Introdução
A pandemia da covid-19, causada pelo SARS-CoV-2, levou os países a adotarem medidas de saúde pública para evitar a propagação do vírus. Entre essas medidas se destacou o confinamento (lockdown), como “um estado em que há uma combinação de medidas para reduzir as interações sociais, tais como distanciamento social, uso obrigatório de máscaras, restrição de horários de circulação, suspensão do transporte, fechamento de fronteiras etc.” (Sánchez Villena; La Fuente-Figuerola, 2020 , p. 74).
Tais medidas buscavam evitar a disseminação da covid-19, mas tiveram impactos sociais, psicológicos, econômicos e familiares na vida das pessoas; e suas implicações foram diferentes conforme a população, em especial as populações historicamente discriminadas, marginalizadas e socialmente estigmatizadas, como as pessoas de orientação sexual e identidades de gênero diversas. Nesse cenário observa-se que “a covid-19 tem um impacto desproporcional na vida das pessoas LGBT. Salvo algumas exceções, a resposta à pandemia reproduz e exacerba os padrões de exclusão social e violência” (ONU, 2020a, p. 1). Da mesma forma, “os efeitos também são observados no âmbito social, como a discriminação, as consequências no trabalho ou a inclusão social... muitos desses impactos também têm um efeito simbólico e cultural associado à identidade” (Beristain, 2010, p. 14). Portanto, a abordagem dos efeitos psicossociais focaliza o olhar sobre os fatos considerando as mudanças provocadas tanto na vida da população quanto nas redes de apoio social, familiar e comunitária, na vivência pessoal e coletiva, entre outras questões (Beristain, 2010).
Nesse contexto, a população com identidades de gênero e orientações sexuais diversas são mais suscetíveis à vulnerabilidade, especialmente a vulnerabilidade social que tem dois componentes explicativos segundo a Cepal (2002). Por um lado,
inseguridade e desamparo que as comunidades, famílias e indivíduos vivenciam em decorrência do impacto provocado por algum tipo de evento socioeconômico de caráter traumático. Por outro, a gestão de recursos e as estratégias de enfrentamento utilizadas pelas comunidades, famílias e indivíduos para lidar com os efeitos de tal evento (2002, p. 11).
Nesse cenário, a pandemia da covid-19 teve um maior impacto nas pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade econômica e social, porque o confinamento e o isolamento social implicaram perda de privacidade para a população LGBT, que teve que revelar sua orientação sexual ou identidade de gênero para a família. Embora necessárias, as medidas de distanciamento trouxeram impactos negativos para a saúde mental e o bem-estar da população LGBT, que já enfrentava estruturas e vulnerabilidades sistêmicas, especialmente os idosos de orientação sexual ou identidades de gênero diversas que têm maiores níveis de isolamento social e solidão (Krause, 2021).
Além disso, a população LGBT lidou com dificuldades econômicas causadas pelo desemprego em decorrência do fechamento de serviços e atividades consideradas não essenciais, somadas a múltiplas barreiras de acesso ao mercado de trabalho enfrentadas pelas pessoas de identidades de gênero não heteronormativas. Cabe ressaltar também, em termos biológicos, que essa população tem um maior risco de alteração de seu estado de saúde física e de gênero, considerando que na América Latina as pessoas de orientação sexual e identidade de gênero diversas apresentam maior prevalência de desenvolver doenças subjacentes, como diabetes, doenças cardíacas, asma e HIV/aids (Bekker et al., 2018 ; Loscalzo et al., 2008).
Portanto, observa-se impactos negativos no bem-estar geral da população LGBT tanto nas interações sociais quanto nos aspectos econômicos, no acesso à alimentação ou no uso de substâncias psicoativas, incluindo o álcool. Sánchez et al. (2020) apontaram que muitos participantes de seu estudo enfrentaram dificuldades para manter suas necessidades básicas, como alimentação, aluguel, e tiveram diminuição da jornada de trabalho e aumento da necessidade de ajudar familiares ou colegas que estavam desempregados. Para os autores, a covid-19 gerou rupturas generalizadas nos recursos econômicos, nas redes sociais e nos serviços de saúde.
