Resumo
O presente artigo apresenta a teoria política proposta por Augusto Comte, também indicando a sua inspiraçao histórica, em termos teóricos, políticos e epistemológicos. Para Comte, o conhecimento é histórico, no sentido de que se exige uma elaboraçao teórica e metodológica cumulativa para que a realidade possa ser conhecida; por outro lado, a teorizaçao sociológica exige a compreensao dessa historicidade, o que resulta em um relativismo epistemológico e político. Esses elementos, entre outros, sustentam o republicanismo comtiano, entendido como um regime humano, laico, racional e altruista. A república é o regime que consagra o bem comum e é a realizaçao política da "sociocracia", a organizaçao social própria a modernidade positiva. O artigo possui um caráter teórico, baseando-se na consulta direta aos textos comtianos e em literatura interpretativa secundária.
Palavras-chave: teoria política; historicidade; republicanismo; Augusto Comte; positivismo.
Abstract
This article presents the political theory proposed by Augusto Comte, also indicating his historical inspiration, in theoretical, political and epistemological terms. For Comte, knowledge is historical, in the sense that a cumulative theoretical and methodological elaboration is required so that reality can be known; on the other hand, sociological theorization requires the understanding of this historicity, which results in an epistemological and political relativism. These elements, among others, support the Comtian republicanism, understood as a human, secular, rational and altruistic regime. The republic is the regime that enshrines the common good and is the political realization of "sociocracy", the social organization proper to positive modernity. The article has a theoretical character, based on direct consultation with Comtian texts and on secondary interpretative literature.
Keywords: political theory; historicity; republicanism; Auguste Comte; positivism.
Introduçâo
A ideia de uma "teoria política históricamente informada" pode assumir os mais variados sentidos, entre os quais podemos citar histórias das ideias políticas, teorizaçöes que considerem as mudanças conceituais ao longo do tempo, epistemologías históricas (ou historicizantes) e recuperaçöes de experiencias históricas na teorizaçao2. A cada uma dessas modalidades poderíamos associar um ou mais nomes de pensadores contemporáneos: Quentin Skinner, Reinhardt Koselleck, Mark Bevir, Gaston Bachelard, Pierre Rosanvallon, Phillip Pettit etc. É claro que nem todas essas modalidades de investigaçao constituem propriamente "teorizaçöes políticas": a história das ideias, seja na vertente de Skinner, seja na de Koselleck, nao é de fato uma teorizaçao, embora possa constituir um subsidio bastante importante para isso. Em todo caso, o que desejamos indicar com essas observaçöes preliminares é que a expressão "teoria política históricamente informada" é um rótulo geral, cujo conteúdo específico, embora seja até certo ponto determinado - opöe-se as teorizaçöes mais abstratas e anistóricas, como a praticada atualmente por J. Rawls e J. Habermas e, em séculos anteriores, por J.-J. Rousseau -, mantém-se ainda indeterminado, exigindo-se diversas precisöes.
Nesse sentido, o objetivo deste artigo é apresentar os elementos específicos de uma "teoria política históricamente informada", cujo conteúdo "histórico" é, parecenos, bastante denso: o republicanismo de Augusto Comte apresenta uma epistemologia e uma formulaçao que se baseiam na história, além de recuperar experiencias históricas prévias para enriquecer e por assim dizer controlar suas elaboraçöes3. Assim, o presente artigo terá duas partes, bastante desiguais em suas extensöes, além desta "Introd^ão" e das "Consideraçöes finais": a primeira parte exporá vários elementos da epistemologia, da metodologia e da teoria sociológicas de Comte, enfatizando o peso concedido nelas a história; a partir disso, a segunda parte abordará especificamente alguns aspectos da teoria republicana de Comte.
Antes de seguirmos adiante, convém delimitarmos alguns aspectos teóricos e metodológicos. Como sugerido acima, o presente artigo versará sobre as concepçöes comtianas em si; embora em larga medida seja sempre conveniente contextualizarmos as ideias abordadas (mormente as ideias políticas), o que ocorre é que isso nao é necessário aqui - pois o que nos interessa é expor alguns dos elementos do pensamento republicano de Comte, bem como a arquitetura que os organiza e dá-lhes coerencia - nem faria muito sentido - seja porque essa "contextualização" ocuparía um espaço maior do que nos é concedido, seja porque, principalmente, tais contextualizaçöes com frequencia sao empregadas no sentido de indicar que as concepçöes teóricas estao enraizadas em contextos sociais específicos e que, portanto, nao poderiam ser extrapoladas ou, em todo caso, empregadas em contextos sociais distintos. A última concepçao pode ser atribuida, com maior ou menor justiça, as elaboraçöes de Quentin Skinner (2002); mas, de qualquer maneira, como sugeriu o pós-moderno Mark Bevir (2009), essa concepçao resulta em um quadro histórico que nao é continuo, mas que se apresenta, na melhor das hipóteses, como a justaposiçao temporal de momentos discretos, que nao mantem entre si maiores relaçöes4.
A segunda delimitaçao teórica e metodológica que desejamos apresentar é no sentido de que este artigo concentrar-se-á apenas na obra de Augusto Comte; como indicamos no parágrafo acima, nosso objetivo é apresentar alguns elementos da sua teoria republicana e indicar-lhe de que maneira ela organiza-se: nao se trata, portanto, de uma análise do Positivismo a luz de algum outro autor ou de alguma outra perspectiva teórica. Parece-nos que a mera exposiçao das ideias de um autor - mormente de um autor importante em termos históricos, políticos e intelectuais - vale por si mesma. Além da utilidade que um exercício desse tipo apresenta por si, o fato é que pessoalmente usamos Comte como parámetro para avaliaçao de outros autores; assim, nao faria sentido empregar qualquer outro autor para avaliar aquele que usamos para avaliar: é como usar uma régua para medi-la ela própria - algo impossível e sem sentido5.
Com base no que se expôs até o momento, fica evidente que este artigo é teórico, ou seja, sua "base empírica" é bibliográfica. A base desse exercício sao as obras de Augusto Comte, em particular (mas nao somente) aquelas em que ele aborda mais diretamente questöes políticas, todas elas da chamada "fase religiosa", ou seja, posterior a 1846: o Sistema de política positiva de 1851-1854 (COMTE, 1929); o Catecismo positivista, de 1853 (COMTE, 1934); e o Apelo aos conservadores, de 1855 (COMTE, 1899). A metodologia específica empregada, ou melhor, o princípio interpretativo que nos guiará é o da unidade da carreira de Comte, bem como o da sua coerencia interna. Trocando em miúdos, isso quer dizer o seguinte: rejeitamos a tese, tao cara aos liberais - como afirmado por Stuart Mill (1960, p. 5ss.) e alegremente repetido por Anthony Giddens (1998, p. 178) -, de que a segunda fase da carreira de Comte (1845-1857) teria sido caracterizada pela "loucura"; nesse sentido, a fase religiosa - isto é, da criaçao e da constituiçao da Religiao da Humanidade - é uma continuaçao e, na verdade, é o amadurecimento e o necessário desenvolvimento da fase prévia, "científica" (18221845). Como consequencia parcial do entendimento de que a carreira de Comte foi una, ainda que dividida em fases distintas, é a concepçao de que suas obras sao internamente coerentes, o que equivale a dizer que (1) a perspectiva de conjunto tem que iluminar e esclarecer seus vários aspectos e que (2) concepçöes posteriores esclarecem, explicam e/ou corrigem concepçöes anteriores; assim, (3) as afirmaçöes a primeira vista contraditórias tem que explicadas, complementadas ou retificadas a partir do conjunto do pensamento comtiano e de seus desenvolvimentos sucessivos6. Esses principios, que respeitam o conjunto e o espirito da obra de Comte, resultam no que o próprio fundador do Positivismo chamava de "ortodoxia" (cf. COMTE, 1929, v. 1-4, prefácios). É claro que, em certo sentido, em última análise o presente artigo é de nossa responsabilidade exclusiva; entretanto, isso nao equivale a dizer que nossa exposiçao - nossa "interpretaçao", para usar o jargao interpretativista - afasta-se dos melhores expositores (ou "intérpretes") do Positivismo, como no caso já citado caso de Teixeira Mendes (1898)7.
Por fim, uma pequena justificativa para este artigo. Vale notar que, no Brasil (mas também alhures), esse republicanismo já foi bastante conhecido, em particular durante o final do Império e até meados da Era Vargas (SOARES, 1999; LINS, 2009). Todavia, desde a década de 1930, em virtude de inúmeros processos politicos concretos e da influencia teórica de outras correntes politico-filosóficas (catolicismo, liberalismo, integralismo, comunismo e, mais recentemente, pós-modernismo), o Positivismo perdeu espaço intelectual e politico, passando mesmo a ser o objeto preferencial de opróbrio, ao invés de figurar no polo dos projetos sociais legitimos (cf. WACQUANT, 1996). No mundo anglo-saxao, nos anos 1990 e 2000, ocorreu uma retomada do republicanismo, associada principalmente as formulaçöes teóricas de Pettit e as investigaçöes históricas lideradas por Skinner; na França o republicanismo é, por assim dizer, desde sempre um tema de reflexao politica: a partir dessas várias influencias externas e como um esforço de recuperaçao de um pensamento que já exerceu profunda influencia no Brasil e que tem ainda muito o que oferecer, parecenos que se justifica a exposiçao do republicanismo comtiano8.
