. No que tange aos momentos de formação continuada, há que se garantir que a comunidade escolar seja sensibilizada para nao banalizar e negligenciar as situações de violencia vivenciadas pelos(as) estudantes. O embasamento científico coloca-se como um instrumento fundamental para auxiliar qualquer tipo de intervenções a fm de se romper com justificativas e ações ancoradas no senso comum (LIMA; PEREIRA; FRANCISCO, 2018).
As professoras também foram questionadas sobre os acontecimientos que já presenciaram em sua práxis pedagógica, caracterizados como bullying escolar. Segundo os relatos apresentados na sequencia, constata-se uma propensao de intimidações ligadas a estrutura físico-corporal das vítimas, de tal forma que há a rejeiçao por parte daqueles(as) que nao se adéquam aos padröes socialmente normatizados.
Sim, na minha sala do ano passado havia muitos alunos que gostavam de menosprezar os outros. Entao informei a direçao que faria uma intervenção diferente e mesmo contra muitas opiniöes eu fiz, cheguei na sala e comecei a ofender esses alunos que gostavam de intimidar os outros, mas claro, com palavras que nao me prejudicaria, comecei a ignorá-los e eu via no olho deles que eles estavam se sentindo mal e excluidos e persisti nisso durante toda aula. Fomos a quadra e estes alunos ficaram de canto, conversando sozinhos, coisa que nunca haviam feito no decorrer do ano letivo. Ao voltar para a sala conversei com eles e eles choraram muito e disseram que nao sabiam o quanto era ruim ouvir ofensas o tempo inteiro. Nao acredito que tenham mudado da água para o vinho, mas eu vi uma melhora significativa em suas atitudes (VANESSA, ESCOLA 1, 2018).
Nesta escola eu nao presenciei muitas situações alarmantes, nao. Mas em outras escolas sim, nao vou citar o nome para nao comprometer a gestao escolar, mas lá a situaçao era outra, os alunos eram terriveis, faziam o que queria e ninguém tomava uma atitude, o motivo eu nao sei. Os alunos costumavam se insultar por características físicas, coisas do tipo: Voce é gorda, seu cabelo é duro e outras coisas que magoam (MARIA, ESCOLA 2, 2018).
Sim, eu tinha uma aluna que era mais gordinha que os amigos, ela se aceitava como ela era, mas se incomodava muito com os apelidos que colocavam nela. Nesta escola ainda nao presenciei nada por enquanto (GABRIELA, ESCOLA 2, 2018).
No decorrer do ano passado, eu presenciei sim esse bullying porque eu tinha uma menina na minha turma que era de baixa estatura, gordinha e negra. Entäo ela tinha todos os fatores que nao eram bem vistos dentro do padräo, entäo por muitas vezes eu tive que parar a aula e fazer um trabalho dentro do meu pequeno grupo, ela chorava, ficava acanhada e eu näo achava legal (BRUNA, ESCOLA 3, 2018).
Sim, nesta escola e em outras eu vejo ocorrendo principalmente com crianças obesas e negras (FERNANDA, ESCOLA 4, 2018).
Tais achados coadunam com os apontamentos de Antunes e Zuin (2008), para quem o preconceito constitui-se como um fator de risco e que determina influencias diretas na propagação do fenómeno, pari passu, reforça estereotipos fsico-corporais e modos de ser e agir que passam a ser aceitos ou rejeitados culturalmente. Oliveira (2015) pondera sobre as influencias culturais, visto que um aspecto a ser combatido e problematizado junto aos(as) estudantes refere-se a dimensäo da competição, inerente ao sistema capitalista.
Conforme Oliveira (2015), a competição é reforçada, muitas vezes, pelos(as) próprios(as) docentes como estratégia para despertar o interesse dos(as) estudantes em relação as atividades escolares, mesmo que tal recurso näo seja científicamente aceito. É importante näo perder de vista que a competição exacerbada gera frustações, ao fazer que os(as) estudantes prendam-se a padröes preestabelecidos e que väo sendo internalizados e legitimados socialmente em perspectivas etnocentricas.
Como exemplo, menciona-se os concursos de miss e mister promovidos nas escolas, eventos que, por sua vez, reforçam os padröes difundidos pela mídia e meios de comunicação, bem como ações de premiação de estudantes com bom desempenho académico, em detrimento dos que apresentam dificuldades de aprendizagem, dentre outras. Nessa perspectiva, Francisco e Libório (2015) acrescentam que o bullying reflete a nâo aceitação das diferenças socioculturais, reforçadas por uma sociedade que propaga o individualismo.