Dessa forma, a vulnerabilidade e os efeitos psicossociais estão intimamente relacionados, na medida em que
o impacto é maior quando o evento é repentino, prolongado, repetitivo, maciço e intencional. Todas essas características aumentam a vulnerabilidade individual, limitam as possibilidades de se preparar ou lidar com os acontecimentos ou são devastadoras por si só, porque afetam todas as esferas da vida (Beristain, 2010, p. 16).
Assim, a pandemia da covid-19 e, por consequência, as medidas de enfrentamento adotadas pelos governos para controlar e diminuir a disseminação da doença geraram uma série de impactos nas comunidades, intensificando situações de desigualdade social, causadas pelos fatores de vulnerabilidade relacionados, entre outros, à população LGBT (Mendoza-Pérez, 2021).
A complexidade que emergiu na pandemia da covid-19 para a população LGBT deve ser considerada a partir de uma abordagem interseccional, pois, diferentemente de outros grupos populacionais, um ambiente homofóbico pode ser um determinante da saúde, causando “estresse das minorias sexuais” (Cortes Salinas et al., 2019). Estudo realizado por esses autores apontou que uma atuação inadequada da equipe de saúde em relação à população LGBT impacta em qualidade, oportunidade e humanização da assistência a essa população. Para esses autores, um dos elementos que favoreceram essa situação foi a falta de percepção dos membros da equipe de saúde da existência de diversas formas de expressar, transitar e se identificar com os gêneros, bem como múltiplas formas de compreender e vivenciar a sexualidade. Esta é apenas uma das situações enfrentadas pela população LGBT nos serviços de saúde, situações estas que se intensificaram na emergência de saúde da pandemia da covid-19 (Krause, 2021 ; Mendoza-Pérez, 2021 ; ONU, 2020b).
Dessa forma, a Organização das Nações Unidas afirma que
Em todas as latitudes, as pessoas LGBT estão desproporcionalmente representadas entre os mais pobres, sem assistência médica, tornando-as mais vulneráveis a esta pandemia [...]. Essas experiências de desigualdade e discriminação são intensificadas por deficiência, idade, etnia/raça, gênero (ONU, 2020b , p. 4).
Este artigo analisa a impacto psicossocial da pandemia da covid-19 para a população LGBT residente na Colômbia para identificar as desigualdades relacionadas à orientação sexual e identidades de gênero não heteronormativas, bem como fatores relacionados à interseccionalidade que explicam uma maior vulnerabilidade dessa população à covid-19.
Metodologia
Este artigo trata de um estudo exploratório misto, já que permite a integração de metodologias quantitativas e qualitativas para gerar uma aproximação ao objeto de estudo. Utilizou-se o método explicativo, cujos resultados qualitativos foram aplicados para explicar os resultados quantitativos; a ordem nas etapas de desenvolvimento do estudo foi da quantitativa para a qualitativa, buscando identificar as relações entre ambas.
Na etapa quantitativa foi aplicado um questionário online elaborado pelos pesquisadores para identificar as características sociodemográficas da população LGBT e conhecer as situações psicossociais nos âmbitos comunitário, familiar e de trabalho que vivem as pessoas LGBT na Colômbia durante o lockdown na pandemia da covid-19. Essa técnica permitiu “coletar dados sobre uma ampla variedade de temas, além disso, as informações são coletadas de forma padronizada por meio de um questionário (instruções iguais para todos os participantes, formulação idêntica das perguntas, etc.), que permite comparações intragrupais” (Casas Anguita; Repullo Labrador; Donado Campos, 2003 , p. 528).
Na etapa qualitativa foram criados grupos de discussão, os quais ocorreram virtualmente, assim como o questionário, uma vez que as informações foram coletadas durante os meses de lockdown na Colômbia.
