RESUMO
Objetivo: A relação entre a questão urbana e ambiental tem produzido conflitos em todo o espaço urbano brasileiro. O objetivo deste artigo é analisar os processos de mobilidade humana no contexto dos desastres ambientais, considerando o histórico de desastres relacionados à água em Campos dos Goytacazes/RJ e o pa pel da gestão urbana no processo de remoção de famílias, sob a construção do discurso de que estão em áreas de risco.
Referencial teórico: A pesquisa se orienta teoricamente por uma abordagem sociológica dos desastres ambientais e por uma perspectiva da construção social do risco, que influencia tanto a gestão urbana quanto as formas de enfrentamento por parte da população.
Método: A metodologia utilizada foi a análise secundária de dados sobre ocorrência de desastres no município e a realização de uma pesquisa de survey domiciliar em uma área afetada por inundações na cidade, através de entrevista estruturada .
Resultados e conclusão: Os resultados mostram a ocorrência de uma expressiva mobilidade residencial na área , promovida tanto pelas questões ambientais quanto por interesses políticos e econômicos nas disputas por apropriação do espaço aliados a mecanismos autoritários que levaram à remoção de famílias por meio de uma gestão urbana seletiva e fragmentada.
Implicações da pesquisa: O estudo aponta que é preciso promover instâncias de articulação política que contemplem a participação da comunidade nos processos decisórios e a implementação de políticas integradas nessas áreas.
Originalidade/valor: O estudo reforça, ainda, que as práticas de gestão socioambiental precisam considerar a perspectiva dos atingidos por desastres ambientais.
Palavras-chave: Mobilidade humana. Desastres ambientais. Inundações. Gestão urbana.
ABSTRACT
Purpose: The relationship between urban and environmental issues has produced conflicts throughout the Brazilian urban space. This paper analyzes the processes of human mobility in environmental disasters, considering the history of water-related disasters in Campos dos Goytacazes municipality, Rio de Janeiro State, Brazil, and the role of urban management in the process of removal of families under the discourse that they are in risk areas.
Theoretical framework: The research is theoretically guided by a sociological approach to environmental disasters and by a perspective of the social construction of risk, which influences both urban management and the ways of dealing with it by the population.
Method/design/approach: The methodology used was the secondary analysis of data on the occurrence of disasters in the municipality and a household survey in an area affected by floods in the city through a structured interview.
Results and conclusion: The results show expressive residential mobility in the area, promoted both by environmental issues and political and economic interests in the disputes over the appropriation of space, as well as by authoritarian mechanisms that led to the removal of families through selective and fragmented urban management.
Research implications: The study points out the need to promote political articulation that contemplates community participation in decision-making processes and the implementation of integrated policies in these areas.
Originality/value: It also reinforces that social and environmental management practices should consider the view of those affected by environmental disasters.
Keywords: Human mobility. Environmental disasters. Floods. Urban management.
1INTRODUÇAO
O processo de ocupaçao e apropriaçao do espaço pelos grupos sociais é fundamental para compreender a relaçao entre sociedade e ambiente no contexto urbano. No caso brasileiro, as grandes cidades e metropoles se formaram como resultado de um complexo processo de mudanças sociais, económicas, políticas e ambientais que alteraram profundamente a dinámica da populaçao, sua localizaçao e suas condiçöes de reproduçao social. O acelerado processo de urbanizaçao levou a constituiçao de cidades que apresentaram e ainda apresentam enormes contradiçöes, uma vez que muitas familias tiveram que estabelecer suas residencias em áreas sujeitas a alagamentos, inundaçöes, deslizamentos etc., pelas dificuldades sociais, económicas e de acesso a adequadas condiçöes de moradia. Boa parte das demais cidades desse complexo sistema urbano acompanhou essa dinámica contraditória ao reproduzir a constituiçao de uma cidade desigual - que nao distribui, de forma igualitária, os riscos sociais e ambientais - aliada a um planejamento também contraditório e, por vezes, excludente. E nesse sentido que os desastres ambientais devem ser estudados considerando as dimensöes históricas de cada lugar.
Vale ressaltar que boa parte dos estudos sobre dinámica ambiental e mobilidade humana em contextos de desastres ambientais consideram essa relaçao em escalas nacionais e internacionais, como o impacto das mudanças climáticas globais sobre as migraçöes internacionais. Igualmente, há estudos na escala nacional que analisam, por exemplo, os conflitos ambientais gerados pela implementaçâo de grandes projetos de investimento - como os projetos e intervençöes ligados a construçâo de complexos industriais, portos e usinas hidrelétricas -, que também provocam deslocamentos forçados e alteram as condiçöes de permanencia para os estabelecidos em determinado lugar. Da mesma forma, tem sido lamentavelmente comum e necessária a referencia, por parte dos estudiosos, a casos emblemáticos como os desastres ambientais provocados por rompimento de barragens, exemplo de Mariana e Brumadinho, que, além das mortes e de uma série de danos humanos e materiais, causaram o deslocamento de muitas familias do seu lugar original de residencia. Afora esses desastres, há muitos outros presentes no cotidiano das cidades que ora podem ser mais impactantes - como os deslizamentos em Niterói, em 2010, ou as chuvas na região serrana, em 2011 -, ora podem não ter um caráter trágico ligado a mortes imediatas, mas trazem muitas consequencias para o cotidiano de familias afetadas, como as inundaçöes, objeto deste artigo. Portanto, considera-se importante contemplar essa escala de análise e intervençöes.
Muitos desses eventos acabam provocando processos de mobilidade humana na própria escala interna da cidade. Ao não passarem por uma gestão urbana que contemple as dimensöes sociais e ambientais dos processos humanos, tais movimentos podem se dar de maneira forçada por meio das remoçöes realizadas pelo poder público, por exemplo. Portanto, o objetivo deste artigo é analisar a recão entre a mobilidade humana e a ocorrencia de desastres ambientais na cidade, questionando o papel da gestão urbana nessa recão. Para tanto, levantam-se o histórico de desastres relacionados a água em um municipio do Norte do estado do Rio de Janeiro, as recentes intervençöes do poder público municipal e, principalmente, as experiencias de moradores em áreas consideradas de risco. Os desastres ambientais na cidade serão apreendidos através da ocorrencia de inundaçöes; a mobilidade humana, por meio da mobilidade residencial e dos deslocamentos forçados; e a gestão urbana, por políticas urbanas nessas áreas, no caso do municipio de Campos dos Goytacazes.
A metodologia utilizada baseou-se em levantamento de dados secundários, a partir de fontes oficiais, sobre a ocorrencia de desastres no municipio. Apesar do porte populacional e da extensão territorial, o municipio sempre foi considerado uma cidade média do interior fluminense exercendo uma polaridade histórica no contexto regional. A partir da década de 2000, em razão, sobretudo, das atividades petroliferas, industriais e logistico-portuárias na região, Campos também reafirma sua inserção na dinámica económica global, sendo levantadas, inclusive, discussöes sobre a sua inserção e a de outros municipios da região na dinámica da metropolização brasileira.
