Pandemia Covid-19: um estudo de caso da Feira Agroecológica do PDS Porto Seguro, Marabá (PA)

Abstract

Para reduzir ao máximo o avanço do novo coronavirus foram implementadas açöes que visaram o achatamento da curva de contágio, como principal medida o distanciamento social com suspensāo parcial ou total das atividades comerciais, incluindo o trabalho nas feiras livres. Esse trabalho teve como objetivo identificar os efeitos da pandemia na produçao e na comercializaçao de agricultores familiares, feirantes do Projeto de Desenvolvimento Sustentável Porto Seguro, em Marabá (PA). O estudo foi realizado por meio de pesquisa de campo e aplicaçao de um questionário, com questoes sobre o perfil do agricultor, características das atividades desempenhadas e os impactos da pandemia. Em meio as abordagens qualitativas e quantitativas, os dados foram tabulados e interpretados por meio de análise descritiva. Os resultados indicaram aumento na produçao dos agricultores e mudanças nas práticas sanitárias adotadas. Apesar disso, a comercializaçao sofreu diminuiçao e os preços se mantiveram estáveis ao comprometer diretamente a renda familiar. Logo, o auxilio emergencial foi fundamental a complementaçao da renda. Para se informar sobre a pandemia, os agricultores utilizaram principalmente televisáo, rádio e o WhatsApp, visto algumas dificuldades de acesso a Internet. Os principais pontos negativos da pandemia, conforme a visāo dos entrevistados, foram o fechamento do comercio, dificuldades nas vendas, prejuizos a saúde e perda de produtos. Já em relaçao ao ponto positivo, alguns relataram a criaçao da feira on-line, que se tornou uma soluçao, para conseguirem realizar a comercializaçao de seus produtos e entregar ao cliente.

Alternate abstract:

Several actions were deployed to contain the propagation of the new coronavirus and the flattening of the contagion curve, or rather, social distancing with partial or total suspension of commercial activities, including agricultural fairs. Current research identifies the effects of the pandemic on production and commercialization by family farmers in the Project of Sustainable Development Porto Seguro in Marabá PA Brazil. Study comprised field research and the application of a questionnaire with questions on the farmer's profile, characteristics of activities and impacts by the pandemic. Data from qualitative and quantitative approaches were tabulated and interpreted by descriptive analysis. Results showed a production increase by farmers and changes in sanitary practices. However, trade decreased and prices remained stable, impairing family income. Emergency help was important for income supplementation. Farmers had at their disposal TV, radio and WhatsApp for information, even though access to the Internet was not without difficulties. According to the interviewees, the pandemic's main negative items were lockouts, difficulties in selling, impairment of health and loss of products. Positive items comprised on-line agricultural fair, a new solution for reaching clients.

Headnote

RESUMO: Para reduzir ao máximo o avanço do novo coronavirus foram implementadas açöes que visaram o achatamento da curva de contágio, como principal medida o distanciamento social com suspensāo parcial ou total das atividades comerciais, incluindo o trabalho nas feiras livres. Esse trabalho teve como objetivo identificar os efeitos da pandemia na produçao e na comercializaçao de agricultores familiares, feirantes do Projeto de Desenvolvimento Sustentável Porto Seguro, em Marabá (PA). O estudo foi realizado por meio de pesquisa de campo e aplicaçao de um questionário, com questoes sobre o perfil do agricultor, características das atividades desempenhadas e os impactos da pandemia. Em meio as abordagens qualitativas e quantitativas, os dados foram tabulados e interpretados por meio de análise descritiva. Os resultados indicaram aumento na produçao dos agricultores e mudanças nas práticas sanitárias adotadas. Apesar disso, a comercializaçao sofreu diminuiçao e os preços se mantiveram estáveis ao comprometer diretamente a renda familiar. Logo, o auxilio emergencial foi fundamental a complementaçao da renda. Para se informar sobre a pandemia, os agricultores utilizaram principalmente televisáo, rádio e o WhatsApp, visto algumas dificuldades de acesso a Internet. Os principais pontos negativos da pandemia, conforme a visāo dos entrevistados, foram o fechamento do comercio, dificuldades nas vendas, prejuizos a saúde e perda de produtos. Já em relaçao ao ponto positivo, alguns relataram a criaçao da feira on-line, que se tornou uma soluçao, para conseguirem realizar a comercializaçao de seus produtos e entregar ao cliente.