A amostra do estudo foi composta por pessoas que se autoidentificavam lésbicas, gays, bissexuais e transgênero, residentes na Colômbia, que representam aproximadamente 501 mil pessoas de orientação sexual e identidades de gênero diversas segundo o Departamento Nacional de Estatística (DANE, 2022). Foi selecionada uma amostra não probabilística e por conveniência, uma vez que os participantes do estudo foram escolhidos por pertencerem ao público-alvo do estudo e não por terem sido selecionados por critério estatístico. Para tanto, o estudo foi divulgado nas redes sociais de várias organizações que atuam com a população LGBTI na Colômbia, bem como por mensagens de texto, WhatsApp e e-mails encaminhados ao público-alvo do estudo.
Para analisar os dados quantitativos foram utilizadas planilhas (Excel), sendo realizada uma análise estatística descritiva das variáveis incluídas no questionário. Por sua vez, os dados qualitativos coletados nos grupos de discussão passaram por uma análise de conteúdo com base em uma matriz de categorias para identificar as experiências dos participantes e as situações-alvo descritas.
Quanto aos aspectos éticos, a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Integridade em Pesquisa da Corporação Universitária Minuto de Dios (UNIMINUTO). Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, e foram informados sobre os objetivos, o escopo da pesquisa e os potenciais benefícios e riscos da participação neste estudo. Cabe destacar que as pesquisadoras não solicitaram dados pessoais para comprovar a identidade dos participantes, resguardando assim o anonimato e o sigilo dos dados coletados.
Caracterização sociodemográfica da população LGBT
Participaram 219 pessoas LGBT deste estudo, sendo que a maioria era gay (59%); seguida por heterossexuais (17%), que correspondiam a pessoas transgênero; bissexuais (16%) e, por fim, lésbicas (8%). A média de idade foi 30 anos, sendo a idade mínima de 17 anos e a máxima de 68 anos (Quadro 1).
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Quadro 1 Caracterização sociodemográfica da população LGBT participantes do estudo
Em relação à nacionalidade dos participantes, apesar da maioria ser colombiana (92%), observa-se que 7% são venezuelanos e 1% tem outra nacionalidade. Quanto aos migrantes venezuelanos, 40% estão em situação irregular na Colômbia, enquanto 60% estão em situação regular. A partir de 2016, o fluxo migratório misto para a Colômbia proveniente da Venezuela aumentou consideravelmente (Grupo Banco Mundial, 2018). Em 31 de agosto de 2021, 1.842.390 venezuelanos residiam na Colômbia (Migración Colombia, 2021).
Quanto à relação afetivo-sexual, 56% afirmam que não têm parceiro, 43% têm parceiro afetivo e o restante (1%) possui mais de um parceiro.
Impactos sociais e ocupacionais da covid-19 na população LGBT
Segundo o Departamento Nacional de Estatística (DANE, 2020), o desemprego aumentou 9,5 pontos percentuais devido à pandemia da covid-19 chegando a 20,2% em 2020, em comparação com 10,7% no ano anterior. Em outubro de 2021, o desemprego na Colômbia atingiu 11,8%, evidenciando uma melhora em relação à taxa do ano anterior. Os dados do DANE também revelam que a maioria da população colombiana está inserida no trabalho informal, que chegou a 47,0% no trimestre de maio a julho de 2020. Essa situação traz impactos negativos em relação aos aspectos sociais e trabalhistas das famílias no contexto da pandemia, porque o trabalho informal precisa ser presencial e não é viável realizá-lo remotamente.
Nesse cenário, 63% dos entrevistados tiveram impactos em suas atividades econômicas de alguma forma na pandemia da covid-19 comparados com 37% que não tiveram esse tipo de repercussão no âmbito de trabalho. Entre os que foram afetados, 66% ficaram desempregados com o fechamento de algumas atividades econômicas, especialmente de serviços, lazer e comércio, em decorrência das medidas de prevenção à disseminação da covid-19; situação que também foi evidenciada em outros estudos como na Encuesta Mexicana de Vivencias LGBT+ ante la covid-19 (“Pesquisa Mexicana de Experiência LGBT+ frente a covid-19”) (Mendoza-Pérez, 2021). Conforme relata um dos participantes: “Meu estabelecimento está fechado e só pode abrir quando passar a quarentena ou quando eles autorizarem a abertura de bares e clubes” (Homem, homossexual, 33 anos, Pereira, Colômbia).