Em que pese a polaridade económica e politica de épocas passadas, o municipio apresenta muitas desigualdades socioespaciais e ambientais. A elas soma-se um histórico de desastres relacionados a água - como alagamentos e inundaçöes - acompanhado de intervençöes do poder público municipal na remoção de familias, sob a constrcão do discurso de que estão em áreas de risco, levando a refletir sobre os processos de mobilidade humana nesse contexto. Este trabalho questiona em que medida a mudança de residencia é potencializada efetivamente pelas condiçöes ambientais do lugar e pelos aspectos sociais da comunidade ou por uma gestão urbana mais aliada a interesses privados nas disputas pelo espaço. Para tratar sobre isso neste artigo, também são utilizadas informaçöes secundárias sobre ocorrencia de eventos no municipio de estudo, assim como dados provenientes de uma pesquisa de survey domiciliar, com aplicação de questionários no recorte territorial definido como áreas afetadas por inundaçöes em uma localidade do referido municipio, expressão dessa condcão histórica.
O artigo está estruturado em mais quatro seçöes, além desta introduçao. A próxima seçao trata justamente sobre a mobilidade humana a partir da relaçao sociedade e ambiente no contexto urbano. Também é problematizado o papel do planejamento no histórico processo de ocupaçao e apropriaçao do espaço nas cidades brasileiras. A terceira seçao traz essa abordagem como lente de análise para os processos de ocupaçao do espaço em Campos dos Goytacazes, municipio do qual foram levantadas as informaçöes sobre ocorrencias de desastres e áreas de risco e onde se concentrou o trabalho de campo da pesquisa. A quarta seçao traz os aspectos metodológicos da pesquisa. A quinta e última seçao considera a influencia da populaçao sobre o ambiente e vice-versa, por meio do levantamento de dados e a partir da ótica dos próprios sujeitos, analisando os mecanismos que operam no contexto de desastres ambientais (como as inundaçöes) sobre os processos de mobilidade humana (como as mudanças de residencia em uma localidade do municipio de estudo), em especial a influencia da gestão urbana.
2MOBILIDADE HUMANA, DESASTRES AMBIE NTAIS E A NOÇAO DE "RISCO" NA POLÍTICA URBANA
O acelerado processo de urbanizaçao brasileiro trouxe uma série de desigualdades sociais, económicas e espaciais para a configuraçao do espaço urbano. Durante o rápido crescimento populacional das cidades latino-americanas nas décadas de 1960 e 1970 e sendo impulsionada pelo modelo de desenvolvimento adotado, a mobilidade espacial, apreendida principalmente através das migraçöes e, depois, por meio dos movimentos pendulares, sempre foi uma das estratégias adotadas pela populaçao em busca de melhorar suas condiçöes de reproduçao social. No Brasil, o periodo de intensas migraçöes internas esteve associado ao avanço do processo de urbanizaçao. Segundo Brandão (2007, p. 170), no Brasil, "massas populacionais imensas buscaram novos lugares geográficos (promovendo uma das maiores mobilidades espaciais do mundo, uma verdadeira transumância) e novos loci de status social".
Nesse processo, foi possivel observar a constituyo de áreas "não urbanizadas" nas cidades, onde boa parte dessa populaçao construiu suas moradias ocupando terrenos de forma ilegal ou semilegal, com exposiçao a expressivos riscos ambientais, como deslizamentos, inundaçöes e alagamentos. O padrão de urbanizaçao desorganizado, marcado pelo laissez faire urbano (Ribeiro, 2008) - que envolve uma ausencia articulada do poder público nessas áreas e uma gestão tolerante com as formas de apropriaçao do espaço -, contribuiu para a expansão dos riscos ambientais que geralmente acometem as populaçöes mais pobres e vulneráveis tanto em áreas urbanas quanto rurais.
Maricato (2002) também coloca que, como parte das regras do jogo, a ocupação de terras urbanas sempre foi tolerada, já que o Estado não intervinha em certos espaços, ou seja, a ausencia de políticas coordenadas fazia parte da própria gestão urbana. Muitas vezes, não era a norma jurídica, mas a lei de mercado que se impunha, demonstrando que, nas áreas desvalorizadas ou inviáveis para o mercado (beira de córregos, reservas e áreas de proteção ambiental, por exemplo), a lei "pode(ria)" ser transgredida. O direito a invasão seria até admitido, mas não o direito a cidade. Assim, o critério definidor acaba sendo o do mercado ou o da localização (Maricato, 2002, p. 161). Nesse processo de disputas por aproprcão do espaço, aliado ao crescimento populacional, a expansão urbana e a uma gestão seletiva dos espaços da cidade, foram produzidos custos ambientais e sociais "ocultos, difícilmente visiveis no inicio, mas desastrosos para a popucão e o poder público a longo prazo" (Acselrad, 2009, p. 12).
É por isso que o processo de urbanizaçao e a forma como os distintos grupos sočiais ocuparam a cidade é fundamental para compreender a relaçao entre os desastres ambientais e os processos de mobilidade humana na escala da cidade, que muitas vezes sao engendrados pela política urbana implementada, como será tratado nos resultados do estudo empírico em seçao posterior. Vários autores abordam os mecanismos sociais, políticos, económicos e ambientais operantes nos processos de ocupaçao e apropriaçao do espaço afirmando que a cidade desigual no Brasil está na origem da concepçâo de "desastre como um processo socialmente construido" (Carmo, 2014, p. 4), uma relaçâo integrante do processo de construçao social, pois foi produzida a partir da açao da sociedade que produz e distribui, de forma desigual, os riscos ambientais e sociais (Deschamps, 2008).
Ou seja, mesmo que em muitos momentos a situaçao de desastre seja desencadeada por algum fenômeno "natural" (geralmente associado com o ciclo hidrológico, como chuva ou seca), esta situaçao se configura em desastre porque, por um lado, atinge populaçöes humanas, ameaçando a vida de pessoas e seus bens materials e imateriais, e, por outro, é resultante de processos de interaçao entre a dinámica populacional e a dinámica ambiental, concretizadas em uma forma específica, historicamente construida, de ocupaçao do espaço (Carmo, 2014, p. 4).
Carmo (2014) também afirma que as cidades brasileiras manifestam tais desigualdades a partir de dois tipos de assentamento humano: os assentamentos precários e os assentamentos urbanos "normais". Em linhas gerais, a diferença entre esses tipos será a perspectiva de "permanencia": o primeiro remete as favelas e áreas de vulnerabilidade, que teriam um status provisório, mesmo a populaçao estando lá há décadas; o segundo tipo, embora bastante heterogéneo, teria um status de permanencia maior. É por isso que a possibilidade de "remoçâo" para os assentamentos precários sempre é acionada como possível soluçâo nas situaçöes de desastre (Carmo, 2014, p. 5). Valencio (2009) também discorre sobre essa relaçao considerando os termos "área carente" e "área de risco", que passam a atuar na gestao urbana em áreas com ocorréncias de inundaçöes, por exemplo.
O termo 'área de risco' corrobora com os significados do termo precedente, mas acresce componentes do ambiente natural na equaçao a fim de problematizar o direito de morar como algo situado além da esfera sócio-política acima considerada. (...) Tudo se passa, entretanto, como se a inserçao de moradias em solos propensos a tais eventos fosse um risco auto-imposto a vida, uma convivencia arbitrária dos moradores do local com ameaças naturais, o que converteria sua temtorializaçâo em algo inadmissível, ilegítimo (Valencio, 2009 p. 35).
