Introdução
Os estudos de gênero propõem a reflexão para o campo da saúde de que as categorias masculino e feminino são construções sociais instáveis que se reificam na reiteração das práticas cotidianas, uma crítica em contraposição à noção biológica, que faz uma associação direta entre sexo e gênero (Butler, 2013). Assim, passa-se a pensar gênero como um determinante social de saúde, sendo que as características e práticas de masculinidades passam a ser observadas como determinantes do processo saúde-doença. Tal relação vem sendo observada em diversos grupos de homens, inclusive em populações vulneráveis, como as pessoas moradoras de rua (Campos; Cardoso; Moretti-Pires, 2020 ; Campos; Moretti-Pires, 2018).
Preciado (2017) aponta, a partir de estudos de Donna Haraway, a noção de que o homem é o ordenador social, aquele que é o detentor do poder e das tecnologias, ocupando um lugar hegemônico na sociedade. Assim, as construções de masculinidades envolvem atributos, comportamentos e práticas relacionadas ao “ser homem”, construídos dentro de um sistema de gênero. Conforme Connell (1995, p. 188), as masculinidades são “uma configuração de prática em torno da posição dos homens na estrutura das relações de gênero”, ou seja, não são identidades, mas sim práticas mais ou menos estáveis que se apresentam em formas hegemônicas, cúmplices e subalternas (Connell, 1995).
A proposta teórica de Connell (1995) despertou críticas pós-estruturalistas por seu caráter hierárquico e estático, sendo articulada posteriormente com a performatividade de gênero para ampliar sua aplicação (Thürler; Medrado, 2020). A própria autora reconhece algumas dessas limitações e propõe o uso de uma perspectiva mais complexa da hierarquia de gênero, com ênfase na agência das mulheres, bem como no reconhecimento das interseccionalidades e na abordagem mais dinâmica e fluida das construções de masculinidades, em especial as hegemônicas, compreendendo e reconhecendo suas contradições internas (Connell; Messerschmidt, 2013).
Apesar disso, o conceito de masculinidades fez emergir uma série de estudos com grupos específicos de homens, considerando a pluralidade das masculinidades e sua influência pelo contexto e normas da sociedade, da cultura e da economia (Connell; Messerschmidt, 2013). Entre esses grupos de homens, destaca-se a existência de pesquisas direcionadas aos que vivem nas ruas (Allison; Klein, 2021 ; Genuchi, 2019 ; Leal, 2010 ; Nonn, 1995 ; Rice et al., 2017), enfoque deste trabalho.
Conforme a Política Nacional para Inclusão Social da População em Situação de Rua (Brasil, 2009), este é um grupo populacional heterogêneo, caracterizado por sua condição de pobreza extrema, pela interrupção ou fragilidade dos vínculos familiares e pela falta de moradia convencional regular. Neste trabalho, faz-se o uso do termo “moradores de rua” com suas variações, alinhando-se a autores que valorizam o uso de termo nativo, ou seja, a forma como esse grupo se identifica e não como são identificados pelo Estado (Campos, 2021).
A População Moradora de Rua (PMR) apresenta franco crescimento no Brasil (Brasil, 2023) e em outros países do mundo, como Inglaterra, Espanha, Irlanda, Alemanha, Portugal, EUA e Austrália (OECD, 2017; Fitzpatrick et al., 2017; Henry et al., 2017; Homeleness in Australia, 2016), representando um fenômeno global relacionado às desigualdades sociais e à falta e ineficiência de políticas públicas voltadas para esse grupo (Tojal, 2022). Destaca-se que essa população é formada majoritariamente por homens (Homeleness in Australia, 2016; Brasil, 2023; Henry et al., 2017). No Brasil, cerca de 82% da PMR é composta por homens (Brasil, 2023), na Austrália, cerca de 70% (Homeleness in Australia, 2016) e nos EUA, 61% (Henry et al., 2017).
Assim, aspectos das construções de masculinidades atravessam as vivências e experiências da PMR e estão relacionados às suas práticas cotidianas e saúde (Campos, 2021). Entre os Homens Moradores de Rua (HMR) há uma multiplicidade na forma de performar as masculinidades, todavia pesquisas apontam que a relação do masculino com o espaço público, atitudes de autossuficientes, força e violência são mobilizadas no processo de ida para as ruas, bem como no enfrentamento às situações de vulnerabilidade nesse contexto (Umamaheswar, 2022 ; Powell, 2005).
Neste sentido, observa-se que os HMR integram um grupo em extrema vulnerabilidade, visto que, além das condições de privações materiais, são desprovidos de meios que lhes permitam o exercício de práticas de masculinidades prescritas socialmente (Nonn, 1995). Entretanto, no contexto das ruas, percebe-se que há produção e reprodução de práticas de masculinidades específicas às condições de vida dos HMR (Leal, 2010 ; Campos, 2021; Nonn, 1995 ; Umamaheswar, 2022). Apesar dessas evidências, ainda não se identifica na literatura uma revisão dos principais estudos sobre masculinidades e PMR, com enfoque na relação gênero e processo saúde-doença.
