O objetivo deste artigo é examinar a influencia da mídia na percepçao do medo do crime entre moradores do Distrito Federal brasileiro. O estudo explora a influencia das características da audiencia na relaçao entre a mídia e o medo do crime. Também analisamos o impacto de diferentes tipos de mídia (TV, jornais e redes sociais) sobre o medo do crime. Os resultados mostram que a influencia da mídia sobre o medo do crime depende do tipo de mídia, devido as diferenças em seu conteúdo e as características da audiencia.
Palavras-chave: medo do crime; mídia; percepçao de risco; Distrito Federal; Brasil
Abstract
The purpose of this article is to examine the influence of the media on perceptions of fear of crime among residents of the Brazilian Federal District. The study explores the influence of audience characteristics on the relationship between the media and fear of crime. We also analyzed the impact of different types of media (television, newspapers, and social media) on fear of crime. Research shows that the media's influence on fear of crime depends on the type of media, due to the differences in content and the characteristics of the audience.
Keywords: fear of crime; media; risk perception; Federal District; Brazil
Resumen
El objetivo de este artículo es examinar la influencia de los medios de comunicación en las percepciones de miedo al crimen entre los residentes del Distrito Federal de Brasil. El estudio explora la influencia de las características de la audiencia en la relación entre los medios y el miedo al crimen. También analizamos el impacto de diferentes tipos de medios (televisión, periódicos y redes sociales) sobre el miedo al crimen. Las investigaciones muestran que la influencia de los medios sobre el miedo al crimen depende del tipo de medio, debido a las diferencias en su contenido y las características de la audiencia.
Palabras clave: miedo al crimen; media; percepción del riesgo; Distrito Federal; Brasil
Résumé
Le but de cet article est d'examiner l'influence des médias sur les perceptions de la peur du crime chez les residents du District Fédéral brésilien. L'étude explore l'influence des caractéristiques du public sur la relation entre les médias et la peur du crime. Nous avons également analysé l'impact de différents types de médias (télévision, journaux et médias sociaux) sur la peur du crime. La recherche montre que l'influence des médias sur la peur du crime dépend du type de média, en raison des différences de contenu et des caractéristiques de l'audience.
Mots-clés: peur du crime; médias; perception du risque; District Fédéral; Brésil
Introduçao
Atualmente, as pesquisas sobre o medo do crime constituem um importante campo de estudos na área de criminología. Embora os primeiros estudos tenham surgido na década de 1970, foi só a partir dos anos 1980 que a agenda de pesquisa ganhou volume. A partir daí, surgiram várias investigaçoes apontando que, ao contrário do que supoe o senso comum, o medo do crime e a vitimizaçao criminal nao estao necessariamente associados3.
Essa relaçao depende do tipo de crime e do número de vezes que a pessoa foi vitimada. Apenas as pessoas que foram vítimas de crimes violentos ou que foram vítimas de vários crimes tendem a sentir mais medo (Gray, Jackson e Farrall, 2008; Tseloni e Zarafonitou, 2008). A constataçao de que há pouca relaçao entre esses dois fenómenos fez com que os pesquisadores buscassem entender os principais fatores explicativos do medo do crime, bem como analisar seus impactos sobre a qualidade de vida das pessoas.
O medo é uma ansiedade suscitada pela consciencia de perigo. A ideia de que algo ou alguém possa ameaçar a segurança ou a vida faz com que o cérebro ative, involuntariamente, uma série de compostos químicos que provocam reaçoes físicas como aumento dos batimentos cardíacos, aceleraçao da respiraçao e contraçao muscular. O medo, portanto, é uma sensaçao de alerta de extrema importancia para a sobrevivencia humana. Normalmente para surgir o medo é necessária a presença de um estímulo que provoque ansiedade e insegurança no individuo.
O medo do crime é um tipo particular de ansiedade provocada pela percepçao do risco de ser vítima de crime. Essa ansiedade pode ser provocada por uma ameaça imediata e real ou ser resultado de crenças e representaçoes sociais a respeito dos criminosos e do risco de vitimizaçao criminal. Essas representaçoes sociais variam de acordo com o perfil dos individuos, classe social e lugar onde residem e transitam.
O receio de ser vítima de criminalidade tem consequencias bastante concretas. Ele tem efeitos psicológicos negativos, causando algumas doenças mentais relacionadas a ansiedades, descrenças nos outros e insatisfaçoes com a vida urbana. No plano social, o medo restringe alguns comportamentos, fragiliza os laços vicinais e esvazia os espaços públicos. Ele também tem consequencias económicas, levando ao aumento de gastos das pessoas e das empresas com segurança, produzindo processos de gentrificaçao e especulaçao imobiliária e condicionando tanto as formas de acesso das pessoas ao mercado, quanto sua propensao de gastar e investir recursos financeiros. No plano político, o medo abre espaço para discursos punitivistas, sexistas, racistas e xenófobos (Costa e Durante, 2019a).
No Brasil, as pesquisas sobre medo do crime e suas consequencias sao predominantemente qualitativas. Em geral sao estudos etnográficos sobre como a "fala do crime" é construida e afeta o cotidiano das famílias (Caldeira, 2000; Machado, Borges e Moura, 2014). Ainda sao poucos os estudos baseados em pesquisas de vitimizagäo que permitem comparabilidade. A maior parte das pesquisas quantitativas buscou explicar as relaçoes entre o medo e as variáveis sociodemográficas (Caminhas, 2010; Borges, 2011; Rodrigues e Oliveira, 2012; Cardoso, Seibel e Monteiro, 2013; Silva e Beato Filho, 2013).
