Resumo
Recuperando uma experiência de pesquisa etnográfica no estado de Santa Catarina, Brasil, neste artigo discute-se a relação entre conhecimentos, memórias, imitações e processos criativos entre agricultores ecológicos. A pesquisa foi realizada com agricultores familiares ecologistas entre 2008 e 2009 em diferentes situações, especialmente em reuniões, visitas técnicas e em feiras, além de terem sido realizadas entrevistas individuais. Conhecimentos se articulam a memórias e às práticas de gerações anteriores, mas o senso de experimentação dos agricultores é fundamental em atividades cotidianas, organizando-se numa dança entre imitação, adaptação e criação. Os conhecimentos que circulam fazem parte de um patrimônio de relações e da cultura: atualizam-se, recompõem-se, renovam-se e geram diversidade. Tal processo é oriundo de relações na agricultura que, portanto, envolve seres não-vivos e seres vivos não-humanos cuja dinâmica de geração, maturação e interações não é totalmente controlada pelos humanos.
Palavras-chave: memória coletiva; criatividade; mimese; agroecologia.
Abstract
Recovering an ethnographic research experience in the state of Santa Catarina, Brazil, in this article I discuss the relationship between knowledge, memories, imitations and creative processes among ecological farmers. Between 2008 and 2009, I joined ecological family farmers in different situations, especially at meetings, technical visits and at street-markets. In addition, I have conducted individual interviews with them. Knowledge is linked to memories and the practices of previous generations, but farmers' sense of experimentation is fundamental in everyday activities, showing itself in a dance between imitation, adaptation and creation. The knowledge that circulates is part of a culture heritage: this knowledge is updated, recomposed, renewed and generates diversity. Such a process comes from relationships in agriculture, therefore, involving non-living beings and non-human living beings whose dynamics of generation, maturation and interactions are not fully controlled by humans.
Keywords: knowledge; collective memory; creativity; mimesis; agroecology.
Introdução2
O modo como os conhecimentos tradicionais são entendidos em documentos legais e conferências globais pode ser enganador em muitos aspectos. Ora são enfatizadas as características de transmissão grupal e patrimônio, ora se ressalta uma dinamicidade sem qualificações ou especificidades do próprio caráter das mudanças. Em parte, isto se deve à dificuldade de tratar uma matéria que não existe sem as particularidades locais, porém, que precisa - em razão dos riscos de apropriação indevida ou não remunerada por corporações ou setores dos Estados - de proteção e de algum tipo de generalização. Somado a isso, há o fato de que tal denominação e a correspondente legislação são exteriores à maioria dos povos; isto é, tais normas, classificações e linguagens lhe são culturalmente estranhas. Embora as proteções possam dar força às populações que defendem seus conhecimentos tradicionais, alguns problemas emergem, tais como os acima referidos, além de outros adicionais, como, por exemplo, qual o espaço da criação individual, como tratar as invenções colaborativas e simultaneamente a manutenção das referências culturais.
Há alguns anos, realizei pesquisa referente ao tema e se pretende, no presente artigo, avançar aspectos relacionados ao entendimento a respeito de criação, imitação, produção, transmissão de saberes e memórias. Para tais questões, opta-se por mobilizar a categoria conhecimento situado, evitando propositadamente o julgamento do que seja tradicional ou não. Ainda que se faça alusões ao tema do que é entendido como tradicional, já que ele acaba por se impor, especialmente no plano das regras acordadas internacionalmente e também quando nos referimos à transmissão de conhecimentos entre gerações, essa nomenclatura não será utilizada como ponto central dos argumentos. Isto ocorre porque os dados examinados aqui são oriundos de pesquisa de campo realizada entre agricultores familiares ecológicos - não propriamente um grupo que se adequa facilmente ao que se considera "tradicional". Mesmo assim, o leitor perceberá que as dinâmicas de aprendizado e ensinamento coletivo envolvem situações e formas de organização oriundas de um contexto de origem camponesa.
A pesquisa foi realizada no sul do Brasil, entre 2008 e 2009, tendo como núcleo principal o município catarinense de Chapecó, no oeste do estado. Também foram percorridos outros municípios nos arredores para entrevistar os agricultores, todos membros da Rede Ecovida de Agroecologia. Além dos agricultores, consumidores de alimentos ecológicos e técnicos mediadores em diferentes situações também foram acompanhados, além de terem sido realizadas entrevistas individuais nestes vários meses de investigação. Iniciei a pesquisa frequentando feiras ecológicas em Chapecó e na Associação de Pequenos Agricultores do Oeste Catarinense, tendo sido recebido por dirigente, agricultores vinculados e técnicos. Realizei algumas entrevistas para organizar a sistematização do processo de pesquisa de campo. Após esse período inicial, segui acompanhando as feiras até o final e passei a frequentar reuniões do grupo de produtores, assim como eventos regionais envolvendo agricultura ecológica. Essas reuniões foram fundamentais porque envolviam não apenas os produtores, mas técnicos e agrônomos, e eram realizadas em diferentes espaços (propriedades rurais, sede da associação, sedes da empresa catarinense de pesquisa e extensão rural). Nas reuniões, o coletivo tinha preponderância e meu objetivo era compreender as interações em movimento, as observações realizadas em grupo, os conhecimentos em processo de troca. Também fiz entrevistas individuais seguidas de visitas às propriedades para sistematizar trajetórias e perspectivas, além de poder ver os agricultores em campo apontando questões e inovações feitas por eles. Ainda, realizei etnografia entre consumidores, fora do escopo desse artigo.
Na época da pesquisa, a Rede Ecovida atuava com 24 núcleos nos três estados do Sul do Brasil, com cerca de 170 municípios envolvidos. Hoje os números apresentados no site oficial da Rede3mostram 27 núcleos e um salto para 352 municípios. Envolve perto de 4.500 famílias e 20 ONGs4.
No caso do oeste catarinense, trata-se de agricultores familiares que se estabeleceram em Santa Catarina, oriundos de famílias também agricultoras vindas do Rio Grande do Sul. Acompanhei tanto agricultores certificados como aqueles em processo de transição. Nos diferentes municípios percorridos, além de Chapecó, estavam envolvidos 36 agricultores ecológicos certificados e 87 em transição. Esse número é evidentemente variável não apenas por ampliar os em transição a cada certo tempo, mas também pelas desistências. Uma das características mais marcantes era a variedade de mercados que acessavam para vender: feiras, canais institucionais, entrega de cestas ecológicas e outros. Isso era marcante sobretudo numa região conhecida pela agricultura convencional de integração às agroindústrias. Fato é que acesso a mercados é um desafio persistente para produtores ecologistas do oeste catarinense, como mostra o trabalho de Frison e Rover (2014); do mesmo modo, nos últimos dez anos, se soma a isso também o problema da consolidação das normas para orgânicos no Brasil e a reestruturação dos sistemas participativos de garantia nesse marco (RADOMSKY, 2015).