Mediante isso, esta revisão objetiva analisar os usos das masculinidades em estudos feitos com pessoas moradoras de rua e que foram publicados na literatura internacional, com enfoque nas relações sociais, trajetória e processo saúde-doença.
Métodos
Trata-se de uma revisão de escopo na qual se utilizou o manual do Joanna Briggs Institute (Peters et al., 2020), que propõe a síntese de resultados e temáticas amplas ou em desenvolvimento. O enfoque foi examinar e mapear o que há publicado na literatura sobre a relação entre as masculinidades e a PMR. A questão da pesquisa foi: “O que se sabe na literatura científica sobre masculinidades entre pessoas moradoras de rua?”.
Para sistematizar a escrita do trabalho, optou-se pela utilização das recomendações do PRISMA-SrC, um checklist com 21 itens específicos para melhorar a qualidade das revisões de escopo (Tricco et al., 2018).
As buscas foram realizadas em inglês, espanhol e português, entre os dias 4 e 20 de maio de 2022. Utilizaram-se sete bases de dados: PubMed, Scielo, CINAHL, Web of Science, Scopus, LILACS e PsycInfo; e mapeamento na literatura cinza: Google Scholar, ProQuest e Open Grey. No PubMed foi utilizada a chave de busca, que foi adaptada para as buscas nas demais: “Masculinity”[MeSH] OR “Masculinity” OR “Hegemonic Masculinities” OR “Hegemonic Masculinity” OR “Masculinities” OR “Gender Identity”[MeSH] OR “Gender Identity” OR “Gender”.
Nesta revisão não houve recortes de tempo, local, faixa etária ou gênero. Dois membros da equipe de pesquisa realizaram todas as etapas de maneira independente, incluindo as buscas nas bases. A seleção dos artigos começou pela leitura dos títulos; em seguida, os trabalhos, selecionados por título, foram avaliados pelo resumo; e, por fim, foi realizada a leitura na íntegra para compor o corpus final de artigos para análise na revisão. Mediante o processo duplo-cego de seleção, em caso de divergências entre os revisores na etapa, um terceiro avaliador deliberou sobre a inclusão ou não em caráter final.
Adotaram-se os seguintes critérios de inclusão: ser artigo ou trabalhos originais de abordagem quantitativa ou qualitativa; ter enfoque teórico na temática das masculinidades; ter população do estudo composta por moradores de rua; e abordar na pesquisa aspectos das relações sociais, trajetória e saúde. Foram adotados como critérios de exclusão: ser artigo teórico, revisão de literatura, ensaio e intervenção clínica ou relato de experiência; trabalhos que utilizam a categoria sexo ou gênero somente para estratificar a população do estudo; e artigos que somente compararam quantitativamente as características específicas de homens, mulheres, e LGBTQIA+ moradores de rua, sem aprofundamento teórico.
Para extrair dados, foram lidos na íntegra os artigos incluídos; os metadados autores, ano, país, palavras-chave e tipo de artigo e as informações sobre os principais resultados foram inseridos em planilha de Microsoft Excel para posterior análise. Foi feita uma análise temática (Braun; Clarke; Rance, 2014) para organizar e categorizar os resultados dos artigos incluídos. O agrupamento de artigos nos temas-chave encontrados na etapa de categorização consistiu na identificação de vínculos entre os pontos e na síntese dos estudos, com o intuito de classificar e reclassificar o material produzido de acordo com a pergunta estabelecida para esta revisão de escopo.
Resultados e discussão
Através da busca realizada obteve-se um total de 2.495 artigos. Destes, 25 foram incluídos, após seleção pelos critérios de inclusão e exclusão, nesta revisão de escopo, conforme Figura 1.
[Image Omitted: See PDF]
Figura 1 Fluxograma da revisão
Identificou-se que 60% dos artigos incluídos são oriundos de pesquisas dos Estados Unidos, seguindo de estudos no Canadá (16%) e no Reino Unido (12%). Em relação ao período das pesquisas, identificou-se estudos desde 1995, sendo que a grande concentração e aumento da produção ocorreu entre os anos de 2017 e 2022.
Os periódicos das publicações são das áreas de gênero, masculinidades, sociologia, psicologia e estudos de família, sendo que em grande parte os estudos são interdisciplinares, analisando aspectos da saúde dos HMR, ou ainda abordando os determinantes sociais de saúde dessa população. O Quadro 1 apresenta os dados bibliométricos desses estudos.
Thumbnail
Quadro 1 Características dos estudos incluídos
A partir da análise temática foram identificados seis temas-chaves: 1) Masculinidade enquanto prática performativa nas ruas, 2) Masculinidades e relações de violência nas ruas, 3) Masculinidades entre homens moradores de rua: percepções de liberdade e encarceramento, 4) Paternidade entre homens moradores de rua, 5) Estigmas e deságios no processo de busca pela masculinidade hegemônica nas ruas e 6) Masculinidades como determinante social de saúde nas ruas.
