Résumé
Le présent article vise a analyser la transmodalisation intermodale de l'aria L'amour est un oiseau rebelle (1875) qui fait partie du premier acte de l'opéra Carmen de Georges Bizet, pour le vidéoclip de la chanson Carmen (2015) composée par Stromae. Pour ce faire, les deux chansons seront analysées en tenant compte de la signification que les deux auteurs ont donnée au concept d'amour dans leur production. De plus, nous avons observé la maniere par laquelle les éléments narratifs interagissent avec les éléments visuels du vidéoclip, en obtenant un nouveau média, avec de nouveaux sens.
Mots-clés : Carmen, intermédialité, multimodalité, transmodalisation intermodale
Resumo
O presente artigo tem por objetivo analisar a transmodalizaçao intermodal da ária L'amour est un oiseau rebelle (1875) contida na ópera Carmen de Georges Bizet para o videoclipe musical da cançao Carmen (2015) composta por Stromae. Para isso, as duas cançoes serao analisadas tendo por ponto de partida a significação que os autores deram ao amor em suas produçoes. Além disso, foi observado de que modo os elementos narrativos interagem com os elementos visuais do vídeo clipe, criando uma nova mídia, com novos sentidos.
Palavras-chave: Carmen, intermidialidade, multimodalidade, transmodalizaçao intermodal
Abstract
The objective of the present article is to analyze the intermodal transmodalization of the aria L'amour est un oiseau rebelle from Georges Bizet's opera Carmen (1875) to the music video of the song Carmen (2015) composed by Stromae. For that, the two songs will be analyzed for starting from point the meaning that the authors gave to love in their productions. Moreover, it was observed how the narrative elements interact with the visual elements of the music clip creating a new media, with new senses.
Keywords: Carmen, intermediality, multimodality, intermodal transmodalization
1. Introdução
Este artigo apresenta considerações sobre a transposiçao midiática da ária L'amour est un oiseau rebelle da ópera Carmen (1875), do compositor Georges Bizet para o videoclipe Carmen (2015) do cantor Stromae (nome artístico do músico belga Paul Van Haver). Para tanto, foram utilizados principalmente os conceitos teóricos de intertextualidade e intermidialidade.
É importante ressaltar que a ópera de Bizet é, na verdade, uma adaptaçao da novela Carmen que foi escrita em 1845 por Prosper Mérimée, sendo assim as duas obras estudadas representam adaptações. Quando Mérimée retratou a história da cigana Carmen, o tema estava em alta na literatura do século XIX; como exemplo, pode-se citar na literatura francesa a personagem Esmeralda, personagem do romance Notre Dame de Paris (1831) e, na brasileira, Capitu, personagem machadiana conhecida graças a seus olhos de cigana.
O enredo da novela pode ser resumido em poucas linhas: um arqueólogo narra os relatos de uma viagem que fez a Espanha buscando encontrar o sitio da batalha de Munda. Nesta viagem, o narrador-personagem encontra José Navarro, bandido perigoso e procurado pelos oficiais da regiao que relata ao narrador a trágica história de amor com a cigana Carmen.
Bizet se baseou nesta história para compor sua ópera homónima e, pode-se arriscar a dizer, sua obra conseguiu mais sucesso do que a antecessora. Ainda hoje Carmen é uma das óperas mais representadas no mundo destacando-se em seu libreto a famosa aria L'amour est un oiseau rebelle mais conhecida como Habanera de Carmen. É esta ária que se tornou objeto de adaptaçao para uma música pop eletrónica, intitulada Carmen e lançada no ano de 2013. Em seguida, em 2015, foi lançado o videoclipe da cançao, sendo este o principal objeto de análise deste artigo.
Para que a presente análise possa ser melhor estruturada, está dividida em duas partes. A primeira demonstra como o cantor Stromae usa os artifícios de intertextualidade para compor a cançao Carmen e expressar uma nova concepçao de amor para, em seguida, verificar como esses artifícios foram reutilizados em diálogos com a animaçao do videoclipe.
2. Intertextualidade: o amor em jogo
Se fosse necessário resumir a obra Carmen de Prosper Mérimée em apenas duas palavras, amor e morte poderiam ser as primeiras da lista. Se fosse preciso sintetizá-la em apenas uma sentença, a fala da personagem Carmen se adequaria perfeitamente: "nao penses mais em Carmencita, ou ela te fará desposar uma viúva de perna de pau". (Mérimée, 1845/2015: 309) Nesta frase, entende-se por "viúva da perna de pau" a "forca" ou "a viúva do enforcado", ou seja, ela prediz qual será o fim do seu amado, caso ele continue a procurá-la: a morte.
Dom José inicia sua carreira na polícia da cavalaria e, logo é promovido a sargento quando, por infortúnio do destino, conhece Carmen. Ele estava de guarda em uma fábrica de cigarros quando um crime ocorre logo após o almoço das funcionárias e fica encarregado de levar Carmen a prisao, pois ela é uma das suspeitas. Encantado pela moça, ele liberta a cigana alegando que ela o tinha imobilizado; por nao acreditar em sua história, os superiores de Dom José o rebaixam de posto. Depois de alguns encontros, Dom José se apaixona perdidamente pela boemia e acaba fazendo-lhe favores, como acobertar contrabandistas, para estar mais próximo dela e possuí-la. Completamente envolvido em sua relaçao com Carmen, um dia, Dom José acaba por assassinar um sargento e se torna fugitivo da polícia. Nao podendo mais trabalhar, ele decide pela vida de contrabandista e ladrao.