A Historicidade Fundamentando a Epistemologia e a Metodologia Comtianas
O objetivo desta seçao nao é esgotar a epistemologia comtiana, nem a metodologia que o fundador da Sociologia propôs para essa disciplina científica; o espaço de que dispomos é evidentemente muito curto e nossa preocupaçao é indicar alguns fundamentos e algumas consequencias da concepçao comtiana de historicidade humana9.
A observaçao básica que podemos e devemos fazer, entao, refere-se a historicidade radical atribuida por A. Comte ao ser humano: para o fundador da Sociologia, o traço característico do ser humano é sua historicidade e é o entendimento dessa condiçao que permite tanto a ultrapassagem dos meros registros historiográficos quanto, em consequencia disso, a fundaçao da Sociologia (COMTE, 1929, v. 4, Préambule)10. Se outros animais também vivem em sociedade e se alguns tem alguns elementos de história - isto é, de uma certa, mas muito limitada memória coletiva passada de uma geraçao para outra -, é o ser humano que se desenvolve graças ao progressivo aumento do peso histórico das geraçöes que passam sobre as geraçöes que chegam (COMTE, 1929, v. 1, cap. 4). Essas camadas sucessivas nao se acumulam pura e simplesmente, isto é, nao se depositam umas após as outras, mas cada nova molda um pouco as subsequentes; assim, cada sociedade, embora defina-se sem dúvida e também pelos seus valores, preocupaçöes, perspectivas e açöes próprios, bem como pela interaçao com outras sociedades, acaba sendo muito mais o resultado desse acúmulo prévio de geraçöes (COMTE, 1929, v. 4, Préambule).
O peso da história sente-se nos mais variados ámbitos, como é evidente. Antes de mais nada, no que se refere a concepçao de história, Comte identifica pelo menos dois níveis: o primeiro distingue a sociedade em um momento dado (perspectiva sincrônica) da sociedade ao longo da história (perspectiva diacrônica) (COMTE, 1929, v. 1, 4, preámbulos; 1934, p. 11, 173, 247); o segundo é complementar ao primeiro, separando a existencia objetiva da subjetiva (COMTE, 1929, v. 1-4, preámbulos; 1934, p. 11, 173). Na terminologia comtiana, esses pares sao a Sociologia Estática e a Sociologia Dinámica, por um lado, e o presente e o passado (a que se associa o futuro), por outro lado.
As sociologias Estática e Dinámica sao formas diferentes, mas complementares de encarar-se a sociedade; elas sao possíveis apenas por meio de abstraçao: em outras palavras, referindo-se ao mesmo objeto, é apenas por uma especializaçao teórica que elas existem, cuja justificativa, em última análise, é sua utilidade (intelectual, moral e política). A Estática examina as condiçöes de existencia de cada sociedade: quais sao as relaçöes sociais básicas, quais sao os procedimentos que tornam possível a existencia social. O princípio fundamental da Estática, Comte identifica-o por exemplo no volume IV do Sistema de filosofia positiva, no que chama de "consenso social", que consiste na convergencia dos esforços parciais dos vários grupos e individuos para a manutençao da sociedade; essa convergencia pode ser melhor compreendida na forma da complementaridade entre os esforços. Já no volume II do Sistema de política positiva Comte estabelece o "princípio de Aristóteles" como sendo o fundamento ao mesmo tempo da sociedade (e, dai, da Sociologia Estática) e da teoria política: esse principio afirma que toda sociedade consiste na separaçao dos ofícios e na convergencia dos esforços (COMTE, 1929, v. 2, cap. 5, 1934, p. 293, 482)11.
A Dinámica Social estuda as mudanças e as interaçöes das instituiçöes sociais ao longo do tempo; como veremos adiante alguns de seus elementos e pressupostos, nao nos estenderemos aqui a respeito dela. Ainda assim, importa indicar que, para Augusto Comte, a marcha histórica nao se caracteriza pelo presente, objetivo, dominando um passado morto e sendo arbitrário para um futuro incerto; em outras palavras, nao se trata de presente, passado e futuro ou de passado, presente e futuro, mas de passado, futuro e presente (COMTE, 1929, v. 2, cap. 1). Nessa concepçao, a existencia objetiva dos seres humanos é dominada por dois grandes conjuntos subjetivos, que nao param de aumentar. Embora a existencia concreta e objetiva do presente seja a condiçao necessária para que as subjetividades do passado e do futuro permaneçam e sejam concebidas, o fato é que sao as subjetividades que dao forma, sentido e direçao para a objetividade. Nesses termos, a historicidade humana é mais que mera constataçao sociológica: é uma realidade ao mesmo tempo subjetiva, moral e política.
Essas concepçöes, que sao de caráter teórico, tem uma origem histórica, no sentido de que sao fruto de desenvolvimentos históricos. Convém notar, entretanto, que a historicidade das concepçöes sociais nao é questao apenas de descriçao de uma realidade; as reflexöes comtianas fundam-se, ou baseiam-se, na história, mas nao sao historiográficas. Em outras palavras, o fundador da Sociologia usa as elaboraçöes historiográficas como base para reflexöes - atualmente diríamos "pesquisas" - sociológicas; dessa forma, a Sociologia comtiana é histórica: nao por acaso, após passar em revista os métodos mais característicos de cada ciencia abstrata fundamental, Comte observa que o método sociológico por excelencia é a filiaçao histórica (COMTE, 1929, v. 3). Em vez de limitar-se a constatar os trajetos históricos de cada sociedade e, mais ainda, em vez de adotar uma perspectiva empiricista e concreta que ve apenas sociedades e elementos sociais irredutíveis e irreprodutíveis na história, o que o fundador da Sociologia faz é abstrair o espetáculo sócio-histórico observado e comparar as diferentes sociedades; enquanto para Comte o fundador da Sociologia Estática tinha sido Aristóteles (em sua Política e até em sua Ética Nicomaqueia), o próprio Comte ve-se fundando a Sociologia geral ao elaborar a Sociologia Dinámica a partir da abstraçao histórico-comparativa e ao integrá-la a Sociologia Estática. E convém insistir: a preocupaçao e a inspiraçao comtianas em tal esforço nao sao historiográficas, mas sao propriamente sociológicas; assim, as investigaçöes historiográficas fornecem a base para as reflexöes sociológicas, mas estas nao se limitam nem se reduzem aquelas.
Um outro aspecto desenvolvido pela historicidade consiste no relativismo dos conhecimentos positivos; ou, dito de outra forma, na concepçao de que todo conhecimento da realidade é relativo: como dito de maneira lapidar, "tudo é relativo, eis o único principio absoluto" (COMTE, 1972, p. 2). O relativismo próprio ao espirito positivo é mais facilmente compreensivel em contraposiçao a teologia e a metafísica12, de acordo com a formulaçao da célebre "lei dos tres estados": a teologia e a metafísica sao formas de pensar e de encarar a realidade - sao principios de interpretaçao - filosoficamente absolutistas e que buscam o absoluto, ou seja, visam ao conhecimento eterno e imutável, de caráter necessariamente objetivo e independente de qualquer relaçao com o ser humano e sua realidade; aplicadas as consideraçöes politicas, a teologia e a metafísica originam questöes irrespondiveis, como: "qual o melhor tipo de regime político?" ou, de maneira mais clara, "qual a organizaçao social mais perfeita?"13. Como a teologia e a metafisica rejeitam a realidade relacional do ser humano, as concepçöes delas derivadas sao absolutas, ou seja, sao enunciados que, supostamente, nao se referem ao ser humano e aos quais nao seria possivel ao ser humano modificar: nao por acaso, Comte cita a esse respeito um verso brutal de A imitaçao de Cristo, obra mística escrita por Tomás de Kempis: "Eu [deus] te sou necessário e tu de nada me serves" (KEMPIS apud COMTE, 1934, p. 77). Nesses termos, é fácil perceber que o absolutismo filosófico próprio a dupla teologia-metafisica tem consequencias politicas marcadas, em particular algo que modernamente poderiamos chamar de "autoritarismo": "[...] As opiniöes nao demonstráveis e as autoridades nao discutiveis apoiam-se mutuamente" (COMTE, 1929, v. 2, p. 83).
Em termos mais gerais, a epistemologia comtiana considera que o conhecimento humano conjuga sempre, embora em partes variáveis, a reflexao abstrata com a análise empirica, além de que se modifica ao longo do tempo: a partir do exame dos procedimentos adotados em diferentes momentos e contextos e da sua comparaçao (em termos de pressupostos, de procedimentos e de resultados), Comte define os procedimentos especificos das várias ciencias e, de maneira mais ampla, do espirito positivo14. O conhecimento da realidade implica, sem dúvida, o conhecimento empirico e concreto; mas para que se possa orientar a atençao, é necessário uma concepçao teórica de fundo: desse modo, é no diálogo entre concepçöes teóricas e observaçöes empiricas que é possivel conhecer a realidade (COMTE, 1929, v. 1, 1934, 1990a).