Um dos aspectos frequentemente associados ao medo do crime é a cobertura da mídia sobre violencia e criminalidade. As pesquisas tem mostrado que a cobertura da mídia distorce a realidade, uma vez que incide desproporcionalmente sobre determinados tipos de crimes e vítimas (Reiner, 2007). Entretanto, ainda nao está claro como essa superexposiçao midiática da violencia impacta o medo do crime.
Tendo em vista esse cenário, o objetivo deste artigo é examinar a influencia da mídia sobre as percepçoes sobre o medo do crime entre os moradores do Distrito Federal. O estudo explora dois aspectos: (1) como as características da audiencia impactam a relaçao entre a mídia e o medo do crime e (2) como os diferentes tipos de mídia impactam o medo do crime.
Para responder a essas questoes, nos apoiamos na literatura sobre o cultivo de mídia (cultivation theory) elaborada por George Gerbner (1969; 1970; 1998). Segundo esse autor, o consumo exagerado de mídia tende a homogeneizar as representaçoes sociais sobre a realidade. Alguns grupos tendem a confirmar o que veem na mídia, outros tendem a amplificar essas percepçoes. Nossa hipótese é que a influencia da mídia sobre o medo do crime varia por tipos de mídia, devido as diferenças de seus conteúdos e das características da audiencia.
A literatura sobre a relaçâo entre a mídia e o medo do crime
Nas sociedades contemporáneas, a mídia é um dos principais produtores das representaçoes que orientam as condutas dos atores sociais. Ou seja, ela nao se limita a apresentar a realidade, mas também a representá-la. Assim, para compreender a mídia é necessário analisar as narrativas que ela produz ao representar a realidade e que chegam a sociedade na forma de notícias. Entender como a mídia produz certas representaçoes sobre violencia, criminalidade e polícia é muito mais importante do que nos preocupar apenas em desmenti-las ou confirmá-las (Porto, 2009).
Notícias sobre crime e polícia sempre ocuparam espaço importante na mídia. Entretanto, foi a partir da década de 1950, com o surgimento da televisao, que esse tipo de notícia passou a ganhar proeminencia em todos os meios de comunicaçao, pois, como sugeriu Patrick Champagne (1993), a hegemonia da televisao nao age apenas sobre os telespectadores comuns, mas também sobre as demais mídias. Ou seja, as mídias se alimentam das mídias.
As pesquisas também tem mostrado que a forma como a notícia é recebida varia de acordo com o grupo social, dependendo da sua capacidade de filtrar as narrativas produzidas pela mídia (Bourdieu, 1997). Embora a renda e o grau de instruçao importem, os estudos apontam que o local de moradia e as relaçoes de vizinhança sao mais poderosos filtros para as notícias sobre crime e polícia. Nao sao as pessoas mais instruídas e moradoras de bairros de classe média que tem a maior capacidade de crítica sobre as notícias de crime e polícia. Ao contrário, sao os moradores dos bairros pobres, cuja experiencia de vida permite se contrapor as representaçoes que a mídia faz sobre seu mundo, seus vizinhos e familiares. Eles sabem que as historias narradas nos noticiários "nao sao bem assim".
Em funçao da sua crescente importância, desenvolveu-se uma vasta área de estudos sobre os impactos da mídia para o campo da segurança pública. Apesar dos esforços, as pesquisas nao conseguiram identificar claramente os efeitos da mídia na vida, seja para incentivar comportamentos antissociais, seja para aumentar o medo do crime. Nao está claro se a mídia isoladamente é capaz de gerar comportamentos agressivos.
As condiçoes da produçao da mídia sobre o medo do crime tem sido pesquisadas há bastante tempo, mas foram os trabalhos de George Gerbner que deram impulso as pesquisas sobre o consumo de mídia e o medo do crime. De acordo com a teoria do cultivo de mídia (cultivation theory), aqueles que assistem televisao costumam acreditar que o conteúdo da programaçao é uma descriçao da realidade. De acordo com a teoria do cultivo, quanto maior o consumo de programaçoes violentas, maior será o medo de uma pessoa se tornar vítima de um crime. Os estudos iniciais descobriram que os telespectadores frequentes tinham uma visao de mundo pessimista e tendiam a ter mais medo do crime e a desconfiar mais dos outros (Gerbner, 1969; 1970; 1998).
Ainda de acordo com a teoria do cultivo de mídia, o consumo exagerado de televisao homogeneíza visoes e crenças do mundo entre os espectadores frequentes. Como a televisao está saturada de crime e violencia, é esperado que os espectadores frequentes se tornem desconfiados e tenham mais medo do crime.
Entretanto, os estudos mais recentes mostram que, de forma geral, a experiencia de vida e a interaçao com outras pessoas tem maior influencia sobre a construçao social da realidade do que as mensagens difundidas pela mídia (Surette, 2007). No entanto, haveria um ponto de saturaçao. O consumo acentuado de mídia geraria uma espécie de curto-circuito nas outras formas de comunicaçao social. A partir de determinado nível de consumo, a mídia passaria a ser a principal fonte de produçao da realidade social e, assim, relegaria as experiencias pessoais e conversas com vizinhos a uma posiçao secundária na construçao da realidade. O curto-circuito acontecería quando as duas fontes de informaçao - mídia e conversas cotidianas - divergissem sobre os níveis de crime e de violencia presentes na sociedade.
Os primeiros estudos inspirados na teoria do cultivo partiam do pressuposto de que os telespectadores, de modo geral, construíam significados semelhantes a partir dos conteúdos que assistiam. As evidencias empíricas, no entanto, mostraram que a correlaçao entre assistir a televisao e o medo do crime nao se aplicava aos controles sociodemográficos (Hirsch, 1980; 1981). Além disso, estudos descobriram que as taxas de criminalidade na área e a percepçao de minorias raciais na vizinhança moderavam a influencia do consumo de mídia (Eschholz, Chiricos e Gertz, 2003).