Após este período, os dados obtidos e o diário de campo escrito à época foram retomados para potencializar análises e rever resultados. Algumas situações de pesquisa nunca foram publicadas. Cabe dizer que se está ciente dos infindáveis debates sobre o que vem a ser agroecologia enquanto ciência, e das distinções entre agricultura ecológica e orgânica; entretanto, não cabe no escopo deste artigo esta discussão, tendo em vista o foco do artigo no mundo vivido e nos conhecimentos.
É peculiar voltar aos escritos de campo, pois parece mesmo que só depois de um tempo podemos recuperar certas reflexões, lembranças e observações; do mesmo modo, as impressões vividas durante a pesquisa nunca saem de nós (LÉVI-STRAUSS, 1996). Uma espessura temporal parece se intrometer entre nós e os achados da investigação, mas que justamente por isso possibilita a relação simultaneamente de nos conectar e separar. Como sugeriu Oliveira (1996), a memória é um dos recursos mais elementares para a escrita do que se viveu em campo. O acontecimento vivido e o recordado, embora ligados, possuem duas lógicas distintas: "pois um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao passo que o acontecimento lembrado é sem limites, porque é apenas uma chave para tudo o que veio antes e depois." (BENJAMIN, 1985, p. 37).
Dois argumentos são articulados no artigo. Primeiramente, a maneira como os conhecimentos situados circulam, são inventados e recriados entre os membros da Rede pode ter sua interpretação potencializada se recorrermos criticamente a alguns problemas, tais como origem, fluxo, mimesis, criação e disseminação, e igualmente às interdependências dos atores que, de modo relacional, articulam o passado memorial com práticas de adaptação, portanto às interações entre coletivo e individual no plano do que é atualizado. Especialmente, quero recuperar determinadas discussões que apareceram em escritos de Walter Benjamin e que foram tematizadas com perspicácia por Giorgio Agamben recentemente. Espero que isto permita fornecer elementos analíticos acerca dos impasses sobre as inovações ou não dos conhecimentos, bem como quanto à capacidade de invenção destes, sem cairmos na problemática ideologizada da invenção ex nihilo que se valoriza no Ocidente. Em segundo lugar, seguindo algumas pistas dadas pelos autores acima mencionados e outros das ciências humanas (BROWN, 1998; CUNHA, 2009; DAWSEY; SANTANA, 2020) discutir mais apropriadamente o que envolve o debate sobre criação, criatura, imitação, produção e poética, os quais também incidem sobre o primeiro ponto de argumentação.
O artigo está dividido em sete partes, incluída essa introdução. A seção seguinte discute brevemente as opções de definir o que seja conhecimento e também introduz a etnografia. Na seção posterior, é realizada uma análise das experimentações dos agricultores e, após, uma discussão acerca de memória e experiência de vida dos atores. Na quinta seção, faz-se um balanço teórico dos conhecimentos a partir da relação entre imitação e criação e posteriormente uma curta digressão filosófica sobre o tema. Ao final, tecem-se as considerações.
Conhecimentos na Teoria e em Campo: Sistemas Ecológicos, Experimentações e Memórias
Todo trabalho voltado ao assunto conhecimento confronta-se com a dificuldade de defini-lo. Faz sentido, assim, qualificar o que se entende por conhecimentos. Utilizar a categoria conhecimentos situados para dar conta do que é local e ao mesmo tempo aberto a saberes exteriores, científicos ou tradicionais, que até mesmo circulam global (a agroecologia enquanto ciência) ou regionalmente, parecer ser produtivo, tal qual mostra parte da literatura sobre o tema. O trabalho de Haraway (1991) é fundamental, mesmo que não seja novo. Também destaco o aspecto de ser situado por valorizar o contexto, a aplicabilidade e a posicionalidade das pessoas no mundo, contra uma visão imparcial, neutra e supostamente objetiva (HARAWAY, 1991). Portanto, situação, experiência de vida e perspectiva estão relacionadas e esta discussão será realizada adiante. Antes, porém, cabe uma ressalva, com uma breve introdução: o que é conhecimento?
Agamben (2005) dá pistas para pensarmos ao discutir conhecimento junto - ou contra - ao conceito de experiência: afirma que aos modernos é comum a noção de que conhecimento é uma relação entre sujeito e objeto, isto é, entre um sujeito que conhece e um objeto a ser conhecido. Por isso, seria necessário considerar as diferentes vertentes, desde as que refletem a partir das categorias de verificação e descrição de algo, até aquelas voltadas ao fenômeno da consciência de si e do conhecer a si próprio. Se a ciência moderna passa a requerer métodos cada vez mais separados da experiência subjetiva, os saberes do senso comum nem sempre obedecem a isto - e este aspecto é relevante. Ou seja, a ciência moderna opta pela comprovação científica da experiência por meio da técnica do experimento, o que permite "[...] traduzir as impressões sensíveis na exatidão de determinações quantitativas e, assim, prever impressões futuras"; deste modo, responde à perda de certeza "transferindo a experiência o mais completamente possível para fora do homem: aos instrumentos e aos números." (AGAMBEN, 2005, p. 26).
É evidente que a história de um debate que percorre toda a filosofia ocidental não será aqui sequer esboçada; tampouco se almeja esmiuçar demasiadamente as questões teóricas antes dos problemas advindos da pesquisa de campo: como se argumentou antes de modo introdutório sobre conhecimentos e situacionalidade, visase discutir criticamente como podemos nos aproximar do que sejam conhecimento tradicional e conhecimentos situados. E a experiência subjetiva é central para tal, pois está vinculada a memórias; por esta razão, tal processo de conhecer é menos individual do que compartilhado - aproxima-se da ideia de transmissibilidade em grupos sociais - e ao mesmo tempo interage com a pragmática da vida cotidiana.
Importa também recortar com maior precisão o que em campo se tornou tão relevante que acabou por fornecer as coordenadas da problemática dos conhecimentos na agricultura ecológica na pesquisa. Na medida em que começamos a trabalhar com o tema conhecimentos nos damos conta da vastidão que isto recobre e a pergunta passa a se inverter: o que não é conhecimento? Para evitar este dilema, são mobilizados os dados de campo, em situações específicas, como forma de abordar o acúmulo de saber (coletivo, em especial, mas não obrigatoriamente) sobre determinado processo. Seleciono aqui três dimensões fundamentais (que não esgotam o assunto, evidentemente): o entendimento dos atores sobre ecossistemas e relações entre seres vivos e não-vivos nos cultivos ou criações; uso, invenção e adaptação de cultivares, particularmente, de sementes agrícolas; e memórias que articulam o passado com o presente e dão elementos para ação e decisão.