Vários estudos tém mostrado que é geralmente nessas áreas invisibilizadas que os desastres acontecem (Valencio, 2012; Siqueira, Valencio, Siena & Malagodi, 2015). Ademais, a forma como o poder público atua ou deixa de atuar nesses espaços pode agravar tal situaçao. Por isso, concebemos que os desastres nao tém origem apenas em eventos físicos e naturais, sao também resultantes, muitas vezes, da forma como se estruturaram (ou nao) os espaços ao longo de muito tempo. Sendo assim, embora haja diferentes concepçöes, de forma geral, os desastres sao vistos como fenómenos sociais no campo das ciencias humanas e sociais. Como afirma Quarantelli (2015, p. 37):
De uma certa forma, podemos dizer que o paradigma básico implícito na área dos desastres é aceitável (embora nao incontestável). O paradigma atual envolve uma série de noçöes inter-relacionadas, mas duas das noçöes mais fundamentais sao as seguintes: (1) os desastres sao fenómenos sociais inerentemente, e (2) a origem dos desastres se encontra na estrutura social ou no sistema social.
Isso significa que os grupos sociais residentes nesses locais vivenciam significativas contradiçöes. Como trata Marandola Jr. (2014, p. 43), o advento das cidades e das concentraçöes populacionais traz em si uma nova concepçao de habitar. A principio, habitar nas cidades teria relaçao com uma diminuiçao dos riscos e da insegurança. Mesmo que sempre haja alguma incerteza, na cidade, seria possivel aproveitar as condiçöes da concentraçao de bens, recursos e oportunidades oferecidas - inclusive a potencialidade do conhecimento científico e tecnológico de apoiar a gestão urbana a fim de intervir e controlar os eventos da natureza. Entretanto, nas áreas que tiveram uma urbanizaçao precária, nao há apenas incerteza, mas um risco associado a essa ocupaçâo e aos desastres. "Em primeiro lugar, em vez de encará-los como incertos, agora eles poderiam ser compreendidos e previstos, no tempo e no espaço. A incerteza é substituida pelo risco, com suas probabilidades, fatores causais e propostas de gestão para lidar com os desastres" (Marandola Jr., 2014, p. 43). E preciso ressaltar que essa concepçao de risco nao pode ocultar a perspectiva dos desastres como processos socialmente construidos (Quarantelli, 2015, pp. 3940).
Sendo assim, os estudos sobre mobilidade humana e ambiente envolvem considerar os processos de ocupaçao do espaço e o uso dos recursos naturais pela populaçao, assim como as condiçöes humanas nas quais esses processos se dao para diferentes grupos sociais. Para além da concepçao de migraçao, a mobilidade humana no espaço é encarada, dessa forma, como um conceito que remete a características sociais, económicas, politicas e ambientais das pessoas, dos lugares e processos. Tal concepçao imprime "a exigencia de uma nova situaçao histórica na qual as relaçöes entre homem e natureza sao qualitativamente diferentes" (Hogan, 2005, p. 326).
A ocupaçao desordenada e sem planejamento por parte do estado, aliada a um quadro de restriçöes de acesso a moradia adequada, faz com que muitos grupos sociais se movam para espaços "improprios" para morad ia e essa mobilidade da populaçao traz consequencias para o ambiente. No caso dos desastres ambientais urbanos, a relaçao pode se dar na via oposta, e a mobilidade pode ser encarada também como elemento que decorre das mudanças ambientais. E comum após os eventos - ou mesmo a partir da exposiçao a situaçöes de perigo - iniciar-se algum tipo de intervençao que acarrete processos de mobilidade, trazendo mudanças expressivas para a comunidade afetada. Segundo Urry (2007), o mundo móvel contemporáneo parece ser caracterizado por impressionantes novos riscos, perigos e restriçöes para pessoas, lugares e ambientes, ao mesmo tempo que pode representar novas oportunidades para as arriscadas vidas móveis (Urry, 2007).
Para Marandola Jr. e Dal Gallo (2010, p. 407), a mobilidade pode ser entendida como um "fenómeno vivido em diferentes escalas espaço-temporais, mas que possui, do ponto de vista fenomenológico, uma mesma essencia constitutiva". Isso implica considerar que, mesmo com escalas, motivos e sentidos distintos, há algo de essencial no ser que se desloca e em sua experiencia. Podemos inferir que todo movimento envolve desenraizamento, descontinuidades e rupturas, que alteram as trajetórias individuais e/ou familiares. Abrange a necessidade de refazer os laços de pertencimento, pois "migrar é ser obrigado a desenvolver outros tipos de territorialidade, dando um salto em direção ao desconhecido" (Marandola Jr. & Dal Gallo, 2010, p. 410). Embora os autores acionem a categoria migraçao em sentido mais amplo e na escala nacional/internacional, tais apontamentos se aplicam também a mobilidade humana na cidade. Além disso, quando o deslocamento é desencadeado pelo próprio poder público como mecanismo de gestão dos conflitos urbanos, sociais e ambientais, o processo se torna ainda mais complexo.
A partir de estudos em escala internacional, Arnall (2018) e Marter-Kenyon (2020) analisam criticamente os processos de realocaçao planejada da populaçao liderada pelo estado, que tem avançado como uma forma de adaptaçao as mudanças climáticas. Esse movimento é chamado de climate-related relocation (CRR), que teria como objetivo afastar as pessoas de áreas ambientalmente perigosas; o movimento seria entendido como um mecanismo para reduçao da exposiçao ao perigo. Nesse movimento, os autores diferenciam os processos de reassentamento e redistribuiçao da populaçao, assim como problematizam a concepçao de voluntariedade e participaçao nos processos por parte da populaçao.
A ocorrencia de eventos naturais adversos diante de condiçöes sociais, económicas e políticas frágeis da populaçao acaba gerando os desastres ambientais que também afetam a sociedade e a mobilidade humana. Em muitos casos, a intervençao efetiva do estado só ocorre no período pós-desastre, gerando novos processos de mobilidade - muitas vezes na forma de deslocamentos forçados. A remoçâo de familias das "áreas de risco" para outras áreas da cidade geralmente envolve uma administraçao técnica dos riscos, que considera padröes de situaçöes de risco, e nao a diversidade das realidades e dos comportamentos sociais (Guivant, 1998). A partir de Marter-Kenyon (2020), podemos afirmar que esse tipo de intervençao se enquadra na perspectiva da mudança ambiental, migraçao e adaptaçao ou environmental migration and adaptation (EMA). Tal fato contribui para um discurso dominante promulgado por elites políticas internacionais, qual seja, o de que a realocaçao deve ser um esforço de último recurso, porém estritamente necessário para preservar vidas e garantir a segurança humana.
Nessa linha, a vulnerabilidade é vista como um produto dos eventos extremos, e as soluçöes sao pensadas no plano normativo-gerencial e no nivel individual/comunitário. Ainda pode ocorrer mediante mecanismos autoritários e sem instancias de participaçao coletiva, trazendo rupturas nos vínculos sociais, enfraquecimento dos sentimentos de pertencimento e muitas dificuldades de adaptaçao aos lugares de destino. Portanto, pode revelar uma gestao urbana que desconsidera as condiçöes ambientais do lugar e os aspectos sociais da comunidade, ao contrário do proposto por autores mais alinhados a abordagem da ecologia política sobre a importancia da política e do projeto de cidade considerar quem ganha e quem perde nos processos de mudança socioecológica (Swyngedouw & Heynen, 2003; Acselrad, 2009).