Esses estudos sugerem que o público nao é um receptor passivo das informaçoes da mídia, mas se engaja ativamente na construçao subjetiva de um significado com base em sua posiçao social e experiencias pessoais. No que se refere ao medo do crime, as posiçoes de subjetividade consideradas importantes seriam as variáveis sociodemográficas de genero, idade, classe, raça/etnia, bem como fatores de vizinhança e experiencias com o crime (Chiricos, Eschholz e Gertz, 1997; Livingstone, Allen e Reiner, 2001; Weitzer e Kubrin, 2004).
Duas perspectivas podem ser utilizadas para explicar como as características do público moderam a influencia do consumo de mídia sobre o medo que os indivíduos tem do crime. A perspectiva da ressonância sugere que as mensagens da mídia sao mais fortes quando combinam com as experiencias dos espectadores (Gerbner et al., 1980). Assim, dentre os telespectadores frequentes, moradores de bairros com altas taxas de vitimizaçao tenderiam a ter mais medo.
Por outro lado, a perspectiva da substituigäo sugere que os efeitos da mídia sao mais fortes nas pessoas que tem pouca ou nenhuma experiencia com a mensagem retratada (Adoni e Mane, 1984; Gunter, 1987). Com relaçao ao medo do crime, os telespectadores que vivem em regioes com taxas mais baixas de vitimizaçao criminal, habitadas por ricos, brancos e idosos, tenderiam a ter mais medo do crime em comparaçao aos grupos com maior probabilidade de serem vitimadas criminalmente, como os mais jovens, pobres e negros.
As duas perspectivas, ressonância e substituig&acaron;o, sugerem efeitos diferentes entre aqueles que foram vitimados e aqueles que nao foram. A vitimizaçao é utilizada como uma variável que mede a experiencia de vida de cada pessoa. Entretanto, sabemos que a vitimizaçao nao está significativamente relacionada ao medo do crime (Costa e Durante, 2019b).
Algumas pesquisas encontraram evidencias que apoiam a perspectiva da ressonância. Os dados mostram que a mídia influencia mais o medo do crime entre aqueles que vivem em áreas de altas taxas de vitimizaçao (Doob e MacDonald, 1979; Chiricos, Padgett e Gertz, 2000; Weitzer e Kubrin, 2004). As evidencias sao variadas, no entanto, no que diz respeito a nao vitimizaçao. Weaver e Wakshlag (1986) descobriram que a exposiçao a programas de televisao relacionados ao crime aumentou significativamente o receio da criminalidade para aqueles que nunca foram vítimas de crime, mas diminuiu entre os que foram vítimas, sugerindo efeitos de substituig&acaron;o.
Da mesma forma, Chiricos, Eschholz e Gertz (1997) descobriram que as mulheres brancas que nao foram vítimas de crime tinham mais altos níveis de medo associados a exibiçao de notícias na televisao. Entretanto, Weitzer e Kubrin (2004) nao encontraram relaçao entre status de vítima, consumo de notícias na televisao e medo. Gerbner et al. (1980) descobriram que a correlaçao entre ver televisao e o medo era maior para mulheres e brancos do que homens e nao brancos - evidencia de efeitos de substituiçao. Chiricos, Padgett e Gertz (2000) descobriram que o consumo de notícias na televisao aumentava o medo entre negros e brancos, especialmente aqueles que viviam em áreas de alto crime, mas nao tinham efeito sobre os latinos. Quando desagregaram a amostra por vitimizaçao criminal, encontraram uma correlaçao positiva entre o consumo de notícias na televisao e o medo entre as vítimas brancas e latinas, mas os negros que nao foram vitimados tinham mais medo do que os negros que foram vítimas de crime. Portanto, nao há consenso sobre a relaçao entre a exposiçao a mídia televisiva e a vitimizaçao criminal.
Entretanto, as pesquisas avançaram na compreensao da relaçao entre mídia e medo do crime. Os dados tem mostrado que as características da audiencia moderam a influencia do consumo de mídia relacionado ao crime sobre o medo. Ou seja, algumas variáveis demográficas parecem mediar de forma significativa a relaçao entre exposiçao a mídia e o medo da criminalidade.
Por fim, resta salientar que a maioria das pesquisas a respeito do impacto da mídia sobre o medo do crime se limita a um ou dois tipos de mídias. Contudo, há diferenças significativas entre os conteúdos dos noticiários de televisao, jornais e programas policiais. É um erro desconsiderar essas diferenças, pois o conteúdo dos programas, sua estrutura e o realismo como é percebido podem ter um impacto diferencial sobre o medo (Doyle, 2006; Grabe e Drew, 2007).
Alguns estudos que compararam os efeitos de vários tipos de mídias sobre o medo do crime encontraram diferenças significativas em sua influencia sobre as percepçoes dos espectadores. Em gerai, a exposiçao a noticias na televisao parece gerar mais medo do que assistir a outros tipos de programas de televisao ou ler o jornal (Chiricos, Eschholz e Gertz, 1997; Romer, Jamieson e Aday, 2003). Esses estudos sugerem que os tipos de midia sao relevantes para moldar as percepçoes dos consumidores.