É importante ponderar ainda que, quando se defende que os(as) professores(as) devem agir perante situações de intimidação sistemática, näo se compactua com os exemplos de intervenção mencionados pela professora Vanessa. Até mesmo porque suas ações foram permeadas pela dimensäo da violencia. Daí é que ganham consistencia os pressupostos da pedagogia histórico-crítica, já que os(as) professoras precisam ter clareza de que o ponto de partida para qualquer interve^äo é a própria prática social. Do ponto de vista pedagógico, estudantes e professores(as) se encontram em níveis distintos de compreensäo da prática social (conhecimento e experiencia), a despeito de que os(as) professores(as) tenham ainda uma síntese precária desse primeiro momento (coletivo em que atuam e como o fenómeno se manifesta), bem como os(as) estudantes uma compreensäo sincrética. É por meio da problematizaçao que se podem identificar as questöes que precisam ser sanadas e o conhecimento necessário em tal processo (SAVANI, 2012).
Segundo Saviani (2012), é por meio da instrumentalização que os (as) professores(as) mediarão junto aos estudantes os instrumentos teóricos e práticos capazes de equacionar os problemas identificados na prática social, qual seja, as intimidações sistemáticas, como no caso em apreciação. Assim, ocorrerá uma catarse, ou seja, "a efetiva incorporação dos instrumentos culturáis, transformados agora em elementos ativos de transformação social" (p. 71). É lógico que a ideia de transformação está ancorada a uma perspectiva de que professores(as) e estudantes tenham consciencia dos condicionantes histórico-sociais na educaçao, bem como que qualquer atividade interventiva deverá estar atrelada a ideia de superaçao do atual sistema de relações sociais, devido ao fato de que o bullying escolar é um fenómeno produzido histórico e contextualmente.
Nessa perspectiva, a própria prática social será o ponto de chegada, nao mais compreendida em termos sincréticos pelos(as) estudantes, que agora ascendem ao nivel sintético, ou seja, da síncrese a sintese. Por conseguinte, a compreensao dos(as) professores(as) se tornará mais orgánica (SAVIANI, 2012).
Tais elementos teóricos sao necessários, sobretudo, para problematizar os questionamentos feitos as professoras, se já haviam presenciado alguma situaçao de bullying nas escolas onde atuam, e quais os tipos de intimidaçao mais difundidos. Os dados apresentados na sequencia complementam aqueles problematizados anteriormente, bem como as discussöes empreendidas sobre as características presentes nas situações de violencia denunciadas:
Eu observo mais o bullying direto em relaçao a aparencia, pois sao coisas mais nítidas de serem observadas, sao a primeira impressao que temos do outro e é algo que nao podemos mudar muitas vezes, entao afeta e muito (MARIA, ESCOLA 2, 2018).
As crianças apontam geralmente para o bullying direto em relaçao aos mais gordinhos e os que possuem mais dificuldades, seja comportamental ou pedagógica, isto é, pessoas mais tímidas e fechadas e aqueles que tem algum distúrbio de aprendizagem, como o déficit de atençao (GABRIELA, ESCOLA 2, 2018).
Presenciei bullying de todos os tipos, mas como disse, o físico nao era tao evidente. Mas o social era muito frequente, poucas pessoas conseguiam identificar. [...] Na minha sala me chamou muita atençao estas questöes sociais reproduzidas por eles dentro da sala de aula, sendo muito marcante, coisas do tipo: "Voce é filho de quem", "Voce passa fome", "Voce é favelado" e outros insultos. Desta forma as características físicas eram esquecidas. Mas na escola ocorria muitas agres söes físicas, uma escola muito violenta, de certa forma, justificada pela violencia social que sofriam todos os dias (SILVIA, ESCOLA 3, 2018).
Mais bullying direto a respeito de características físicas como a obesidade e a magreza, e também o indireto por meio de exclusao social dos grupos. (GIOVANA, ESCOLA 4, 2018).
Todas essas formas de difusao e propagaçao da intimidação sistemática nominadas de bullying direto pelas professoras participantes da pesquisa corroboram os achados de Marcolino et al., (2018, p. 3), uma vez que "dentre os tipos de bullying sofridos pelos estudantes, o bullying psicológico (espalhar fofocas, excluir de atividades, xingar, ameaçar, ridicularizar) predominou nas situações", aspectos relatados por um total de 23,3% dos(as) estudantes do referido estudo, ou seja, aqueles(as) que já sofreram este tipo de violencia escolar. Os autores complementam que essa modalidade de bullying, por estar associada a uma dimensáo que muitas vezes nao deixa marcas físicas, contribui para o seu processo de naturalização nas relações interpessoais dentro dos espaços escolares.