No dia 9 de março de 2009, acompanhei um grupo de agricultores ecológicos em visita a uma das sedes da empresa pública de pesquisa e extensão de Santa Catarina, em Chapecó. Naquela tarde ensolarada, técnicos envolvidos com agroecologia receberam de maneira entusiasmada o grupo que também parecia muito disposto para a visita. A dinâmica dos dias de campo na agricultura é muito difundida e, de certo modo, uma prática costumeira. Alguns dos entrevistados durante a pesquisa reforçavam este caráter de modo curioso ao afirmar que mais importante que os conhecimentos repassados em forma de treinamento formal são as conversas paralelas entre os agricultores e a agregação de pessoas, que favorece a troca de experiências e a manutenção dos laços que propiciam novas trocas de saberes acerca do campo no futuro. Num dos momentos, um dos agrônomos sugeriu que é preciso ter cuidado com certas plantas usadas em meio aos cultivos, tal como o cipó d'água. É uma invasora e se espalha. Um dos agricultores mais velhos ali presentes logo disse: "essa planta é muito boa para curar infecções e machucados de pele"5. De maneira interessante, o primeiro recolocou: "pois é, a gente não sabe essas coisas". A visitação seguiu.
O episódio não supõe necessariamente superioridade de posições, mas perspectivas e experiências distintas. A planta pode ser invasora de fato; o surpreendente é ver que os atores podem dar usos peculiares que se apresentam vinculados à memória e a um conhecimento difuso, algo que se passa entre pessoas ou gerações. É claro que conflitos existem e podem permanecer velados ou tornaremse manifestos. Retornar-se-á a outras ocasiões em que apareceram saberes vinculados às memórias; por ora, algo que também se apresentou nesta visita e que era recorrente em quase todas as situações em que estive junto deles foi essa capacidade de compreensão das variadas relações entre os processos desenvolvidos em suas propriedades rurais, o que se pode chamar de uma visão ecossistêmica.
Na data antes mencionada, os técnicos conduziam o grupo, que perguntava e eventualmente opinava sobre o que via. Dinâmica invertida acontecia nas visitas coletivas às propriedades rurais, especialmente as voltadas à manutenção do sistema participativo de garantia da Rede, em que os agricultores recebiam seus pares, agrônomos convidados, interessados e, naquele caso, a mim enquanto pesquisador (e consumidor). Nestas situações, era o anfitrião que tinha a palavra pela maior parte do tempo, individualmente ou em família, e apresentava os cultivos, áreas de floresta, galinheiro e outros, a depender da estrutura de cada uma. Particularmente relevante era notar o domínio do que se via por parte de todos os presentes, mas especialmente do agricultor dono da área, fazendo o grupo ter atenção para relações específicas entre a paisagem, os cultivos e os demais aspectos. Com precisão, ele mesmo sabia dizer quais as dificuldades relacionadas à declividade do terreno, ao tamanho da área, às fontes de água; e, com preocupação, falava dos seus vizinhos que utilizavam veneno em suas plantações. Assim, o panorama de interações deste mundo biofísico era ali exposto e, claro, muitos dos seus pares já imaginavam ou supunham certas relações, ainda que só os moradores o soubessem com detalhes.
Como foi escrito em outro momento, trata-se de uma experiência relacional com a terra (RADOMSKY, 2015), sendo que "terra" sinaliza um compósito mais do que a noção comum que a ela costumamos dar, radicando em múltiplas relações entre seres vivos e não-vivos e que remonta a uma vivência camponesa. Estas interações são bastante características, pois cada família, pode-se dizer, alimenta tal dinâmica com a área em que vive e trabalha por algum tempo seguido, o que gera conhecimentos sólidos sobre estes processos ali observados.
Destacam-se brevemente, a seguir, três casos, sendo o último contrastivo dos dois primeiros. No primeiro, em outubro de 2008, visitamos em grupo a pequena propriedade de 1,2 hectares de Darci. Nela, os visitantes são conduzidos com muita disposição pelo dono da área, que faz um curto, porém rico, roteiro de caminhada, mostrando todas as potencialidades dos cultivos, as opções a partir do solo do lugar, as relações entre resíduos orgânicos e animais criados para consumo da família e os cultivos de valor mercadológico pelos quais ele nutria tanto apreço. Após esta volta, conversamos entusiasmados na soleira da porta de sua casa e muitas indagações apareceram, junto a elogios referentes ao que o grupo viu. Nota-se que o agricultor conhece as técnicas e sabe também dos problemas que existem, não perde o domínio da situação em jogo com seus pares. É preciso considerar aqui que Darci é um agricultor conhecido do grupo, certamente, um dos líderes locais, e que isto em momento de visita à sua propriedade rural é levado em conta.
Meses depois, já no fim de março de 2009, numa tarde quente, estamos nas terras de Osmar e sua família. Ali, também, aparecem questões semelhantes às da visita anterior e outros assuntos distintos. Trata-se de uma propriedade maior que a de Darci; o grupo também, na ocasião, é mais numeroso e, além dos cultivos e técnicas empregadas, há interesse pelas fontes de água, áreas de mata, sobre as quais o proprietário faz questão de falar com detalhes. Num dos momentos, vários dos agricultores percebem uma quantidade grande de aranhas em suas teias entre as árvores, que chama a atenção pela estranha beleza de seu caminhar nos fios e, afinal, pela sensação de manejo da vida biológica que ali se permite. Nestes dois casos, ao fim das reuniões, minhas sensações foram similares: havia rotinização da visita e protagonismo da família dona da área em mostrar, falar, estabelecer relações entre processos ali desenvolvidos. Claramente, o olhar e os demais sentidos das pessoas agem poderosamente: sabem o que estão vendo e distinguem adequadamente os cultivos, as relações entre plantas, as áreas com fertilidade maior e os problemas relacionados a pragas.
Caso ligeiramente distinto ocorreu quando, no município de Guatambu, próximo a Chapecó, a reunião se realizou na casa de outra família, o que era pouco frequente nas reuniões de que eu vinha participando. Ocorrida ainda em janeiro de 2009, a visita mostrou algo distinto, embora a rotina tenha sido análoga. Na medida em que começamos a estabelecer o mesmo passo a passo das anteriores, algo de diferente se apresenta: o dono da área parece um pouco mais preocupado quando fala, mostra-se menos ativo e os olhares dos agricultores não mostravam o mesmo entusiasmo das reuniões anteriores. Ao final, quando o grupo se senta para conversar, sinto menos ânimo, nada que se pudesse antecipar, mas críticas apareceram e ficou-se com o sentimento diferente das duas visitas narradas anteriormente. Os dois que antes haviam recebido o grupo são os mais falantes e direcionam com muita precisão suas intervenções, embora nada se apresente publicamente a respeito de algo definitivamente problemático. Um dos técnicos que acompanha o grupo de 14 pessoas referenda que na agroecologia é assim, difícil mesmo, e com muita experimentação, tentativa e erro.