A abordagem histórico-política desestabiliza a perspectiva anterior, e o discurso associado mostra que "a história, a política, o poder e o discurso influenciam o significado da adaptaçao ao clima, os tipos das intervençöes permitidas e os resultados variados daí resultantes" (Marter-Kenyon, 2020, p. 165). A construçao social do risco se alinha a essa última abordagem, em que a emergencia da realocaçao da populaçao reside em contingencias históricas, discursivas, na construçao social do risco e na (bio)política do meio ambiente e do desenvolvimento. Ao problematizarem o próprio conhecimento sobre os riscos questionando, principalmente, a perspectiva técnica, Douglas e Wildavsky (2012) também colocam que a questão sobre "que tipos de riscos sao aceitáveis para que tipos de pessoas" é sempre uma questao política. Sendo assim, mudar a territorialidade dos distintos grupos sociais em funçao de riscos apresenta uma dimensao política.
Mas a localizaçao dos grupos sociais e as trajetórias/caminhos percorridos no cotidiano demonstram as atividades sedimentadas de uma comunidade que, muitas vezes, se estendem por geraçöes. Já as mudanças de localizaçao e o redirecionamento de uma trajetória em razao dos riscos, ou mesmo sua eliminaçao - como pode ocorrer a partir de um desastre ambiental - poderao ser vistos como um atentado contra aquela comunidade e suas memórias coletivas, contra as formas de habitar e mover-se em um dado lugar (Urry, 2007, p. 32).
Essa problemática se dá em diversas escalas, desde deslocamentos internacionais em razao de mudanças climáticas, passando por migraçöes internas nos países, até deslocamentos no espaço intraurbano, este último geralmente analisado sob o termo mobilidade residencial. É nesse contexto que a lógica inscrita nesse deslocamento precisa ser analisada em sua complexidade, já que há diversos mecanismos que atuam sobre os processos de mobilidade.
O estudo das lógicas de mobilidade espacial envolve uma análise complexa que deve levar em conta tanto as perspectivas de escolha por parte dos sujeitos quanto as perspectivas de constrangimento ao qual podem ser submetidos (Silva, 2012). Além disso, é preciso considerar as lógicas de imobilidade que operam nas condiçöes de reproduçao social dos individuos e familias.
Em última instancia, embora haja uma decisão ao empreender um deslocamento no espaço - o que sempre faz parecer ter sido um movimento por escolha -, não se podem ocultar os reais motivos para tal empreitada, ainda mais em contextos de desastres ambientais. "Deslocamentos compulsórios, restriçöes a circulaçâo nos falam de um território que não é nem espaço abstrato da racionalidade, nem mera manifestaçâo da estrutura; eles nos contam a história de um território que é lugar do conflito e do exercício do poder" (Vainer, 2000, p. 828). c
É nessa perspectiva que os estudos sobre mobilidade humana relacionados a desastres ambientais se tornam importantes, não tomando a mobilidade apenas como consequencia, mas como elemento constituinte do processo de desastre, seja pelos afetados considerados desabrigados e desalojados temporariamente, seja por aqueles que mudam permanentemente de suas residencias, ou mesmo que são removidos pelo poder público. Geralmente, concebese que "onde a mobilidade é forçada, isso pode gerar privaçâo social e exclusão" (Urry, 2007, pp. 8-9), o que ocorre quando as familias são constrangidas a mover-se. Mas também para aqueles que, por qualquer razão, são negadas as possibilidades de mobilidade, normalmente também operam múltiplas formas de exclusão. Portanto, para além de um fenómeno individual, a mobilidade é um processo social, inscrita na lógica de ocupação do espaço e das intervençöes públicas na cidade.
Nesse sentido, a mobilidade humana que se dá no espaço urbano também precisa ser estudada do ponto de vista dos sujeitos, num olhar mais qualitativo sobre o fenómeno, sobretudo em contexto de desastres ambientais na cidade, de modo que esse olhar contribua para a gestão urbana nas áreas consideradas de risco.
3PROCESSOS DE OCUPAÇAO DO ESPAÇO E IMPACTOS AMBIENTAIS EM CAMPOS
As relaçöes empiricas e conceituais apontadas anteriormente sobre as questöes urbanas e ambientais a partir dos desastres e dos processos de mobilidade humana encontram lugar em diversas cidades brasileiras. Na cidade de Campos dos Goytacazes, na Região Norte do estado do Rio de Janeiro, a ocupação e aproprcão do espaço urbano também apresenta estreita recão com a dinámica ambiental.
O processo de urbanização em Campos dos Goytacazes se acentuou em torno da década de 1950/60, em meio a um contexto de crise da indústria sucroalcooleira regional no Norte Fluminense. Boa parte das desigualdades sociais e espaciais que o municipio acumulou ao longo de muitos anos é creditada a esse processo (Cruz, 2003).
A região perdeu sua poscão de grande produtora na agroindústria do açcar, entre outros motivos, por não ter acompanhado as transformaçöes tecnológicas modernizantes introduzidas no setor no plano nacional. O estabelecimento da indústria petrolifera na região, por volta dos anos 1970/1980, apesar de ter gerado novas faces para o desenvolvimento económico regional, não acarretou transformaçöes que viessem a suplantar as desigualdades intrarregionais. Até porque boa parte da dinámica engendrada por esse setor mobilizou recursos, populaçao e capital de outras áreas do País e até do exterior, e não conectou em escala ampla a populaçao já residente na região nesse processo.
Aliado ao quadro económico nacional e estadual do inicio dos anos 1980, "os municipios da região também enfrentavam uma estagnaçao económica, queda da produtividade, desemprego e até aumento da pobreza e deslocamentos do campo para as periferias das cidades da região" (Piquet, 2010, p. 80). Cruz (2003) também indica que muitos bairros urbanos foram constituidos nesse contexto, o que "gerou um contingente de milhares de boias-frias, expulsos do campo para a cidade, vivendo em condiçöes precárias de vida e de renda" (Cruz, 2003, p. 297).
Inserido na dinámica económica e financeira global, o Norte Fluminense também experimentou uma série de transformaçöes económicas no século XXI, que estiveram e estão pautadas pela atuação da industria petrolífera e pelo desenvolvimento das atividades logísticoportuárias e industriais (Cruz & Terra, 2020). Embora a primeira tenha como principal sede das empresas o municipio de Macaé e as últimas estejam concentrando-se no complexo portuário do Açu, em São João da Barra, a polaridade histórica do municipio de Campos e seu porte populacional de cidade mais consolidada - com acesso mais ampliado a serviços médicos e educacionais, oferta de bens e outros serviços mais especializados - fazem com que a cidade também seja impactada pelo processo de globalização e financeirização da economia, assim como sua inserção e a de outros municipios da Região Norte e dos Lagos no processo de metropolização (IBGE, 2016; Lencioni, 2015; Bartholomeu, 2018). A popucão estimada de Campos, em 2020, foi de 511.168 habitantes segundo dados do IBGE (2020) - o maior municipio em porte populacional fora da região metropolitana no estado do Rio de Janeiro e o maior em extensão no território fluminense.
Os estudos sobre os impactos ambientais do processo de urbanização-metropolização também tornam-se pertinentes não apenas nas metrópoles consolidadas, mas nas áreas sobre as quais tal processo se estende (Leopoldo, 2018). E muito comum observar que a incorporação de novos espaços na dinámica da urbanização pode igualmente acarretar a reprodcão de processos socioespaciais: há uma difusão da lógica dos grandes empreendimentos, dos condominios fechados e do consumo padronizado e direcionado cada vez mais articulados ao mercado de capitais e a financeirização imobiliária, que trazem impactos consideráveis sobre a recão popucão e ambiente no contexto urbano. Exemplos dessa situação foram analisados por Torres, Ramos e Sanches (2018) ao tratar sobre os casos de amplcão do Porto de São Sebastião e da implantação de um condominio logistico em Paranapiacaba na macrometrópole paulista. Tais casos retratam a questão dos conflitos ambientais e como estes estão relacionados a uma nova escala de planejamento, que cada vez mais ultrapassa o limite politico-administrativo municipal ou mesmo regional.