Outro impacto foi a precarização no trabalho, que tem um componente subjetivo mencionado pelos indivíduos por meio de representações de riscos psicossociais, satisfação no trabalho e uso do conhecimento (Paugam, 2000). Essa situação foi relatada por 20% dos participantes em suas conversas: “Sim, meu trabalho foi muito afetado pelo alto risco de contrair covid-19, porque eu trabalho em um hospital” (Homem, homossexual, 33 anos, Manizales, Colômbia).
A precarização no trabalho também pode ser observada em ações de empresas no contexto da pandemia da covid-19, como na autorização de férias aos funcionários, na redução de salários ou no aumento das jornadas de trabalho.
Isso corrobora os dados fornecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) ao afirmar que “as pessoas LGBT e de gênero diverso empregadas no setor formal têm maior probabilidade de trabalhar em setores muito impactados pela pandemia, como restaurantes e serviços de alimentação, comércio, serviços de cuidados pessoais, educação do setor público, hospitais e trabalho sexual” (ONU, 2020b , p. 12).
Por outro lado, 14% dos entrevistados relataram uma redução drástica da renda familiar, afetando a qualidade de vida dessas famílias devido à perda do emprego de um ou mais membros do núcleo familiar. Em relação a essa questão, uma participante afirma: “Não estou assim, mas meus filhos que moram comigo estão desempregados há três meses” (Feminino, bissexual, 44 anos, Bogotá, Colômbia).
Portanto, as consequências sociais e trabalhistas provocadas pela pandemia da covid-19 foram muito complexas e vão além da perda do emprego, impactando diretamente nas condições de vida da população LGBT e suas famílias, levando a processos de precarização no trabalho dessas pessoas e da sociedade em geral. Essa situação torna o ambiente econômico ainda mais precário, aumentando a vulnerabilidade, a instabilidade salarial e previdenciária de pessoas de orientação sexual e identidades de gênero diversas, além de evidenciar as desigualdades que surgem entre os diversos grupos populacionais. Sobre esse aspecto, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos afirma que “a população LGBT tem maior probabilidade de ficar desempregada e viver na pobreza do que a população em geral” (OHCHR, 2020 , p. 2).
Impactos sociais e familiares da covid-19 na população LGBT
De acordo com Hobfoll (2002), o apoio social é um fator de proteção para a saúde, e a família é o espaço propício onde se recebe esse apoio, gerando ao longo do ciclo de vida seus próprios padrões e estratégias que definirão a dinâmica familiar. Esta, por sua vez, responderá às necessidades e demandas de seus membros, incluindo eventos estressantes que podem impactar seus membros, como aqueles que estão ocorrendo atualmente em decorrência da pandemia da covid-19. Nesse cenário, as famílias tomam medidas para fornecer a seus membros apoio emocional, cognitivo, material e econômico, dependendo de suas possibilidades, em resposta a esses riscos e com o objetivo de manter sua saúde física e mental (Olson et al., 1989).
Rede de apoio social e familiar da população LGBT
O apoio material, emocional, cognitivo, econômico ou de outro tipo pode ser obtido de várias fontes, principalmente do âmbito familiar e social para ajudar as pessoas a lidarem com diversas situações em suas vidas. No entanto, percebe-se que algumas populações enfrentam dificuldades com essas redes, como a população LGBT que sofre vulnerabilidades e estigma no acesso a serviços de saúde, seja porque o acesso implica múltiplas condições que acabam se tornando uma barreira, seja porque o serviço é diretamente negado ou, em algumas circunstâncias, é evitado pelo usuário por medo de sofrer violência, discriminação ou rejeição (Astles, 2020 ; Goldberg, 2020).