Revisitando estes dados hoje, percebo as ambiguidades, as falas com meias palavras, enfim, a que exatamente se referem ao comentar certos problemas com cultivos, porém, com a sensação de que havia mais problemas do que realmente queriam verbalizar naquele momento, o que me pareceu correto. Questões de certificação e selos de ecológicos entram em jogo constantemente. As conversas são sempre voltadas a técnicas, mercados e cuidados com os cultivos, jamais de reprovação direta. Ainda assim, os casos em contraste demarcavam situações complexas, resultantes de conhecer o que se vê. O saber que se constitui no tempo, que é fruto de compartilhamento de tempo de trabalho e aprendizado ao longo do curso da vida, "treina" o olhar e permite entender as relações do pequeno ecossistema. Sem dúvida, as conversas são centrais, pois potencializam as análises do grupo, que troca conhecimentos ou pontos de vista sobre problemas e desafios. Então, estamos frente a perspectivas de compreensão, que podem ser eventualmente conflitivas ou consensuais.
Esta performance ficava clara nas reuniões de grupo, realizadas nas propriedades dos agricultores. Entretanto, quando ocorriam as entrevistas com a finalidade de compreender melhor cada situação, algo semelhante acontecia. Geralmente, os agricultores me conduziam por diversas partes de suas terras, mostrando as roças e explicando como as trabalhavam. Ressalta-se aqui uma das vezes em que Renato, agricultor de Chapecó um tanto solitário no modo de trabalhar, mas que faz parte do grupo, foi visitado para entrevista. Renato expõe um tanto bem essa curiosa relação entre o todo e as partes, já que em suas conversas comigo enfatizava suas descobertas ou experimentações no campo, porém, quase nunca sublinhava que também era parte da Rede, que estava eventualmente nas reuniões, e que nas feiras sempre interagia com seus pares e com técnicos que também visitam os produtores enquanto esses estão na cidade.
Após uma conversa sobre vários aspectos (produção, técnicas, relação com consumidores, problemas de vizinhança e invejas no grupo), o agricultor conduz uma caminhada vagarosa na área de produção. Pode parecer pouco importante, mas este olhar através do passeio dá contornos distintos. Trata-se de ver as coisas sempre de perspectivas, no desvendar pelo caminho, um tipo de interação com o ambiente que não pode abdicar da relação concreta com os fenômenos que dela emergem (INGOLD, 2015). Entre a visão de sobrevoo e a de quem percorre um caminho, Walter Benjamin, nos fragmentos de Rua de mão única, faz uma bela comparação, que vale a pena reproduzir neste contexto: somente "quem caminha pela estrada experimenta o seu poder e o modo como ela, em vez de ser a paisagem que para o aviador se desenrolava como uma planície, a cada curva faz sobressair zonas desconhecidas, miradouros, clareiras, perspectivas [...]." (BENJAMIN, 1992, p. 43). Bastante verde, com açudes e pequenas colinas onduladas em partes retiradas da residência, a propriedade é uma bonita área e eu percebia a satisfação de Renato em mostrar que uma obra sua se construiu ali.
Aproveitou o momento para contar que seu pai, também agricultor, nunca usou venenos na produção e que ele, Renato, tinha gosto pela preservação. Embora tenha trabalhado por dez anos numa indústria, a vida no campo era o que realmente lhe aprazia e, depois de ter realizado um curso a convite de um técnico da Secretaria de Agricultura de Chapecó, recuperou-a como sua principal atividade. Os açudes, contava, são resultados de esforço e desenho seus.
Ao passarmos por suas plantações de figo e uva, ele fez questão de parar para explicar. Tinha havido uma situação de disputas por melhores desenhos do espaço e dos cultivos com agrônomos que visitaram sua área6. Enquanto estes perguntavam por que plantava as árvores tão próximas e qual a razão deixá-las ao longo dos parreirais se o sol pode tapar iluminação, suas respostas, dizia, eram certeiras. Já sabia como nascem e se desenvolvem os pés e que, portanto, também sabia que não haveria prejuízo; e sobre o sombreamento às uvas, respondeu que o sol não corria deste modo: somente alguns galhos poderiam ocultar o sol e estes ramos ele poda. O aprendizado que parece ser meramente tácito (o que não seria errado de também considerar) revela-se mais complexo por meio de um desenho de pensamento e também fruto de experimentação.
Experimentações nos Sistemas Agroecológicos
Experimentar é uma palavra-chave neste universo de agroecologistas, manifestada tanto por técnicos quanto por agricultores, já que, entre eles, repete-se usualmente não existirem "pacotes fechados" (receitas padronizadas), de modo que os cultivos podem ser propensos a problemas e as adaptações são constantes. O senso de experimentação é fundamental e valorizado, tal como exposto também no estudo de Sabourin (2001) sobre aprendizado coletivo. Esta experimentação se alia aos processos de integração, pois sabe-se que há uma dinâmica interativa do sistema ecológico, que tem autonomia, e que não depende inteiramente do agricultor; conhecer isto é muito importante. Isto permite a integração dos elementos da paisagem. Quando indagado a respeito de como alimentava os peixes, Renato disse que nada fazia, porque já existia um ecossistema de relações entre os vários peixes e que alguns são vendidos; outros, que precisam de alimentação suplementar, ele não mantém. Assim, bastam estas interações ecológicas entre os animais e a vegetação em volta dos açudes.
É evidente que este senso de experimentação e autonomia não pode nos levar a concluir isolamento e recusa dos saberes técnicos especializados. Nas ocasiões em que conversei com Renato, como havia ocorrido com os demais, a circulação de agrônomos e técnicos agrícolas era expressiva, além de serem numerosos os cursos realizados pelos agricultores em centros ecológicos ou em sedes de empresas públicas de extensão rural. A esta imbricação se deve dar importância, já que os atores absorvem o que lhes parece fazer sentido e trocam ideias entre eles nestes eventos, não sendo, portanto, assimiladores passivos de conhecimentos. Pode-se observar, desse modo, como os conhecimentos se disseminam em fluxos multidirecionais, são acolhidos ou não por certos agricultores, a depender dos desejos e das condições que suas propriedades rurais apresentam. A cada multiplicação de usos e saberes, novos usos e novos saberes são elaborados e servem para os posteriores modos de multiplicação. Não se pode deixar de ver, logo, que também os agentes não-humanos têm uma relevância: as terras, o tamanho das propriedades, a iluminação, as águas, as interações ecológicas já existentes, a paisagem e a declividade interferem no modo como os resultados de cada agricultor se apresentam, o que lhes dá direito de dizer como as coisas são em sua perspectiva. Os conhecimentos que circulam fazem parte de um todo diferenciado e diferenciante, que se atualiza, se recompõe, se renova e gera diversidade.