Entre os tipos de midia, a televisao parece ter mais influencia sobre o medo, presumivelmente porque a visualizaçao de historias relacionadas a criminalidade evoca uma resposta visceral e emocional mais forte do que se obteria com a leitura. Por exemplo, programas de entretenimento criminoso costumam exibir cenas grotescas de morte. As noticias sobre crimes na televisao nao sao tao gráficas, mas a cobertura geralmente incluí uma cena de crime sangrenta e o corpo coberto da vítima. As noticias padrao sobre crimes geralmente incluem reaçoes de membros da familia chocados, indignados ou enlutados, o que também aumenta as reaçoes emocionais dos espectadores. Como Surette (2007) sugere, as noticias modernas sobre crimes sao projetadas para entreter através do consumo voyeurista. Por isso, haveria uma enfase na cobertura de crimes graves e incomuns.
Outros estudos analisaram diferentes tipos de programas de televisao. Alguns estudos descobriram que assistir a noticias locais produzia mais medo do que assistir a noticias nacionais (Eschholz, Chiricos e Gertz, 2003; Romer, Jamieson e Aday, 2003; Weitzer e Kubrin, 2004; Callanan, 2012; Callanan e Rosenberger, 2015). O medo também aumentou para quem assistiu a dramas criminais ou programas de lei e de ordem (Eschholz, Chiricos e Gertz, 2003; Kort-Butler e Hartshorn, 2011; Callanan, 2012; Callanan e Rosenberger, 2015).
O enquadramento e a forma como as histórias sao apresentadas também parece fazer a diferença. As noticias de televisao sao episódicas, com enfase nas histórias de crimes diárias que podem ser descritas em um curto periodo de tempo (Iyengar, 1991). Isso deixa pouco tempo para fornecer explicaçoes sobre a açao ou para situar o crime dentro de tendencias criminais de longa e média duraçao. Consequentemente, as informaçoes fornecidas sobre o crime sao descontextualizadas, com enfase quase exclusiva na dramaticidade dos casos. Por outro lado, as noticias de jornais sao temáticas, o que significa que elas fornecem uma cobertura mais profunda e geralmente se desdobram em vários artigos ao longo do tempo, o que permite ao leitor relacionar uma determinada história a outros crimes da mesma natureza.
Verificou-se que a natureza episódica das noticias de televisao gera crenças de que o crime é causado pela patologia no nivel individual, em vez de explicaçoes no nivel social (Gilliam e Iyengar, 2000). Essas noticias tendem a aumentar o medo se os espectadores acreditarem que o crime é causado por individuos perigosos que podem atacar aleatoriamente as vitimas inocentes, independentemente do lugar e da situaçao.
O realismo percebido na mensagem da mídia também é importante. Quanto mais o espectador/leitor acredita que o conteúdo é realista, maior o impacto da mensagem sobre ele. Assim, dramas televisivos sobre o crime nao evocariam o mesmo nivel de medo que a cobertura televisiva do crime evoca. O realismo percebido e a credibilidade da fonte de mídia também tenderiam a ter maior impacto sobre o medo do que o nivel de exposigao ao genero. Embora o realismo percebido tenha sido teorizado como uma característica do público, a maioria dos estudos nao mede diretamente essa percepgao e, portanto, nao podemos assumir que o público percebe os generos de ficçao da mesma forma que o noticiário (Busselle e Greenberg, 2000).
Alguns estudos desagregaram amostras por raga para comparar os efeitos dos usos de vários tipos de mídia sobre o medo do crime. Lane e Meeker (2003) compararam os efeitos diretos e indiretos do uso de jornais ou notícias da televisao local como a principal fonte de informaçoes sobre a criminalidade e sobre o risco percebido e o medo do crime. Os autores descobriram que os brancos que usavam os jornais como sua principal fonte de informaçoes sobre o crime sentiam menos risco e, portanto, menos medo. No entanto, os brancos que consideravam as notícias na televisao como sua principal fonte de informaçao nao foram influenciados por essas notícias.
Por outro lado, o uso do jornal como fonte primária de informaçoes sobre crimes relacionados a gangues nao teve efeito sobre o risco percebido pelos latinos e o medo do crime. Já as notícias da televisao local aumentaram diretamente a percepçao de risco e indiretamente aumentaram o medo de crimes relacionados a gangues (Lane e Meeker, 2003).
Weitzer e Kubrin (2004) compararam o efeito da principal fonte de notícias dos entrevistados (noticiário de televisao local, noticiário nacional de televisao, jornais, rádio, internet e outras fontes) entre brancos e negros e descobriram que apenas os negros que usavam notícias locais de televisao tinham maior medo do crime. Chiricos, Eschholz e Gertz (1997) desagregaram sua amostra por raça e genero para comparar os efeitos do consumo de notícias de rádio e televisao e descobriram que o consumo de notícias de televisao aumentou o medo apenas entre mulheres brancas de meia idade.
Finalmente, na análise mais refinada da literatura até o momento, Eschholz, Chiricos e Gertz (2003) compararam sete generos diferentes de programaçao televisiva sobre o medo do crime entre negros e brancos e descobriram que os negros que consumiam notícias locais e programas policiais tendiam a ter maior medo do crime. Entretanto, os brancos nao foram impactados por esses meios de comunicaçao. Análises posteriores demonstraram que a mídia relacionada ao crime elevou o medo dos entrevistados brancos que perceberam que estavam vivendo em uma comunidade com uma grande porcentagem de negros.
