Resumo: O presente estudo trata da formaçâo docente a partir do conhecimento de si, enquanto espaço de formaçâo e de atuaçâo professional em classes multisseriadas. Objetivou-se compreender como os professores lidam e refletem sobre as diferenças em sala de aula. Trata-se de uma pesquisa-formaçâo desenvolvida com tres professores que vivem e convivem em contextos rurais em um municipio do interior da Bahia. Esta pesquisa é fundamentada no método (auto)biográfico. Como dispositivo de recolha de informaçöes, utilizaram-se as narrativas. Percebeu-se que o conhecimento de si, como espaço de formaçâo, desencadeia uma auto, eco e coformaçâo, como principios formativos que transversalizam o fazer docente em contextos de diversidade.
Palavras-chave: classes multissseriadas; conhecimento de si; formaçâo docente; ruralidades contemporáneas.
Abstract: The present study deals with teacher formation based on knowledge of self, as a space for formation and professional performance in multigrade classes. The objective was to understand how teachers deal with and reflect about differences in the classroom. It is a research-formation developed with three teachers who live in rural contexts in a municipality in the interior of Bahia. This research is based on the (auto) biographical method. The narratives were used as a device for collecting information. It was perceived that knowledge of self, as a formation space, triggers a self, echo and co-formation as formative principles that transversalize teaching in contexts of diversity.
Keywords: multigrade classes; knowledge of self; teacher formation; contemporary ruralities.
Introduçao
Os pressupostos de formaçâo evidenciados neste trabalho acentuam-se nos principios da pesquisa-formaçâo que é inspirada na teoria tripolar de Pineau (2014), concebendo o Conhecimento de si como um espaço de formaçâo que evidencia a prática desenvolvida na docencia como um fazer que se reconfigura a partir da dinámica que se efetiva através das relaçöes que se dão no cotidiano da escola com destaque para as Séries Iniciais do Ensino fundamental em Classes Multisseriadas.
Com isso, compreendemos que uma formaçâo fundamentada numa concepçâo que toma o conhecimento de si como espaço de formaçâo e, também, o coloca como elemento constituinte do processo de formaçâo que se revela na heteroformaçâo, autoformaçâo e ecoformaçâo a partir das narrativas (auto)biográficas se coloca como um procedimento formativo construido entre e com os professores num movimento retroalimentar de açâoreflexâo-formaçâo correlacionado aos principios da autonomia, reciprocidade, auto/eco/coformaçâo que configura açöes de uma tessitura artesanal, entendida neste estudo como formaçâo.
No caso especifico do Ensino Fundamental, pensamos o Conhecimento de si na relaçâo com as práticas educativas que revelam diferenças que atravessam o cotidiano das Classes multisseriadas em escolas da roça a partir do processo de (autoformaçâo docente. Ou seja, entendemos que o trabalho com as diferenças na escola mobiliza um posicionamento politico identitário que possibilita outros modos de significar a docencia na escola básica, revelando diferentes projetos de existencia dos professores. Nas Classes multisseriadas, a formaçâo esteve sempre a deriva decorrente, entre outros aspectos, do lugar residual em que a multisseriaçâo ocupou nas políticas públicas educacionais. Na contramâo destes processos, docentes vem construindo pedagogias singulares, ancoradas em modos de ser, de viver e de produzir reflexöes sobre a docencia, que refletem o cotidiano vivido nas comunidades rurais, bem como trazem a baila as reflexöes que se produzem no seio da vivencia e produçâo de experiencias tecidas no fazer docente. Por este entendimento, o presente trabalho revela os projetos de si dos docentes ao trazerem práticas cotidianas desenvolvidas nas Classes multisseriadas e, consequentemente, na construçâo da profissâo nesse tempo-espaço formativo.
Diante deste contexto, o presente estudo buscou compreender como os professores que atuam no Ensino Fundamental em Classes multisseriadas lidam e refletem sobre as diferenças em sala de aula? Quais elementos do Conhecimento de si constituem-se enquanto espaço de formaçâo para e com a docencia na roça? Desse modo, o objetivo dessa investigaçâo teve como centralidade compreender o Conhecimento de si como um espaço de formaçâo que evidencia as práticas desenvolvida na docencia em classes multisseriadas como um fazer que se reconfigura a partir da dinâmica que se efetiva através das relaçöes que se dão no cotidiano da escola.
Neste sentido, este texto organiza-se em tres seçöes, nos quais procuramos apresentar a trajetória da pesquisa a partir da Pesquisa-formaçâo, o Conhecimento de si como espaço formativo e, por fim, as dimensöes do Conhecimento de si no processo de formaçâo dos docentes na relaçâo com a diferença no trabalho com as Classes multisseriadas.
Percurso metodológico
Para o desenvolvimento deste estudo, utilizamos a Pesquisa-formaçâo por trazer a possiblidade de (re)flexionar a respeito do conhecimento de si como espaço de formaçâo e compreensâo das diferenças neste contexto. Esclarecemos, como muitos pesquisadores o fazem como o caso de André (2002), que a pesquisa-formaçâo nâo constitui um tipo específico de metodologia de pesquisa, mas uma genese desta que se fundamenta no poder que a própria pesquisa tem de produzir formaçâo em quem se envolve com ela.
Partilhando de tal compreensâo, concebemos que a presente pesquisa se tipifica, também, enquanto pesquisa-formaçâo por mobilizar os colaboradores a refletirem sobre si e sobre seus percursos, analisando na relaçâo consigo mesmo, com o ambiente da multisseriaçâo, e com os outros, formas de construir e tomar consciencia dos sentidos que imprime para aquilo que faz e como faz na escola. É o conhecimento de si como processo relevante da produçâo e elucidaçâo de como as concepçöes que se produzem sobre as diferenças na escola se singularizam nos modos de ser e de viver as práticas educativas.