Palavras-chave: Agricultura familiar. Mercado local. Segurança alimentar.

ABSTRACT: Several actions were deployed to contain the propagation of the new coronavirus and the flattening of the contagion curve, or rather, social distancing with partial or total suspension of commercial activities, including agricultural fairs. Current research identifies the effects of the pandemic on production and commercialization by family farmers in the Project of Sustainable Development Porto Seguro in Marabá PA Brazil. Study comprised field research and the application of a questionnaire with questions on the farmer's profile, characteristics of activities and impacts by the pandemic. Data from qualitative and quantitative approaches were tabulated and interpreted by descriptive analysis. Results showed a production increase by farmers and changes in sanitary practices. However, trade decreased and prices remained stable, impairing family income. Emergency help was important for income supplementation. Farmers had at their disposal TV, radio and WhatsApp for information, even though access to the Internet was not without difficulties. According to the interviewees, the pandemic's main negative items were lockouts, difficulties in selling, impairment of health and loss of products. Positive items comprised on-line agricultural fair, a new solution for reaching clients.

Keywords: Family agriculture. Local market. Food security.

INTRODUÇÂO

O surto de COVID-19 causado pelo vírus SARS-CoV-2 foi desencadeado em 2019 na cidade de Wuhan, na província de Hubei, na China, e desde então o mundo enfrenta uma emergencia de saúde pública, com poder devastador ainda não experimentado em um passado recente (MCKIBBIN; FERNANDO, 2021). Na América Latina o primeiro contagio notificado foi em 25 de fevereiro de 2020, quando o Ministério da Saúde do Brasil confirmou o primeiro caso, um homem de 61 anos que viajou para a Lombardia, Norte da Italia, onde ocorria um surto significativo do vírus (RODRIGUEZ-MORALES et al., 2020). No Para a primeira ocorrencia da doença foi anunciada em 18 de março de 2020 pelos órgaos governamentais competentes e, de acordo com o último boletim divulgado em 15 de janeiro de 2021, já são 308.936 casos confirmados no Estado (SSPEPA, 2021).

Com o avanço da doença pelo país foram implementadas açöes que visaram o achatamento da curva de contagio, dentre as quais a principal medida adotada foi o distanciamento social, uma vez que a transmissão interpessoal ocorre, principalmente, pelo contato com secreçöes contaminadas (PHELAN; KATZ; GOSTIN, 2020). Diante disso, houve suspensão parcial ou total das atividades e mercados locais, permanecendo em funcionamento apenas os serviços essenciais e outros trabalhos em razão do seu caráter socioeconómico (FARIAS, 2020; JACKSON-FILHO et al., 2020). Os impactos económicos e sociais dessas medidas relacionadas as restriçöes ao comércio, motivaram reclamaçöes e manifestaçöes contrarias, já que este setor é responsável por significativa parcela dos empregos e renda municipais (BORSATTO et al., 2020).

Sobre essas questöes, Nicola et al. (2020) relataram que com o distanciamento social e o auto isolamento houve uma reduçao da força de trabalho em todos os setores económicos e diversas pessoas entraram em situaçao de desemprego, aumentando os impactos de aspecto social. Com isso, houve a necessidade urgente de combinaçao entre a agenda política e a económica, valendo-se de varios instrumentos económicos e de gestão pública para ser capaz de enfrentar os desafios que foram impostos (SESSA et al., 2020).

Nesse cenário, agricultores familiares foram atingidos de forma multidimensional com reflexos diretos sobre a saúde, a produçâo, a comercializaçâo, a renda e formas de comunicaçâo, visto que o principal ponto de escoamento dos produtos é a venda direta aos consumidores em feiras livres (FUTEMMA et al., 2020).