Metodologia
A fonte de dados para elaboraçao deste artigo foi a Pesquisa de Vitimizaçao Distrital (PVD) realizada no Distrito Federal em 20174. Financiada pela Secretaria do Estado de Segurança Pública do Distrito Federal (SSPDF) e realizada a partir da contrataçao de uma empresa especializada na realizaçao de pesquisas de opiniao, essa iniciativa foi parte de um projeto de gestao da informaçao da SSPDF que contou ainda com outras tres pesquisas de vitimizaçao e várias outras pesquisas na área de segurança pública. A pesquisa envolveu a realizaçao de um survey com amostra de 19.897 membros da populaçao residente no Distrito Federal com idade acima de 16 anos. A seleçao dos entrevistados foi efetuada em um processo de dois estágios: primeiro a seleçao aleatoria dos domicilios a serem visitados por Regiao Administrativa a partir do cadastro de endereços (IPTU) e, em seguida, dentro de cada domicilio, a seleçao aleatoria do morador a ser entrevistado, a partir da listagem das pessoas residentes no domicilio. A pesquisa, representativa da situaçao do Distrito Federal e de cada uma das 31 Regioes Administrativas em particular, teve uma margem de erro de 0,7% para o Distrito Federal.
A avaliaçao da nossa hipótese - a influencia da midia sobre o medo do crime depende do tipo de midia e das características da audiencia - seguiu a seguinte estrategia:
1. Fizemos uma descriçao de onde estavam os maiores percentuais de pessoas que se sentem inseguras, que sentem risco elevado de serem vitimadas por crimes e que mudam sua conduta em funçao do medo, dividindo nossos entrevistados em quatro grupos estruturados a partir do tipo prioritário de fonte de informaçao que as pessoas utilizam para construir sua percepçao da situaçao da segurança pública.
2. Realizamos, também em caráter descritivo, uma análise do perfil da audiencia de cada um desses tipos prioritários de fonte de informaçao sobre a situaçao da segurança pública, levando em conta as informaçoes: genero, raça, idade, educaçao e renda.
3. Desenvolvemos uma análise de regressao logistica multivariada para avaliar o impacto das fontes de informaçao e do perfil da populaçao sobre o medo do crime, controlando também pelo impacto de a pessoa ter sido vitimada por algum crime e, em especial, por crimes violentos. Dessa forma, conseguimos, controlando pelos impactos desses outros fatores e seguindo os critérios estatisticos necessários para garantir a representatividade dos resultados alcançados, identificar qual a influencia efetiva da midia e das caracteristicas da audiencia sobre o medo do crime.
Há diferentes formas de mensurar o medo do crime. Alguns estudos exploram os aspectos afetivos relacionados ao medo. Devido as pessoas sentirem raiva e indignaçao com a perspectiva do crime, algumas pesquisas perguntam "do que voce tem medo". Outras pesquisas exploram aspectos cognitivos associados ao medo do crime. De certa forma, as pessoas avaliam o risco de serem vítimas de crimes. Assim, os pesquisadores perguntam "qual a possibilidade de voce ser roubado" (ou furtado, agredido, ameaçado, etc.).
Existem pesquisas que avaliam alguns aspectos comportamentais derivados do medo do crime. Os pesquisadores perguntam "o que pessoas evitam". Elas podem evitar andar em certas áreas, usar certos objetos, se deparar com certas situaçoes. Essa forma de medir o medo do crime é bastante simples, pois aborda o comportamento das pessoas e nao suas atitudes e percepçoes.
O questionário utilizado na Pesquisa de Vitimizaçao Distrital abordou o medo nas perspectivas da sensaçao de insegurança, do risco percebido de ser vítima de um conjunto de crimes e daquilo que as pessoas evitam fazer em funçao do medo. Assim, foi perguntado se as pessoas se sentem seguras nos seguintes contextos: em casa (1) sozinho e (2) acompanhado pela família, e nas vias públicas do (3) bairro onde reside de dia, (4) bairro onde reside a noite, (5) outros bairros da cidade de dia e (6) outros bairros da cidade a noite. Os pesquisadores também perguntaram qual a percepçao da pessoa sobre o risco de ser vítima de (1) violencia sexual, (2) morta por homicidio, (3) roubo e (4) sequestro. Por fim, foi perguntado se as pessoas evitam: (1) sair a noite ou chegar muito tarde em casa, (2) frequentar locais desertos ou eventos com poucas pessoas circulando, (3) frequentar locais com grande concentraçao de pessoas, (4) sair de casa portando muito dinheiro, objetos de valor ou outros pertences que chamem atençao, (5) usar algum transporte coletivo que precisaría usar, (6) conversar ou atender pessoas estranhas, (7) frequentar locais onde haja consumo de bebidas alcoólicas e (8) ficar em casa sozinho(a).
O questionário da PVD viabilizou a análise das fontes de informaçao que pautam a percepçao da realidade da pessoa sobre a segurança pública a partir da seguinte pergunta: "Sua sensaçao de insegurança e percepçao de risco resulta principalmente": (1) da sua vivencia na vizinhança, (2) das notícias publicadas na mídia (TV, rádio e jornal), (3) das conversas com amigos ou vizinhos, (4) das matérias disponíveis na internet fora da mídia e (5) outros.
Por fim, a PVD ainda subsidiou nossa análise com as informaçoes de perfil socioeconómico do entrevistado (genero, idade, raça, grau de educaçao e renda familiar) e com as informaçoes sobre sua vitimizaçao por eventos criminais de forma geral (furto, roubo, fraude, ameaça, agressao física, ofensa sexual, sequestro e discriminaçao) e crimes violentos (roubo, sequestro, agressao física e ofensa sexual).
No questionário da PVD, a questao relativa ao genero trazia apenas as opçoes masculino e feminino para resposta, a questao da renda foi trabalhada a partir da renda total mensal em salários mínimos de todas as pessoas que moram no domicílio, somando todas as fontes como salario, pensao, aposentadoria, beneficios sočiais, aluguéis e bicos, a raça trazia como opçoes de resposta branca, preta, parda, amarela ou indígena, a idade trazia uma questao aberta para ser respondida em anos completos e a educaçao trazia como respostas possiveis: sem instruçao, ensino fundamental completo e incompleto, ensino médio completo e incompleto, superior completo e incompleto e pós-graduaęao.