Comte nota que a "observaçao científica" assume diferentes aspectos de acordo com a ciencia particular considerada. Nas ciencias da natureza a observaçao direta, o exame comparativo e as experiencias sao possíveis; ou seja: o exame dos fenómenos conforme eles operam-se "naturalmente", sem interferencia humana; a comparaçao sistemática entre os casos investigados a fim de produzirem-se inferencias; a reproduçao controlada e artificial dos fenómenos que se deseja investigar. Por outro lado, nas Ciencias Sociais as experiencias nao sao possíveis, mas o exame comparativo é; acima de tudo, a observaçao direta é o procedimento característico no estudo das sociedades: a síntese da observaçao direta com a comparativa é o método histórico, que indica as diferentes formas como o ser humano relaciona-se, quais suas diversas inter-relaçoes e os seus desenvolvimentos (COMTE, 1995, p. 154-191)15.
Essas tres possibilidades sao ricamente exploradas por Augusto Comte. No que se refere a exploraçao direta, por exemplo, mesmo o exame dos elementos sociais mais variados e as vezes mais insignificantes pode ser útil (COMTE, 1995, p. 164). Passando ao procedimento comparativo, uma contraposiçao da Sociologia com a Biologia é metodologicamente útil. Observa Comte que a comparaçao é sistematizada nas investigaçoes biológicas e que a visao de conjunto impoe-se aos métodos positivos pela primeira vez nessa ciencia (isto é, na Biologia). Ainda assim, a visao de conjunto biológica refere-se a totalidade de cada organismo, ao passo que a comparaçao é utilizada para elaborar-se (subjetivamente) a escala evolucionária, em que as espécies sao vistas em diferentes aspectos, o mais das vezes parciais; no que se refere a Sociologia, é necessário comparar-se as totalidades sociais, sendo elas vistas variando seja no tempo, seja no espaço16. Deixar de lado essas totalidades conduz a um perigo teórico, que é o de nao perceber a historicidade das sociedades, isto é, o fato de que cada formaçao social resulta das mudanças anteriores e de suas inter-relaçoes; em vez de analisaremse as mudanças totais - que sao as mais importantes -, observar-se-ao as mudanças parciais, conduzindo ao que Augusto Comte (1995) chamava de vistas "irracionais", isto é, completamente fragmentárias e incoerentes. Do ponto de vista teórico, o resultado dessa fragmentaçao é considerar que aspectos secundários sao principais; dessa forma, os elementos fundamentais da dinámica social sao completamente perdidos. A soluçao para isso, de acordo com o fundador da Sociologia, é a elaboraçao epistemológica e metodologicamente cuidadosa e rigorosa de uma teoria social que leve em conta os princípios indicados acima, que seja capaz de explicar os fenómenos sociológicos e que se afaste do empirismo radical e antiteorizante que se compraz em apenas colecionar fatos sem relaçoes entre si (COMTE, 1995, p. 175-178).
Parece fácil perceber que o método histórico - ou melhor, em termos propriamente sociológicos, a filiaçao histórica - é a consequencia das observaçöes anteriores. Ele ao mesmo tempo consagra o que há de específico no ser humano e é a principal contribuiçao teórico-metodológica da Sociologia ao conjunto dos procedimentos positivos, ao investigar como é que cada momento histórico é o resultado dos momentos anteriores.
A ideia da "filiaçao histórica" apresenta diversas consequencias. Em primeiro lugar, por meio dos seus correlatos relativismo e "progressivismo", ela permite a reformulaçao teórica e metodológica das ciencias inferiores (o que equivale a dizer que as Ciencias Sociais devem modificar as Ciencias Naturais, sempre respeitadas a dignidade e as particularidades desta últimas) (COMTE, 1995, p. 179)17. Em segundo lugar, ela afirma a dupla preponderancia da teoria sobre a observaçao e da visao de conjunto sobre as vistas parciais: sem a teoria e sem a visao de conjunto, o estudo histórico (e, por extensao, sociológico) consiste - Comte fala "degenera" - em uma coleçao de "materiais provisórios", uma "va acumulaçao de monografias incoerentes". Ainda mais: o verdadeiro exercício histórico nao é descritivo, mas de filiaçao, de modo que se deve cultivar uma história racional e positiva, no lugar de uma história vulgar e (super)empirista (COMTE, 1995, p. 179-182)18. Em terceiro lugar, o estudo das condiçöes de existencia da sociedade, a Estática Social, somente por meio de uma abstraçao é separável do estudo das mudanças sociais e das várias fases por que a sociedade passa: para Comte, "[...] As leis da existencia manifestam-se sobretudo durante o movimento" (COMTE, 1995, p. 179), ou seja, é na realizaçao da história que se pode esclarecer e compreender as próprias condiçöes de existencia da sociedade.
A concepçao de que a história consiste, em termos substantivos, no desenvolvimento de aspectos humanos é por si só uma elaboraçao teórica; mas, ao mesmo tempo, essa concepçao tem um objetivo prático, ao propor-se a ser um instrumento para previsao em grandes traços da realidade social. Uma primeira consequencia dessa ideia - na verdade, consequencia da visao de conjunto aplicada a história - já foi vista e consiste em que nao se pode considerar a história como centrada no presente, com o futuro totalmente em aberto e o passado deixado para trás. Além de conceder importancia exagerada aos traços contemporáneos - cuja importancia relativa, no conjunto histórico, é perdida -, esse presentismo deixa de lado precisamente o peso histórico específico da vida humana, em particular a concepçao de que a marcha histórica consiste muito mais no passado dirigindo-se para o futuro, com o presente como intermediário, que no presente objetivo soberano em relaçao aos outros dois elementos subjetivos e submetidos.
No que se refere a previsao sociológica, é necessário voltar a ligar estreitamente a teoria a epistemologia. Explicar algo consiste em vincular fenômenos que ocorrem; de modo geral, eles referem-se ao passado, mas o mesmo raciocínio pode, e deve, ser aplicado ao futuro. Assim, para Comte (1929, v. 1), explicar algo é uma forma de "prever" esse algo, mas relativamente ao passado e considerando que mais ou menos há os instrumentos de controle (ou de teste) dessa "previsao"; inversamente, propor uma previsao sociológica consiste em explicar um fenómeno: nao em relaçao ao passado, mas ao futuro; em outras palavras, a previsao adota o mesmo processo lógico que a explicaçao.
O Republicanismo Comtiano
Na seçao anterior expusemos vários elementos das concepçöes comtianas em termos teóricos, metodológicos e epistemológicos a respeito da Sociologia e da história; isso conferiu um certo caráter abstrato ao texto. Nesta seçao exporemos a teoria política de Comte, isto é, sua proposta política para o período moderno, o que deve tornar um pouco mais concreto este artigo.
O historicismo e o relativismo comtianos tem como consequencia, em termos de teoria política, o principio de que nao há uma organizaçao social que seja universalmente adequada, isto é, que possa ser aplicada a qualquer momento e em qualquer lugar. Como cada sociedade encontra-se em uma fase específica de desenvolvimento histórico, os princípios sociais, políticos e morais que a regem dependem dessa fase; além disso, a organizaçao adequada a cada sociedade depende do conjunto dos antecedentes sociais. A primeira vista essas ideias podem parecer abstratas demais, mas em termos sociológicos elas equivalem a dizer que toda sociedade apresenta princípios de legitimaçao específicos e determinadas forças sociais; é a interaçao entre tais principios e forças que permite determinadas formas de governo e de organizaçao social.
Vimos antes que para Comte o princípio fundamental da Sociologia Estática é o "principio de Aristóteles"19, segundo o qual toda sociedade consiste na separaçao de oficios e na convergencia dos esforços. Em termos políticos, esse principio resulta em que há sempre uma separaçao entre o governo e o que podemos chamar, atualmente, de sociedade civil: o governo baseia-se em última análise na força - é o que Augusto Comte chama de "principio de Hobbes" (COMTE, 1929, v. 2, cap. 5) - e é o responsável por manter a coesão social, orientar os esforços gerais e evitar as açöes por demais divergentes. O governo propriamente dito baseia sua ação na força, na coesão física: é o poder Temporal; em oposRão complementar a ele existe o poder Espiritual, responsável pelo surgimento, pela sistematiz^ão e pela difusão de ideias e valores; o ámbito de atuação espiritual é o aconselhamento. Ambos sao "governos", ambos dirigem e mudam as condutas humanas e, portanto, em um sentido amplo ambos integram a politica; mas enquanto o poder Temporal age objetivamente, exteriormente, no limite via coesão, o poder Espiritual age subjetivamente, alterando as vontades.