Essa investigaçâo é desenvolvida com a utilizaçâo do método (auto)biográfico que compreende o movimento da pesquisa-formaçâo realizada com professores de classes multisseriadas. Para Dominicé (2014, p. 81): "(...) o estudo biográfico, apela a reflexão e resulta de uma tomada de consciencia, dá origem a um material de investigaçâo que é já o resultado de uma análise. A diversidade dos dados deve assim ser recebida como uma pluralidade de compreensão biográfica".
A pesquisa-formaçâo se colocou como um espaço de produçâo de dados que nos trouxe condiçöes de narrar a vida e os processos da docencia no Ensino fundamental em classes multisseriadas, fortalecendo o movimento de reflexividade formativa de cada envolvido. Neste contexto metodológico, o método (auto)biográfico foi uma potencia no desenvolvimento da pesquisa que realizamos, pela possıbılıdade de permitir aos sueitos envolvidos narrarem sob seus pontos de vistas e escolhas, fatos e informaçöes relevantes no percurso profissional da docencia em classes multisseriadas. Cabe ressaltar que utilizamos como instrumento de pesquisa a entrevista narrativa por entender que esta, também, constituiu-se como o dispositivo singular da narratividade, caracterizando-se como um elemento de formaçâo neste contexto da pesquisa-formaçâo.
A pesquisa configurou-se numa proposta de formaçâo que foi realizada em nove encontros, totalizando numa carga horaria de trinta horas. Em cada encontro, desenvolveramse oficinas formativas, as quais constituíram o cenário de pesquisa e produçâo de dados, como também, nos trouxe discussöes fecundas e proposiçöes de temáticas referentes as necessidades dos colaboradores da pesquisa. As entrevistas narrativas foram produzidas no ámbito das reflexöes e discussöes produzidas nas oficinas. Assim, houve o momento de narratividade de cada sujeito colaborador, fazendo fluir sua história de vida, formaçâo e desenvolvimento profissional no ámbito da docencia em classes multisseriadas. As entrevistas foram gravadas e, consequentemente, transcritas, lidas e autorizadas por cada professor colaborador deste estudo.
Neste texto, apresentaremos as experiencias (auto)formativas de tres professorescolaboradores1 que atuam em classes multisseriadas, em um municipio do interior do estado da Bahia, cujo perfil biográfico apresentado abaixo revela algumas características iniciais que (de)marcam elementos do percurso de vida e formaçâo.
Essa proposta foi intitulada de Enveredar para si e teve forte inspiraçâo nos Atelies biográficos de Delory-Momberger (2006), em que a biografia educativa se encontra atrelada a um objeto de investigaçâo - o conhecimento de si - e a um contexto educativo - as oficinas formativas. Esse aspecto metodológico da biografia educativa faz referencia a um movimento de formaçâo continua, mas exigindo momentos específicos, que favoreçam a (auto)reflexáo do docente sobre o seu percurso de vida e formaçâo, com vistas a construçâo de uma formaçâo que focalize os processos de interiorizaçâo e exteriorizaçâo em busca da consciencia de si.
Conhecimento de si: espaço formativo na escola da roça
O conhecimento de si apresentado neste trabalho está concentrado nas narrativas que possibilitam ao sujeito da/na formaçâo rememorar momentos vividos no decurso de sua vida, que constituiram e constituem suas experiencias, sendo estas evidenciadas enquanto "experiencias formadoras, as quais são perspectivadas a partir daquilo que cada um viveu e vive, das simbolizaçöes e subjetivaçöes construidas ao longo da vida" (Souza, 2006, p. 95).
Entendendo que conhecer-se a si mesmo é mobilizar os elementos que possam contribuir ao processo de interioridade que o sujeito precisa desenvolver, evocando um passado que é anunciado, no presente, como perspectiva de futuro, expondo e denunciando os fatos e momentos eleitos como importantes e necessários quando sâo invocados. Como podemos contemplar na narrativa de Edson, o conhecimento de si vai sendo desvelado como um elemento de compreensâo de seu percurso de vida-formaçâo-profissâo e reflexâo a respeito do desenvolvimento de sua prática docente.
(...) A primeira experiencia como professor, (...) foi tirando as férias de minha irma que trabalhava como educadora, pois ela tinha ganhado o primeiro bebe. (...) Fiz um teste como professor e fui contemplado. A partir do dia que comecei a trabalhar como professor, graças ao nosso bom Deus eu me senti realizado, passei a ganhar a metade do saláriomínimo. Depois vieram os poréns. Trabalhava e ficava vários meses sem receber. Mas com tudo isso que aconteceu, eu nao desisti, continuei, superei e estou trabalhando até os dias atuais. Compreendendo a importancia que tem o educador na formaçao dessas crianças, estou a cada dia buscando inovar a minha prática pedagógica. (Edson. Entrevista Narrativa, 2016)
A situacionalidade que revela a narrativa do professor Edson, traz para a cena o modo como vive a entrada na profissâo. A substituiçâo a irmâ é a primeira entrada na profissâo, após um teste para a docencia. Isso já indica a existencia de uma ideia de que, para ser docente há um saber especifico, um modo de atuar que precisa ser validado por um tipo de testagem. No entanto, o conhecimento de si emerge como principio fundante do processo, pois aponta para uma compreensao do papel educativo que tem o professor para atuar na docencia. Isso está para além do teste e da oportunidade de iniciar o exercício docente, a quem o professor atribui o feito a vontade divina, a uma dádiva, que é a permissáo de Deus para isso.