Essa multiplicação aparece efetivamente quanto às espécies vegetais - especialmente sobre as variadas sementes -, uma multiplicidade que se transforma e se deseja mesclar localmente, cujos efeitos na adaptação ao ambiente são ímpares. Cultivadas nas propriedades rurais, podem livremente interagir ecologicamente e dinamizar as diferenciações. Conhecido na região como dos mais ativos agricultores engajados na guarda e disseminação de sementes denominadas crioulas (sementes livres), Horácio, vivendo ao norte, em município mais próximo da divisa com o estado do Paraná, mostrou algo relevante: o que conhece e produz jamais pode ser considerado um saber meramente local ou tradicional, pois as hibridações com técnicas que lhes foram ensinadas por agrônomos, assim como sementes que lhe chegaram de instituições de pesquisa, mostram que a ciência percorre estes lugares e distribui seus resultados. No entanto, durante o período de pesquisa de campo, tais técnicas combinavam-se com outras que já conhecia de suas experiências anteriores, de um saber tanto memorial como transmitido recentemente por seus pares. É comum, assim, que produtores rurais ou agrônomos busquem sementes já raras que estão nas propriedades rurais de um ou outro agricultor e façam, depois de percorrer um circuito, chegar a outros, que as adaptam, transformando-as eventualmente ao longo das colheitas (selecionando as melhores).7
No caso de Horácio, são sempre técnicas que combinam conhecimentos, mas não transgenia, evidentemente. Seu filho, contou Horácio, realizou um curso em uma instituição, o que também gera novas interações. As sementes que produz na propriedade rural - vale destacar, este é um problema comum na agroecologia, pois é trabalhoso para as famílias gerarem suas próprias sementes - ele doa ou vende, a depender. Porém, importa que isto lhe dá satisfação, permite a aplicação de sua própria experiência in loco e também potencializa a autonomia frente aos mercados, já que sementes entram como despesas nos custos de produção.
Memória e Experiência Vivida
O fato de que, em parte, as orientações de pensamento dos agricultores estão marcadas pelo passado individual e familiar não é de se admirar. As heranças dos modos de ser e fazer podem ser observadas em falas e em práticas do cotidiano, tema conhecido da sociologia e da antropologia rural. Mais relevante foi que um dos entrevistados confidenciou que o passado aparece como uma espécie de esquema para tomar decisões. "Por exemplo: quando há problemas na propriedade, a primeira coisa é pensar como os antigos faziam", afirmou. Então, percebe-se que a vivência do cotidiano é alterada quando um problema aparece, configurando uma forma de interrupção do andamento normal do curso da vida que solicita reflexão e mudança interna às pessoas (PAREDES PEÑAFIEL, 2019), ao passo que o contrário não se percebe tanto: no curso das coisas, o passado pode ser acessado de maneira mais tácita e sem reflexão. É fato que no dia a dia os atores são hábeis em manusear o que dispõem e dar conta do que a vida lhes impõe. Friso que as memórias são seletivas, ou seja, são ressaltadas em determinados contextos para justificar ações, mostrar continuidades no tempo ou mesmo justificar convicções.
Na pesquisa de campo não foi raro encontrar agricultores que traçavam linhas de continuidade com o que seus antepassados faziam, ou como eles já produziam sem venenos antes da disseminação da produção orgânica, ofuscando parcialmente os aspectos contextuais atuais, os cursos realizados recentemente, os efeitos de grupo ou de mediadores e as políticas públicas que incidiram para tal. As falas organizam apropriações a respeito do que um dia existiu (CERTEAU, 2014). Mesmo assim, não se pode dizer que as memórias não tenham confluência. Falavam com satisfação em selecionar práticas dos seus antepassados que possuem convergência com o que fazem hoje, já "convertidos" à agricultura ecológica. Contudo, o relato é sempre um espaço de operação da linguagem e nela cabem manobras táticas no cotidiano (CERTEAU, 2014). É como se antes os antigos sempre estivessem corretos em suas escolhas; assim, como afirmaram Antze e Lambek (1996, p. xii) fazendo referência indireta a Freud: "as memórias são como sonhos, símbolos altamente condensados de preocupações ocultas"8.
Darci, antes apresentado, falou numa ocasião que recuperou técnicas de quarenta anos atrás que seu pai utilizava. Segundo ele, seu familiar já produzia ecologicamente ainda antes dos pacotes de modernização da agropecuária invadirem a região. Se era tal qual o que se dispõe hoje em termos de produção ecológica (ou mesmo orgânica), não se saberá exatamente; entretanto, vale que esta associação seja realizada para fortalecer convicções. Este aspecto seletivo da memória (POLLAK, 1989) não é o único aspecto fascinante a respeito. A apreensão individual de quais fragmentos de memória são preferidos nos conduz a pensar o quanto a seleção depende mais do presente do que do próprio passado, tal como aparece em alguns dos escritos mais relevantes de Walter Benjamin (GAGNEBIN, 2014).
Um dos aspectos para o qual o fenômeno antes descrito se torna interessante é o conhecimento acerca do uso de venenos. Os agricultores compartilham narrativas, casos de contaminação e trocas de informações pontuais a respeito da utilização de produtos químicos. Como estes processos nem sempre podem ser provados, as histórias são repassadas, muitas vezes, até entre diferentes gerações, o que lhes confere importância.
Com um dos agrônomos que foi interlocutor de pesquisa foi possível conversar até mesmo sobre de que maneira as feiras e festas entravam, em sua visão, como eventos altamente relevantes para que tanto as sementes quanto os conhecimentos a ela associados pudessem circular. Ao comentar tais eventos em seu município, o importante, disse, não era abarrotar de gente; entendi que o problema não era multidão, fazer um "agro-show" - certamente uma crítica velada a determinadas feiras agrícolas comuns naquela região do país. Trabalhar com um grupo, fazer um trabalho focado, isto sim, em sua opinião, pode dar resultados.
O relato de Antonio, frequente interlocutor na pesquisa e agricultor ecológico de Quilombo, município ao norte de Chapecó, é sugestivo desta relação entre experiência, memória e história familiar. Uma única vez na vida, contou, utilizou agrotóxicos nas plantações. Isto ocorreu quando tinha dezesseis anos de idade e, depois disto, arrependido, nunca mais repetiu. Na época, não anotei nos materiais de campo o porquê do arrependimento. Mas é possível recordar de sua expressão de desagrado em relação a esta decisão. Muito tempo passou; contudo, esta memória é viva para ele.