Em um outro eixo de análise, enquanto o poder Temporal baseia-se na força material, ele organiza a vida politica e a divisão do trabalho; assim, ele é o responsável pela existencia propriamente política da sociedade, isto é, pela pólis - ou, no linguajar comtiano, pela cité, cuja existencia é territorialmente circunscrita; na verdade, Comte observa que ao poder Temporal também compete estruturar a sociedade (COMTE, 1929, v. 2, cap. 5)20. Ao mesmo tempo, ele cuida do momento presente, cuja realidade é objetiva; a economia e a política, isto é, a atividade prática é sua responsabilidade. Em contraposRão, o poder Espiritual trata dos valores e das ideias; seu ámbito de atuação é potencialmente universal em termos territoriais, ao agir como intérprete do passado e do futuro. Em cada ámbito de atuação, o respectivo poder é soberano: a vida humana, para Comte (1929), é sempre e cada vez mais subjetiva e subjetividade, de modo que o poder Espiritual deve ser cada vez mais capaz de aconselhar e orientar; mas, inversamente, só é possível manter a subjetividade graças a existencia objetiva, de modo que em termos concretos é o poder Temporal quem organiza a vida social21.
De modo geral, ao longo da história os dois poderes estiveram reunidos ou confundidos: nas teocracias o poder Espiritual prevalece, nos impérios militares, o poder Temporal. Como vimos anteriormente, isso era possível graças ao caráter absoluto das ideias imperantes nesses momentos, em que as ideias indiscutíveis e as ordens inquestionáveis apoiavam-se mutuamente22.
O fundador da Sociologia nota que a teoria política ocidental, pelo menos desde Hobbes, mas talvez também desde Maquiavel, considera que a única forma de governo socialmente válida é o poder Temporal; como seu ámbito de açao é a força física, o resultado é que a teoria política enfatiza os meios violentos, sejam eles propriamente físicos, sejam eles jurídicos: em qualquer caso, a teoria política habitualmente considera que a única forma de modificar a conduta humana é via coerçao, de preferencia estatal. Na avaliaçao de Augusto Comte (1894, v. 4, Leçon 48), essa miopia permitiu um grande desenvolvimento da teoria do poder Temporal (e, por extensao, da prática desse poder), mas ao custo de considerar que somente é possível modificar a conduta humana via Estado; a persuasao, o aconselhamento, a sugestao foram deixados de fora da política, resultando em um endurecimento tanto da teoria quanto da prática políticas. A enfase nos aspectos materiais da vida política foi uma consequencia do descrédito e da falencia do poder católico desde o final da Idade Média, sem que a isso se seguisse a constituiçao de um novo poder Espiritual de ámbito verdadeiramente universal (COMTE, 1894, v. 4, Leçon 48).
De qualquer maneira, embora, de fato, historicamente os dois poderes tenham estado unidos, ou até confundidos, a política moderna recomenda e mesmo exige que eles sejam separados. Essa proposta moderna nao é exatamente uma exceçao, mas uma realidade política que difere substancialmente das anteriores; sua base está no prevalecimento moderno do espírito positivo, que é relativo e aceita o debate, a reflexao, o exame dos fundamentos, das consequencias e dos procedimentos adotados em cada decisao e ideia. Do ponto de vista histórico, um primeiro ensaio dessa separaçao ocorreu na alta Idade Média, quando o Império e o Papado - poderes que, naquela conjuntura, afirmavam-se como universais, cada qual em seu ámbito de atuaçao - disputaram a primazia sobre a Europa. O célebre episódio da "ida a Canossa", protagonizado pelo papa Gregório VII e pelo imperador Henrique IV, no final do século XI, ilustra bem esse primeiro ensaio de separaçao entre os dois poderes, da mesma forma que evidencia a instabilidade no relacionamento entre eles, devido a ambiçao mútua, absolutista, de dominaçao.
Para Comte (1929, v. 4), a positividade característica da modernidade deve evitar essa ambiçao mútua de dominaçao; em uma observaçao que é tanto descritiva quanto normativa, os dois poderes devem manter-se separados e tal separaçao deve ocorrer em caráter permanente; com isso, nem um nem outro tornam-se opressivos e as respectivas dignidades (bem como as dignidades dos cidadaos) também se mantem.
Nao há entre eles um vínculo institucional como entre os poderes de Montesquieu, mas uma divisao de tarefas e uma coincidencia parcial de funçöes23. Como vimos acima, enquanto o poder Temporal zela pela ordem material, o poder Espiritual trata da educaçao e dos valores. Além disso, cada qual em seu respectivo domínio cuida da visao de conjunto, isto é, de reafirmar o caráter sempre e necessariamente coletivo das atividades desenvolvidas por quaisquer indivíduos, que, entregues a si mesmos no dia a dia, tendem a orientar-se para o individualismo: em outras palavras, cabe a esses dois poderes estimular o altruísmo e coibir o egoísmo. Portanto, em si mesmos originários da "separaçao dos oficios" (nos termos aristotélicos), a esses dois poderem cabem necessariamente a "convergencia dos esforços". Convém notar que, tratando dos valores e das ideias, fora do ámbito do Estado, o poder Espiritual representa a sociedade civil e, assim, constitui a opinião pública24, de tal sorte que a ele cabe a legitimaçao do Estado: para que cada um cumpra suas funçöes adequadamente e que para que não degrademse moral e socialmente, devem permanecer separados.
A maior amplitude do poder Espiritual - que tende a universalidade - e seu fundamento intelectual conferem maior dignidade a esse poder, a esse vínculo, que ao poder Temporal, que é mais restrito e cujo fundamento é mais grosseiro (a existencia material). A universalidade espiritual tem o duplo aspecto de ser geográfica (tende a abarcar o planeta inteiro) e "cronológica" (ao ser o poder que interpreta e estabelece a continuidade histórica, entre passado, futuro e presente); inversamente, o poder Temporal é restrito no tempo e no espaço, ao ocupar um território delimitado e ao considerar apenas o presente. Nesses termos, a superioridade moral e intelectual do poder Espiritual fica evidente: mas disso decorreria a subordinação do poder Temporal ao Espiritual? Ou, empregando a terminologia contemporánea, o Estado deveria submeter-se a igreja, embora eles permaneçam separados? Seria a Igreja um representante melhor do ser humano, da vontade coletiva, que o Estado? A resposta de Comte (1929) é direta e clara; na verdade, ao iniciar a discussão sobre a atuação social da igreja, ele responde essa pergunta a título de preca^ão teórica, a fim de evitar desvios e problemas. A resposta é negativa: não é o Estado que tem que se submeter a igreja, mas o contrário. Para justificar sua resposta, ele apela para o principio ao mesmo tempo teórico e epistemológico citado há pouco, segundo o qual os fenómenos mais nobres subordinam-se aos mais grosseiros - o que, por outro lado, equivale a afirmar que os fenómenos mais nobres modificam os mais grosseiros, mas nao os "determinam". Da mesma forma como a moralidade humana (ai incluidos os valores e as ideias) submetese objetivamente as condiçöes sociais, estas as condiçöes vitais e estas, por fim, as condiçöes cosmológicas, o poder Espiritual deve submeter-se ao Temporal; mas, inversamente, assim como a moralidade humana modifica subjetivamente a sociedade, que modifica a vitalidade, que modifica as condiçöes cosmológicas, o poder Espiritual modifica o Temporal (COMTE, 1929, v. 2, p. 341-343); "modificar", nesse caso, tem o sentido de orientar a conduta, sugerir e corrigir rumos e inspirar os bons sentimentos. Aliás, sugere Comte, a preponderáncia política é confirmada mesmo pelo uso universal da palavra "cidadao" para indicar o membro de uma sociedade qualquer (COMTE, 1929, v. 2, p. 342). Devido a sua importáncia, convém citar a passagem decisiva: "A religião positiva [i. e., o Positivismo], em virtude de sua plena realidade, decide irrevogavelmente a preponderáncia do Estado [...]. [...] A sociedade religiosa é sobretudo destinada a consolidar e a desenvolver a sociedade civil, como esta é-o em re^ão a sociedade doméstica" (COMTE, 1929, v. 2, p. 342).
Além disso:
[...] A teoria fundamental da natureza humana, que, subordinando a existencia cerebral a existencia corporal, faz prevalecer sempre a atividade sobre a inteligencia e mesmo sobre o sentimento. É assim a cité, órgão essencial da coope^ão ativa, que é necessário sobretudo referir o homem, mas concebendo-a sem cessar como preparada pela familia e completada pela igreja. [...] Assim, o instinto universal confirma essencialmente uma tal subordinaçao, que por toda parte dispöe a conceber habitualmente o homem como cidadao (COMTE, 1929, v. 2, p. 341-342; grifo do autor).
Além da primazia dada a ordem política na relaçao entre os poderes, o trecho acima é digno de atençao pelo menos por dois outros motivos. Em primeiro lugar, pela afirmaçao da condiçao de cidadania a cada individuo maior de idade: note-se bem, "cidadão" e nao "súdito"25. Em segundo lugar, inversamente convém notar que, se o poder Espiritual tivesse a primazia sobre o Temporal, o poder que se manifesta por meio do aconselhamento manifestar-se-ia também, e principalmente, por meio da coerçao física: assim, nao apenas ele corromper-se-ia e degradar-se-ia (impondo pela força coercitiva o que deve ser aceito pelo convencimento livre) como se tornaria uma força opressiva e despótica, na medida em que todos os cidadaos teriam que se subordinar a ele pelas ideias (subjetivas) e pelo comportamento (objetivo).