Ao estar na profissáo, a reflexáo sobre si e como atuar na produçâo de práticas educativas inovadoras é o elemento mobilizador que faz com que Edson logre condiçöes de aprender com as próprias crianças para pensar sobre o que seria inovador, com a tessitura da realidade escolar em que se encontra, para ressignificar suas práticas no ambiente, e por fim consigo mesmo para analisar o que seria e o que nao seria inovador a fim de construir para si a consciencia na necessidade de produçao de mudanças, de transformaçao das práticas que desenvolve, tornando-as, para si e para as crianças, de natureza inovadora.
Este procedimento docente exige uma reflexao sobre si, rememorando acontecimentos, tomando consciencia daquilo que foi elemento basilar do percurso de formaçao/experiencia na profissao docente. Neste trabalho, conhecer o outro retoma o lugar da escuta sensível e da valorizaçao das histórias de vida dos sujeitos envolvidos nas escolas rurais, como um fator fundante e formativo da docencia, no qual os principios de formaçao do sujeito que narra sobre si e para si estejam direcionados para a reciprocidade, criando-se maneiras de coexistencia entre estes sujeitos e suas localidades.
Neste caso, o conhecimento de si se coloca como uma perspectiva de outros espaços de formaçao na escola rural, por sinalizar para as diversas veredas que poderao nos conduzir a construçao de uma educaçao que valorize os sujeitos em suas condiçöes de existencia, compreendendo que o seu ser-fazer engloba uma multidimensionalidade responsável pelo que Josso (2008) considera como projeçao de si, provocando uma reorientaçao do sujeito, que se (re)posiciona diante de suas perspectivas de futuro, estas que sao, por sua vez, reavaliadas, revistas e repensadas, como parte de sua exterioridade enquanto ser-sujeito.
O professor Clóvis ao refletir sobre sua posiçao social diante da visao dos pais, revela um modo próprio do conhecimento de si e de sua funçao social que vai além do que os pais atribuem a ele frente a missao de ensinar aos filhos. Instaura-se uma perspectiva reveladora do conhecimento de si que eclode no processo de retomada das memórias de nossa trajetória de vida-formaçao-profissao, como uma maneira de entender como a produçao de sentidos na docencia em classes multisseriadas. Refletir sobre si e sobre seu papel enquanto docente no contexto das escolas multisseriadas, faz com que surjam modos próprios de entender-se na docencia pela relaçao com o outro e de confiança que lhe é depositada.
Isso gera uma condiçâo reflexiva, por meio da qual os professores vejam-se em condiçöes de (re)significarem seus fazeres e lançarem mão de principios formativos como açâoreflexâo-formaçâo, autonomia, reciprocidade, auto/eco/coformaçâo e diversidade como modos de pensar a formaçâo atrelada a suas trajetórias de vida-profissâo-formaçâo.
A comunidade aos poucos foi se desenvolvendo e o número de crianças crescia. Os pais preocupados com a educaçao de seus filhos convocaram o prefeito do municipio e cobrou dele uma escola para que todas as crianças pudessem estudar. Por ser sempre uma pessoa responsável e por me dedicar como líder da comunidade, os pais sugeriram-me como uma pessoa capaz de ministrar aulas para seus filhos. (Clóvis. Entrevista narrativa, 2016)
Nesse sentido, o conhecimento de si nos oferece condiçöes de desenvolvimento de uma formaçâo docente baseada em perspectivas que valorizam e consideram, como elemento importante da construçâo de um fazer docente condizente com o protagonismo dos que ensinam e dos que aprendem, a experiencia daqueles que se encontram envolvidos no cotidiano das escolas rurais. Assim, estar na condiçâo docente tem um atributivo social demarcado pelas relaçöes que se estabelecem com os estudantes e com os pais, de quem o professor recebe a ideia de representaçâo de que tem plenas condiçöes de educar e de desenvolver um papel social que modifique as realidades dos estudantes.
Trata-se de um espaço de formaçâo na escola rural que é prospectado a partir do conhecimento de si e do outro, colocando-se, entâo, como uma condiçâo que emerge da vontade do docente em se predispor a conhecer a si mesmo como pressuposto para o conhecimento do outro, focado em um processo de unicidade e alteridade, pelo qual se coloca, a priori, a relaçâo do docente consigo mesmo e, a posteriori, a relaçâo com o outro.
Nesse caso, Josso (2010) reitera que esse é um momento em que o docente toma consciencia de uma consciencia que deve ter sobre si mesmo, ressurgindo do coletivo, cultural e biológico, e buscando sua individuaçâo a partir da unicidade. Isso se dá a partir de um processo que envolve revisitar pontos significantes de nossas vidas e, mais especificamente, da nossa experiencia como docente.
O coletivo se evidencia na narrativa de Clóvis quando ele situa a sua condiçâo de docente pelo aspecto colaborativo e relacional com os pais, com aquilo que estes expressam sobre a condiçâo do professor exercer sua funçâo, bem como com as crianças, com quem exerce reflexâo sobre pontos significantes das vidas destas e da missâo de educá-las no contexto da cotidianidade da multisseriaçâo. Isso tem a ver com as formas de consciencia de si e de seu papel que sâo mobilizados no contexto da pesquisa-formaçâo, quando o professor ao narrar evoca a sı e para si os sentidos que sua atuaçao enquanto docente produz no ato reflexivo que Clóvis faz de si e de sua condiçao de professor.