Masculinidade enquanto prática performativa nas ruas
As masculinidades se apresentam enquanto ferramenta para que os HMR possam lidar e se contrapor às violências institucionais e interpessoais sofridas (Higate, 2000 ; Leal, 2010 ; Powell, 2005; Umamaheswar, 2022). Assim, o masculino é sinônimo de força e de agressão, e se torna referência para sobrevivência em um cenário de desigualdade social (Umamaheswar, 2022). Aliada à situação de vulnerabilidade no contexto da rua, esse referencial do que é “ser homem” se vincula a práticas de crime e violência nas relações interpessoais, trazendo situações conflitantes e prejudiciais aos HMR (Powell, 2005).
Alguns trabalhos destacam que práticas violentas estão mais presentes quando a masculinidade é posta à prova por meio de situações que são compreendidas como “desafios” (Higate, 2000 ; Leal, 2010). Esses desafios envolvem tanto a noção de corpo masculino, que deve demonstrar seus atributos de força física, quanto a capacidade de resolução de problemas. O masculino está relacionado à defesa da honra e à disputa física das capacidades pessoais, culminando em impactos negativos na sociabilidade dos HMR, na dificuldade de relacionamento e na relutância em buscar/aceitar auxílio (Leal, 2010). Dessa forma, a população masculina maximiza sua permanência e relação com as ruas, o que pode ocasionar, em alguns casos, uma romantização do contexto em que vivem (Higate, 2000 ; Leal, 2010).
As práticas de masculinidades não se limitam aos corpos masculinos no contexto das ruas, pois mulheres cisgêneros moradoras de rua criam estratégias a partir dessas práticas como forma de proteção e segurança, tais como: simulacro de masculinidade, ausência de gênero e “butch”/“femme”. Essa adaptação acontece principalmente pela linguagem de sobrevivência e proteção nas ruas, que prioriza a agressão física e verbal, ligadas ao masculino (Huey; Berndt, 2008 ; Leal, 2010).
Masculinidades e relações de violência nas ruas
Identificou-se a relação entre violência e masculinidade, sendo que no contexto da rua os homens são atores e alvos de atos violentos, sejam estes físicos ou de outras naturezas (Allison; Klein, 2021 ; Kennelly, 2020 ; Leal, 2010). Tratando-se dos HMR como alvos de violência, pode-se identificar duas situações: o próprio autor da cena é uma pessoa moradora de rua (Kennelly, 2020 ; Leal, 2010); e o autor é um sujeito pertencente a outro grupo social (Allison; Klein, 2021 ; Kennelly, 2020).
A vivência na rua é ditada pelo controle dos espaços e pelas lutas por territórios, formas de resistência e estratégias de sobrevivência (Allison; Klein, 2021). As experiências dos HMR são moldadas por aspectos de gênero e classe, aliadas a uma demonstração da masculinidade no espaço urbano sob condições de extrema vulnerabilidade (Kennelly, 2020). Assim, os homens buscam estratégias como “atacar para se defender”, bem como desempenham atributos entendidos como valentia e coragem, sustentados nas violências físicas e/ou verbais (Leal, 2010). Entretanto, alguns trabalhos apontam que HMR desafiam e contrapõem os ideais masculinos hegemônicos, com manifestação de cuidado e solidariedade (Allison; Klein, 2021 ; Kennelly, 2020).
Em relação às violências sofridas pelos HMR, outros grupos sociais tendem a manifestá-las por meio de violência discriminatória como forma de “ação corretiva” a esse grupo vulnerável, para se diferenciar e reforçar os seus ideais de masculinidade (Allison; Klein, 2021). O comportamento agressivo direcionado aos HMR também é perpetrado por agentes de segurança (Kennelly, 2020), pelo poder de controle ao acesso e permanência em espaços considerados impróprios para homens cujo comportamento e existência são percebidos como desafiantes aos ideais de masculinidades vigentes na sociedade (Allison; Klein, 2021).
Por outro lado, entre a PMR, as masculinidades também são reafirmadas por meio de atos violentos praticados como uma afirmação da honra masculina, já ferida e ameaçada pela condição atual (Leal, 2010). Ainda nesse contexto, a “dureza” masculina, como técnica de violência para o controle corporal, muitas vezes se demonstra necessária para a sobrevivência desses sujeitos nas ruas (Kennelly, 2020). Dessa maneira, pode-se perceber como o corpo, através da exacerbação de atributos de força física, reforça e cria valores associados ao masculino nas ruas (Leal, 2010). Além disso, a territorialidade, compreendida como o controle do espaço público, perpetua essas violências internas, pois os espaços mais “confortáveis” e valorizados são disputados pelos grupos formados entre a PMR como afirmação de poder, controle e para sobrevivência (Kennelly, 2020).