A feira é uma iniciativa de ámbito local que tende a valorizar os vínculos do abastecimento com a produçâo agroalimentar, especialmente em se tratando de municípios de pequeno e médio portes, exercendo influencia na melhoria de vida das pessoas, nao só pela obtençâo de renda familiar, mas pela apreensâo das ideias e representaçöes associadas a feira como espaço de socializaçâo, carregada de narrativas e símbolos sociais (ANGULO, 2003). Na perspectiva da agricultura familiar as feiras representam um importante elemento, pois propiciam um ambiente favorável ao setor por meio da renda semanal e estimulam as mudanças institucionais em razão de proporcionarem acesso a outros mercados, valorizando práticas produtivas mais adequadas a preservaçao do meio ambiente, do desenvolvimento sustentável e ao fornecimento de alimentos mais sadios (PAVAN; SANTOS JÚNIOR, 2017).

A atual crise mundial apresenta íntima relaçao com o meio ambiente, a saúde e o desenvolvimento sustentável e, devido ao surgimento de pandemias, que está diretamente associado a perda de biodiversidade, as mudanças climáticas, a exploraçao desenfreada de recursos naturais sem respeito a resiliencia dos sistemas (MATIAS; MASTEGHIN; IMPERADOR, 2020; SOUZA; ROSA; ANTIQUEIRA, 2020).

Desse modo, cresce a necessidade de expansão de sistemas como os utilizados por povos tradicionais e através deles é possível garantir beneficios sociais, económicos e ambientais (SILVA; BARBOSA, 2020). Ainda que seja um momento crítico para a sociedade, esse deve ser utilizado como subsidio para a construçao de um novo amanhã, em que os comportamentos consumistas sejam substituidos por uma ótica de aproveitamento, de conexão e de harmonia com o ambiente (ANTIQUEIRA; SEKINE, 2020).

Apesar dos preocupantes impactos sociais, ambientais e económicos causados por essa pandemia, é possível amenizá-los a curto prazo, através das políticas públicas de açöes afirmativas, que possam de imediato ser um amparo legal para os indivíduos que mais necessitam conquistar espaços e se reconstruir socialmente (SILVA et al., 2020). Quanto ao médio e ao longo prazo, Nicola et al. (2020) destacam que é necessário um planejamento para reequilibrar e reenergizar a economia com um amplo plano de desenvolvimento socioeconómico incluindo planos setoriais e um ecossistema que incentive o empreendedorismo para que aqueles com modelos de negócios robustos e sustentáveis possam florescer (NICOLA et al., 2020).

Esse artigo teve como objetivo realizar uma análise descritiva do impacto da pandemia do novo coronavírus sobre os agricultores familiares feirantes do assentamento Porto Seguro, em Marabá (PA), de acordo com a importancia da agricultura familiar na manutençâo da agrobiodiversidade, o papel das feiras livres para a manutençâo da vida de povos tradicionais e da valorizaçâo dos mercados locais.

2 MATERIAL E MÉTODOS

O estudo foi realizado no município de Marabá (5°22'12"S; 49°7'1"O), Sudeste do Pará, que teve sua ocupaçâo inicial na confluencia dos rios Tocantins e Itacaiúnas. Com uma unidade territorial de 15.128,058 km2 e aproximadamente 283.542 habitantes (IBGE, 2020), Marabá exerce grande influencia socioeconómica na região e tem um papel representativo em modelos agrícolas familiares, os quais se consolidaram por meio de um longo processo migratório, que influenciou na crescente urbanizaçâo e desenvolvimento de uma das áreas mais significativas da política de reforma agrária da regiáo (SDT/MDA, 2010; LIMA, 2016).

Conforme a delimitaçâo do estudo, a parte investigativa foi obtida na Feira Agroecológica do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Porto Seguro (Figura 1), a 25 quilómetros do centro de Marabá. O Porto Seguro é uma modalidade de assentamento ambientalmente diferenciado, dividido em 37 lotes de seis alqueires, onde as familias assentadas baseiam sua subsistencia no extrativismo e em atividades de baixo impacto ambiental. Criada em 2016, a feira agroecológica ocorre semanalmente aos sábados, e conta com a participaçâo de apenas sete agricultores familiares feirantes em virtude da limitaçâo de espaço e tendas.