Se a experiencia medieval oferece para Comte um exemplo histórico que é retomado modernamente em novas bases, a experiencia romana também oferece um exemplo; trata-se de um duplo programa social e político que deve ser incorporado modernamente: sao as subordinaçöes da vida privada a vida pública e da inteligencia a açao prática. A primeira subordinaçao consiste em que os vários esforços parciais, isto é, particulares devem ser orientados para o bem comum, o que equivale a dizer que a vida de cada indivíduo e de cada família nao é um objetivo em si mesmo, mas, sim, a cooperaçao com a melhoria geral das condiçöes de vida (material, intelectual, moral)26. A segunda subordinaçao tem um sentido semelhante: a inteligencia nao deve ser um fim em si mesmo, independentemente de qualquer preocupaçao social - como ocorreu na Grécia antiga -, mas deve ter um parámetro social de utilidade guiando-a (COMTE, 1929, v. 3, cap. 5).
A dupla subordinaçao proposta pelo "programa romano" foi interpretada por Augusto Comte como realizando de maneira antecipada um dos principais resultados da separaçao dos dois poderes (que, por sua vez, foi uma das principais características da Idade Média): a subordinaçao da política a moral (COMTE, 1929, v. 4, p. 48-49). Para os leitores contemporáneos de Maquiavel e de O príncipe, acostumados com as ideias da "autonomia da política em relaçao a moral" e de um certo amoralismo supostamente daí decorrente, a fórmula comtiana pode assustar; assim, convém algumas palavras a respeito.
A expressao "subordinar a política a moral" equivale em importante medida a impor a atividade política critérios e parámetros estritamente morais, revertendo parcialmente o processo de autonomizaçao da política que se operou no Ocidente moderno após a Idade Média. Isso se refere ao ámbito privado da vida política e também o ámbito público. No que se refere a vida privada, ela nao considera que o bom político é apenas e tão-somente aquele que é privadamente virtuoso. Evidentemente, a virtude privada é um requisito que se deve exigir de todos os cidadãos, aí incluidos os líderes políticos; entretanto, a subordinaçao da política a moral inclui também a moralização dos próprios fins políticos, além da dos meios empregados. No que se refere ao ámbito público, o que a expressão "subordinar a política a moral" implica é a rejeRão do amoralismo que, com grande frequencia, supostamente se depreende da "autonomização da política" desenvolvida no Ocidente após e a partir de Maquiavel; esse amoralismo, além disso, também com frequencia e com facilidade converte-se em imoralismo sistemático. Esses processos não se relacionam apenas com o desenvolvimento intelectual das análises sobre a política; na verdade, para Comte nem principalmente se deve ao desenvolvimento de uma análise científica da política e da sociedade; conforme indicamos antes, eles devem-se ao progressivo desprezo pelas consideraçöes morais na vida política, reduzindo a teoria política a teoria do Estado (no máximo a teoria das relaçöes entre Estado e sociedade), ocultando ou mesmo desprezando as consideraçöes morais: Comte ve aí mais um dos sintomas da (necessária) decadencia multidimensional do catolicismo (e, de modo mais amplo, da teologia) após a Idade Média (cf. COMTE, 1894, v. 4, Leçon 48, v. 5, Leçon 55, 1929, v. 3).
Dessa forma, e a par da sepa^ão entre os poderes Temporal e Espiritual, tal subordinação não consiste em rejeitar a autonomia institucional, intelectual e prática - e, daí, uma relativa autonomia moral - da política; o que Augusto Comte faz é reafirmar a necessária subordinação da política aos parámetros morais superiores e comuns ao conjunto da sociedade. A subordinação da política a moral consiste em afirmar que a atividade política deve perseguir o bem comum - o que inclui radicalmente também o que Augusto Comte chamava de "incorporação social do proletariado", atualmente denominada de "inclusão social" -, em particular estimulando o altruísmo, a fraternidade e os meios pacíficos de solucionar os conflitos, além dos deveres mútuos, das responsabilidades e das responsabilizaçöes de todos para com todos, em vez de estimular os egoísmos, os particularismos, os procedimentos violentos e a irresponsabilidade.
Neste ponto, Augusto Comte (1894, v. 4, Leçon 48, v. 5, Leçon 55, 1929, v. 3) aplica uma das principais consequencias da lei dos tres estados, que se revela não somente sociológica e epistemológica, mas, como vimos antes, também um enunciado a respeito dos princípios de legitimação social e política: as organizaçöes sociais legitimam-se inicialmente com base em princípios teológicos, em seguida com base em princípios metafísicos e por fim com base em princípios positivos. No que se refere a teologia, é fácil perceber que o recurso aos deuses é o procedimento adotado: o direito divino dos reis é um exemplo, como defendido, entre outros, por Jacques Bossuet (1965) e Joseph de Maistre (1960). A legitimação metafísica recorre as abstraçöes reificadas e anistóricas: são os casos da "vontade popular" e da "democracia", de J.-J. Rousseau, e do contrato social, de Thomas Hobbes e John Locke. A legitimação positiva baseia a ordem social na satisfação do bem comum (não por acaso, da res publica), ou seja, na satisfação das necessidades das famílias, das classes sociais e dos variados grupos, como fundamento para a satisfação das necessidades individuais: tais necessidades, como vemos, são materiais, intelectuais e sobretudo morais; além disso, as liberdades públicas (civis e políticas) são uma condRão literalmente fundamental para a realização desse bem comum: na terminologia de Comte, essa ordem social altruista e liberal, que consagra a sociedade, é a "sociocracia", cujo regime político específico é a república27.
Dando um passo adiante, a ideia comtiana de "república" encerra duas concepçöes, uma negativa e outra positiva. A positiva consiste na já vista subordinaçao da política a moral ou, em outras palavras, o primado do bem comum como parámetro norteador e legitimador; a parte negativa é a recusa da monarquía e a afirmaçao do governo humano, com base em motivos humanos. Ambos os sentidos foram afirmados pela Revoluçao Francesa e devem tornar-se programas efetivos das sociedades modernas, ou melhor, das sociedades pacificas, relativas e positivas:
Em seu significado negativo, o principio republicano resume definitivamente a primeira parte da Revoluçao [Francesa], ao interditar todo retorno de uma realeza [...]. Por sua interpretaçao positiva, ele começa diretamente a regeneraçao final, ao proclamar a subordinaçao fundamental da politica a moral, a partir da consagraçao permanente de todas as forças quaisquer ao serviço da comunidade (COMTE, 1929, v. 1, p. 70).
A república comtiana, pelo exposto acima, caracteriza-se pela separaçao dos dois poderes, pela preocupaçao com o bem comum e com a inclusao social: em outras palavras, é uma república de liberdades, laica e social28. Essa exposiçao é, por assim dizer, "horizontal", considerando as relaçöes no interior de um único país; importa também agora considerar um outro eixo, que, a titulo de contraposiçao, chamamos aqui de "vertical" e que nao considera somente as relaçöes no interior de um país, mas engloba todas as naçöes.
É interessante notar que, para Comte (1929), no interior de cada cité a preponderáncia cabe ao poder Temporal, mas o que permite o diálogo entre todas as cités do mundo, por meio de valores, ideias e instituiçöes comuns, além da existencia de órgaos locais em todos os países, é o poder Espiritual. A harmonia internacional, sem dúvida, é o complemento natural e necessário da harmonia interna a cada pais; mas em vez de ter por órgao básico o poder Temporal, essas harmonia é possivel graças ao aconselhamento e a intermediaçao do poder Espiritual. Ou, dito de outra maneira, a harmonia social e as boas relaçöes sociais dependem dos valores compartilhados, seja para manter-se a fraternidade, seja para estimular-se as responsabilidades individuais e sociais de todos para com todos e assim se garantir o bem-estar social. Ou, em ainda outra formulaçao: regimes políticos pacificos tendem a manter e a promover as relaçöes internacionais pacificas e fraternas.
Da mesma forma que o poder Espiritual tem um papel regulador no ámbito interno, com mais forte razão, para Comte (1929), ele deve desempenhar esse papel no ámbito internacional. Não se trata, então, de regulagão internacional via Direito das Gentes, nem, por outro lado, de um imperio mundial: reconhecendo que não se pode instituir uma soberanía mundial sem que ela torne-se despótica e inspirando-se nos comentarios feitos por Joseph de Maistre (1862) sobre o papel arbitral desempenhado pelo papa da Idade Média até pelo menos o século XVI, o poder Espiritual positivo deve regular e mediar as relaçöes internacionais. Assim, por exemplo, para Comte, os grandes estados nacionais aumentaram de extensão após a Idade Média em virtude da ausencia de regu^ão moral; na modernidade, em vez de os estados aumentarem de extensão territorial, é exatamente o processo inverso que deve ocorrer, com a diminuRão radical dos estados gigantescos existentes atualmente. Desse modo, o fundador da Sociologia adota como parámetro de extensão normal máxima os tamanhos de Bélgica (30.526 km2), (ilha da) Irlanda (81.638 km2), Portugal (92.256 km2) e alguns outros países europeus de dimensóes reduzidas (COMTE, 1929, v. 4, p. 307, 1934, p. 357); nesse sentido, a França deveria ser dividida em 17 repúblicas e, no caso do Brasil, os novos estados nacionais deveriam oscilar entre as extensóes do Espirito Santo (46.096 km2) e Pernambuco (98.149 km2): o total mundial deveria ser de cerca de 500 repúblicas.