Destaca-se que o contexto de vulnerabilidade social contribui para o agravamento dos códigos violentos entres os HMR. Tais lógicas podem servir para reinscrever e reforçar a posição marginalizada dessa população, expondo-a a extremos de violência e deixando-a suscetível à criminalização (Kennelly, 2020).
Masculinidades entre homens moradores de rua: percepções de liberdade e encarceramento
A vivência nas ruas está fortemente atrelada às trajetórias do encarceramento. Identificou-se uma relação entre as experiências vividas, contexto familiar e condições sociais da PMR com o encarceramento (Adler, 2021 ; Umamaheswar, 2022). No que se refere aos HMR dos estudos, aponta-se para uma infância e adolescência marcadas por reprodução precoce dos ideais de masculinidade em decorrência de vivências traumáticas, abusivas e conflitos familiares, além de ausência de uma figura paterna. Diante desses fatores, eles encontram nas ruas e na reprodução de ideais de masculinidade formas de “bem-estar”, de sentir-se “homens” e livres (Adler, 2021 ; Umamaheswar, 2022).
Observou-se que há relação entre masculinidades, ida para as ruas e encarceramento quando os homens jovens que não alcançam ideais de provedor e chefe de família ou ainda têm orientação sexual homossexual são expulsos de casa, ficando em situação de rua e suscetíveis à prática criminosa de forma reiterada para seu sustento (Umamaheswar, 2022). Esse contexto é nomeado como “instabilidade libertadora”, pois os homens jovens encontram na prática de infrações legais um refúgio que permite a sobrevivência e sustento, além de se reconhecerem em um ideal de masculinidade. Embora as infrações legais permitam o alcance de independência e do ideal masculino, também os deixam susceptíveis ao encarceramento (Adler, 2021 ; Umamaheswar, 2022).
A falta de autonomia no cárcere e a imposição de regras limitam a liberdade e a manutenção do ideal de masculinidade, uma vez que esta é associada à detenção de poder. Para os homens, a construção da masculinidade libertadora justifica sua escolha à rua em detrimento aos abrigos, relacionado ao cárcere, visto que nas ruas eles podem ser “livres” e “ser homens” (Adler, 2021 ; Umamaheswar, 2022). Entretanto, a ida para as ruas também está vinculada ao estigma da condição de ex-presidiário no contexto social amplo e familiar (Adler, 2021).
Masculinidades e paternidade entre homens moradores de rua
O exercício da paternidade se caracteriza como um dos grandes obstáculos vivenciados por HMR. A forte tensão de gênero envolvida nesse contexto aliada à incapacidade de cumprir as normas sociais prescritivas de paternidade afetam, diretamente, o bem-estar psicológico e as relações familiares e sociais desses sujeitos (Roche; Barker; Mcarthur, 2018; Schindler; Coley, 2007; Stokes; Cryer-Coupet; Tall, 2020).
A paternidade entre os HMR está relacionada e influenciada pelos ideais de masculinidades vigentes na sociedade, com a figura paterna representando o “provedor da família”, “líder”, “exemplo para os filhos”, “trabalhador” (Liu et al., 2009 ; Roche; Barker; McArthur, 2018; Schindler; Coley, 2007; Stokes; Cryer-Coupet; Tall, 2020). Mediante as vulnerabilidades dos HMR, esse exercício da paternidade é algo intangível, gerando sofrimento (Alschech; Begun, 2020 ; Rice et al., 2017 ; Schindler; Coley, 2007).
Nesse sentido, os HMR sentem-se inferiorizados, desprezados e incapazes, tendendo a se distanciar do envolvimento familiar com seus filhos, bloqueando o acesso à sua vida como forma de ocultar suas dificuldades de sustentação do ideal de masculinidade (Liu et al., 2009 ; Roche; Barker; McArthur, 2018; Schindler; Coley, 2007; Stokes; Cryer-Coupet; Tall, 2020). Por outro lado, ocorre a reconstrução dos ideais de paternidade entre alguns HMR, atribuindo-se a novas funções como: passar tempo de qualidade e prover apoio emocional aos filhos. Entretanto, essa mudança não cessa a sensação de falha como “provedor”, sendo a paternidade “adaptada” vista como menos valiosa, pois não supre as expectativas sociais associadas aos ideais de masculinidade (Rice et al., 2017 ; Stokes; Cryer-Coupet; Tall, 2020).
Estigmas e desafios no processo de busca pela masculinidade hegemônica nas ruas
Identificou-se nos estudos que os HMR passam por um processo de auto descrédito sobre sua condição masculina, o que os coloca numa posição de hostilidade nas relações sociais para compensar essa percepção e sobreviver nas ruas (Dej, 2018; Docka-Filipek, 2017; Nonn, 1995 ; Rose; Johnson, 2017). A luta por uma identificação ao ideal de masculinidade revela uma significativa tensão na saúde física e mental desses homens. Percebeu-se duas vias: a tentativa de aproximação da masculinidade hegemônica (agudização da violência, autossuficiência e poder); e a busca por uma masculinidade versátil ou compensatória (estratégias de justiça de gênero) (Dej, 2018; Koch; Scherer; Holt, 2018 ; Lorentzen, 2017 ; Nonn, 1995 ; Rose; Johnson, 2017).