Quando colocamos em evidencia o conhecimento de si como uma premissa, em que o docente tem a oportunidade de refletir a respeito de sua experiencia e formaçâo, o fazemos ancorados nos fundamentos dos estudos de Josso (2010). Estes apresentam o conhecimento de si como um pressuposto do engajamento docente no seu próprio processo de formaçâo, perpassando pelas questöes de autonomizaçao, individuaçao e interioridade, e compreendem, assim, quais sao os elementos fundantes de sua prática docente, ao refletirem sobre sua intencionalidade.
O movimento de conhecer-se a si mesmo está fundado na busca que o sujeito faz de sua individuaçao, para entender os processos de subjetivaçao e sua relaçao com os grupos em que está inserido. Complementando tal pensamento, Souza (2006, p. 138) menciona que "o sujeito desloca-se numa análise entre o papel vivido de ator e autor de suas próprias experiencias, sem que haja uma mediaçâo externa de outros".
Esse sujeito passa a ser o responsável pela mobilizaçao dos elementos próprios e intrínsecos a suas necessidades formativas, uma vez que se coloca numa condiçao de reflexao e autorreflexao, a partir da rememoraçao do seu percurso de vida, pessoal e professional, escrevendo e se inscrevendo em suas narrativas, sem a intervençao de outrem, pois o conhecimento de si somente pode acontecer a partir do momento em que o próprio sujeito toma consciencia da consciencia de si (Josso, 2010), e isso só acontece no processo de individuaçao desse sujeito.
Diante disso, o conhecimento de si se evidencia como espaço potente de formaçao das trajetórias de vida e de inserçao e atuaçao professional, pois é do lugar de quem reflete sobre sua açao docente a partir do movimento de narratividade que cada professor se permitiu fazer para pensar nas questöes da diferença em classes multisseriadas.
O conhecimento de si como principio formativo e de atuaçâo na docencia em classes multisseriadas
Narrar sobre si, revelando seu percurso formativo e de atuaçao na docencia de escolas multisseriadas figura como um principio formativo de que o professor lança mao para entender e ressignificar a compreensao que produz dos seus modos de ser e de produzir experiencias no seu fazer docente. A produçao de uma narrativa (auto)biográfica evoca as subjetividades do sujeito que se fazem e refazem no discurso de si e sobre si. Nesta direçao, a perspectiva (auto)biográfica situa-se no campo da pesquisa qualitativa como uma possibilidade de desenvolvimento de pesquisa-formaçâo, uma vez que para narrar autobiograficamente o sujeito tece reflexöes que se produzem no momento da feitura da própria narrativa. Isso indica que ao narrar o professor não tem em si a clareza e as informaçöes que serão narradas. Tais informaçöes são produzidas no/pelo contexto das atribuiçöes de sentido que se efetivam quando as escolhas sobre o que e como narrar se produzem.
Sendo assim, a escola se coloca como um espaço formativo, reconhecida socialmente pelo papel que desenvolve nas comunidades rurais, pode ser (re)pensada, a partir das condiçöes do meio em que se encontra inserida e das maneiras de vida que tem aqueles que a frequentam, impulsionando um movimento que seja coerente com as necessidades e anseios desses locais. Com isso, Amiguinho (2008) ressalta que a escola passa a engendrar o caráter político e social destas comunidades, que passam a ser consideradas como portadoras de futuro.
Quando tomamos a escola da roça, estamos concebendo as ruralidades contemporáneas, com uma centralidade nos aspectos constituintes dos processos de subjetividade existentes nos espaços rurais, em que são enaltecidas as identidades e diferenças como um pressuposto da demarcaçâo de um lugar no mundo. A escola, como propagadora do saber, poderá se apropriar de tais pressupostos para promover o encontro das culturas em seu espaço.
A trajetória de vida-escolarização-profissão de professores da roça é marcada pelo movimento impulsionado pela importáncia que cada família atribui a educação como um processo de transformação social e cultural em suas comunidades. As pessoas que vivem e convivem em espaços rurais concebem a escola de sua comunidade como espaço de possibilidades e portador de futuro.
Por isso, a docencia neste contexto é atravessada pela compreensão de que é pelo esforço e pela vontade de saber que os sujeitos de comunidades rurais entendem suas situaçöes de vida e projetos de futuro. Como podemos perceber nas narrativas desses professores, a cond^ão para o acesso a escola se colocava pelo lugar de dificuldades para percorrer longas distáncias e dividir seu tempo entre o trabalho e o estudo.
Por ser filho de agricultor e agricultora, ingressei na escola a partir dos sete anos de idade numa escola do campo. Foi daí que começou a minha trajetória como educando. Eu caminhava aproximadamente 9 a 10 quilômetros todos os dias para chegar até a escola, mas eu tinha muito interesse de aprender que tudo isso acontecía de forma prazerosa. (Edson. Entrevista narrativa, 2016)
Tive que parar por ser muito difícil ter que vim estudar em Várzea do Poço. Depois de muito tempo, em 1984, eu vinha estudar em Nova Esperança a pé. Eu e Isaura, na volta, as vezes tinha a companhia de um senhor por nome Doro, que trabalhava de guarda, e outras (vezes) era só nós duas enfrentando muitas dificuldades para concluir a 8a série. Mais uma vez parei de estudar. Momentos que marcaram muito a minha vida. (Ester. Entrevista narrativa, 2016)
Aos dez anos de idade dei inicio a minha carreira estudantil, passando por um processo de alfabetizaçao, frequentei uma escolinha distante de onde morava, senti que a sorte poderia estar chegando para me acompanhar. (Clóvis. Entrevista narrativa, 2016)
As narrativas dos professores da roça revelam como a persistencia que tinham para frequentar a escola e, isso, os fazem refletir sobre quais as condiçöes das escolas em que, atualmente, desenvolvem a docencia e como compreendem a situaçâo de vida de seus alunos. O conhecimento de si emerge como ponto de reflexão das dificuldades que os professores enfrentaram nas trajetórias de escolarizaçâo. Ganham sentidos as dificuldades vivenciadas, sobretudo pela distancia reveladas nas travessias de ida e vinda a escola. Assim, esse conhecimento experiencial, vivido por cada um ressignifica o modo de ser e de viver a docencia nas classes multisseriadas, facultando aos professores uma condiçâo de perceber, entender e atender os estudantes em suas dificuldades.