Outra dimensao contemplada nas entrevistas refere-se a averiguar se as professoras já desenvolveram e/ou desenvolvem algum trabalho e/ou atividade interventiva para problematizar e minimizar as ocorrencias de intimidação sistemática. A maioria das participantes identificaram situações de bullying em sua práxis pedagógica ou na instituiçao escolar, embora apenas tres delas relataram ter desenvolvido alguma atividade interventiva. As demais alegaram nao ter formaçao ou apoio da gestao escolar para tal. Abaixo sao apresentados trechos das participantes que desenvolveram intervenções:
Nos anos finais, 4° e 5° ano, desenvolvemos algo sim, pois já vi cartazes pela escola, no ano passado. Orientamos também os responsáveis nas reuniöes, para haver essa parceria de quando ocorrer os casos, chamamos eles para conversarem A direçao também nos dá base para lidar com essas situações, quando foge do meu controle, eles (direçao) está sempre intervindo e ajudando nesse projeto, mesmo nao sendo específico (ESTER, ESCOLA 1, 2018).
Esta escola costuma apenas nos orientar nos HTPC, os projetos ficam por conta dos professores que entendem o tipo de intervençao que a sua turma precisa né. Mas em outras escolas que lecionei nao podíamos fazer projetos e nem tocar no assunto, devíamos negar até a morte essas ocorrencias em nossa instituição e eu achava errado, pois isso nao amenizava as ocorrencias, onde já se viu fingir que nunca existiu (MARIA, ESCOLA 2, 2018).
Primeiro eu trabalhei o respeito, eles deveriam entender até aonde era o outro e até aonde era ele, respeitando o outro. E depois trabalhei a questao das diferenças, pois nós nao somos iguais, todo mundo é diferente do outro, temos defeito s e qualidades, mas devemos buscar sempre as qualidades. Trouxe muitos textos informativos, reportagens e fatos que ocorriam na televisao, onde eles teriam acesso de buscar. Foi um trabalho que foi estendido por um ano inteiro, chegou a funcionar, pois a menina que sofría bullying aumentou sua autoestima e a sala de um modo geral, começou a respeitar o outro (BRUNA, ESCOLA 3, 2018).
Dos relatos supramencionados, merece destaque a fala da professora Maria, vinculada a escola 2, ao apontar que, em algumas escolas nas quais lecionou, era coibida de mencionar e, por conseguinte, intervir no assunto, como uma forma de camuflar sua existencia naqueles espaços, em específico. Oliveira (2015, p. 19) salienta que as instituições educacionais nao podem ficar indiferentes "ao tema e nem naturalizar os fatos, como se fosse apenas uma 'brincadeira' ". Ainda de acordo com autor, banalizar as ocorrencias favorece o descaso e o comprometimento educativo que se deve assumir com o ser humano e a sociedade.
Apenas a professora Bruna, da escola 3, ressaltou de forma mais consistente o processo de intervenção realizado. Por vez, embora as ações da professora Ester, da escola 1, devam ser valorizadas, elas ainda são pontuais, ou seja, não focam na raiz do problema. Perante essa questäo, Francisco e Libório (2015) ressalvam:
Há a ilusäo de que um simples programa de intervenção ou a elaboração de uma política pública em ámbito nacional seriam capazes de erradicá-lo. Como consequéncia, se estaría por ignorar várias dimensöes que exercem influencia em sua configuração, tais como, os aspectos sociais, políticos, económicos e culturais, como se a problemática fosse decorrente, apenas, das relações isoladas entre um ou vários sujeitos na realidade, desconsiderando-se a determinação da totalidade social nesse processo. Esses säo desafios que precisam ser repensados, até mesmo porque se for estabelecida uma relação com os programas de intervenção, como os de combate ao bullying escolar, percebe-se que na maioria das vezes os mesmos advem de relações verticais que näo contemplam a heterogeneidade dos sujeitos sociais (FRANCISCO; LIBÓRIO, 2015, p. 18-19).
Para os autores, a formulação de programas/políticas sociais de intervenção demanda um olhar mais crítico a fm de se evitar a adaptação dos sujeitos ao atual modelo de sociedade. Acentuam, ainda, o potencial da literatura, dos diferentes generos textuais, das obras de arte, do teatro, da música, da dança e dos filmes como um meio de favorecer uma análise da realidade e do bullying escolar para além de sua aparencia fenoménica.