Este arrependimento o fez falar que, em sua juventude, aprendeu o trabalho com o pai, com o avô e também com seu sogro, rememorando aspectos dessas práticas. "Na época, não falavam em plantação ecológica ou orgânica", falou; isto é, as denominações são novas, embora tenha admitido que técnicas e formas de organizar a produção também tenham muitas novidades. Antes, era uma agricultura natural, noção que é comum entre os atores ao referirem-se ao passado agrícola. Este não foi o único momento em que a ideia de natureza apareceu vinculada à rememoração, como algo que remete à pureza. Em outros momentos que partilhamos, deixou transparecer que as dificuldades impostas - não apenas pelo sistema de trabalho, mas pela situação econômica em geral - o faziam pensar em deixar a agroecologia. São amarguras e angústias, algumas de fato políticas (relações difíceis no município ou na vizinhança), ou momentos de reflexão íntima sobre o curso da vida. Num destes relatos, logo depois adicionou: "mas é o jeito certo de fazer as coisas". Ainda assim, o relato acerca das gerações da família chama a atenção, pois quando usou veneno uma única vez no campo vivia a transição da adolescência para a vida adulta. Como escreveu Palmberger (2016), dar importância às relações entre gerações, como Antonio destaca para seu aprendizado, pode gerar frutos em pesquisa social, uma vez que possibilita focar no ator, em qual momento vivido certas ações foram realizadas e qual é a sua relação com os demais membros das distintas gerações em cada momento.
Antonio conduzia as conversas a mostrar que não se tratava somente de trabalho, produção e técnica. Agricultura ecológica tem a ver com cuidado, com o entendimento do outro; talvez não pareça, à primeira vista, contudo, esta também é uma forma de conhecimento, pois altera o que se se supõe ou se entende a respeito das relações ecológicas e humanas.
Conhecimentos, Situacionalidade e a Dança entre Imitação e Criação
Comecemos a seção por uma discussão preliminar sobre a localidade dos conhecimentos, a qual assumirá função transitória para o problema da situacionalidade. Sillitoe (2002) observa que conhecimento nativo (indigenous knowledge)
relaciona-se a qualquer conhecimento mantido mais ou menos coletivamente pela população, informando entendimento do mundo. Pode pertencer a qualquer domínio, particularmente à gestão de recurso natural [...]. É baseado na comunidade, imerso e condicionado pela tradição local. É entendimento culturalmente informado, inculcado nos indivíduos desde seu nascimento, estruturando como estes lidam com o ambiente [...]. Sua distribuição é fragmentada [...] (SILLITOE, 2002, p. 9).
O autor nos faz examinar que as relações entre cultura e conhecimento são expressivas, a ponto de quase confundi-los. Mas a parte final de seu texto a respeito de como os conhecimentos auxiliam as pessoas a lidarem com o ambiente (socionatural, poderia ser dito) mostra que há relações de uso e aplicação. A maneira como o local aparece no trecho acima nos leva a pensá-lo isoladamente do que se passa fora dele, o que parece criar contornos de fronteiras que não ocorrem na prática. Assim, observar as realidades sociais pelo prisma dos conhecimentos situados tem a vantagem de não opor tais processos nem circunscrever o que ocorre supostamente somente num lugar; tampouco é de muita ajuda opormos a ciência (moderna, ocidental) às tradições, haja vista "as contaminações" entre ambos (CUNHA, 2009; SMITH, 2007).
Recuperando a discussão apresentada antes, para Ellen (2002), conhecimento é mais do que informação e não é exatamente o mesmo que cultura; ao contrário, conhecimento contribui para organizar a cultura de uma sociedade. Ele é gerado nas interfaces entre "memória cultural e da inteligência individual e sempre carrega conteúdos moral e social" (ELLEN, 2002, p. 239). Caberia ainda dizer, além disso, que qualquer local também passa por processos de colonização e fluxo de saberes com poderes de disseminação desigual; ou seja, num mundo global, buscar a pureza de algo parece mais uma obstinação de alguns do que uma possibilidade real. Daí a potencialidade do que seja situado, isto é, de conhecimentos que são pensados a partir de contextos ou situações, e que se valem do que se transmite e tem seus itinerários marcados pelas culturas e pelos espaços onde se disseminam (HARAWAY, 1991).
Para os agricultores ecológicos em estudo, destaca-se, nesse momento, o que se poderia chamar de arte da imitação. Com frequência vista pelo ângulo depreciativo, aqui, o potencial da mimesis como abertura ao outro, de querer repetir o que se passa com o próximo ou em outro lugar (outra propriedade rural ou território), mas que na própria repetição abre-se para um momento de contingência que ativa elementos criativos, deve ser valorizado. Este componente ativo da imitação é fundamental; tal como ressalta o texto clássico de Benjamin (apud Dawsey e Santana, 2020), ele sugere uma dimensão de pró-atividade: "Na abertura para o outro, o dom de tornar-se semelhante produz um saber. [...]". Para os antigos, "o gênio mimético foi visto como uma força decisiva, sendo associado ao ato de criação e ao nascimento do ser". (DAWSEY; SANTANA, 2020). Por tais razões, a mimesis tem esta capacidade um tanto enigmática do procurar fazer "o mesmo" e resultar em "outro" (TAUSSIG, 1993).9
No senso de experimentação dos ecológicos, impera o processo de abrir-se às inovações, ainda que as adaptações sejam centrais. E também se pode afirmar o mesmo a respeito das memórias coletivas ou familiares: quando surgem problemas ou quando se recupera no discurso "fazer como os antigos faziam", o que se nota é um modo de recorrer aos aspectos recursivos da prática; e, nesse estoque de familiaridade possível, imitar e criar se interpenetram.
Assim, trazendo estes argumentos para os problemas envolvendo patrimônio, cultura e até mesmo propriedades culturais, é bastante difícil poder articular tais problemas a grupos isolados, embora se saiba que existam iniciativas de cercamentos e proteções entre agricultores. Quem pode ou não herdar elementos culturais, no sentido de legitimidade de pertencimento a grupo? A quem é permitido imitar, usar conhecimentos repassados por outros agricultores? Na verdade, em parte, o debate sobre propriedades culturais (com tratamento semelhante à propriedade intelectual) consiste numa tentativa de proteger bens intangíveis de determinadas sociedades em âmbito dos organismos multilaterais, geralmente, atribuídos às sociedades tradicionais (BARSH, 1999). Não se recuperaria, mesmo que brevemente, esta temática se tais problemas de apropriação e proteção não estivessem tão próximos ao que se passa quanto ao conhecimento. De qualquer forma, em muitos contextos, aparece a tensão entre a imaterialidade (da cultura, dos conhecimentos) e os itens culturais materiais que lhe dão suporte, o que suscita a questão: qual destes é de fato passível de circunscrição, cercamento e proteção?, tal qual discutido por Brown (2004) e Cunha (2009). Pois cultura e saberes podem ser, ambos, entendidos como dimensões simbólicas em fluxo e mudança constantes, sobretudo, quando se fala de efervescência cultural e artística que envolve patrimônio imaterial (MEYER; MARQUES; BARBOSA, 2016), diferente de algo que facilmente se atribui um copyright (BROWN, 1998).