Além da multisseriaçâo, a ida e vinda da escola na comunidade passa a ser um ponto de reflexão que os professores adotam para ver-se na docencia a partir de experiencias que tiveram na comunidade. Esse é o conhecimento de si que emerge da singularidade e da subjetividade vivida por cada um, e que, por esta razão, figura-se nas narrativas em seus aspectos formativos, que dão o tom a docencia que cada um desenvolve na comunidade, fato que nos permite perceber como os aspectos ecoformativos, um dos que configuram a docencia nas escolas multisseriadas, são contemplados nas histórias de vida narrada por cada professor.
Contar de si, apresentando como os processos de vida-escolarização acontecem nos contextos rurais traz a tona elementos necessários para o fazer docente na roça possibilitando a esses professores uma formação com visibilidade para uma lógica outra que colabore com o reposicionamento da docencia em contextos rurais pelo lugar da valorização das condiçöes estruturais e estruturantes das escolas nestes espaços, sem perder de vista a importancia da função que esta instituto tem para as comunidades rurais.
Em meio a todos esses dilemas, desafios e perspectivas, que se apresentam quando nos referimos as ruralidades e a escola da roça, encontramos a docencia, que precisa ser concebida e trabalhada a partir destes novos olhares e sentidos do rural. A docencia nas escolas rurais ocorre a partir da contemplação inicial de que os modos de vida na roça não se firmam somente nas atividades agrícolas. Carneiro (1998, p. 56) aponta para o fenómeno da pluriatividade, que "adquire novas dimensöes no campo brasileiro, chamando a nossa atençâo para a possibilidade de novas formas de organizaçâo da produçâo virem a se desenvolver no campo ou de antigas práticas assumirem novos significados". Tendo esse redimensionamento já presente nas estruturas sočiais, económicas e culturais, torna-se possível o desenvolvimento de práticas docentes multirreferenciais, que coloquem a escola no seu verdadeiro lugar na comunidade.
No fazer docente em classes multisseriadas, a relaçâo da docencia com a forma de lidar com as diferenças estrutura-se, geralmente, de um processo histórico que tem raízes nas questöes sociais e políticas em torno da constituiçâo do próprio sujeito e do trabalho que ele desenvolve na escola.
Neste sentido, a diversidade foi compreendida como uma dimensão construída a partir de um processo histórico, social e político, resultante das interaçöes entre os sujeitos que reivindicaram seus espaços através da força imanente de grupos constituídos pela identificaçâo resultante das diferenças e subjetividades que os coletivizaram, possibilitando aos espaços escolares uma tessitura construída de encontros e desencontros, tensöes e negociaçöes, que dão formas, sentidos e significados as relaçöes humanas.
Conforme a narrativa de Ester, colaboradora da pesquisa, podemos notar situaçöes de enfrentamento, negociaçâo e acolhimento que estão presentes em suas intervençöes quando percebe o conflito entre seus alunos.
No caso do menino (...) que chegava na escola todo sujo de graxa e ele era chamado de come graxa. Apelidaram ele desse jeito e ele se sentía mal, (...). Conversei com ele para saber porque ele chagava melado na escola, ele disse que era porque ajudava o pai a consertar os carros. Chamei ele pra fora da sala e conversei com ele dizendo que precisava lavar as maos pra nao colocar na boca, que aquilo ali nao fazia bem pra saúde, (...), mas continuavam botando apelidos nele aí eu fui trabalhar pela profissao, qual a profissao de mecánico. (Ester. Entrevista narrativa, 2016)
É importante compreendermos de que lugar cada docente se posiciona para construir sua concepçâo de diferença e apresentar seu entendimento do que seja a diversidade cultural em cada comunidade rural, logo que as questöes sobre as identidades trazidas e produzidas pelos indivíduos, que se encontram imersos nos muitos grupos que compöem a comunidade escolar, sempre estiveram em segundo plano, isso quando não eram camufladas através das tentativas de subverte-las. É nesse contexto que começamos a perceber que, enquanto professores, precisamos nos atentar para os aspectos intrínsecos as diferenças, pois estes são fatores preponderantes para a construçâo da autonomia e a busca da liberdade.
A açao de abrir diálogo com a crıança, na busca de entendimento das razöes de chegar a escola em uma determinada situaçâo, como estar melada por graxa, revela um modo de trabalhar a diferença entendendo-a como um ponto que atravessa a prática educativa que o docente desenvolve na escola, motivo pelo qual adota a prospectiva do diálogo, mas ao mesmo tempo desfoca o real problema sob o pretexto de inserir a discussáo sobre profissáo, na tentativa de que, abordasse as características de um sujeito que exerce a profissáo de mecánico, evitaria por parte dos estudantes o bullying em relaçao ao menino que chegava melado de graxa.
Acreditamos que, se nos atentarmos aos aspectos intrínsecos as questöes da diferença, no Ensino Fundamental em Classes multisseriadas, isso exigirá de nós, como professores, a capacidade de visualizar, para além das condiçöes sociais e económicas dos individuos, notando que seus principios se constroem a partir das interaçöes culturais entre os sujeitos e de acordo com o modo de vida deles.
Conforme as narrativas de Edson e Clóvis, as diferenças que aparecem em sala de aula tem um maior enfoque nas condiçöes sociais e económicas.