4Considerares finais
Esta pesquisa, conduzida sob a perspectiva de professoras do ensino fundamental I, deve ser enaltecida, sobretudo, ao visibilizar um público que pouco comparece nas literaturas sobre o tema no contexto brasileiro. Ao serem questionadas sobre os locais onde predominam as ocorréncias de bullying, todas as participantes sinalizaram o pátio das instituições, seguido das salas de aula.
No que tange a percepção das participantes sobre o sexo dos envolvidos nas situações de bullying, a maioria apontou o sexo masculino, em especial, no papel de agressores, ao enfatizar que as meninas são mais "quietinhas" Há que se ponderar que tais dados näo podem ser interpretados de maneira isolada, sobretudo porque as ações dos indivíduos säo situadas histórica e culturalmente. Embora näo seja uma regra geral, assiste-se a um modelo de sociedade que encoraja os homens as serem mais agressivos e a afrmarem sua masculinidade, inclusive em situações tidas como violentas. Por oposiçao, as meninas sao estimuladas a manter uma postura de docilidade e submissao.
No que diz respeito ao contato com o tema do bullying escolar na formaçao inicial e/ou continuada, nao houve concordancia nos relatos das professoras. As mais jovens relataram ter visto o tema na formaçao inicial, o que coaduna com o surgimento das discussöes no contexto brasileiro - com maior enfase a partir dos anos 2000. Já as professoras com maior tempo de formaçao mencionaram a emergencia das discussöes, em suas trajetórias, somente por meio dos ATPCs, ainda que de forma pontual e paliativa.
Quando questionadas sobre os eventos que já presenciaram na práxis pedagógica e que se caracterizam como bullying escolar, conforme os relatos das participantes, predominam as intimidações ligadas a estrutura físico-corporal das vítimas, manifestadas como uma forma de rejeiçao perante aqueles(as) que nao se adéquam aos padröes instituidos social e culturalmente. Merece enfase o fato de que a maioria das participantes mencionou o contato com situações de bullying na práxis pedagógica e/ou na instituiçao escolar onde atuam, contudo, parcela expressiva sequer desenvolveu alguma atividade interventiva.
Tem-se a clareza de que nao é qualquer tipo de atividade interventiva que irá eliminar as ocorrencias de bullying. Posto isso, os estudantes, familiares e respectivos agentes escolares necessitam assumir uma perspectiva que considere o fenómeno como uma construçao social e cultural. É imperioso compreender como a intimidaçao sistemática se produz no ambiente escolar, além dos valores difundidos no sistema capitalista que, em maior ou menor grau, repercutem em situações de ódio, intolerancia e etnocentrismo, ingredientes do bullying escolar.
Para citar - (ABNT NBR 6023:2018)
LIMA, Danyelle Shmith de; PEREIRA, Rosana Aparecida Tenorio; FRANCISCO, Marcos Vinicius. As percepções e a atuaçao de professoras do ensino fundamental I diante do bullying escolar. Eccos - Revista Científica, Sao Paulo, n. 54, p. 1-18, e13919, jul./set. 2020. Disponivel em: https://doi.org/10.5585/eccos.n54.13919.
1 Esta pesquisa foi financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
2 Silva e Costa (2016) salientam, por se tratar de um tema que nas últimas décadas atraiu diversos(as) pesquisadores(as), percebe-se algumas divergencias em relaçao a sua classifıcação. Alguns o dividem em duas categorias - bullying direto e indireto ou físico e nao físico (LISBOA; BRAGA; EBERT, 2009).
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Abstract
A presente pesquisa teve como objetivo analisar as percepções e formas de atuação de professoras do Ensino Fundamental I diante de situações de bullying escolar. Nesta investigação, de natureza qualitativa, do tipo estudo de caso múltiplo, assumiu-se como procedimentos metodológicos a aplicação de questionários e a realização de entrevistas semiestruturadas com professoras de quatro escolas, cada uma dela s localizadas em diferentes regiões de um município de pequeno porte do interior do Estado de São Paulo. Os resultados apontaram, conforme o relato das professoras, que os pátios das escolas são os locais onde mais ocorrem as manifestações de bullying, seguido das salas de aula. Das situações de intimidação sistemática vivenciadas, predominaram aquelas relacionadas à estrutura físico-corporal das vítimas. Embora a maioria das participantes tenha mencionado o contato com situações de bullying, na práxis pedagógica e/ou na instituição escolar onde atuam, poucas desenvolveram alguma atividade interventiva, em virtude de não terem formação ou apoio da gestão escolar para tal.