Como visto, a ocupação e aproprcão do espaço urbano, muitas vezes "desordenada", incidiu diretamente sobre o meio ambiente e as condiçöes de reprodcão social da popucão dos bairros mais periféricos da cidade de Campos, suscitando diversas limitaçöes de caráter ambiental, social e económico. Nessa nova dinámica económica globalizada, no caso do Norte Fluminense, potencializada pela atuação das industrias extrativas no setor petrolifero e atividades portuárias na região, tais condiçöes podem acirrar-se - vide o exemplo de desapropriaçöes, deslocamentos forçados e reaproprcão do espaço pelo capital financeiroimobiliário-urbano que também acompanham a lógica da urbanização e financeirização aliada as implicaçöes particulares nos espaços de extração de recursos naturais (Arboleda, 2015).
Assim como em outras cidades brasileiras, a localização dos grupos sociais no espaço da cidade de Campos foi e continua sendo marcada por mecanismos de segmentação e segregação socioespaciais, que afetam, sobretudo, a popucão mais pobre, muitas vezes restando, para este grupo, as áreas mais degradadas, em encostas e beiras de rios e lagoas, com condiçöes ambientais desfavoráveis e sem infraestrutura para constituírem seus espaços de moradia (Tavares & Firmo, 2018).
4MÉTODO
O método para a análise aqui apresentada considerou um breve levantamento de dados secundários e informaçöes provenientes de uma pesquisa de survey domiciliar. O levantamento de dados sobre os atingidos por desastres se deu por meio do Sistema Integrado de informaçöes sobre Desastres (S2ID), ligado ao Ministério do Desenvolvimento Regional, que "integra diversos produtos da Secretaria Nacional de Proteçao e Defesa Civil - SEDEC, com o objetivo de qualificar e dar transparencia a gestão de riscos e desastres no Brasil, por meio da informatizaçao de processos e disponibilizaçâo de informaçöes sistematizadas dessa gestão" (Brasil, 2019). Também foram utilizados dados disponíveis para o municipio de Campos dos Goytacazes no site do Observatorio de Migraçöes Forçadas (Instituto Igarapé, 2019), que compila e produz mapeamentos de dados sobre pessoas deslocadas em processos relacionados a desastres ambientais, projetos de desenvolvimento e presença de refugiados. O Observatorio de Migraçöes Forçadas traz a descriçao e análise de uma série de casos emblemáticos, como os projetos de desenvolvimento para a construçao de usinas hidrelétricas em Belo Monte (PA), Irapé (MG), Lajeado (TO) e Itá (RS); também faz a utilizaçao de dados do próprio S2ID.
Além disso, também foi feita uma análise primária de dados através de pesquisa de survey com aplicaçao de questionários por meio de entrevistas nas áreas definidas como afetadas por inundaçao na localidade de Ururaí em Campos dos Goytacazes. A escolha desse lugar se deve ao seu histórico de inundaçöes e a atuaçâo do poder público no local. A definiçâo das áreas baseou-se em observaçöes de campo na localidade e em estudos anteriores realizados (Siqueira & Malagodi, 2013; Siqueira et al., 2015). Foram aplicados 232 questionários após percorrer todos os domicilios do recorte delimitado. Embora o objetivo geral dessa pesquisa fosse mais amplo, o presente artigo traz somente aspectos ligados aos processos de mobilidade humana no contexto de desastres ambientais, como as inundaçöes, considerando não só a atuaçâo do poder público sob o discurso do risco, mas também a percepçâo dos sujeitos que vivenciam tais situaçöes numa área de considerável mobilidade residencial. Estudos como esses tem sido realizados a partir da abordagem da construçao social do risco, visando relativizar as percepçöes e o discurso do estado, do saber técnico e dos peritos com as percepçöes e representaçöes sociais dos atingidos, como realizado por Beltramino (2018), Soares & Cruz (2019), Fragoso & Silva (2019), Quiñonez, Saavedra, Cevallos & Jiménez (2020).
5RESULTADOS E DISCUSSOES
Nesta seçao, pretende-se explorar empíricamente a relaçao existente entre os processos de mobilidade humana e a ocorrencia de desastres ambientais no contexto urbano e como se dá esse processo a partir da política urbana em áreas consideradas de risco. Para tanto, considera-se um histórico recente de desastres relacionados a água no município de Campos dos Goytacazes/RJ - sobretudo através da ocorrencia de inundaçöes - e as consequentes intervençöes do poder público municipal na remoçao de famílias sob a construçao do discurso de que estao em áreas de risco, o que influenciou a mobilidade residencial na cidade.
5.1 A mobilidade humana e os desastres ambientáis em Campos
O histórico de ocupaçao do espaço na cidade de Campos trouxe consequencias para a forma como os grupos sociais, sobretudo entre os mais pobres, se apropriam do espaço até os dias atuais. Ao buscar informaçöes sobre pessoas afetadas por desastres na cidade, nota-se através dos dados da tabela 1 que, de 2003 a 2012, segundo informaçöes do Observatório de Migraçöes Forçadas, há uma ocorrencia constante de eventos na cidade que afetam o cotidiano dos moradores, sejam aqueles mais comuns como enxurradas, tempestades e alagamentos, sejam eventos mais adversos, como as inundaçöes.
Devido a inundaçöes, por meio do registro, podemos observar a expressiva quantidade de casos em 2008, em seguida, em 2011. A grande enchente de 2008 é a que mais se apresenta na memória dos moradores, como relatado por eles, sobretudo os que foram diretamente afetados por terem sido deslocados de suas residencias. Segundo dados da defesa civil (S2ID/SEDEC), e corroborando com o quantitativo apresentado na tabela 1, foi grande o número de afetados tanto na área urbana quanto na área rural. As localidades de Ururaí e Tapera, consideradas na área urbana, foram as mais atingidas, o que acarretou consideráveis danos humanos (pelo expressivo número de desalojados e desabrigados) e materiais (edificaçöes danificadas como residencias, órgaos públicos, estradas, pavimentaçao de vias urbanas etc.).
Os números retratados na tabela 1 levam em conta pessoas desalojadas e desabrigadas, podendo haver uma variaçao no tempo em que foram afetadas; mesmo assim, envolve um tipo de mobilidade humana temporaria que pode desencadear processos de mobilidade mais permanente, em virtude da recorrencia de tais eventos. Segundo Menezes (2012), as migraçöes múltiplas refazem as concepçöes de origem e destino. No caso da mobilidade humana na cidade, também poderíamos falar de mobilidades múltiplas, em que a populaçao se desloca diversas vezes em busca de garantir sua reproduçao social; nao há uma origem e nem um destino específico determinado temporal e espacialmente. E nesse sentido que os estudos sobre mobilidade humana e desastres ambientais podem se dar em diversas escalas, contextos e sentidos do movimento.
Realmente, a mobilidade temporaria (como a condiçao de desalojado ou desabrigado) transformou-se em uma mobilidade mais permanente para alguns moradores das áreas afetadas, devido a opçao por uma gestao dos desastres baseada em processos de remoçao. Ou seja, o processo de mobilidade impulsionado por elementos do ambiente e por um discurso autoritário pode gerar problemas para uma efetiva apropriaçao do espaço, com enfraquecimento dos vínculos sociais e espaciais e do sentimento de pertencimento por parte da populaçao envolvida.