A pesquisa de caráter descritivo contemplou abordagens qualitativas e quantitativas. A coleta de dados se deu por meio de questionário com 21 perguntas abertas e fechadas (ver anexo), com os sete agricultores feirantes, bem como por meio de observaçâo nāo participante na feira, a fim de apresentar por meio de um estudo de caso (GIL, 2019) o panorama geral de como a pandemia do novo coronavirus afetou as atividades produtivas e a obtençâo de renda na agricultura familiar. As perguntas elaboradas abordaram o perfil do agricultor, características gerais de suas atividades e produtos, os impactos da pandemia sobre a produçâo e comercializaçâo e o acesso as políticas púbicas. A análise dos dados se deu através da sistematizaçao em planilhas do Microsoft Excel (2010), para agrupamento das informaçöes, geraçao de produtos como gráficos e tabelas para a descriçao e relaçao dos dados obtidos. Em atendimento a Resoluçao 466/2012 a pesquisa foi registrada na Plataforma Brasil (http://plataformabrasil.saude.gov.br), sob o protocolo CAAE 33468920.0.0000.860 e aprovada pelo Conselho de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Pará, conforme parecer substanciado de número 4.218.187.

A feira agroecológica do PDS Porto Seguro conta com a participaçao de sete agricultores familiares, dos quais foram entrevistados quatro mulheres e tres homens, nascidos e criados com o trabalho de cultivo e manejo, com idades entre 20 e 60 anos, oriundos dos Estados do Pará (42,8%), Maranhão (42,8%) e Tocantins (14,2%), que ofertam semanalmente uma ampla diversidade de produtos da agricultura familiar (Quadro 1).

3 RESULTADOS E DISCUSSAO

A feira ocorre em um espaço cedido pela Comuna do Cepasp (Centro de Educaçao, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular) e conta com a assessoria da Comissão Pastoral da Terra na divulgaçao e organizaçao, e da Secretaria Municipal de Agricultura de Marabá na infraestrutura e no transporte. Os agricultores também realizavam feiras mensais nos campi da Universidade do Estado do Pará (UEPA) e da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), que foram suspensas por tempo indeterminado devido ao agravamento da pandemia no municipio.

Na visâo dos agricultores a feira exerce papel fundamental na dinámica socioprodutiva local e ultrapassa a simples prática de compra e venda; além de garantir a sobrevivencia das familias, é um espaço que interliga o rural ao urbano por meio da valorizaçâo da agricultura familiar e das práticas agroecológicas, com vistas a proteçâo dos recursos naturais.

As feiras são importantes espaços de associaçâo para pequenos e médios produtores que desejam comercializar de forma atrativa os produtos, contribuindo de forma significativa para a promoçâo do desenvolvimento sustentável da agricultura local, da soberanía e segurança alimentar, pois os consumidores finais podem ter conhecimento de informaçöes produtivas sobre os alimentos que consomem. Por outro lado, as feiras favorecem a preservaçâo da autonomia dos agricultores, propiciam o aumento de renda, a diminuiçâo do exodo rural e do poder de barganha dos supermercados, mercearias, restaurantes entre outros (CARVALHO; GROSSI, 2019).

3.1 PRODUÇÂO DURANTE A PANDEMIA

A produçâo dos agricultores familiares feirantes é em grande parte direcionada ao consumo familiar, sendo comercializado apenas o excedente. Quando questionados sobre o impacto da pandemia na produçâo (Gráfico 1), a maioria dos entrevistados indicou ter havido um aumento de 50% na produçâo, e 28,50% tiveram reduçâo de cerca de 30%. De acordo com os relatos dos entrevistados, esse aumento produtivo é explicado pelo fato de "o fechamento do comércio ter permitido que o tempo para se dedicar na produçâo fosse maior [...], o ruim é que tinha muita produçâo, mas nâo tinha como vender" (D. N. L., 28 anos).