As redes de apoio social e familiar podem ser verificadas em termos de proximidade e de contato que os indivíduos têm com as pessoas que estão incluídas nessas redes. Nesse sentido, 45% da população LGBT entrevistada relata ter contato constante com sua rede de apoio, 41% informa ter contato próximo e 14% afirma que não tem relacionamento com familiares ou amigos. Conforme conta uma participante: “A relação com minha família não é muito boa, porque sou uma mulher transgênero e prefiro evitar conflitos” (Feminino, transgênero, 20 anos, Armenia, Colômbia).
Dessa maneira, as pessoas que não têm uma rede de apoio social e familiar (14% dos participantes) estão em situação de maior vulnerabilidade para enfrentar os impactos da pandemia da covid-19, já que “o impacto na saúde mental de uma epidemia é geralmente maior em populações que vivem em condições precárias, com poucos recursos e acesso limitado a serviços sociais e de saúde” (Ribot Reyes; Chang Paredes; González Castillo, 2020 , p. 7).
Neste estudo 53% dos participantes relatam que receberam apoio de outras pessoas LGBT, amigos ou familiares durante o período do lockdown; enquanto 47% delas afirmam que não receberam nenhum tipo de apoio, provavelmente porque não solicitaram considerando que em outra ocasião não contavam com essas redes ou porque o lockdown também restringiu as redes de apoio que uma vez tiveram, de tal forma que a população LGBT teve menos apoio social durante a pandemia (Moore et al., 2021).
Dinâmica social e familiar da população LGBT
A pandemia da covid-19, e suas medidas de prevenção e controle, trouxe diferentes impactos para a vida das pessoas devido a fatores sociais, econômicos, culturais ou individuais que enfrentam, evidenciando desigualdades sociais no enfrentamento a essa crise. Dessa maneira,
o impacto psicossocial pode superar a capacidade de enfrentamento da população afetada; espera-se que a prevalência de transtornos mentais e manifestações emocionais aumente conforme a gravidade da epidemia e o grau de vulnerabilidade da população (Ribot Reyes; Chang Paredes; González Castillo, 2020 , p. 6).
Nesse contexto, o impacto na população LGBT pode ser maior devido à ausência ou fragilidade da rede de apoio social e familiar, causando sintomas de ansiedade e depressão, além de uma maior prevalência de irritabilidade, preocupação, incerteza, solidão, incômodo, tédio, entre outros sentimentos, que são consideradas reações normais a uma situação atípica, como no caso da pandemia da covid-19. No entanto, isso também pode desencadear um número maior de conflitos sociais e familiares e, por vezes, manifestações com violência (Restrepo et al., 2021).
Os dados deste estudo revelam que 32% dos participantes relataram que tiveram discussões intensas, conflitos ou confrontos com pessoas próximas, como familiares e amigos, antes do lockdown, porcentagem que aumentou para 38% durante o lockdown. Essa situação pode ser explicada no fato de que algumas pessoas LGBT tiveram que retornar a seu lar de origem e/ou passaram a dividir a casa com outras pessoas devido ao desemprego ou redução na renda (Mendoza-Pérez, 2021 ; ONU, 2020b).
Esse cenário propicia a ocorrência de tensões e conflitos dentro das dinâmicas sociais e familiares trazendo impactos para a população LGBT, pois algumas estavam confinadas em ambientes hostis onde não recebiam apoio adequado (OHCHR, 2020 ; Molina, 2020), além da existência de uma série de fatores profissionais e individuais que podem influenciar nesses conflitos, como trabalho sexual, discriminação familiar ou perda da privacidade, conforme evidenciado no relato a seguir:
Eu tive que me mudar duas vezes. A primeira vez foi por problemas de convivência entre os moradores; muitos conflitos, até mesmo violência, porque eram muitas pessoas passando muito tempo confinadas. Era complicado. A segunda vez foi porque onde eu morava, os clientes podiam entrar no meu quarto, mas com a pandemia me proibiram levar visitantes, então isso prejudicou o meu trabalho e eu tive que me mudar (Homem, bissexual, 25 anos, Medelim, Colômbia).