5.2 Mobilidade humana e inundaçoes: contradiçöes da política urbana
Em Campos dos Goytacazes, a localidade de Ururaí é uma das que apresenta esses problemas ligados ao processo de ocupaçâo do espaço e os impactos no ambiente. O bairro está localizado ao sul do municipio, cortado pela BR 101 em direçâo a capital do Rio de Janeiro. Sua populaçâo era de aproximadamente 8.800 habitantes em 2010, com cerca de 2.640 residencias segundo dados do IBGE (2010). A ocupaçâo do espaço se deu muito próxima ao Rio Ururaí - que circunda parte do bairro - e esteve bastante atrelada a inserçâo do municipio de Campos na agroindústria açucareira nacional no século passado, sendo a presença da Usina Cupim um elemento fundamental para o povoamento da localidade.
As condiçöes sociais e económicas de muitas familias residentes no bairro, sobretudo aquelas que residem mais próximas ao rio, são relativamente precárias e experimentam acesso a serviços, moradia e infraestrutura urbana em situaçâo bastante desigual em relaçâo a áreas mais centrais da cidade, e até mesmo em comparaçâo a outros espaços do próprio bairro, em áreas mais elevadas. Ururaí apresenta um histórico de desastres relacionados a água. Para os moradores entrevistados na pesquisa, a maior inundaçâo ocorreu em 2008 (conforme registro na tabela 1) e é a que mais está presente na memória dos residentes. Mas "ainda que os eventos desastrosos de maior magnitude ocorram com baixa periodicidade, verifica-se que outros de menor intensidade acontecem com maior frequencia" (Almeida & Leite, 2017, p. 2).
Em razão dos problemas urbanos e de infraestrutura em várias localidades do municipio, a prefeitura implementou o Programa Bairro Legal, uma política pública urbana que tinha por objetivo a melhoria das condiçöes de infraestrutura urbana de algumas áreas, considerando ainda aspectos urbanísticos e fundiários dos vários loteamentos existentes. Tais açöes também contaram com obras de drenagem de águas pluviais, de rede de abastecimento de água e tratamento de esgoto, pavimentaçâo de ruas e mobilidade urbana, entre outros aspectos. Alguns bairros da cidade foram contemplados com essa política, tais como: Ururaí, Penha, Parque Eldorado, Novo Eldorado. Observou-se que o investimento em algumas condiçöes de infraestrutura foi realizado, porém, ao mesmo tempo, vários moradores relatam problemas em relaçâo a execuçâo das obras, partes nao concluídas e serviços malfeitos, como na própria localidade de Ururaí.
A outra política urbana de grande impacto na localidade foi a remoçâo de famílias para conjuntos habitacionais. Em finais dos anos 2000, a Prefeitura de Campos lançou um grande programa habitacional denominado Morar Feliz, cujo objetivo era fornecer cerca de 10 mil moradias as famílias residentes em áreas consideradas de risco, como beira de rios, lagoas, rodovias e ferrovias, ou seja, áreas com histórico de desastres relacionados a água, como inundaçöes. Aqui, vemos uma clara relaçâo entre a dimensâo ambiental relacionada aos desastres e a noçâo de risco com a política urbana no que se refere a habitaçâo.
Apesar da disponibilizaçâo das casas para muitas famílias que realmente precisavam de melhores condiçöes de moradia, o programa refletiu vários dos problemas já indicados amplamente na história dos programas habitacionais no Brasil e na cidade de Campos (Azevedo, Thimóteo & Arruda, 2013; Mendes, 2015). Os projetos urbanísticos foram insuficientes e, a despeito de algumas pessoas terem tido acesso a uma moradia melhor, nâo houve um planejamento adequado para a conduçâo da política habitacional nem um estudo prévio tanto das áreas de origem quanto das áreas de destino, muito menos das condiçöes as quais essas famílias estariam submetidas, revelando uma gestâo fragmentada e a setorializaçâo das políticas sociais. Soares e Fragoso (2019) também revelam que os riscos ambientais em Belém estâo relacionados a problemas de infraestrutura e aos impactos de grandes projetos urbanísticos. Assim, as inundaçöes tem origem em processos históricos de ocupaçâo do solo e manifestam as desigualdades socioespaciais, que se mantem mesmo após grandes investimentos em drenagem e saneamento.
Com isso, muitas familias foram removidas para lugares distantes dos bairros de origem; não houve mecanismos de participaçâo da populaçâo na concepçâo e execuçâo do processo, ocorrendo, assim, uma mistura de populaçöes de diferentes áreas da cidade (inclusive membros de divergentes facçöes do crime, segundo relatos dos moradores), dificuldades de deslocamento e acesso a trabalho e educaçâo por parte da populaçâo removida, entre outros aspectos.
Acrescente-se a esse quadro a contradiçâo de que, em várias áreas rotuladas como "de risco", seguiu-se a remoçâo de familias pobres um processo de forte atuaçâo do capital imobiliário exatamente nas áreas próximas.
Portanto, Mendes (2015) aponta como a dimensão do risco teve um importante impacto na gestão urbana, visando mais os interesses do mercado de terras do que o bem-estar da populaçâo. Barboza (2019, p. 103) também investigou "a hipótese do crescente interesse e jogo politico (não oculto) para os deslocamentos compulsórios da populaçâo as margens do rio Ururaí, que estaria sendo alimentado pela construçâo do Loteamento 'Barra de Ururaí' a jusante". O empreendimento, inclusive, aciona "o discurso das 'áreas verdes' e 'ambientalmente aprazíveis'" justamente nos lugares que antes haviam sido definidos como "de risco". Assim, observou-se uma instrumentalizaçâo da noçâo de risco na própria gestão urbana aliando-se aos interesses do mercado imobiliário (Barboza, 2019).
Foi diante desse cenário que foi realizada, na localidade de Ururaí, uma pesquisa buscando compreender a relaçâo entre os desastres ambientais relacionados a água - como as frequentes inundaçöes que levaram o poder público a classificá-las como "áreas de risco" - e as condiçöes de permanencia no lugar, sobretudo a partir da ótica dos moradores sobre o ambiente em que vivem, a percepçâo sobre as inundaçöes, a noçâo de risco e os processos de mobilidade por conta das mudanças de residencia, objeto especifico deste artigo.
Ao reconstruir o processo de chegada da populaçâo nas áreas afetadas por inundaçöes na localidade, notou-se que 26% de familias declararam ter residido em outros lugares da cidade e ter se mudado para Ururai, embora a maior parte já residisse no bairro há bastante tempo, conforme aponta a tabela 2. Algumas delas fizeram o último processo de mobilidade residencial no próprio bairro (31%). E a maior parte sempre morou no mesmo domicilio (37% das familias). Se somarmos as familias que fizeram mobilidade em Ururai e as que sempre moraram no próprio domicilio, notamos que boa parte da populaçâo na área pesquisada é de pessoas que residem ali há bastante tempo (157 familias correspondendo a 68% dos 232 domicilios entrevistados), o que sugere uma relaçâo de pertencimento forte com o lugar.
Entre os motivos indicados para a mobilidade residencial na localidade (tabela 3) - os que para lá se mudaram (61 famílias) e os que fizeram a mobilidade interna no bairro (71 familias) -, a maior parte indicou questöes familiares como principal razão (32,6%). Foram relatadas também dificuldades financeiras ligadas a pagamento de aluguel e busca pela casa própria (21,2%). A constituyo de nova família/casamento também foi o motivo para cerca de 10% dos entrevistados. Entre os demais motivos, a referencia as inundaçöes (comumente denominadas de "cheias" pelos moradores) foi feita por apenas tres entrevistados, assim como estrutura ruim da casa anterior (o que talvez possa ter relaçâo com as inundaçöes também).