Esses padröes polarizados das sequelas da pandemia foram identificados nos resultados de Futemma et al. (2020) para os Estados do Pará, Amazonas e São Paulo, onde as produçöes dos pequenos produtores rurais durante a pandemia ficaram divididas entre a não mudança e o aumento da produçâo. De modo geral, os efeitos dessa crise sanitária na agricultura familiar não tem apresentado evidencias concretas na diminuiçâo imediata da produçâo, uma vez que a demanda no setor alimenticio se manteve estável mesmo nos períodos mais críticos e de maiores restriçöes (SCHNEIDER et al., 2020). Apesar da pouca informaçâo quanto aos protocolos de segurança que deveriam ser adotados no exercicio das práticas produtivas, da baixa interaçâo entre o grupo e da incerteza de retorno aos espaços de venda, os agricultores não pararam suas atividades diárias e não deixaram de fazer a colheita e o processamento dos produtos. Esses fatores, aliados ao maior tempo de permanencia e dedicaçâo dos agricultores nos lotes, impostos pelo isolamento social, foram fundamentais para que maioria dos entrevistados tivesse o aumento da produçâo7.

3.2COMERCIALIZAÇÂO DURANTE A PANDEMIA

Com o avanço do novo coronavirus em Marabá, o decreto n° 26, publicado em 23 de março de 2020 no Diário Oficial do Municipio, estabeleceu o fechamento parcial do comercio e impôs a adoçâo de medidas de prevençâo ao contágio e contençâo da propagaçâo de infecçâo da Covid-19, que afetaram diretamente diferentes atividades e estabelecimentos (bares, lanchonetes, restaurantes, academias, congressos, exposiçöes, cinemas, dentre outros), inclusive os agricultores familiares feirantes do PDS Porto Seguro, que passaram a adotar novas medidas e estrategias de comercializaçâo. Apesar de não haver restriçâo juridica para funcionamento da feira, os agricultores optaram por suspender as atividades durante 20 dias no mes de abril de 2020, e essa decisão foi motivada, principalmente, "[...] pelo medo de contrair a doença e levar para dentro do assentamento" (M. L. G. M., 49 anos). Apesar da retomada das atividades, o impacto da pandemia na comercializaçâo de maioria dos agricultores (Gráfico 2) representou uma reduçâo de 40%.

Os agricultores feirantes que tiveram reduçao na comercializaçâo dos produtos recorreram ao auxilio emergencial do Governo Federal e por isso a renda familiar mensal nao foi comprometida. O auxilio emergencial, conforme Cardoso (2020), foi fundamental para minimizar os efeitos económicos da pandemia para a parte mais vulnerável da populaçao, servindo de lacuna de proteçao social aos trabalhadores informais. No entanto, Souza e Riveros (2020), analisando os impactos do auxilio emergencial na vida dos trabalhadores da agricultura familiar de assentamentos da reforma agrária da Cidade de Goiás Velho (GO), observaram que muito embora este auxilio tenha permitido o cumprimento do isolamento social, dando subsidio para satisfazer parte das necessidades básicas das familias, apenas 25% dos agricultores receberam o atendimento emergencial, apontando uma baixa participaçao da populaçao rural no acesso ao beneficio.

Quanto aos preços dos produtos comercializados (Gráfico 3), a maioria afirmou ter mantido estável, por entender a complexidade do momento, e 28,57% indicaram aumento em alguns produtos especificos devido a maior procura, como no caso das frutas citricas laranja (Citrus sinensis L. Osbeck (var. Pera-rio)) e limao (Citrus L.). Na avaliaçao dos entrevistados, os produtos mais afetados sao as frutas em geral, carnes e hortaliças.

Diante de um cenário de incertezas e extremas dificuldades, Almeida, Ferreira e Carneiro (2020) evidenciaram que as açöes coletivas de produçao e comercializaçâo estão sendo preponderantes na promoçao de oportunidades para agricultores familiares, pois através da associaçao e do coletivismo tem sido possível obter melhores condiçöes de mercados e maiores beneficios sociais, alimentares e económicos (ZANCO; CORBARI; ALVES, 2019). Nesse panorama, os agricultores familiares feirantes passaram a adotar estratégias coletivas de comercializaçâo e implementarãm a "feira on-line" com entrega em domicilio (delivery) durante a pandemia.