Não deixa de ser curioso encontrar uma referência de Walter Benjamin sobre este caráter coisificado e fetichizado que pode amparar as noções de cultura e de conhecimentos em nosso mundo. No seu ensaio sobre colecionismo, Benjamin e Fuchs (2008) afirmaram que a ideia de cultura tem uma qualidade fetichista, problema que não é ignorado por antropólogos atuais; parte desses tem colocado esta noção sob um prisma crítico.
Quase sempre, estamos em face de pensar as invenções ligadas ao indivíduo e suas capacidades de gênio - eventualmente solitário -, mesmo que em sociedade reconheçamos a longa rede de relações, influências e acúmulo coletivo que permite que alguém seja inventor ou criador de algo (STRATHERN, 2001; STRATHERN; HIRSCH, 2004). Os dados da pesquisa que descrevo mostram esse processo. Mas nem sempre tais entendimentos acerca de quem cria ou inventa leva necessariamente ao problema da propriedade intelectual. A lógica das proteções também assombra os agricultores ecológico; porém, há algo do mundo dos conhecimentos que pode circular mais e que se torna patrimônio apenas metaforicamente.
O interessante é que nem sempre o princípio que vai operar será o das proteções totais versus a livre circulação: o que muitas vezes os atores aspiram é atribuição moral de criação e reconhecimento social por isto. Tais processos foram notados com frequência em pesquisa de campo e obedecem ao que Aragon (2010) sustentou sobre respeito a "alguns direitos" como uma possibilidade entre os extremos antes mencionados. Numa das experiências observadas envolvendo bancos de sementes e conhecimentos associados a elas no oeste de Santa Catarina, a questão da moralidade se fazia presente, mas também como modo de evitar que os saberes pudessem ser roubados por corporações ou entidades quaisquer; assim, a maior publicização das experiências com sementes e seus conhecimentos, eventualmente, ligados ao nome das famílias que tiveram a iniciativa, evitaria a privatização. O tema da apropriação mercadológica dos conhecimentos tradicionais e relacionados a recursos genéticos é bastante polêmico, como mostram muitos documentos, entre os quais se sobressaem os de Blakeney (2009) e Vermeylen, Martin e Clift(2008), para ficar com apenas dois exemplos.10
Criação, Produção, Invenção
Acercando-se das propriedades das línguas indo-europeias, e jogando sugestivamente com a frase "O homem tem sobre a terra um estatuto poético" (AGAMBEN, 2013, p. 117), o autor italiano nos mostra que a noção de poiesis possuía sentido bastante amplo e abrangente entre os gregos antigos. Poiesis tem, para Agamben, um significado de produção, estando mais próxima, na filosofia platônica, a um desvelar, trazer à luz, trazer à presença o que está ausente. Comparada à práxis, que é mais vinculada a um impulso vital do fazer, poiesis estava associada tanto à arte como hoje a conhecemos quanto ao trabalho do artesão que fabrica um objeto qualquer: em termos filosóficos, indica o trazer do não-ser ao ser.
O que para nós importa é esta herança nas línguas e culturas, na medida em que nos remete ao estatuto da criação e da criatividade como algo do reino dos artistas, mas que originalmente, tanto do ponto de vista linguístico como filosófico (ocidental, evidentemente), não separava claramente o que seria a mera produção da poiesis criativa. A poiesis, assim, é própria do fazer humano; consiste num operar produtivo em que a arte é somente uma possibilidade e se organiza a partir de uma potência - de fazer e também potência de não fazer. Esta problemática se agudiza entre os agricultores ecológicos, para os quais a ideia de recriar, reordenar e replicar envolve relações entre imitar e inovar no momento da própria prática. Por em ato é utilizar esta potencialidade do produzir, o que faz seus resultados serem mundos emergentes dessas relações.
Este texto de Agamben dos anos 1970 tem profundas conexões com outra produção bibliográfica do autor bastante recente. Sugere ele que "[...] sobre nossa ideia de criação e de obra pesa o paradigma teológico da criação divina do mundo, daquele fiat incomparável que, segundo sugerem os teólogos, não é um facere de matéria, mas um creare ex nihilo [...]" (AGAMBEN, 2018, p. 112, grifos do autor). A crítica aqui reside ainda no criar sem a existência prévia de matéria, apontando que as criações envolvem outras criações anteriores, o que possui consistência fundamental com a discussão antes apresentada sobre os limites ideológicos da noção de invenção que ampara a instituição da propriedade intelectual.
Esta ideia de criação apresentada por Agamben (2018) é um ponto crucial para pensar no Ocidente o ato de criação do artista, transposto do divino. Mesmo usando a palavra criação por comodidade, o mesmo afirma preferir a ideia de produção, poiesis, poesia, em última análise.
Os agricultores ecológicos dominam e exercitam a arte da imitação como meio de criatividade a partir de seu mundo, como uma forma de organização dos elementos da vida que os circundam, em que as inovações derivadas são sempre formas de diferenciar e adaptar. Assim, sendo pragmáticos no cotidiano, sabem que produzir é entender como seus pares trabalham e lidam com os cultivos, ao mesmo tempo em que a cada apropriação de conhecimentos alheios a necessidade de criação se impõe. Essa sociologia do cotidiano da adaptação, da imitação e da invenção mostra os limites de se falar em conhecimentos tradicionais como algo estático e circunscrito; a situacionalidade pode, quem sabe, evocar o caráter híbrido e "poético" no sentido conferido por Agamben (2018).
Considerações Finais
Passados quase quinze anos da pesquisa na região, estudos e relatórios posteriores mostraram que os agricultores ecológicos seguem diversificando atividades, articulando estratégias com organizações e universidades regionais e oportunizando maior visibilidade aos processos de certificação participativa. A Ecovida expande seus mercados, mostrando a força dos alimentos ecológicos para consumidores. Os estudos mostram também as formas de apropriações em feiras de negócios e empresas, com a agregação de novas singularidades aos produtos - como o orgânico "de luxo" (LUCION, 2020). Entre famílias envolvidas na agricultura ecológica, as dificuldades continuam a existir, considerando-se em especial políticas públicas específicas para o setor, como por exemplo, as de crédito, sistematicamente frustradas (AQUINO; GAZOLLA; SCHNEIDER, 2021).