No caso de Ururaí, a problemática definiçâo da propriedade do terreno aliada a proximidade ao rio por parte de muitas residencias são marcas desse processo. Nas áreas sujeitas a inundaçöes, abordadas na pesquisa, identificou-se que algumas famílias estão em terrenos que declaram estarem regularizados e possuírem documentaçâo; outras famílias disseram que estão em terrenos e/ou casas cedidos pela antiga Usina Cupim (que teve grande influencia na ocupação do espaço na localidade); já outras afirmaram que ocuparam o terreno e tomaram posse; e poucas famílias estão em casas alugadas. Também há situaçöes de muitos domicílios em um mesmo lote e/ou aglomerados.
Portanto, na referida localidade, nota-se que houve impactos da popucão sobre o ambiente no sentido de ter ocorrido uma ocupação desordenada, muito próxima as margens do rio Ururaí - um processo de mobilidade residencial antigo que afetou sobremaneira o ambiente. Vale notar que, nesse período de maior ocupação, havia um agente de abcão: a Usina Cupim, que, inclusive, cedeu terrenos e casas para alguns moradores.
Assim como a ocupação da popucão no espaço afeta esse ambiente, os eventos ambientais também exercem influencia sobre a dinámica da popucão. Essa dupla face da recão sociedade e ambiente também se evidencia na localidade de estudo, sobretudo pela ocorrencia de desastres como inundaçöes.
A maior parte dos domicílios pesquisados passou por inundação pelo menos uma vez (81,5%), sendo 50,5% apenas uma vez; os outros 31% relataram que o episódio ocorreu mais de uma vez. Alguns domicílios mais próximos ao rio, numa parte do bairro onde os moradores a denominam Ilha, foram afetados muitas vezes. Devido a proximidade, com qualquer transbordo do rio, a água já entra na casa. Algumas famílias (15,5%) disseram que nunca tiveram a casa afetada; provavelmente, são familias que residem há menos tempo no domicilio, já que, na inundaçao de 2008, toda essa área realmente havia sido afetada.
Muitas das familias entrevistadas nas áreas afetadas tiveram perdas materiais decorrentes dos desastres relacionados a água - 149 familias correspondendo a 74,5% dos 200 domicilios que declararam terem sido afetados. Entre as perdas, captadas por meio de pergunta aberta no questionário, a mais citada foi a dos móveis. Em alguns casos, foram mencionados, adicionalmente, elementos como eletrodomésticos, roupas, documentos, alimentos. Além dessas perdas materiais, algumas familias (11,5%) descreveram a ocorrencia de problemas de saúde devido as enchentes.
No periodo em que a pesquisa foi realizada, a vivencia com a noçâo de risco era muito forte entre os moradores. A prefeitura fez marcaçöes em várias casas que seriam removidas. Ao serem questionados se acham que "o domicilio está em uma área de risco", 110 entrevistados disseram que sim, e 118 afirmaram que não (quatro não responderam). Sobre o fato de alguém já ter lhes dito que estão em área de risco, as respostas também foram bem divididas, 113 disseram que sim, e 115 falaram que não. Entre os que acham que estão em área de risco, ao serem perguntados sobre o porque, foi dito que é devido a proximidade com o rio, a experiencia com as inundaçöes ou a estrutura inadequada das casas, como a presença de rachaduras. Já para aqueles que não acham que estão em área de risco, a justificativa que dão para essa percepção é que não foram notificados, como outros vizinhos, que difícilmente a água chega em suas casas ou que a grande enchente ocorreu apenas uma vez, em 2008. Alguns moradores também falaram que o poder público não se empenha em resolver o problema e criar condiçöes para deixar as familias ali mesmo. Interessante notar que vários moradores também expuseram outros tipos de risco, como "violencia, criminalidade, tráfico de drogas" e "a ausencia do poder público no bairro".
E interessante observar que, ao cruzarmos as duas perguntas (tabela 4), a maior parte dos que realmente acham que estão em área de risco disseram que foram "notificados" sobre isso por alguém (70%). Já entre os que não acham que estão em área de risco, a maior parte também disse não ter sido informada a respeito. E possivel interpretar que a noção de risco realmente seja produzida socialmente, pois a incorporação do discurso difundido na localidade também pode ser um mecanismo dessa prodcão social. Ao perguntarmos quem fez tal notificação, a maior parte citou ter sido a Defesa Civil. Outros apontaram ainda assistentes sociais, representantes da prefeitura/supervisor de bairro, além da circucão da informação entre moradores e parentes sobre o que a prefeitura estava fazendo na localidade. Ao mesmo tempo, alguns residentes notificados disseram que não consideram estar em área de risco e que não souberam nada a respeito. Talvez esse possa ser um mecanismo de resistencia e de rejeijão ao discurso da área de risco.
Sobre a expectativa de mobilidade residencial, para avaliar se pretendem sair da casa ou do bairro, a percepção sobre a possivel mudança - embora apresente alguns diferenciais - foi bem contundente no sentido de os entrevistados indicarem que não gostariam de sair do lugar em que residem (tabela 5), pois acreditam que haveria a possibilidade de implementar melhorias na própria localidade. Em relaçao a sair da casa devido as cheias, 69 entrevistados disseram que sairiam, mas 54% destes disseram, depois, que não gostariam de deixar o bairro. Já 154 manifestaram que não sairiam devido as cheias, e, destes, 87% disseram que também não sairiam do bairro. A maior participação é mesmo deste grupo - que não quer sair nem de suas casas nem do bairro de Ururaí -, correspondendo a 77% dos que responderam a esses quesitos conjuntamente.
E possível notar, portanto, a recão de pertencimento dos moradores com o lugar, mesmo diante das condiçöes relatadas. A incerteza de enfrentar um processo de desenraizamento e de adaptação a uma nova localidade parece ser mais problemática do que o enfrentamento das condiçöes ambientais existentes, até porque muitos moradores relataram que já estão acostumados com as "cheias" e que "sabem se virar" quando o rio começa a encher.
Para os que disseram que tem interesse em mudar de bairro, a maior parte (25) não soube especificar para onde; 12 apenas expressaram que gostariam de ir para algum lugar próximo a Ururaí; outros oito fizeram referencia a algum conjunto habitacional; seis entrevistados disseram que iriam para um bairro próximo, a Tapera, que tem um conjunto habitacional do programa Morar Feliz. Outros seis fizeram referencia a enchente, dizendo que só não queriam ir para um lugar que tivesse enchente; alguns também citaram bairros que apresentam conjuntos habitacionais ou outras localidades.
Portanto, foi possível notar que, embora a maior parte não queira sair da casa nem do bairro, também há algumas famílias que ainda vivem a expectativa de conseguir uma casa em um conjunto habitacional. No período da pesquisa, várias delas já haviam sido removidas para conjuntos habitacionais, principalmente aquelas mais próximas ao rio Ururaí. Muitas casas haviam sido derrubadas pela prefeitura, e os escombros ainda estavam no lugar. Outras famílias estavam aguardando o processo de remoção, e outras tantas não queriam sair.