Com apoio da Comissao Pastoral da Terra (CPT) foi feito o levantamento dos valores e produtos oferecidos pelos agricultores, subsidiando a elaboraçâo de um "cardápio eletrônico", que foi divulgado nas redes sociais e enviado, via aplicativo de mensagens instantáneas, aos possíveis consumidores. Devido a instabilidade da Internet no assentamento, durante a semana os pedidos sao feitos e agendados por um voluntário da CPT, que entra em contato com a agricultora-chefe e repassa as demandas dos consumidores. A entrega é feita aos sábados, durante a realizaçao da feira física, com retirada no local, mediante hora agendada, ou entrega é realizada em domicilio, com o apoio de parceiros.

Essa nova organizaçao permitiu que em tempos nos quais a saúde se tornou tao fragilizada, mais pessoas tivessem acesso a alimentos seguros e de qualidade, realçando mais uma vez a potencialidade da agroecologia no enfrentamento das injustiças e vulnerabilidades sociais que, drasticamente, foram acentuadas durante a pandemia. Num movimento de reinvençao os agricultores refletem a resistencia e a ressignificaçâo, de quem embasa a produçao na sustentabilidade das atividades rurais, com a oferta de um alimento que nao é mercadoria fetichizada, é sano, nutritivo e produzido dentro de uma lógica de respeito a biodiversidade, aos produtores e consumidores, e busca integrar natureza e sociedade, defendendo a soberanía alimentar, a saúde, a terra, o trabalho e a vida (IKUTA et al., 2020).

Além da adoçâo de uma forma alternativa de venda, os entrevistados estão seguindo as instruçöes dos órgäos oficiais da saúde em relaçâo aos cuidados sanitarios necessários, desde a produçâo até a comercializaçâo dos produtos (Figura 2). Dentre os cuidados adotados estão o uso de máscara pelos feirantes (100%), higiene pessoal com a lavagem regular das mãos e uso de álcool gel (86%), higienização do local (86%) antes e depois da feira, higiene dos produtos (14%) e uso de sacolas na entrega dos produtos (14%) (Gráfico 4).

Para Nascimento et al. (2020) há um conflito entre os códigos de saúde e de economia na atividade das feiras livres no contexto pandémico atual, uma vez que a populaçâo costuma buscar por alimentos saudáveis nessa modalidade de comercio. Entretanto, a possibilidade de aglomeraçâo acabou gerando uma maior preocupaçâo, reforçando ainda mais a necessidade da coordenaçâo conjunta com o sistema público para oferecer uma estrategia alternativa a consumidores e feirantes. Acerca dos impactos diretos e indiretos da Covid-19 sobre o trabalho na agricultura e nas cadeias curtas de suprimento, Chaves e Malanski (2020) citaram a saúde dos trabalhadores, escassez de máo de obra, reduçâo de emprego e horas trabalhadas, renda dos trabalhadores rurais, a restriçâo do acesso aos mercados, a reduçâo da demanda do consumidor, o preço dos alimentos e, consequentemente, a segurança alimentar que passa a ser ameaçada.

Ainda que a crise sanitária e económica desencadeada pela disseminaçao do novo coronavirus tenha atingido os agricultores familiares feirantes do PDS Porto Seguro, eles se mantém unidos e esperançosos no enfretamento da pandemia:

[...] näo tem sido fácil pra nós que vivemos da terra, mas buscamos sempre ajudar um ao outro [pausa] e se reinventar, né?! Pra poder entregar nossos produtos pros clientes. Essa pandemia veio pra mostrar que quando tem uniâo as coisas dâo certo e que nâo podemos é desistir, porque daqui a pouco isso tudo vai passar (M. L. G. M., 49 anos).