Alguns trabalhos apontam que os HMR buscam alinhar-se a valores e comportamentos hiper masculinos para compensar suas vulnerabilidades. Assim, as relações passam a ser pautadas em uma “masculinidade exacerbada” e violenta e, em alguns casos, reiteram e reforçam a posição marginalizada desses sujeitos (Kennelly, 2020 ; Dej, 2018; Koch; Scherer; Holt, 2018).
Por outro lado, observou-se uma negociação frente aos ideais vigentes, com menor ênfase na violência física e necessidade de poder, caracterizada por uma “masculinidade compensatória”. Entretanto, são mantidos alguns comportamentos que reforçam aspectos tradicionais para manter um mínimo senso de “ser homem”, tais como: culpabilização de mulheres pelo sofrimento mental vivenciado, negação da necessidade de cuidado, objetificação das mulheres no contexto da rua, em especial as trabalhadoras do sexo (Koch; Scherer; Holt, 2018 ; Lorentzen, 2017 ; Rose; Johnson, 2017).
Masculinidades como determinante social de saúde nas ruas
Notou-se que aspectos relacionados às masculinidades são agravantes da situação de saúde dos HMR, principalmente os que são baseados em masculinidades hegemônicas (Garapich, 2011; Genuchi, 2019 ; Kennedy et al., 2013 ; Ordóñez, 2005; Rose; Johnson, 2017). Práticas que endossam masculinidades têm como percepção a representação de força e capacidade física como condição inerente ao “homem”, fazendo com que eles se sintam, de certa forma, imunes e invulneráveis a doenças e enfermidades (Kennedy et al., 2013 ; Ordóñez, 2005).
Identificou-se que há frequentes brigas, agressões, explosões de raiva, com impacto na saúde física desses homens (Garapich, 2011). Além disso, eles estão mais suscetíveis a comportamentos de risco em saúde, como: uso abusivo de álcool e inalantes, comportamento sexual de risco e ideias suicidas (Brown et al., 2013 ; Garapich, 2011; Kennedy et al., 2013 ; Kennelly, 2020 ; Ordóñez, 2005).
Os HMR mais identificados com os ideais de masculinidade hegemônicas tendem a ter um comportamento sexual de maior risco, estando mais suscetíveis a infecção por HIV em detrimento daqueles com menor identificação às referências da masculinidade (Brown et al., 2013 ; Kennedy et al., 2013 ; Ordóñez, 2005). As construções de masculinidades também reforçam a noção de que os HMR são capazes de resolver todos os seus problemas sozinhos, culminando em agravamentos dos problemas de saúde e atos suicidas, visto a dificuldade para buscar auxílio (Genuchi, 2019 ; Higate, 2000).
Podemos associar todos esses pontos críticos da saúde desses indivíduos com o grande agravo circunstancial: ao verem seus corpos masculinos como “inabaláveis”, esses homens hesitam em procurar auxílio de profissionais da saúde, gerando possível acúmulo de enfermidades que seriam tratadas com mais tranquilidade ou o aparecimento de problemas de saúde mais graves (Higate, 2000 ; Kennedy et al., 2013 ; Ordóñez, 2005). Os HMR reconhecem tais práticas e pensamentos como um estilo de vida das ruas, ignorando suas susceptibilidades e arriscando-se em um contexto violento e insalubre que, pelas condições estruturais, são condicionados a viver (Garapich, 2011).
É importante ressaltar que os estudos incluídos na presente revisão de escopo, em relação aos determinantes sociais de saúde, indicam de maneira tímida os marcadores sociais da diferença em relação às questões étnico-raciais, o que aponta para uma lacuna das mais importantes, tendo em vista como essa dimensão da vida social tem relações diretas com as experiências de exclusões e desigualdades, não apenas no campo da saúde. Conforme os efeitos desses marcadores tornam-se mais complexos e as nuances da temática da masculinidade entre a PMR ficam mais compreensíveis, indica-se a necessidade de atenção especial referente a esse ponto nos estudos com essa população.
DISCUSSÃO
Populações vulneráveis são grupos de pessoas que enfrentam maior risco de sofrer danos, discriminação ou exclusão social devido a fatores como idade, gênero, etnia, orientação sexual, condição socioeconômica, deficiência, entre outros (Siqueira; Hollanda; Motta, 2017). A PMR é um exemplo de população vulnerável, sendo que, ao mobilizarmos a temática das masculinidades, nota-se que, além das condições estruturais e econômicas que geralmente mobilizam os debates acerca desse grupo, aspectos específicos impactam as condições de vida e o processo de saúde-doença (Couto et al., 2023).