A sugestão comtiana quanto as áreas e ao total de repúblicas no mundo - cuja importáncia é mais lógica e teórica que propriamente política - fundamenta-se na preocupação de manter os estados suficientemente pequenos para que os cidadãos convivam e realizem a divisão do trabalho com o sentimento de compartilhamento de destinos, evitando-se ao mesmo tempo a opressão (COMTE, 1929, v. 4, p. 305-307). Mas, ao mesmo tempo, essas repúblicas sociocráticas devem ser suficientemente grandes para que a divisão do trabalho seja eficiente, isto é, para que haja núcleos urbanos e políticos circundados por áreas rurais e, nas cidades, haja indústrias, comércios, serviços e bancos (COMTE, 1929, v. 4, cap. 5), de tal maneira a haver uma certa autonomia económica em cada república. A transRão entre as grandes naçöes e as repúblicas sociocráticas seria marcada pelo federalismo e suas várias modalidades.
Portanto, as tarefas do poder Espiritual de auxiliar a estruturar e a regular o ambiente internacional não consistem meramente em ampliar as suas responsabilidades para fora das cités; é necessario ai levar adiante, isto é, "ultrapassar", do ponto de vista lógico e político, as concepçöes desenvolvidas para a política interna: afinal de contas, ninguém ignora que nenhum país vive isoladamente em re^ão aos outros e que a harmonia interna influencia e é influenciada pela harmonia externa (ou sua falta). Esse entendimento, claro, é por si só o resultado de um processo histórico, em que a violencia é deixada de lado em favor da paz, em que a guerra é substituída pela colabo^ão, em que a pilhagem e a escravidão são substituídas pela indústria e pela dignidade do trabalho livre (cf. LACERDA, 2016b).
Esse conjunto de mudanças - Comte (1929, v. 3-4) emprega a expressão "preparaçöes" - resulta na afirmação ao mesmo tempo política, intelectual e moral da ideia de humanidade como reguladora das relaçöes internacionais. Nesse sentido, a afirmação do conjunto da humanidade é necessario como um corretivo para os vícios próprios a existencia cívica, quais sejam, o presentismo, o "materialismo", o egoísmo nacional e até o imperialismo. Para Comte, da mesma forma que nenhuma família existe a parte das cités, e na medida em que todos os seres humanos habitam o mesmo planeta Terra, nenhum país pode existir a parte da Humanidade: ou considera-se com clareza a totalidade do genero humano, ou nao se desenvolverá uma política verdadeiramente racional, altruísta e humana. Ora, ainda que as pátrias mantenham entre si intensos comércios (que, de modo geral, exigem uma relativa paz mútua), o fato é que o mais das vezes a realidade prática de cada ser humano limita-se a realidade do seu próprio país: se a concepçao de mundo mantiver-se nesse limite, nao apenas se celebrará um egoísmo nacional como somente as relaçöes materiais serao levadas em consideraçao, com a consequencia adicional de que somente as relaçöes sociais atuais (objetivas) estarao em evidencia. Essa miopia com facilidade pode degenerar-se ainda mais em nacionalismo agressivo e imperialista, por um lado, e em degradaçao ambiental, por outro lado. Dessa forma, ampliar as concepçöes sociais e políticas para todos os países e seres humanos é deixar de lado o egoísmo nacional - que, de qualquer forma, é uma das fontes constantes de guerras - e afirmar as perspectivas históricas e subjetivas do ser humano, em particular o altruísmo, a generosidade, o respeito mútuo. Em outras palavras, a afirmaçao moral e prática da Humanidade é o corretivo necessário para o nacionalismo estreito. Aliás, ainda mais: a concepçao subjetiva da Humanidade, que afirma a continuidade histórica do passado para o futuro, deve prevalecer sobre a concepçao objetiva da Humanidade, que afirma a solidariedade no presente. Assim, retomamos uma das concepçöes históricas fundamentais, exposta inicialmente: a perspectiva histórica exige para Comte, necessariamente, que a subjetividade (afetiva e intelectual, do passado e do futuro) seja afirmada, mais e antes, que a objetividade (material e do presente), seja da Humanidade, seja de cada país (COMTE, 1929, v. 3-4, 1934, p. 358).
Comentários Finais
Iniciamos este artigo comentando que há várias formas de compreender-se a expressao "teoria política históricamente informada"; nessa variedade, apresentamos alguns elementos de uma teoria específica, a de Augusto Comte. Vale a pena recapitular o trajeto seguido: expusemos o que esse pensador entendía por historicidade e de que maneira isso lhe permitiu fundar a Sociologia; também expusemos as consequencias epistemológicas e metodológicas que ele tirava daí. Na sequencia, apresentamos elementos da teoria política de Comte, em parte como uma aplicaçao dos elementos teóricos, metodológicos e epistemológicos expostos antes, em parte porque julgamos que ela é digna de consideraçao por si só. Essa teoria política consiste em um republicanismo, que é o regime político específico da organizaçao social e política humana, laica, altruísta (e histórica), por A. Comte (1929, v. 3-4) denominada "sociocracia".
Dessa forma, no que se refere ao republicanismo comtiano, tratamos dos dois hemistiquios da expressao "teoria política historicamente informada" - seja a "teoria política", seja o "historicamente informada". Ainda que tenhamos procurado indicar, aqui e ali, aspectos das concepçöes comtianas que se aproximam de reflexöes cronologicamente mais próximas de nós, por certo nao esgotamos as possibilidades analíticas em nossa dupla exposiçao, seja porque os temas abordados exigiriam muito mais espaço do que dispomos, seja porque outros autores já se dedicaram antes, talvez com maior brilhantismo, a essas tarefas. Mas, além disso, vale tirarmos uma consequencia bastante prática de uma observaçao feita logo no início do artigo: embora em épocas anteriores as ideias de Comte tenham gozado de grande difusao no Brasil, isso já nao ocorre mais, o amplo conhecimento tendo sido substituído por exposiçöes sumárias, de má qualidade e - no pior sentido possível - de manual (cf. GOLDFARB et al., 2012): em tal quadro, antes de qualquer discussão substantiva ou comparativa é necessária uma (longa) exposigão das concepçöes comtianas.
Novamente a respeito da expressão "teoria política históricamente informada", parece-nos sempre muito útil, e importante, lembrarmos comentários feitos por Giovanni Sartori (1994, v. 1, cap. 1): o caráter histórico das ideias e das investigaçöes sobre ideias políticas é necessário, entre outros motivos, porque não se deve desperdiçar a experiencia histórica. Em outras palavras, o que ocorreu antes deve servir de lRão para as açöes de hoje e os argumentos anteriormente utilizados podem, e devem, ser levados em conside^ão para os debates e as formulaçöes atuais. Mas, no ámbito da teoria social e política, embora as investigaçöes sejam e devam ser sempre e necessariamente históricas (ou historicizantes), essas mesmas investigaçöes teóricas não podem ser meramente historiográficas. Esse é um cuidado que faz toda a diferença, mas que nem sempre é seguido ou entendido.
Como vimos ao longo deste artigo, a teoria política de Comte nao é "histórica" no sentido por assim dizer museológico, ou antiquarista; ela não procura colecionar peças de museu; ao refletir historicamente, o fundador da Sociologia entende as experiencias humanas (seja cada uma delas em si mesmas, seja principalmente o acúmulo delas, ge^ão após ge^ão) como realidades que se dirigem a nós permanentemente, com plena legitimidade, e que, assim, devem ser objeto de nossa detida reflexão. Essa concepção é válida não somente no ámbito da teoria sociopolítica de Comte, mas também no ámbito da experiencia histórica concreta dos vários países do mundo: basta lembrarmos a importância do republicanismo de inspiração positivista para o Brasil e mesmo para a França.
Recebido em 02/09/2021;
aprovado em 20/04/2022.
*Minicurrículo do Autor:
Gustavo Biscaia de Lacerda. Doutor em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (2010). Sociólogo e Assessor de Pesquisas junto ao Setor de Ciencias Exatas da Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected].
2 Uma versao anterior deste artigo foi apresentada no XXVI Simposio Nacional de História, realizado na Universidade de Sao Paulo, em julho de 2011. Agradeço os comentários dos pareceristas anónimos da revista Mediaçoes, que permitiram introduzir neste artigo observaçöes teóricas e metodológicas enriquecedoras.