[...] o professor que está na sala de aula se depara com essas diferenças, a gente encontra filho de pais que nao tem aquele acompanhamento como deveria ter com os filhos, principalmente na sala de aula, a gente também encontra filhos que vem para a escola que nao tem assim uma boa alimentaçao em casa. (Edson, entrevista narrativa, 2016)
[...] a gente percebe que tem crianças que vem sem ter feito uma alimentaçao adequada e a gente tenta manusear isso de uma forma diferente, [...] ás vezes algum pode chegar atrasado porque a mamae demorou de passar o café pra ele, muitas vezes a gente percebe que nao tinha café em casa, [...]. (Clóvis, entrevista narrativa, 2016)
Considerando tais discussöes, salientamos que os sentidos atribuidos ao termo diferença estáo relacionados, na maioria das vezes, as desigualdades sociais que o tornam desprovido de seu verdadeiro sentido, provocando uma condiçao de esvaziamento de sua semántica e significado, como uma forma intencionalmente apresentada para que os sujeitos se lancem na busca de uma afirmaçâo da igualdade, tomando como base o distanciamento da diferença. Nao há, portanto, na ótica dos dois docentes, uma perspectiva analítica das diferenças que evidencie as singularidades dos sujeitos, como marca histórica de sua constituiçao e condiçao étnica, racial, sexual, entre outras.
Ao marcar as diferenças pelo crivo da desigualdade social, a tentativa que se evidencia nas práticas educativas é de normalizaçao de açöes e atitudes, e as vezes de mero entendimento da situaçao em que cada um vive, sem produzir problematizaçöes e reflexöes que promovam a ideia da heterogeneidade das diferenças como marca do pluralismo da diversidade. Esse entendimento ganha notoriedade quando o conhecimento de si do próprio professor o mobiliza a pensar para além de uma açâo homogeneizadora em relaçâo ao estudante, abrindo espaço para que a escola e as práticas educativas reflitam a pluralidade cultural vivenciada por cada estudante, possibilitando uma discussão de diferença que transcenda o mero reconhecimento das mesmas pelo crivo da desigualdade social.
A açâo docente, nesse momento, requer que o professor contemple a realidade do aluno, colocando-se a disposiçâo, numa intençâo de permuta e alternancia de pontos de vista, em que o professor se coloca no lugar do aluno e vice-versa, pois, somente assim, teremos a construçâo de uma relaçâo recíproca entre docente e discente. Isso possibilitaria novas condiçöes de compreensão desse sujeito que está composto por dimensöes cognitivas, sociais e afetivas.
Assim sendo, reiteramos que o conhecimento de si desencadeou inúmeras perspectivas, deixando como ponto elementar de uma formaçâo docente, pensada e desenvolvida por/entre professores, cinco principios importantes e necessários de/para uma formaçao pensada a partir de contextos da diferença na docencia rural, a saber: auto/eco/coformaçâo, autonomia, açâoreflexâo-formaçâo, diversidade e reciprocidade.
a) Autonomia - elemento que será construido ao longo do processo de formaçao e atuaçâo docente. Sendo "entendida como qualidade na forma pela qual nos conduzimos, entendida circunstancialmente, a autonomia professional é uma construçâo que fala tanto da forma pela qual se atua profissionalmente como dos modos desejáveis de relaçâo social" (Contreras, 2012, p. 216). Este principio é responsável pela nossa postura e posicionamento, enquanto docentes, pois está envolvida nesta questâo a forma como vivemos a subjetividade. A autonomia se processa quando o conhecimento de si nos leva a perceber o valor das açöes e situaçöes que o docente desenvolve ao exercer uma prática professional que emerja dos contextos em que o docente tenha plena inscriçâo histórica, política e social de suas crenças e valores educativos. Esse é o caminho pelo qual a inventividade e a criatividade passam a ser marcas fundantes das relaçöes com o outro e com o ambiente no processo de produçâo de atitudes de acolhimento e respeito as diferenças, e, consequentemente, as práticas educativas que se desenvolvem a partir delas.
b) Açâo-reflexâo-formaçâo - este principio pode ser representado a partir de um procedimento de retroalimentaçâo, efetivando-se apenas na complementariedade dos procedimentos intrínsecos a açâo efetivada na docencia. Assim, ele implica a contemplaçâo da realidade profissional em que estamos inseridos, a mobilizaçâo que conseguimos fazer sobre o desenvolvimento do nosso trabalho, a articulaçâo com as novas formas de conhecimento e a proposiçâo de uma reorganizaçâo dessa açâo. Em tese, esse principio parte da ideia de que o docente age, sobre a sua açâo reflete, provocando novas tessituras sobre a açâo, desencadeando um processo de formaçâo que retroalimenta as futuras açöes desenvolvidas. Assim, esse é o principio de ressignificaçâo constante das práticas educativas e de modos de ser e de viver a docencia nas classes multisseriadas. Neste principio, não cabe a ideia de previsibilidade ou de açöes que meramente se repetem, desconsiderando os contextos de vivencias e de produçâo de experiencias.
c) Auto/eco/coformaçâo - este principio compreende uma mobilizaçâo instituida a partir da articulaçâo de elementos específicos do movimento de interiorizaçâo/exteriorizaçâo, em que o ambiente que nos acolhe tem uma força determinante e demanda um conjunto de fatores inerentes aos processos de autorreflexão sobre nossa própria formaçâo, e de corresponsabilidade pela nossa formaçâo.