A PMR vem crescendo no Brasil e no mundo, devido às crises econômicas e sociais. Isso ocorre em países do norte e do sul global, entretanto, percebe-se que na literatura científica o segundo fica invisibilizado no cenário internacional de publicação. Nota-se que Austrália, Estados Unidos e Reino Unido e outros países desenvolvidos apresentam relatórios frequentes de monitoramento da população (OECD, 2017; Fitzpatrick et al., 2017; Henry, 2017; Homeleness in Australia; 2016). No Brasil, a iniciativa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que faz uma estimativa anual da PMR, é uma importante ferramenta, mas ainda muito incipiente, visto que os dados não permitem um diagnóstico preciso para intervenção por meio de políticas públicas (Natalino, 2022).
Conforme identificado nesta revisão, as práticas relacionadas às masculinidades são utilizadas como ferramentas de adaptação e sobrevivência no contexto da rua tanto por homens quanto por mulheres. Enquanto construção de gênero, tem-se uma divisão entre espaço público e privado, sendo o primeiro atrelado ao masculino (Okin, 2008). A vida na rua, mediante a precariedade de condições estruturais, bem como a falta de amparo do Estado na manutenção das necessidades básicas e na resolução de conflitos, faz com que integrantes dessa população tenham que resolver por conta própria suas necessidades (Campos, 2021).
Nota-se que tais mobilizações das práticas relacionadas às masculinidades, a depender do contexto e condições sociais, colocam em questionamento a existência delas enquanto categorias estáveis de homens e mulheres, ou seja, ao invés de características inatas, são construções sociais e localizadas, retiradas do cotidiano. Percebe-se que as práticas de masculinidades se alinham com a ideia da performatividade de gênero (Butler, 2013).
Apesar da existência de políticas públicas de saúde e assistência social voltadas para a PMR, percebe-se a ineficiência na abordagem desse grupo, principalmente na compreensão de fatores e necessidades cotidianas que estão atreladas a essas interações entre as pessoas que compõem a PMR, bem como na sua relação com pessoas que não estão nas ruas. Assim, acabam atuando somente em problemas agudos, como o atendimento de pessoas vítimas de violência e em situações graves de saúde (Couto et al., 2023)
Assim, a afirmação da masculinidade por meio de práticas violentas se configura como caminho alternativo quando vias compreendidas como mais legítimas para afirmação do masculino estão bloqueadas ou inacessíveis (Allison; Klein, 2021 ; Leal, 2010). Uma das principais questões enfrentadas nas ruas é a violência presente nesse espaço. São incontáveis os danos à integridade física, moral e social dos HMR (Garapich, 2011; Genuchi, 2019 ; Kennedy et al., 2013 ; Liu et al., 2009 ; Rose; Johnson, 2017).
Identificou-se a relação entre a PMR e a população privada de liberdade, com trânsito de homens entre esses grupos vulneráveis e a necessidade de serem provedores da família e responsáveis pelo sustento desse núcleo. Isso, associado com as faltas de oportunidades, crises sociais e ausência de políticas sociais efetivas, foi apontado como fator determinante para o envolvimento em atividades ilícitas (Adler, 2021 ; Umamaheswar, 2022).
Nesse sentido, tem-se uma situação dupla, identificada na literatura: 1. Os padrões de gênero e discriminações fazem com muitas pessoas sejam direcionadas para as ruas e nelas cometam crimes, sendo encarcerados (Campos; Moretti-Pires, 2018 ; Adler, 2021 ; Umamaheswar, 2022); 2. Homens encarcerados, ao saírem da prisão, são estigmatizados e têm dificuldades de reintegrar-se na sociedade e vão para as ruas por falta de recursos ou incapacidade de voltar a ser provedor das suas famílias (Adler, 2021 ; Umamaheswar, 2022). Assim, para os HMR, apesar das vulnerabilidades, a rua, em alguns momentos, tem um caráter de libertação das amarras sociais e padrões de masculinidades, apesar da exacerbação das violências (Campos, 2021; Andrade; Costa, Marquetti, 2014).
Outro aspecto identificado foi a relação HMR e paternidade. Estudos do campo da saúde debatem profundamente a necessidade de mudança do olhar dos homens acerca do processo de cuidado dos filhos por meio de uma paternidade ativa, com benefícios na saúde das crianças, famílias e para os próprios homens (Silva, 2019). No caso dos HMR, esse debate toma outra dimensão, visto que a situação atual de vulnerabilidade e pobreza coloca em questão o papel do provedor, sendo necessário negociar com as normas sociais. Nota-se que, em trabalho internacional, foi possível identificar que a situação vulnerável também mobilizou outras formas de paternar, pensando no cuidado e apoio ao desenvolvimento dos filhos. A paternidade para esses HMR surge como resposta ao estigma de incapacidade e pode dar um lugar de referência e poder para o(a) filho(a), ressignificando, assim, a perda de identificação com o masculino (Alschech; Begun, 2020).