As mídias e o medo do crime
Analisando as fontes de informaçao que embasam o medo do crime dos cidadaos, a pesquisa mostrou que nao há diferenças significativas entre o volume de entrevistados que tem a midia tradicional (41,1%) e a vivencia na vizinhança (39,2%) como principais fontes de informaçao. Os dados também mostraram que um volume pequeno de entrevistados tem as midias digitais e as conversas com os vizinhos como principal fonte (Tabela 1):
Com relaçao a percepçao de veracidade dos conteúdos veiculados pela midia, uma parte significativa dos entrevistados (39,1%) acredita que a midia exagera ao noticiar crimes. Outros 34,4% acreditam que as noticias sao fielmente noticiadas pela midia. E apenas 26,5% acham que os fatos sao piores do que a midia noticiou (Tabela 2):
No contexto do bairro onde a pessoa mora, o maior percentual de entrevistados que se sentem inseguros está entre os que se informam sobre a situaçao da segurança pública pela sua vivencia na vizinhança. No contexto das vias públicas dos demais bairros da cidade, os percentuais mais elevados de insegurança foram encontrados entre os que se informam tanto pela vivencia na vizinhança quanto pelas noticias publicadas na mídia (TV, rádio e jornais). Por fim, cabe salientar que os menores percentuais de inseguros foram encontrados entre aqueles que se informam sobre criminalidade pela internet e específicamente no contexto da vizinhança onde a pessoa reside. A sensaçao de insegurança na residencia onde ela mora também diminui quando a pessoa está acompanhada (Tabela 3):
Apenas em relaçao aos homicidios, o maior percentual de entrevistados que considera elevado o risco de ser vitima está entre os que se informam pela sua vivencia na vizinhança. Com relaçao aos roubos e sequestros, encontramos os percentuais de percepçao de risco mais elevados e muito próximos entre os que se informam pela vivencia na vizinhança e pelas conversas com amigos e vizinhos. Em relaçao as agressoes sexuais, os percentuais de entrevistados que consideram elevado o risco de ser vitima estao muito próximos nos diversos contextos de fonte de informaçao analisados, com exceçao de que entre os que se informam pela midia esse percentual é ligeiramente menor. Por fim, resta salientar que apenas em relaçao aos homicidios, efetivamente encontramos um grupo - os que se informam pela internet - que se destaca pelo baixo percentual de entrevistados que sentem risco elevado de serem vitimados (Tabela 4):
No que se refere a mudança de comportamento em funçao da situaçao da segurança pública, verificamos uma semelhança, em quatro dos oito tipos de mudanças de comportamento analisadas, nos níveis de mudança de comportamento entre os informados pelos quatro tipos de fonte de informaçao pesquisadas. Nos outros quatro tipos de mudança de comportamento analisados (evitar sair de casa a noite ou chegar muito tarde em casa, frequentar locais com grande concentraçao de pessoas ou onde haja consumo de bebidas alcoólicas e conversar ou atender pessoas estranhas), encontramos os maiores percentuais de entrevistados que mudaram de comportamento entre os que se informaram prioritariamente pelas noticias publicadas na mídia. Por fim, resta salientar que encontramos os menores percentuais de entrevistados que mudaram de comportamento entre os que se informaram prioritariamente pela internet e apenas no tocante a evitar sair de casa a noite ou chegar muito tarde em casa e frequentar locais onde haja consumo de bebidas alcoólicas (Tabela 5):
Sem desagregar os dados por variáveis sociodemográficas, essas análises da presença do medo, segundo o tipo de fonte prioritária de informaçao sobre a situaçao da segurança, evidenciam que o medo, nas dimensoes da sensaçao de insegurança e percepçao de risco, nao está presente de forma mais elevada entre aqueles que tem a mídia tradicional como principal fonte de informaçao. Apenas no contexto de alguns tipos de mudanças de comportamento analisados encontramos elevada concentraçao do medo entre os que se informam por essa mídia.
Esses achados caminham em sentido semelhante ao que encontramos em algumas fontes bibliográficas. Dahlgren (1988) identificou que as características da audiencia afetam a forma como as mensagens sao interpretadas. No caso do Distrito Federal, entre as pessoas que convivem diariamente com uma realidade violenta, a mídia perde força na explicaçao da sensaçao de insegurança e percepçao de risco. Por outro lado, mudanças de comportamento dependem do gasto de recursos e de tempo que, de modo geral, estao mais presentes entre as pessoas que residem em regioes menos violentas. Nesse contexto social ocorreria o fenómeno da substituiçao, pois as pessoas constroem sua percepçao da situaçao da segurança pública a partir daquilo que recebem da mídia. Salientamos, no entanto, que, até aqui, esses achados constituem apenas especulaçoes, que serao testadas estatisticamente quanto a sua capacidade de representar o que de fato ocorre entre os moradores do DF quando realizarmos as regressoes na última etapa da análise dos dados.