Para apreender a experiencia desses sujeitos num espaço de muitas incertezas, foram feitas perguntas sobre os processos de remoção. Entre os entrevistados, 91,4% conheciam famílias que haviam sido transferidas para conjuntos habitacionais. Quando questionados se achavam que as pessoas que já tinham saído estavam satisfeitas com a mudança, com o processo de mobilidade residencial realizado nessa conjuntura, as opiniöes foram diversas. Notou-se que 43% dos entrevistados achavam que muitas famílias não estavam satisfeitas devido a violencia, brigas, conflitos entre facçöes ou porque não se adaptaram, não se relacionavam com as pessoas do lugar de destino. Muitos disseram que conheciam várias famílias que haviam retornado para Ururaí, e isso também era um indicativo de insatisfação. Porém, alguns (27%) também acharam que havia uma parte das famílias que estava satisfeita, uma vez não tinham vontade de sair, acharam o bairro bom, experimentaram o fato de ter uma casa nova e própria e não pagar aluguel, e ainda porque saíram de uma área de risco. Outros apresentaram respostas variadas no sentido da satisfaçâo, insatisfaçâo ou não se posicionaram. Vale ressaltar também que 23% não soube ou não quis opinar.
Sendo assim, observou-se que o ambiente também exerce impactos sobre o comportamento da popucão, visto que os constantes processos de alagamentos e inundaçöes tem provocado intensas mudanças residenciais na localidade de Ururaí, seja por deslocamentos residenciais internos a localidade (como alguns moradores que recebiam o aluguel social a época da pesquisa), seja por deslocamentos forçados fomentados pelo próprio poder público ao definir certas áreas da localidade como áreas de risco, muitas vezes sem diálogo e participação da comunidade nos processos decisórios e na gestão urbana.
5 CONSIDERAÇOES FINAIS
Este artigo buscou ressaltar algumas dimensöes sociais e espaciais sobre a recão entre a questão urbana e ambiental, tratando específicamente da recão entre os processos de mobilidade humana (apreendido pela mobilidade residencial) e os desastres ambientais na cidade (apreendido através das inundaçöes). Como visto, há uma série de eventos sociais, económicos e políticos que antecedem os fenómenos de desastres, ao mesmo tempo que estes também podem desencadear novos eventos e intervençöes no espaço, como os processos de mobilidade por parte da popucão afetada.
As origens dessa recão estão no rápido processo de urbanização pelo qual passou boa parte das grandes cidades e metrópoles brasileiras, inclusive as cidades do interior dos estados, sobretudo em períodos de crises do trabalho no campo e da prodcão agrícola regional. Várias cidades se formaram em um contexto de desordem e precariedades e, em decorrencia disso e das situaçöes sociais e económicas adversas, muitas famílias ocuparam áreas em encostas e beiras de rios e lagoas, com condiçöes ambientais desfavoráveis e sem infraestrutura urbana adequada.
No município de Campos dos Goytacazes, as desigualdades sociais e ambientais também se fazem presentes, e o desenvolvimento urbano não foi satisfatoriamente acompanhado por um planejamento e uma gestão territorial que considerassem, inclusive, as condiçöes sociais e ambientais para ocupação das diferentes áreas da cidade. A polaridade regional histórica do município e a sua inserção na dinámica económica global sob a lógica do capital financeiro-imobiliário-urbano e a atuação das indústrias extrativas estão associadas intervençöes urbanas por meio das políticas habitacionais que refletem um tipo de gestão seletiva, fragmentada e setorial, sem integração com outras políticas sociais e açöes (como nas áreas de mobilidade urbana, educação, saúde, infraestrutura etc.), mediante mecanismos autoritários e sem instáncias de participação coletiva.
A localidade de Ururaí onde concentrou-se este estudo é uma expressão de tal fenómeno. Houve um intenso processo de ocupação muito próxima ao rio em Ururaí (Campos/RJ) somando as desigualdades sociais as desigualdades ambientais, fazendo com que, atualmente, além de serem considerad as áreas de pobreza, ou áreas "carentes", acrescente-se a sua qualificação o termo "área de risco". Ou seja, houve um processo passado de mobilidade residencial para a localidade que gerou uma complexa e controversa ocupação do espaço, fazendo com que as inundaçöes estejam relacionadas as práticas humanas, as desigualdades sociais e a degradação ambiental. Mais recentemente, também se observou uma expressiva mobilidade residencial na área, impulsionada, em parte, pelas questöes ambientais, em parte, por interesses políticos e económicos nas disputas por aproprcão do espaço. Muitas famílias foram removidas para outras áreas da cidade, em alguns casos, bem distantes do local de origem, rompendo os vínculos sociais e espaciais com o lugar, inclusive dificultando o acesso a alguns bens e serviços, como trabalho e estudo.
Portanto, nos processos de ocupaçâo do espaço, muitas vezes, ao acionar o discurso do "risco" e atuar somente após a ocorrencia de desastres nas cidades, o poder público desenvolve uma gestão urbana que pode contribuir para ocultar a perspectiva dos desastres ambientais como processos socialmente construidos e dificultar ainda mais a definiçâo do que seja a "situaçâo de risco". Alguns apontamentos deste estudo representam particularidades da localidade e do municipio tomados para a análise empírica, entretanto, as lógicas que operam na relaçâo sociedade e ambiente estão presentes em muitas cidades brasileiras. Como encaminhamentos de pesquisa, considera-se importante avançar nos estudos que contemplem os diferentes aspectos dessa relaçâo, considerando as distintas escalas e dimensöes analíticas. Ter em conta as escalas implica reconhecer as articulaçöes existentes entre processos locais, nacionais e globais. As dimensöes analíticas passam pela importancia de problematizar as concepçöes, discursos e açöes em torno do risco. Além de trabalhar a construçâo social do risco a partir da percepçâo dos próprios sujeitos, também é preciso avançar na identificaçâo das estratégias e açöes dos afetados por desastres, a fim de promover instancias de articulaçâo política que contemplem alternativas as açöes de remoçâo, com a participaçâo da comunidade nos processos decisórios e implementaçâo de políticas integradas nessas áreas.
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Abstract
Objetivo: A relação entre a questão urbana e ambiental tem produzido conflitos em todo o espaço urbano brasileiro. O objetivo deste artigo é analisar os processos de mobilidade humana no contexto dos desastres ambientais, considerando o histórico de desastres relacionados à água em Campos dos Goytacazes/RJ e o pa pel da gestão urbana no processo de remoção de famílias, sob a construção do discurso de que estão em áreas de risco. Referencial teórico: A pesquisa se orienta teoricamente por uma abordagem sociológica dos desastres ambientais e por uma perspectiva da construção social do risco, que influencia tanto a gestão urbana quanto as formas de enfrentamento por parte da população. Método: A metodologia utilizada foi a análise secundária de dados sobre ocorrência de desastres no município e a realização de uma pesquisa de survey domiciliar em uma área afetada por inundações na cidade, através de entrevista estruturada . Resultados e conclusão: Os resultados mostram a ocorrência de uma expressiva mobilidade residencial na área , promovida tanto pelas questões ambientais quanto por interesses políticos e econômicos nas disputas por apropriação do espaço aliados a mecanismos autoritários que levaram à remoção de famílias por meio de uma gestão urbana seletiva e fragmentada. Implicações da pesquisa: O estudo aponta que é preciso promover instâncias de articulação política que contemplem a participação da comunidade nos processos decisórios e a implementação de políticas integradas nessas áreas. Originalidade/valor: O estudo reforça, ainda, que as práticas de gestão socioambiental precisam considerar a perspectiva dos atingidos por desastres ambientais.