3.3 CAN AIS DE INFORMAÇÂO UTILIZADOS DURANTE A PANDEMIA

Como em várias partes do mundo, houve mudanças drásticas no cotidiano dos brasileiros, que foram acompanhadas por um crescimento vertiginoso de informaçöes, nem sempre precisas, divulgadas todos os dias pelos meios de comunicaçao oficiais ou pelas redes sociais (GALHARDI et al., 2020). Para se manterem informados sobre a pandemia, os agricultores entrevistados usaram diferentes meios. Dentre eles, a televisão (86%), por meio dos programas jornalisticos locais e nacionais, foi o mais utilizado, seguido pelo rádio (29%) e pelo WhatsApp (29%). O meio informativo menos frequente foi a pesquisa na Internet (14%), devido a instabilidade da conexao no assentamento. A comunicaçao e a troca de informaçao entre os agricultores foi mantida de maneira remota, através de grupos criados no WhatsApp. De acordo com os relatos, essa foi uma forma de manter a interaçao e criar estrategias seguras de retorno as atividades, sem colocar em risco a saúde dos feirantes e de seus familiares.

3.4 PONTOS POSITIVOS E NEGATIVOS DA CRISE DO NOVO CORONAVÍRUS

Para a maioria dos entrevistados (71%) a pandemia nao apresentou ponto positivo, ou seja, nao trouxe beneficios no campo produtivo e/ou comercial. No entanto, uma pequena parcela (28%) vé a criaçao da feira on-line como um fator que contribuiu diretamente na expansao do mercado e do número de vendas. Quanto aos pontos negativos, 43% citaram o fechamento do comercio e as dificuldades nas vendas (29%), seguido da saúde afetada (14%) 4 CONCLUSÄO

A atual crise desencadeada pela disseminaçâo do novo coronavirus fez com que a sociedade realizasse mudanças em sua forma de organizaçâo e exigiu adaptaçöes em setores, como educaçâo e economia, por meio da suspensão de algumas atividades e da circulaçâo de pessoas. O estudo mostrou que, embora a produçâo dos agricultores familiares feirantes do PDS Porto Seguro tenha aumentado durante o período de isolamento, a comercializaçâo reduziu devido ao isolamento social e os produtores também tiveram prejuízos com a perda de alguns produtos, transformando o acesso ao auxilio emergencial fundamental na garantia de renda familiar.

A maioria dos preços dos produtos se manteve estável, por ter sido a forma como os agricultores enxergaram, para conseguir manter seus clientes, visto a crise económica iminente e a taxa de desemprego em alta, que fazem com que o poder de compra diminua em vários setores. Os cuidados sanitários foram seguidos com rigor e passaram a fazer parte da rotina dos agricultores feirantes, assim como a utilizaçâo de alguns canais de informaçâo para obterem noticias sobre a pandemia e a feira on-line. Para grande parte dos agricultores a pandemia proporcionou prejuízos nâo somente para a comercializaçâo e produçâo, mas também para a saúde, evidenciando a importancia que eles possuem em relaçâo aos cuidados sanitários adotados durante a realizaçâo da feira, que fazem com consigam realizar suas atividades como feirante com proteçâo e garantir que obtenham uma renda durante a crise económica na pandemia.

5 AGRADECIMIENTOS

Os autores agradecem a receptividade e colaboraçâo dos agricultores familiares do PDS Porto Seguro, e a Fundaçâo Amazónia de Amparo a Estudos e Pesquisas (FAPESPA) pelas bolsas concedidas.

Sidebar

Autor correspondente: Recebido em: 24/03/2021

Janaira Almeida Santos: Aceito 02/09/2021

Footnote

6 Os quantitativos nao podem ser especificados, porque os agricultores nao tem registro dessa informaçâo, sobretudo em razao da oscilaçao na oferta oriunda de cada um dos lotes envolvidos.

7Não foi possivel apresentar uma média de lucros dessas familias, tampouco comparar os cenários pré e póspandemia, porque o contato com os agricultores revelou que eles nâo fazem um controle de gastos e de lucros, portanto, nâo dispunham de dados concretos para informar, apenas de uma avaliaçâo nâo contabilizada, baseada na realidade empirica.

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