Perfil dos usuários das distintas fontes de informaçao
Os estudos apontam que, de forma geral, as mulheres se destacam entre os grupos mais vitimados, com mais medo e maior percepçao de risco. As diferenças de genero se sobressaem em todos os grupos etários, faixas de renda ou nível de escolaridade (Hale, 1996; Özascilar, 2013). Isso ocorre em funçao de tres aspectos. Primeiro, o medo de agressoes sexuais influencia fortemente a percepçao de risco. Além disso, há uma preocupaçao sempre presente de ser vítima de algum tipo de agressao sexual (Warr, 1984; Ferraro, 1996). Segundo, o medo de agressao sexual influencia também o medo de outros tipos de crime nao sexuais que envolvam algum tipo de interaçao entre vítima e agressor (Özascilar, 2013). Por último, essa percepçao de risco implica em diferenças no estilo de vida e marcam profundamente a socializaçao das mulheres (Ferraro, 1996; Özascilar, 2013).
De acordo com os dados analisados, há significativas diferenças entre homens e mulheres quanto as fontes de informaçao que mais utilizam, que influenciam na construçao do medo do crime. Entre as mulheres, o uso da mídia tradicional e as conversas com vizinhos mais influenciam na construçao do medo e, entre os homens, ele é mais afetado pela vivencia na vizinhança.
Esse cenário sugere que, para as mulheres, pode estar acontecendo uma substituiçao da experiencia pessoal pelas notícias veiculadas pela televisao, rádio e jornais e pelas conversas com vizinhos. Nesse caso, a mídia tradicional, de fato, estaría impactando significativamente no medo das mulheres. Por fim, resta salientar que a diferença entre homens e mulheres no que diz respeito ao medo produzido pelas mídias digitais nao é significativa (Tabela 6):
A idade é outro fator fortemente associado ao medo do crime e a percepçao de risco. Embora sejam menos vitimadas, as pessoas mais idosas tendem a sentir-se mais inseguras. Isso se deve a maior vulnerabilidade desse grupo etário, que afeta fortemente a sua percepçao de risco, alterando assim seu estilo de vida a fim de diminuir sua exposiçao (Ceccato e Bamzar, 2016).
De acordo com os dados analisados, há diferenças significativas entre os diversos grupos etários em funçao da fonte de informaçao que utilizam para a construçao do medo. O uso da mídia tradicional (TV, rádio e jornal) se destaca especialmente entre as pessoas mais velhas (acima de 40 anos). O uso das matérias da internet se destaca entre as pessoas mais novas (abaixo de 40 anos). Por fim, a vivencia na vizinhança e as conversas com vizinhos estao mais presentes entre as pessoas com idade entre 25 e 59 anos.
Desses resultados, concluimos que, entre as pessoas mais velhas, a mídia tradicional tem substituido a experiencia pessoal na construçao da realidade. Embora menor do que verificado entre os mais velhos, também há um efeito de substituiçao entre os jovens, só que pelas mídias digitais. Nos outros dois grupos etários nao se verificou a presença desse efeito de substituiçao de forma tao forte, ou seja, essas pessoas estao mais inclinadas a construir seu medo a partir das suas experiencias pessoais, seja a partir da vivencia presencial, seja a partir daquilo que ouvem dos seus amigos e familiares sobre o que está ocorrendo (Tabela 7):
Os estudos mostram que a renda e a raça estao fortemente associadas ao medo e a percepçao de risco. Isso acontece em funçao de fatores ambientais e sočiais, uma vez que esses grupos normalmente residem em áreas degradadas ou com frágil infraestrutura urbana, com altas taxas de criminalidade e incivilidade. O medo e a percepçao de risco existentes nessas localidades afetam a confiança e a coesao social. Além disso, a estigmatizaçao dessas áreas aumenta o clima de desconfiança e a tensao entre os agentes estatais (especialmente os policiais) e a comunidade (Box, Hale e Andrews, 1988).
Tanto a populaçao de baixa renda quanto a populaçao negra se enquadram na perspectiva da ressonância. Ou seja, as mídias parecem refletir as situaçoes descritas pelos amigos e vizinhos e vivenciadas pelas próprias pessoas. Nesse caso, a mídia nao potencializa o medo que esses grupos sentem. Ela apenas reforça aquilo que já se sabe.
De acordo com os dados analisados, verificamos que o perfil dos usuários das distintas fontes de informaçao nao apresenta diferenças significativas em relaçao a renda familiar. Cabe apenas salientar que as conversas com vizinhos e amigos é mais comum entre as pessoas com renda familiar entre R$ 4.400 e R$ 13.200 e menos comum entre as pessoas mais pobres (Tabela 8):
Os dados mostram que também nao há diferenças significativas no perfil dos usuários das distintas fontes de informaçao em funçao da raça. Cabe salientar apenas que a vivencia na vizinhança é a fonte de informaçao menos utilizada pelos brancos e, ao mesmo tempo, a mais utilizada pelos pretos e pardos (Tabela 9):
No que diz respeito a educaçao, a populaçao com ensino fundamental (completo ou nao) é a que mais tem a mídia tradicional como fonte de informaçao sobre a segurança pública. Nesse grupo, 36,6% declararam ser impactadas pela televisao, rádio e jornal. Situaçao oposta daquela verificada entre as pessoas com curso superior (completo ou nao). Para estas, as mídias sociais, envolvendo as matérias disponíveis na internet, e as conversas com amigos e vizinhos ganham um espaço significativo na construçao do medo. Por fim, cabe salientar que a vivencia na vizinhança está mais presente entre as pessoas com ensino médio (Tabela 10):
Impacto da mídia sobre o medo
Encerramos este artigo trazendo os resultados de uma série de análises de regressao logística através das quais buscamos identificar o efetivo impacto da mídia tradicional (TV, rádio e jornal) e do perfil socioeconómico (genero, idade, raça, renda familiar e grau de instruçao) sobre o medo nas suas tres dimensoes (sensaçao de insegurança, percepçao de risco e mudança de comportamento), tendo como variáveis de controle o fato de a pessoa ter sido vitimada pela criminalidade de forma geral ou pela criminalidade violenta de forma específica.