No contexto brasileiro, os estudos e as políticas de saúde dos homens com ênfase na paternidade ainda invisibilizam essas especificidades em populações vulneráveis, em especial na população em situação de rua. Pode-se observar tal invisibilização na ausência de debate específico na literatura, bem como em materiais oficiais do Ministério da Saúde, como a “Cartilha para pais: como exercer uma paternidade ativa”, que trata da paternidade a partir de um “homem/pai médio” que não apresenta vulnerabilidades sociais (Brasil, 2018).
Por fim, identificou-se que os HMR se mobilizam para atingir ideais de masculinidade hegemônica, mesmo em situação de extrema vulnerabilidade. Apesar da precariedade desses movimentos dos HMR, eles permitem refletir sobre a profundidade das construções de gênero e do machismo em nossa sociedade enquanto aspectos transversais e constitutivos dos homens (Campos, 2021). Assim, essa masculinidade exerce uma função coercitiva também sobre os homens nos diversos contextos sociais.
Numa sociedade na qual o poder aquisitivo, a classe social e a cor da pele são marcadores que impactam nas vulnerabilidades sociais, observa-se que, quando se trata de discutir masculinidade, tanto pobres quanto ricos têm medo de ser “menos homem” ou “homem fracassado” (Silva Junior, 2022). Entretanto, homens marginalizados e moradores de rua, por serem compreendidos como desprovidos de masculinidades, não são reconhecidos como homens ideais. Assim, não raro, reproduzem comportamentos hiper masculinos como forma de compensação (Campos, 2021), o que gera impactos no processo saúde-doença desse grupo.
É amplamente reconhecido que a PMR enfrenta diversos problemas relacionados à sua saúde física e mental devido às vulnerabilidades que está submetida em seu cotidiano (Couto et al., 2023), embora políticas como os Consultórios na Rua, ou ainda o manual “Saúde da população em situação de rua: um direito humano”, reconheçam a necessidade de uma abordagem diferenciada, com ênfase no princípio da equidade, para um cuidado de saúde adequado e focada nos determinantes sociais de saúde, ainda que enfrentem desafios na sua implementação (Hallais; Barros, 2015 ; Brasil, 2014).
Apesar de não ser abordado nos artigos da revisão, destaca-se que a PMR é majoritariamente formada por homens negros e enfrenta uma série de desafios de saúde, incluindo a vulnerabilidade a doenças infectocontagiosas devido às condições precárias de higiene e moradia. Além disso, problemas na pele e nos pés são comuns devido à exposição constante ao ambiente urbano. A falta de acesso regular a cuidados odontológicos contribui para problemas bucais graves. Altos índices de adoecimento mental, muitas vezes relacionados ao estresse, traumas e falta de suporte social, também são prevalentes nessa população. O uso significativo de álcool e outras drogas adiciona complexidade aos problemas de saúde física e mental enfrentados por aqueles que vivem nas ruas. Esses desafios ressaltam a necessidade de intervenções abrangentes que abordem não apenas as condições de moradia, mas também forneçam serviços de saúde adaptados e suporte psicossocial (Couto et al., 2023).
No que tange às especificidades de saúde relacionadas às masculinidades, nota-se que os HMR compartilham as vulnerabilidades dos homens da população em geral, principalmente as relacionadas aos comportamentos de risco (Couto et al., 2023). Entretanto, as condições precárias de habitação, alimentação, acesso à água, acesso a cuidados de saúde, bem como o envolvimento e conflitos violentos por disputas nas ruas faz com que esse grupo tenha problemas mais graves e maior dificuldade de realizar cuidados em saúde (Campos, 2021).
No que tange ao comportamento sexual de risco desses homens, é necessário considerar as múltiplas restrições sociais, estruturais e culturais que estes apresentam ao se relacionar. A dificuldade de um relacionamento romântico nesse contexto se apresenta como um ponto-chave para justificar tais comportamentos. Embora exista uma idealização de um relacionamento fixo e estável, muitos desses sujeitos são incapazes de sustentar esse ideal, o que pode levá-los a ter um comportamento sexual de risco (Brown et al., 2013 ; Kennedy et al., 2013).
Por fim, as referências da masculinidade também impactam a saúde mental dos HMR. Sabe-se que as questões relacionadas a ida para a rua, bem como os processos vivenciados durante a vida nas ruas pelos homens, principalmente as que estão associadas às disputas nesse contexto, têm impacto direto na saúde mental (Campos, 2021). O fato de estarem em situação de vulnerabilidade, sujos e com mau cheiro, afeta a autoimagem, que, ao ser confrontada com ideias de masculinidade, provoca episódios de depressão e ideações suicidas (Mossato et al., 2022). Além disso, esse contexto de vulnerabilidade está associado a uma maior utilização de drogas lícitas e ilícitas entre os HMR (Fragoso, 2020; Campos, 2021).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta revisão de escopo, que teve como objetivo investigar os usos das masculinidades em estudos com as pessoas moradoras de rua, foi possível perceber que os ideais e práticas de masculinidade entre homens e mulheres nesse contexto atuam de forma transversal nas vivências, percepções e atitudes desse grupo populacional.