3 Na verdade, a importáncia da história no ámbito do Positivismo é maior do que as observaçöes acima sugerem. Entre as opçöes indicadas no parágrafo inicial - histórias das ideias políticas, teorizaçöes que considerem as mudanças conceituais ao longo do tempo, epistemologias históricas e/ou historicizantes e recuperaçöes de experiencias históricas na teorizaçao -, talvez apenas a primeira (história das ideias políticas, ou seja, exercícios propriamente historiográficos dirigidos a concepçöes políticas) esteja ausente das elaboraçöes comtianas. Como veremos ao longo deste artigo, tudo isso se baseia também em uma teoria social (em termos de teoria sociológica e de filosofia social) que entende o ser humano como um ser propriamente histórico - ainda que, sem dúvida, Comte rejeitasse os ultracontextualismos próprios aos exercícios historiográficos, como os desenvolvidos por Skinner (2002), Koselleck (2007) e outros.
4 Evidentemente, o entendimento que apresentamos das ideias de Bevir (2009) é nosso. Em todo caso, a crítica a esse emprego do contextualismo que, nao raro, depreende-se das propostas de Skinner (1999) é o que chamamos antes de "ultracontextualismo". Uma das consequencias desse "ultracontextualismo" é o que Giovanni Sartori (1994, v. I, cap. 1) chamou de "desperdicio da experiencia histórica": se cada situaçao é uma situaçao única, nao há possibilidade de comparaçao entre elas e, portanto, na medida em que apenas com a história - isto é, com a comparaçao entre diferentes realidades - o ser humano consegue aprender alguma coisa a respeito de si mesmo, qualquer conhecimento efetivo, com fins que ultrapassem o mero antiquarismo, torna-se vedado a nós. Em suas várias obras, Comte (p. ex.: 1929, 1934) afirma a mesma ideia.
5 Claro está que nada disso corresponde a negaçao de análises ou reflexöes secundárias, a título de ilustraçöes, comparaçöes ou simples digressöes.
6 É lugar comum afirmar que o pensamento comtiano conformava um "sistema"; isso por si só já deveria permitir a deduçao dos tres "principios" indicados acima. Mas, dando um passo além, Angele Kremer-Marietti (2007b) sugeriu com grande felicidade que a obra comtiana, mais que sistemica, é "caleidoscópica", no sentido de que basicamente os mesmos elementos sao passíveis de serem abordados de diferentes perspectivas e, com isso, resultarem em novas consequencias, em um primeiro momento imprevistas. Ora, a busca de soluçao das aparentes contradiçöes é tanto a aplicaçao do principio interpretativo da boa vontade (Davidson - mas também, e antes, Comte!) quanto a necessária consequencia do caráter caleidoscópico-sistemico da obra de Comte. Uma aplicaçao em regra e exemplar desses principios pode ser lida na excelente obra do positivista ortodoxo brasileiro Raimundo Teixeira Mendes (1898), As últimas concepçöes de Augusto Comte.
7 Por outro lado, nao deixa de ser digno de nota que nos afastamos de intérpretes como Michel Bourdeau (2003) e Jean-François Braunstein (2009), quem interpretam o conjunto da obra de Comte, incluindo ai particularmente a fase religiosa do fundador da Sociologia, mas - ai, sim - contraditoriamente afirmam que a Religiao da Humanidade seria a manifestaçao de loucura. Ou seja, afirmam e celebram as consequencias, mas rejeitam as premissas. No mais, a vasta obra de Bourdeau, majoritariamente dedicada a Comte, é simpática ao pensador e com inúmeras sugestöes dignas de reflexao.
8 Sobre o republicanismo frances, cf. Furet (1993) e Nicolet (1995); como indicou Judt (2008), devido a invasao nazista, a boa fama (justificada ou injustificada) do comunismo subsequente a II Guerra e a um certo cansaço do republicanismo, entre 1940 e (digamos) 1955 o republicanismo foi eclipsado na França, embora, por exemplo, Spitz (2005) e os próprios Furet e Nicolet evidenciem a sua importancia contemporánea. A retomada do pensamento republicano no Brasil pode ser conferida em Silva (2008), Bignotto (2013) e em Cardoso (2004). O renovado republicanismo anglossaxao pode ser visto por exemplo em Pettit (1997), Skinner (1999), Van Gelderen e Skinner (2002), Pocock (2003) e McCormick (2011).
9 Aquilo que se pode chamar de "epistemologia comtiana" está exposta, em sua forma mais madura e consequente, no v. I do Sistema de política positiva (COMTE, 1929, v. I) e na Síntese subjetiva (COMTE, 2000); neste último volume, em particular, o fundador da Sociologia desenvolve longamente as concepçöes de relativismo e subjetivismo e, associada a elas, de "lógica positiva". Uma exposiçao densa e cuidadosa pode ser lida em Teixeira Mendes (1898). Grange (1996, 2003), Bourdeau (2004), Petit (2006), e Kremer-Marietti (2007b) também abordam, embora a partir de perspectivas bem parciais, a epistemologia comtiana. Por fim, Lazinier (1996) e Torres (2020) abordam a linguagem empregada por A. Comte, cujas consequencias teóricas sao importantes. Tanto a profundidade e a complexidade da epistemologia comtiana quanto o seu relativo desconhecimento atual justificam também a grande quantidade de notas complementares na presente seçao deste artigo.
10 As citaçöes e as indicaçöes de páginas que fizermos de modo geral terao um caráter exemplificativo. É claro que, como nao poderia deixar de ser, alguns conceitos sao definidos de maneira formal em um trecho ou outro, mas, na maioria dos outros casos, os conceitos sao apresentados em um trecho e retomados em outras partes, para serem desenvolvidos, complementados, modificados (ou até rejeitados). Daí se segue, aliás, que é impróprio imputar a obra de Comte características de "incoerencia" (pelo menos de incoerencia flagrante): buscando sempre a coerencia profunda, literalmente esse pensador desenvolvia e refinava ao longo do tempo as suas concepçöes.
11 No volume II do Sistema de política, escrito em 1852, Comte identifica as seguintes instituiçöes sociais como integrantes da Estática Social, ou seja, como existentes em todas as sociedades: a religiao, a propriedade, a família, a linguagem, o governo.
12 Nao é o caso de aprofundarmos aqui o sentido específico da palavra "metafísica", mas nao podemos deixar de lembrar que ela gera acentuadas polémicas, muitas das quais tem origem em ambiguidades propositais; a teoria politica nao é exceçao, em particular devido aos debates que ocorrem desde a década de 1970 com as criticas ao comportamentalismo. Para uma apresentaçao didática dos sentidos que Augusto Comte conferia a essa palavra, cf. Lacerda (2016a).
13 Gane (2006) e Fedi (2008) lembram que a lei dos tres estados em si mesma é uma lei histórica e historicizante e que ela funda a Sociologia Dinámica. É necessário ajuntar e insistir em que ela é uma lei que estabelece princípios de "interpretaçao" (no sentido mesmo dado a essa expressao pela sociologia metafisica alema).
14 Para Comte (1990b) há uma diferença entre o "espírito positivo" e o que se chama ordinariamente de "ciencia": enquanto esta é intelectual e analítica, isto é, refere-se a partes da realidade, aquele é sintético e considera nao apenas a satisfaçao das necessidades intelectuais do ser humano, como também e principalmente dos aspectos práticos e morais. Na verdade, considerando a lei dos tres estados, de acordo com a qual toda concepçao humana passa sucessivamente por tres estados - teológico, metafisico e positivo -, a fim de diferenciar a mera ciencia (e seus correlatos, o cientificismo e o academicismo), em uma carta dirigida a um de seus discipulos, o marselhes Georges Audiffrent, Augusto Comte sugere a necessidade de estabelecer-se um quarto estado, correspondente a fase positiva filosófica (ou seja, com visao de conjunto e sintética) (COMTE, 1990b).
15 No que se refere as "experiencias sociológicas", é interessante notar que Augusto Comte indica que suas dificuldades constituem-se em problemas éticos e também práticos, mas, acima de tudo, é a impossibilidade de isolar suficientemente as "causas" e os "efeitos" que as tornam impraticáveis (COMTE, 1995, p. 165-166). Por outro lado, uma forma indireta de realizar-se experiencias em Sociologia seria por meio da comparaçao com os "casos patológicos", que se definiriam pelas variaçöes muito pronunciadas das leis naturais de coexistencia e/ou de sucessao (como nos períodos revolucionarios) (COMTE, 1929, v 2, cap. 7, 1995, p. 166-168).
16 Para Comte (1995), a comparaçao deve estender-se da Biologia a Sociologia, no sentido de que a comparaçao do ser humano com as demais sociedades animais conduz a resultados importantes, mesmo sociológicos. Essa relativa continuidade entre os animais inferiores e o ser humano nao conduz Comte a propor uma Sociobiologia, entendida esta como a reduçao da Sociologia a Biologia: nao apenas o característico do ser humano é a história - que, dessa forma, torna-se o elemento fundador do fenómeno humano -, como é a perspectiva humana (sociológica e moral) que deve modificar as concepçoes biológicas (COMTE, 1995, p. 179) - concepçao reafirmada e aplicada no estudo socioestático da linguagem (COMTE, 1929, v. 2, cap. 4). Cf. também Comte (2000) e Kremer-Marietti (2007a).