As análises dos erros padroes e níveis de significância trazidos pelas regressoes logísticas nos levaram a seguinte situaçao: no contexto da (1) sensaçao de insegurança tivemos modelos estatisticamente significativos apenas para a sua explicaçao nas vias públicas do bairro onde a pessoa reside durante o dia e a noite, nas vias públicas dos outros bairros durante o dia e em casa sozinha. A análise da (2) percepçao de risco trouxe modelos significativos para a sua explicaçao no contexto das agressoes sexuais, homicídios e sequestros. A análise da (3) mudança de comportamento trouxe modelos de explicaçao apenas para evitar sair de casa a noite ou chegar muito tarde em casa, evitar frequentar lugares com grande concentraçao de pessoas e evitar frequentar lugares onde haja consumo de bebidas alcoólicas.
De forma geral, as análises evidenciaram que a mídia tradicional tem um impacto preventivo sobre o medo, pois as pessoas que nao tem a mídia tradicional como principal fonte de informaçao sao aquelas que tem mais medo. Identificamos também que a mídia tradicional tem menor impacto sobre o medo do que a renda familiar, o genero, a idade e o grau de instruçao dos entrevistados, trazendo assim indicios de que o medo constitui essencialmente uma representaçao coletiva que é compartilhada pelos membros de alguns grupos sociais específicos, independentemente de eles terem tomado consciencia dos problemas de segurança por meio da midia tradicional.
O fator mais importante na determinaçao da sensaçao de insegurança é a renda familiar (pessoas com menor renda tem mais medo), da percepçao de risco é o genero (mulheres tem mais medo) e da mudança de comportamento é a idade (pessoas mais velhas tem mais medo). As pessoas que tem maior sensaçao de insegurança sao justamente aquelas que vivenciam a violencia na regiao onde residem, pois de modo geral a violencia, especialmente a física, está mais concentrada nas regioes mais pobres da cidade. Confirmando os achados de pesquisas anteriores, as mulheres sao aquelas que se sentem mais em risco de serem vitimadas por algum evento criminal e as pessoas mais velhas sao justamente as pessoas que, devido a sua sensaçao de vulnerabilidade, mais mudam seu comportamento em funçao da violencia e da criminalidade.
Resta ainda salientar que a vitimizaçao de forma geral é mais impactante do que a vitimizaçao por crimes violentos. No entanto, seguindo o padrao identificado para o impacto da midia, também a vitimizaçao criminal é menos importante do que o perfil socioeconómico da pessoa na determinaçao do medo, confirmando novamente o caráter do medo como representaçao coletiva compartilhada pelos membros de alguns grupos sociais específicos. Por fim, é importante destacar que a midia é menos impactante do que a vitimizaçao geral e mais impactante do que a vitimizaçao por crimes violentos (Tabela 11):
Conclusäo
Conforme defendemos em nossa hipótese, o perfil da audiencia nao só interfere na relaçao entre midia tradicional e medo, como é mais importante do que a midia na construçao do medo. Verificamos que as mulheres, as pessoas mais velhas e as pessoas mais pobres carregam representaçoes sociais que lhes trazem medo, independentemente da sua experiencia particular com eventos criminais e do fato de terem sido informadas pela midia.
Também, conforme previsto, as distintas fontes de informaçao tem impactos diferenciados sobre a construçao do medo. Por exemplo, identificamos que o medo está mais presente entre as pessoas que se informam por meio da vivencia cotidiana na vizinhança do que entre aquelas que se informam pela midia tradicional. Por outro lado, identificamos que entre as pessoas que vivem em realidades onde a criminalidade é mais baixa, envolvendo especialmente pessoas com maior renda e pessoas mais velhas, a midia tradicional constitui a principal fonte de informaçao sobre a situaçao da segurança pública. Nesse contexto especifico, ocorre o fenómeno de substituiçao discutido pela teoria abordada.
Em síntese, ou voce reside em uma regiao que já Ihe traz por si mesma o medo, fenómeno que atinge a maioria da populaçao, ou voce utiliza as mídias para construir seus parámetros sobre a situaçao da segurança, fenómeno que se concentra entre os mais educados e mais endinheirados. O fenómeno da substituiçao, onde a mídia é responsável pela construçao do medo, tem um espaço social específico para ocorrer, que nao é o vivido pela maioria da populaçao do Distrito Federal.
Artigo submetido a publicaçao em 7 de julho de 2020.
Versao final aprovada em 8 de fevereiro de 2022.
3 Para uma revisao da literatura do campo de estudos e um breve histórico ver Hale (1996) e Henson e Reyns (2015).
4 A base de dados é de propriedade da Secretaria de Segurança Pública e da Paz Social do Distrito Federal, que autorizou, em 2018, o uso dos dados visando contribuir para a produçao de conhecimento cientifico sobre o medo, suas causas e problemas trazidos para a populaçao do Distrito Federal. O questionário está disponivel no site do Cesop na página deste artigo, na seçao Revista Opiniao Pública: <https://www.cesop.unicamp.br/por/opiniao_publica>.
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Abstract
O objetivo deste artigo é examinar a influencia da mídia na percepçao do medo do crime entre moradores do Distrito Federal brasileiro. O estudo explora a influencia das características da audiencia na relaçao entre a mídia e o medo do crime. Também analisamos o impacto de diferentes tipos de mídia (TV, jornais e redes sociais) sobre o medo do crime. Os resultados mostram que a influencia da mídia sobre o medo do crime depende do tipo de mídia, devido as diferenças em seu conteúdo e as características da audiencia.