Também cabe ressaltar que as pessoas LGBT estão propensas a um maior risco psicológico devido à rejeição, discriminação e estigma social que sofrem por sua orientação sexual e identidade de gênero não heteronormativa, o que pode desencadear ansiedade e depressão, além de sentimentos de medo e angústia diante da covid-19 e do isolamento provocado pela pandemia. Portanto, é necessário fortalecer as redes de apoio para mitigar o risco à saúde mental, incluindo ações de combate à discriminação contra pessoas LGBT em diferentes âmbitos sociais (Gobierno de México, 2021).
Impactos na identidade sexual e de gênero da população LGBT
O estigma social e a discriminação relacionados à diversidade sexual e à identidade de gênero fazem com que muitas pessoas LGBT não consigam assumir sua identidade sexual de forma livre, segura e voluntária em vários âmbitos de suas vidas, incluindo em casa, seja porque não revelaram sua identidade sexual ou de gênero, ou porque o fizeram, mas não receberam apoio de suas famílias (Salerno; Williams; Gattamorta, 2020 ; HRC, 2018). Estudos revelam que muitas pessoas, que eram independentes antes da pandemia, retornaram para seu lar de origem ou ficaram em casa por mais tempo por causa da pandemia da covid-19 (Suen; Chan; Wong, 2020). No entanto, embora “a maioria das pessoas considerem suas famílias de origem fonte de apoio social, para a população LGBT é muitas vezes no contexto familiar que sofrem violência e discriminação homofóbica” (Mendoza-Pérez, 2021 , p. 10).
Nesse contexto, 64% dos participantes afirmaram que receberam apoio de seus familiares, enquanto para 36% isso raramente ocorria, como evidenciado no relato a seguir: “Sim, minha família é homofóbica. Então, durante o período da quarentena eu tive que fingir ser algo que não sou para não criar situações desagradáveis, perdendo minha liberdade de expressão” (Homem, homossexual, 18 anos, Bogotá, Colômbia).
Para algumas pessoas LGBT, retornar para seu lar de origem significava um espaço inseguro, desconfortável e discriminatório, gerando conflitos e tensões familiares que, posteriormente, resultariam em aumento de ansiedade, depressão, pensamentos suicidas e intensificação de outros transtornos de saúde mental (Suen; Chan; Wong, 2020 ; Lea; De Wit; Reynolds, 2014). Essas situações podem indicar fragilidade nas redes de apoio familiar, pois contribuem em alguns casos para gerar conflitos ou tensões familiares quando os familiares não aceitam a identidade sexual de um de seus membros, causando na pessoa LGBT sentimentos de rejeição, angústia e ansiedade por não conseguir expressar livremente sua identidade sexual diante de seus familiares, especificamente quando ficaram confinados em casa e em contato permanente com a família.
Em relação ao exercício da sexualidade e da genitalidade, há pouca literatura sobre o tema. As poucas informações revelam que a intimidade e o bem-estar sexual da população LGBT tiveram impactos de diversas formas, incluindo a falta de privacidade em casa, o medo de encontrar parceiros sexuais e os riscos que isso implicava. Por isso, 56% dos 219 entrevistados evitaram ter relação sexual durante o lockdown, o que afetou uma das premissas mais importantes da dimensão sexual, como o direito ao gozo pleno, seguro, digno e responsável. Um participante afirma: “Eu sinto que estou controlado, quer dizer, não consigo sair para onde quero e os sites de sexo que eu costumava visitar não funcionam mais, e isso limita muito a minha sexualidade” (Homem, homossexual, 23 anos, Medelim, Colômbia).