Aqui, a pesquisa-formaçâo é um elemento fundante e desencadeador das possibilidades que integram este principio, por promover um espaço de formaçâo construido pela coletividade e pela interaçâo dos professores participantes. Neste espaço, os participantes constroem juntos as propostas da formaçâo, de acordo com suas necessidades, em um jogo de cumplicidade, entendimento e compreensâo, em que o processo de reciprocidade acontece e o conhecimento de si ressurge.
Como um modo de formaçâo na escola rural, o conhecimento dai resultante possibilita outros olhares para o fazer docente, com todos os seus sentidos e significados ideológicos e simbólicos construtores de identidades e caracterizados pelas relaçöes estabelecidas entre os sujeitos que ai convivem com os elementos do tempo e da natureza. Dessa forma, o principio em questâo traz em si uma dinamicidade potencializada pela interdependencia das dimensöes relacionais que o sujeito precisa estabelecer consigo mesmo (autoformaçâo), com seu espaço de vivencia e convivencia (ecoformaçâo), responsabilizando-se pelo seu processo de formaçâo e de seus pares (coformaçâo), construindo um espaço de negociaçâo e diálogo.
Conforme Pineau (2014), este espaço de formaçâo provoca apropriaçöes de poder que se desdobram de duas maneiras, aquela que acontece quando o individuo se torna sujeito de sua própria formaçâo, e a que se dá quando este individuo se torna objeto de sua formaçâo, caracterizando o processo de autoformaçâo, que precisa acontecer paralelamente a ecoformaçâo e a coformaçâo, em um movimento tridimensional e interdependente, no decurso da vida.
d) Reciprocidade - tal principio requer um exercicio muito aprofundado do conhecimento de si, sendo um processo que requer a construçâo de um posicionamento diante do outro. Falar desse outro é estabelecer uma relaçâo a partir de concepçöes de uma identidade que se constrói e se reconstrói nessa interaçao. Desse modo, as situaçöes vivenciadas no cotidiano escolar podem ser pensadas a partir de concepçöes sobre a multirreferencialidade, em que a compreensão do individuo esteja claramente definida com base na pluridimensionalidade, podendo ainda entender os sujeitos como seres multicausais, que precisam ser compreendidos a partir de uma visão que contemple sua imersão no mundo.
Acreditamos, então, que através da construçâo da autonomia docente, em consonancia com os novos valores, sentidos e significados atribuidos as diversas ruralidades contemporáneas, podemos ampliar as condiçöes de uma nova estrutura educacional, com um enfoque na reinvençâo da escola rural. Neste caso, não cabe mais o desenvolvimento de práticas pedagógicas que desconsiderem as condiçöes de vida dos diversos grupos que compöem nossas escolas da roça, mas direcionamentos outros, para a docencia, de maneira que seja priorizada uma reconfiguraçâo na forma de pensar a escola, considerando as questöes da identidade e diferença na produçâo das relaçöes interculturais que constituem os espaços rurais.
e)Diversidade - este principio da formaçâo que apresentamos aqui, vem sendo pensado como um elemento importante a ser considerado como uma das dimensöes da profissão docente na contemporaneidade, uma vez que a diversidade precisa estar atrelada, cotidianamente, as concepçöes e açöes de docentes, pois a escola é o espaço frequentado por pessoas com diferentes jeitos de ser e com modos de vida especificos que representam cada grupo e comunidade de origem dessas pessoas, isso significa dizer que é na escola que acontece o encontro de culturas.
É com esse encontro de culturas que surgem os conflitos e possivelmente as negociaçöes a partir de diálogos entre os sujeitos das diferenças que ocupam os espaços da escola. Sendo assim, professores e professoras precisam mediar conflitos e realizar intervençöes com caráter formativo que não desconsidere, muito menos, diminua a importancia das diferenças de cada sujeito, pois são essas diferenças que compöem o conjunto da diversidade cultural.
A diversidade é tomada aqui como quinto principio da formação docente em escolas com classes multisseriadas por levar em conta que os espaços de vida em comunidades rurais é permeado por diversos modos de ser, fazer e viver em que os sujeitos tem se afirmado a partir de um lugar de fala que compreende as vozes de meninos e meninas, homens e mulheres atravessados pelos elementos da diversidade e, por isso, durante muito tempo, foram invisibilizados por uma sociedade que concentrava esforços no fortalecimento de grupos hegemônicos prospectando a manute^ão da classe dominante.
Cabe ressaltar que, a dıversıdade como uma das dımensöes da profissão docente é compreendida como uma concepçâo que agrega valor ao fazer docente por possibilitar espaço para a intermediaçâo de conflitos que surgem nas relaçöes que acontecem no ambiente escolar, objetivando a valorizaçâo do sujeito em sua pluridimensionalidade. Uma formaçâo docente que preza pela diversidade como um dos principios da docencia em Classes multisseriadas, lança mão de concepçöes que deem centralidade aos movimentos instituidos a partir das relaçöes intersubjetivas de cada pessoa que compöem o espaço escolar ou a comunidade rural em que a escola está inserida, valorizando-os como sujeitos da subjetividade e da diferença.
Os cinco principios da formaçâo docente em Classes multisseriadas se colocam como elementos potencializadores do fazer docente em espaços escolares, que ainda, se encontram permeados por forças padronizadoras, impondo uma ideologia que favorece os sentidos de esvaziamento do real significado da diferença. É importante salientar que tais principios emergiram no decorrer do desenvolvimento da pesquisa-formaçâo através de reflexöes provenientes dos modos como trabalho, em sala de aula, com as diferenças vem sendo desenvolvido, da formaçâo que o professor de Classes multisseriadas tem, das concepçöes que ele traz a respeito da diferença, de como este enxerga a vida e como a vida o toca. Sendo assim, os cinco principios carregam consigo possiblidades que propöem aos professores um fazer docente que valorize a maneira de ser de alunos e alunas, buscando a seu modo, intermediar os processos de conflito, tensöes e negociaçöes inerentes ao encontro das culturas na escola.