17 Tendo fundado formalmente a Sociologia em 1836, no volume IV do Sistema de filosofia positiva, em 1852 (no volume II do Sistema de política positiva) Comte também fundará uma sétima ciencia, a Moral, por ele consagrada ao estudo dos indivíduos. Essas duas ciencias, que tratam especificamente do ser humano, aprofundam a ideia da reforma das ciencias inferiores (Matemática, Astronomia, Física, Química e Biologia), por meio do que Augusto Comte (1929, v. 1-4; 1934) chamava de "método subjetivo". Esses elementos, que Comte desenvolveu com o máximo de coerencia, estao muito longe da concepçao usual de que o Positivismo consiste na pura extensao das Ciencias Naturais ao estudo do ser humano.
18 O superempirismo e a fragmentaçao de vistas andam juntos e consistem, para Comte, em uma "marcha viciosa" devida a "imitaçao cega e absoluta" dos procedimentos das Ciencias Naturais (COMTE, 1995, p. 181-182). Nesse mesmo sentido vai a forte crítica ao uso da Matemática na Sociologia, que, para Comte, esconde a falta de ideias sob um manto de verbiagem (COMTE, 1995, p. 186-187) e é o que justificou a mais que adequada mudança terminológica de "Física Social" para "Sociologia".
19 Como citamos Aristóteles no corpo do texto, vale aqui uma digressao importante. Um dos pareceristas anónimos que avaliaram este artigo afirmou que a referencia a Aristóteles indica o "holismo" comtiano e, mais específicamente, a metáfora corporal. Na verdade, a metáfora corporal talvez seja mais correta e justamente atribuida a Sao Paulo que a Aristóteles; mas, de qualquer maneira, embora o parecerista tenha citado Aristóteles, o "holismo" e o que chamamos aqui de "metáfora corporal", ele nao explicitou a consequencia que quería tirar com todas essas referencias, a saber, uma suposta negaçao do papel dos individuos pelo Positivismo. Esse argumento, que rescende a liberalismo e que, de qualquer modo, é um dos mais difundidos mitos constituintes do senso comum académico, é errado do inicio ao fim. Nao há dúvida de que para Comte a sociedade precede os individuos e que, afirmando as vistas gerais (ai subsumido o caráter sistemico de suas elaboraçöes), a sociedade é composta por unidades sociais menores; é assim que o fundador da Sociologia estabelece que, de um ponto de vista sociológico, a menor e mais fundamental unidade social é a familia. Ora, afirmar a visao de conjunto em termos sociológicos é muito diferente de afirmar que os individuos nao tem nenhum papel social a desempenhar; na verdade, Comte reconhece - e di-lo e repete com todas as letras - que em certo sentido nao existe sociedade sem a açao dos individuos. A famosa, mas, sendo bem francos, cansativa dicotomia sociedade-individuo, que foi cristalizada e sacramentada pelo liberalismo, a partir das suas raizes protestantes, é resolvida por Augusto Comte por meio dos cruzamentos entre história-subjetividade-poder Espiritual, por um lado, e presente-objetividade-poder Temporal, por outro lado. Isso é apresentado, por exemplo, de maneira didática na segunda conferencia do Catecismo positivista (COMTE, 1934, 2a Conf.), dedicada precisamente å "teoria da Humanidade"; além disso, em todos os capitulos do v. 2 do Sistema de política positiva (COMTE, 1929, v. 2) - volume dedicado precisamente a Sociologia Estática, ou seja, a constituyo da sociedade em qualquer momento dado -, Comte discute as relaçöes entre sociedade e indivíduos, entre origem e realidade sociais das instituiçöes e atividade concreta individual. Por fim, no Apelo aos conservadores, Comte é taxativo: a respeito dos indivíduos, cumpre "consagrar para regular" (COMTE, 1899, p. 45, 60) - ou seja, reconhecer a existencia, reconhecer o seu papel, para, assim, estabelecer os parámetros morais e políticos legítimos de atuagão.
20 Essa "estruturaçao" da sociedade pode ser melhor entendida caso refiramo-nos as tres palavras existentes em língua inglesa para tratar da política: polity (a estrutura geral, os valores, as grandes práticas), policy (as políticas públicas) e politcs (a política no seu sentido cotidiano). Pois bem: a estruturação política da sociedade, conforme afirmada por Augusto Comte, ocorre no sentido da polity e, secundariamente, e a partir desse sentido inicial, no das policies.
21 Toda a obra de Comte, em particular a mais madura - escrita a partir de 1848 -, apresenta complementaridades entre os elementos expostos. Conforme indicado por Lacerda (2019, cap. 2), essas complementaridades são melhor compreendidas a luz da ideia do "englobamento de contrários", conforme proposto por Dumont (1995, Preface). Específicamente, o princípio que orienta a obra comtiana é este: "Toda a sabedoria humana, ao mesmo tempo teórica e prática, condensa-se nesta lei fundamental: a ordem mais nobre [mais afetiva, mais subjetiva] aperfeiçoa a mais grosseira [mais material, mais objetiva] subordinando-se a ela" (COMTE, 1929, v. IV, p. 361).
22 Isso não significa, é claro, que não houvesse disputas entre os dois poderes entre si e as demais forças sociais; neste artigo, todavia, podemos somente indicar as configuraçöes gerais. Comte trata com certo detalhe das disputas entre as forças sociais - detalhes que aumentam a medida que se aproxima cronologicamente do presente - nos volumes V e VI do Sistema de filosofia positiva (cf. COMTE, 1894, v. 5-6) e no volume 3 do Sistema de política positiva (COMTE, 1929, v. 3).
23 Este parágrafo e o seguinte retomam parcialmente a exposiçao feita em Lacerda (2009c).
24 Essas expressöes são empregadas pelo próprio Comte, ou seja, não são anacronismos antecipatórios de nossa parte. Nesse sentido, Pickering (2007) fala em afirmaçao comtiana da "esfera pública", ao contrário da sua decadencia apregoada por Habermas.
25 Vale lembrar que, além de súdito indicar a subordinaçao de um indivíduo a um rei, isto é, a uma autoridade temporal cuja justificativa é sempre teológica, ela também indica a submissao a um poder mais ou menor arbitrário, como sugerem as formas em francés e ingles de "súdito": sujet e subject, que indicam "estar sujeito a".
26 Mais do que isso, na verdade: a subordinaçao da vida privada a vida pública implica que as famílias devem ser integradas a vida social plenamente, no sentido de que - respeitadas suas autonomias -, as famílias preparam os indivíduos para vida em sociedade. Por fim, isso estabelece que a conduta privada também está submetida a avaliaçao pública. O conjunto dessas prescriçöes estabelece, portanto, que a instituiçao "família" é reforçada, estimulada e corrigida pelos vínculos sočiais mais amplos (COMTE, 1929, v. 2, cap. 2, 1934, 4ä Conf.).
27 A importância permanente e fundante das liberdades públicas nas sociedades modernas é expressa constantemente pelo fundador da Sociologia, seja na Política positiva (COMTE, 1929), seja no Catecismo positivista (COMTE, 1934); mas é no opúsculo Apelo aos conservadores (COMTE, 1899) que ele afirma o liberalismo positivista, em contraposiçao aos reacionários (teológicos) e aos revolucionários (metafisicos).
28 Com base no conjunto da exposiçao feita até agora, parece claro que o seu caráter social integra naturalmente a sociocracia; entretanto, de qualquer maneira, ele foi afirmado como um imperativo politico durante e devido a crise politico-social francesa de 1848, que instaurou a II República francesa (1848-1851). Esse imperativo está exposto no Relatório a Sociedade Positivista pela comissao encarregada de examinar a questao do trabalho, elaborado por Magnin, Jacquemin e Belpaume em 1848, com "Preámbulo" do próprio Comte (SOCIÉTÉ POSITIVISTE, 1981, p. 273-280). Em sentido complementar, em Lacerda (2009a;2009b) discutimos as criticas comtianas a Economia Politica e ao liberalismo económico e o que se poderia chamar de noçao comtiana de "justiça social".
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Abstract
O presente artigo apresenta a teoria política proposta por Augusto Comte, também indicando a sua inspiraçao histórica, em termos teóricos, políticos e epistemológicos. Para Comte, o conhecimento é histórico, no sentido de que se exige uma elaboraçao teórica e metodológica cumulativa para que a realidade possa ser conhecida; por outro lado, a teorizaçao sociológica exige a compreensao dessa historicidade, o que resulta em um relativismo epistemológico e político. Esses elementos, entre outros, sustentam o republicanismo comtiano, entendido como um regime humano, laico, racional e altruista. A república é o regime que consagra o bem comum e é a realizaçao política da "sociocracia", a organizaçao social própria a modernidade positiva. O artigo possui um caráter teórico, baseando-se na consulta direta aos textos comtianos e em literatura interpretativa secundária.