Por outro lado, os participantes relataram que usaram mais as redes sociais ou meios virtuais para vivenciar seu erotismo, passando de 39% antes do lockdown para 42% durante esse período. No entanto, foi percebido um certo receio com o uso dessas ferramentas, principalmente relacionado à confidencialidade e segurança dos dados. Conforme um participante afirma:
Como podemos resolver o dilema de satisfazer nosso desejo erótico, genital, sexual na internet sem que essas fotos ou vídeos sejam vazadas, e quais são as orientações para o autoerotismo? (Homem, homossexual, 37 anos, Dosquebradas, Colômbia)
Outro aspecto apontado sobre a sexualidade foi o fato de que os espaços de socialização da população LGBT foram fechados durante o lockdown, incluindo locais onde mantinham relações sexuais como saunas, videotecas, cabines de internet, entre outros, levando a estratégias alternativas como as mídias virtuais.
Conclusões
Embora os impactos provocados pela covid-19 na saúde da população LGBT sejam semelhantes ao da população em geral, a população LGBT está em situação de vulnerabilidade sistêmica ainda maior diante dessa emergência sanitária e de seus impactos, principalmente os aspectos psicossociais, devido à discriminação e estigmatização historicamente sofridas por essas pessoas de orientação sexual e identidade de gênero diversas. Portanto, é necessário adotar uma abordagem interseccional que permita responder às necessidades específicas dessa população, reduzindo os níveis de desigualdade que aumentaram no contexto da pandemia.
Um dos âmbitos mais impactados pela pandemia foi o trabalho de toda a população, incluindo o das pessoas LGBT, que devido a fatores sociais e econômicos podem sofrer mais impactos do que outros grupos populacionais. Apesar de que a maioria dos participantes eram jovens, com níveis de escolaridade de médio a alto, eles sofreram impactos econômicos diretos ou indiretos, com o desemprego, precarização no emprego ou diminuição da renda familiar.
Além disso, a precarização das condições de trabalho influenciou o retorno da população LGBT ao seu lar de origem, trazendo perda da independência conquistada, submissão a normas e regras impostas no lar, diminuição de sua privacidade, adequação a padrões de comportamento exigidos, impactando em sua saúde mental e podendo desencadear situações de angústia, ansiedade, depressão, entre outras. Isso se deve a situações de discriminação no ambiente familiar, que devem ser estudadas e solucionadas, pois se tornam um dos principais fatores de vulnerabilidade psicossocial para a população LGBT.
Por outro lado, fica evidente como as redes de apoio social e familiar são uma das principais ferramentas disponíveis para que essa população enfrente situações de crise, como a causada pela covid-19. No entanto, observa-se que a rede de apoio familiar é mais precária, possivelmente devido a situações de discriminação mencionadas anteriormente, em comparação com a rede de apoio formada por amigos, que desempenha um papel fundamental na atenuação dos efeitos psicossociais da pandemia nessa população.
Correspondência Jair Eduardo Restrepo Pineda Carrera 45 número 22D - 25, barrio Zamora; Bello, Antioquia, Colombia. CP 051051
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© 2024. This work is published under https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/ (the “License”). Notwithstanding the ProQuest Terms and Conditions, you may use this content in accordance with the terms of the License.
Abstract
Este artigo analisa o impacto dos fatores psicossociais provocado pela pandemia da covid-19 em lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT) na Colômbia. Trata-se de um estudo exploratório misto, que utilizou dados qualitativos para explicar os dados quantitativos, com ênfase na interpretação das relações entre ambos. Para tanto, foram utilizados como instrumentos um questionário e grupos de estudo. Participaram do estudo 219 pessoas LGBT, sendo 18 lésbicas, 128 gays, 36 bissexuais e 37 pessoas transgênero. Os impactos psicossociais mais significativos associados à covid-19 foram relacionados a fatores econômicos (como desemprego e diminuição da renda familiar), conflitos familiares (como perda da privacidade da população LGBT que tiveram que retornar a seu lar de origem) e tensões nas relações sociais, gerando insegurança, medo e ansiedade nessa população durante o lockdown. Tais aspectos evidenciam um aumento da desigualdade social vivenciada por pessoas de orientações sexuais e identidades de gênero não hegemônicas durante a pandemia.