Quanto aos saberes, os agricultores ecológicos que acompanhei advogam para si o princípio de criação. Eles mesmos, entretanto, faziam referência às redes, se assim quisermos chamar, a partir das quais uma anterioridade de saberes ou relações teriam permitido tais inovações - e que partiram de meras tentativas de imitações. Na mesma medida, um mundo existente e sempre em emergência era percebido, pois conhecer os sistemas ecológicos é dar-se conta da vida que brota, dissemina-se e que em fluxo corrente se manifesta em uma multiplicidade de movimentos e eventos com ou sem humanos. Apesar da relevância do que é adquirido no presente em treinamentos formais ou na interação com agrônomos, dos aprendizados na prática cotidiana neste jogo de imitação e inovação, etc., as memórias das pessoas estão sempre conformando orientações para a ação ao que é da atividade ordinária do momento presente, podendo, a depender do que está em questão, conectar-se a noções - eventualmente não tão claras e por vezes mais relevantes no âmbito moral - de patrimônio, propriedades e de transmissão de tradições.
Quando abordamos a multiplicidade e diferenciação dos conhecimentos, a parcialidade dos pontos de vista que se constituem e as relações sobre a parte e o todo, Agamben (2018) pode novamente nos brindar com uma bela imagem de representação. Ao fazer uma breve análise do que seja um vórtice, o autor sugere que este é nada mais do que um fluxo de água que se separou, porém, ainda faz parte da mesma. O que seriam os conhecimentos no caso analisado neste artigo senão algo como um vórtice? Eles sempre se diferenciam e igualmente se mantêm fazendo parte de um mesmo emaranhado de relações, o que nos afasta das noções de origem inventiva e se vale das múltiplas articulações que se estabelecem entre agentes e entes. Então, para prosseguir com a imagem evocada por Agamben, "[...] a origem deixa de ser algo que precede o devir e permanece separado dele na cronologia. Assim como o redemoinho no curso do rio, a origem é contemporânea ao devir dos fenômenos, dos quais extrai sua matéria e nos quais, todavia, permanece, de algum modo, autônoma e parada" (AGAMBEN, 2018, p. 85).
Agricultores ecológicos fazem experimentações, inovam e também imitam seus pares; e, em parte, estas tentativas de reprodução do que veem em outras propriedades rurais resulta em algo diferente. Se este não é um tema novo (BENJAMIN, 1999; TAUSSIG, 1993), no caso em tela, trata-se de um processo típico de uma relação que envolve seres vivos cuja dinâmica de geração, maturação e interações não é totalmente controlada pelos humanos.
*Minicurrículo do Autor:
Guilherme Francisco Waterloo Radomsky. Doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2010). Docente junto ao Departamento e ao Programa de Pósgraduaçao em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisa financiada pelo CNPq. E-mail: [email protected].
2 O autor agradece as sugestões e os comentários dos pareceristas da revista.
3 Rede Ecovida ([2022]).
4 O histórico e as características da Rede Ecovida de Agroecologia não serão abordados plenamente nesse trabalho, ver Lucion (2016). Sobre um caso distinto para a agricultura orgânica em São Paulo e processos de certificação no cotidiano, o estudo de Puga (2022) traz relevantes análises.
5 A maior parte das vezes em que acompanhei o grupo, assuntos de cura e saberes ancestrais suprimidos pela modernidade (WEDIG; RAMOS, 2020) não eram tão frequentes e, quando apareciam, estabeleciam usualmente a relação entre alimentação e saúde.
6 Para um debate recente em relação aos desenhos de mundo nas ciências sociais, ver Paredes Peñafiel (2019).
7Ver Benvegnú e Radomsky (2020) e também Jovchelevich, Moreira e Londres (2014). Para uma visão crítica relacionada à propriedade de sementes, ver Kloppenburg (2010).
8 Pollak (1992) escreve que, quando se herda memórias, os que não as viveram parecem apresentar o sentimento surpreendente de se expressarem como se as tivessem vivido. Não deixa de ser notável, de encontro a esta relação de sintonia com as gerações, que os modos de expressão e fala também são formas de o indivíduo agir neste panorama do passado coletivo, considerando-se o mundo em que o individualismo é um valor (PAZ FRAYRE; NUÑO GUTIERREZ; TREJO LUNA, 2018). Entretanto, como lemos no clássico de Halbwachs (2006), no momento em que as pessoas tendem a considerar sua incursão por memórias privadas no nível mais individual, a sociedade está presente.
9 Se incluirmos as reflexões que estão na interface entre filosofia, psicanálise e ciências sociais, a literatura sobre mimesis é imensa e rica, mas não poderá fazer parte desta reflexão por razões de espaço e foco.
10Esta discussão ganha ingredientes complexos se incorporarmos a reflexão de Agamben (2017) sobre propriedade, uso e o inapropriável. Afirma o autor italiano que "comum nunca é uma propriedade, somente o inapropriável" (AGAMBEN, 2017, p. 117, grifo do autor). Ao recuperar um texto da juventude de Benjamin, Agamben disserta sobre a injustiça de qualquer propriedade e conclui que "[...] fazer do mundo o bem supremo só pode significar experimentá-lo como absolutamente inapropriável" (AGAMBEN, 2017, p. 104). O problema é discutido nas relações e diferenças entre uso e propriedade, sobre as quais o filósofo discorre também em Agamben (2014), tema de relevância por discutir bens comuns, comunidade e uso sem propriedade, temas que, contudo, não cabe desenvolver neste artigo.
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Abstract
Recuperando uma experiência de pesquisa etnográfica no estado de Santa Catarina, Brasil, neste artigo discute-se a relação entre conhecimentos, memórias, imitações e processos criativos entre agricultores ecológicos. A pesquisa foi realizada com agricultores familiares ecologistas entre 2008 e 2009 em diferentes situações, especialmente em reuniões, visitas técnicas e em feiras, além de terem sido realizadas entrevistas individuais. Conhecimentos se articulam a memórias e às práticas de gerações anteriores, mas o senso de experimentação dos agricultores é fundamental em atividades cotidianas, organizando-se numa dança entre imitação, adaptação e criação. Os conhecimentos que circulam fazem parte de um patrimônio de relações e da cultura: atualizam-se, recompõem-se, renovam-se e geram diversidade. Tal processo é oriundo de relações na agricultura que, portanto, envolve seres não-vivos e seres vivos não-humanos cuja dinâmica de geração, maturação e interações não é totalmente controlada pelos humanos.