Verificou-se que os estudos abordam as masculinidades enquanto prática performativa nesse contexto, relacionando-as com atitudes e práticas de violência, em especial entre os homens. Além disso, constatou-se uma relação entre a vida na rua e a privação de liberdade, atravessado pelas construções de masculinidades, bem como dificuldades no exercício da paternidade entre esses homens.
Percebeu-se que há estigmas relacionados à condição atual de vida nas ruas que impossibilita a adequação a determinadas práticas de masculinidades, afetando a qualidade de vida e saúde dos HMR, pela exposição às violências, situações diversas de vulnerabilidade, negação da necessidade de atenção e cuidados em saúde, bem como a impossibilidade de exercício da paternidade ativa e do papel de provedor. Por fim, constatou-se que as normas sociais e as construções subjetivas ligadas ao masculino atuam como determinante social de saúde, trazendo prejuízos para a saúde os HMR.
No entanto, limitações e lacunas ainda são percebidas nessa temática. A presença de poucos estudos focados em abordar os impactos diretos das práticas de masculinidades com a saúde e possíveis agravos é um dos pontos críticos. Além disso, a concentração da produção em países do norte global e a pouca produção de trabalhos na América Latina e em outras regiões do sul global desperta alerta, visto que os ideais de masculinidade, bem como as características da PMR, variam mediante a situação socioeconômica e cultural.
Dessa forma, encoraja-se a realização de novas pesquisas, principalmente para compreensão das construções de masculinidades no contexto das ruas e suas influências nas trajetórias de vida e no processo de saúde e doença dessa população no contexto brasileiro e do sul global. Além da necessidade de mais estudos, faz-se urgente a criação de estratégias e políticas públicas como tentativa de minimizar os prejuízos das masculinidades na vida desses homens e mulheres moradores de rua.
Por fim, aponta-se como limitações da presente revisão a circunscrição das bases de dados, visto que pesquisas de outros contextos, principalmente do sul global, podem estar disponíveis em outros repositórios. Além disso, o enfoque em aspectos amplos das masculinidades como um primeiro passo para incluir a temática no debate científico nacional, pode ser limitador no olhar das especificidades dos homens da PMR brasileira, bem como a relação masculinidades e saúde.
Correspondência Dalvan Antonio de Campos Universidade do Planalto Catarinense - Sala 2 PPGAS/UNIPLAC. Av. Mal. Castelo Branco, 170. Lages, SC, Brasil. CEP 88509-900.
Autoria SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS
You have requested "on-the-fly" machine translation of selected content from our databases. This functionality is provided solely for your convenience and is in no way intended to replace human translation. Show full disclaimer
Neither ProQuest nor its licensors make any representations or warranties with respect to the translations. The translations are automatically generated "AS IS" and "AS AVAILABLE" and are not retained in our systems. PROQUEST AND ITS LICENSORS SPECIFICALLY DISCLAIM ANY AND ALL EXPRESS OR IMPLIED WARRANTIES, INCLUDING WITHOUT LIMITATION, ANY WARRANTIES FOR AVAILABILITY, ACCURACY, TIMELINESS, COMPLETENESS, NON-INFRINGMENT, MERCHANTABILITY OR FITNESS FOR A PARTICULAR PURPOSE. Your use of the translations is subject to all use restrictions contained in your Electronic Products License Agreement and by using the translation functionality you agree to forgo any and all claims against ProQuest or its licensors for your use of the translation functionality and any output derived there from. Hide full disclaimer
© 2024. This work is published under https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/ (the “License”). Notwithstanding the ProQuest Terms and Conditions, you may use this content in accordance with the terms of the License.
Abstract
Nesta revisão objetivou-se investigar e sintetizar o que há na literatura científica sobre as relações entre as masculinidades e as pessoas moradoras de rua, com enfoque em relações sociais, trajetória e processo saúde-doença. Foi feita uma busca sistemática em dez bases de dados com os descritores: “Masculinities”, “Hegemonic Masculinities”, “Gender Identity” e “Homeless Persons”, “Homeless, Roofless” e “Houseless”. Obteve-se 2.459 resultados, com 25 referências finais após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, compostas em grande parte por estudos internacionais. Identificou-se seis temas-chave: Masculinidade enquanto prática performativa nas ruas, Masculinidades e relações de violência nas ruas, Masculinidades entre homens moradores de rua: percepções de liberdade e encarceramento, Paternidade dos homens moradores de rua, Estigmas e deságios no processo de busca pela masculinidade hegemônica nas ruas e Masculinidades como determinante social de saúde nas ruas. A revisão aborda as influências das masculinidades entre a População Moradora de Rua (PMR), destacando sua transversalidade nas vivências e atitudes do grupo, e explora a relação entre masculinidades e violência, os desafios na paternidade e os estigmas ligados à condição de vida nas ruas e impactos na saúde. Conclui-se que as normas sociais relacionadas ao masculino atuam como uma forma de se adaptar as vidas nas ruas, mas influenciam negativamente no processo saúde-doença da PMR, em especial dos homens.