Sâo, portanto, principios que se fundamentam a partir das subjetividades reveladas nas tessituras das narrativas de cada um, e que, no movimento da pesquisa-formaçâo, nos permite entender como cada professor vivencia e experiencia a docencia, em que a reflexâo de si, a aprendizagem pelo diálogo com o outro e com o próprio ambiente, constituem modos de desenvolvimento do conhecimento de si e das práticas educativas que cada um desenvolve.
Considerares finais
O movimento de pesquisa-formaçâo se efetivou na ambivalencia que esse próprio estudo nos trouxe, uma vez que fazer a pesquisa constituiu, também, para os autores da mesma possibilidade de conhecimento de si a partir da relaçâo que se efetivou com os colaboradores do estudo, com a própria essencia do trabalho com a diferença nas classes multisseriadas, bem como com as próprias reflexöes que se produziram aqui como forma de marcar o tom analitico que o texto se processou. Esse é um achado da pesquisa-formaçâo que nâo poderia deixar de ser aqui, também, registrado.
As narrativas dos professores da roça foram desencadeando um movimento formativo que qualificou o desenvolvimento do processo da pesquisa-formaçao, como um momento que favoreceu o acontecimento da autoformaçao, da heteroformaçao e da ecoformaçao. Neste sentido, o conhecimento de si foi sendo colocado como possibilidade que propicia outros espaços de formaçâo na escola rural, por apresentar as condiçöes de reflexividade sobre os pontos que cada um considerou (ou considera importantes) em seu percurso de vida-formaçaoprofissão. Assim, as trajetórias de vida, de escolarizaçao foram fundantes para entendermos como cada sujeito vive e desenvolve saberes sobre a escola multisseriada, sobre as práticas educativas e sobre seus modos próprios de ser e de viver a docencia.
O conhecimento de si é posto de maneira a ser considerado como outro espaço de formaçâo na escola rural por nos direcionar a caminhos que poderao orientar a construçâo de uma proposta educacional que leve em conta as condiçöes de existencia de cada sujeito, entendendo que seu jeito de ser/fazer/viver envolve a multidimensionalidade responsável por suas condiçöes no presente e perspectivas de futuro, que sao revistas e repensadas como elementos de sua exterioridade enquanto ser-sujeito. Esse outro espaço, portanto, é o espaço do próprio sujeito na sua constituiçao identitária, em que a autonomia, a reflexao e a açao demarcam as formas de criar e de produzir a docencia nos contextos da singularidade de uma escola multisseriada.
Neste sentido, no desenvolvimento da pesquisa-formaçao, se colocava, como evidencia constante, a ausencia de conhecimento e a compreensao do sentido da identidade e da diferença, por parte dos professores-colaboradores da pesquisa, por nao terem, ao longo da profissao, momentos específicos destinados a discussöes e/ou formaçöes que tratassem desta temática, de maneira aprofundada. Assim, quando se discutiam temas relacionados a diversidade, tinha-se como base o material de orientaçao didática, que sempre permeou os espaços educacionais e que, por sua vez, esvaziava os verdadeiros sentidos da diferença.
A diferença aparece na pesquisa com variados sentidos, ora como característica própria de cada sujeito, ora como um elemento que precisa ser mascarado, a partir das tentativas de homogeneizar os alunos.
Os principios formativos emergiram do conhecimento de si, revelando como cada sujeito produziu a autonomia profissional, entendida como condiçao de inventividade e de criatividade no trato com as práticas que desenvolvem no ambiente escolar. Disso, advém a ideia de que as produçöes de si surgem de açao-reflexao-formaçao que os professores efetivam ao serem sujeitos que aprendem com o outro, consigo mesmo e com o ambiente, caracterizando o principio da auto, hetero e ecoformaçao. Assim, a recıprocıdade é transversal nas práticas educativas e formativas dos professores, pois é na relaçao com o outro, sobretudo com o estudante que as tessituras do fazer docente se ressignificam e fundamentam uma percepçao de diversidade, ainda que homogeneizadora das diferenças percebidas pelo oficio da docencia.
Para citar - (ABNT NBR 6023:2018)
MOTA, Charles Maycon de Almeida; SILVA, Fabricio Oliveira da; RIOS, Jane Adriana Vasconcelos Pacheco. Docencia e conhecimento de si: espaço formativo em classes multisseriadas. Eccos - Revista Científica, Sâo Paulo, n. 57, p. 1-18, e14541, abr./jun. 2021. Disponivel em: https://doi.org/10.5585/eccos.n57.14541.
1 Os professores-colaboradores da pesquisa possuem nomes ficticios, em atendimento ao Comite de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado da Bahia - UNEB, ao qual a pesquisa realizada foi submetida e aprovada através do Parecer n° 1.231.903.
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Abstract
Resumo: O presente estudo trata da formaçâo docente a partir do conhecimento de si, enquanto espaço de formaçâo e de atuaçâo professional em classes multisseriadas. Objetivou-se compreender como os professores lidam e refletem sobre as diferenças em sala de aula. Trata-se de uma pesquisa-formaçâo desenvolvida com tres professores que vivem e convivem em contextos rurais em um municipio do interior da Bahia. Esta pesquisa é fundamentada no método (auto)biográfico. Como dispositivo de recolha de informaçöes, utilizaram-se as narrativas. Percebeu-se que o conhecimento de si, como espaço de formaçâo, desencadeia uma auto, eco e coformaçâo, como principios formativos que transversalizam o fazer docente em contextos de diversidade.