Desde o inicio, fica claro que Carmen nao ama Dom José como ele a ama; em suas falas, seu amor se apresenta inconstante, como parte de um jogo para seduzi-lo. Isso se mostra evidente no seguinte trecho: "Nao sei por que eu vim, pois nao te amo mais" (1845/2015: 310); um dia ela afirma seu amor, no dia seguinte nega. Sua inconstancia é transparente ao longo da narrativa: algumas horas depois de negar seu amor, Carmen procura Dom José para reatar a relaçao: "Devo amar-te mesmo, apesar de tudo, pois desde que me deixaste, nao sei o que é que tenho." (Mérimée, 1845/2015: 310).
Apesar de estar perto dela e levar o mesmo modo de vida, Dom José nao consegue aceitar a forma de amor que Carmen lhe dá, ele afirma que a ama e que deseja ser o único. O grande problema é que ao deixar a vida de oficial católico, ele ainda guarda antigos costumes. Dom José, ao se referir a Carmen, várias vezes associa sua imagem a de uma feiticeira ou de filha do diabo "Se há feiticeiras, aquela rapariga é uma delas!" (ibid.id: 306); "eu nao via uma só que valesse o diabo daquela rapariga" (Mérimée, 2015: 306). Nao é somente a personagem Carmen que é vista pela personagem dessa maneira, Dom José faz mençao a outras ciganas como verdadeiras servas de Sata, demonstrando assim, sua opiniao em relaçao a cultura gitana.
O amor na novela é tematizado através da oposiçao entre as personagens Dom José e Carmen, uma representa a cultura crista e a outra, a cultura cigana. Carmen possui o seu rom (marido), porém isso nao a impede de se envolver com outros homens e nao há indícios na novela de que para a cultura cigana isso seja amoral, como seria ter um amante para os principios cristaos. Por este motivo, Dom José assassina todos os outros romis de Carmen até nao suportar mais o fardo e terminar por assassinar a cigana. A narrativa se constrói criando um desfecho em que Dom José responsabiliza Carmen pelo bandido e assassino que se tornou, "bem sabes que foste tu que me perdeste; foi por ti que me tornei ladrao e assassino." (ibid. id.: 322). Carmen, por seu lado, prefere a morte a se ver presa a uma norma estabelecida pela sociedade de Dom José, e assim, seu rom tem direito de matá-la, "mas Carmen será sempre livre. Calli ela nasceu, calli há de morrer" (ibid. id.: 322).
Bizet se vale desta oposiçao para transpor a história para a ópera que se manteve muito fiel ao original, nao operando grandes mudanças no enredo. Hutcheon (2013: 206) comparando a ópera com a novela se questiona: "seria ela [Carmen] uma perigosa femme fatale ou uma admirável mulher independente?". Para esta autora, enquanto a novela a apresentou como uma femme fatale, como já foi demonstrado acima, a ópera dá a ela a voz de uma mulher independente.
A partir dessa dicotomia entre as concepções de amor, surge uma nova obra, desta vez baseada explícitamente na ópera de Bizet: Carmen, do compositor e músico belga Stromae. Esta música faz parte do álbum Racine Carée lançado no ano de 2013. Dois anos depois, o autor publica em sua conta do site Youtube o videoclipe da cançao. Esta animação é o principal objeto de análise deste artigo.
As duas obras, além de estarem inseridas em géneros diferentes, apresentam um grande intervalo temporal em sua concepçao (aproximadamente 140 anos), deixando evidentes questöes sociais diferentes da época em que ela foi lançada em relaçao a sociedade atual. Para Hutcheon (2013: 24), os adaptadores "fazem seleções que nao apenas simplificam, com também ampliam e vao além, fazem analogias, criticam, mostram seu respeito, e assim por diante", isto é visto na cançao Carmen de Stromae quando seu autor, a partir dos polos amor cigano e amor cristao, retrata uma nova concepçao do amor, desta vez abordando o amor as redes sociais.
As discussöes sobre a intertextualidade foram iniciadas na teoria literária, no entanto elas se ampliaram rapidamente para outras áreas de estudos, como por exemplo, a linguística. Tendo como base o conceito de dialogismo bakhtiniano de que todos os enunciados se relacionam com enunciados anteriores, Kristeva (2005) afirma que todo texto é um mosaico de citações sempre relacionado com um texto fonte, isto quer dizer que nenhum texto é completamente original. Genette (2010), em seus trabalhos, amplia os conceitos de intertextualidade, dividindo-o em dois tipos: explícita e implícita - explícita quando há mençao ao texto fonte do intertexto, seja através de citação, de aspas ou de referéncias, e implícita quando nao há mençao do texto fonte.
É possível dizer que a relaçao intertextual entre as duas obras citadas é explícita, pois ao nomear o título da cançao Stromae cita o texto fonte e, além disso, há a presença da intertextualidade melódica, pois a melodia é baseada na da ópera. Apesar de este artigo nao se debruçar sobre os aspectos melódicos e rítmicos das duas músicas, mas sim sobre suas letras, nao é possível ocorrer a dissociação completa, pois consoante Barbosa et al. (2003: 125-126), "ao pensarmos na intertextualidade em si, temos que nos deparar com o fato de que, sendo a música pertencente ao grupo das linguagens sonoras, ela possui como elemento sensorial básico o som". Sendo assim, é possível dizer que a segunda referencia intertextual da cançao está inserida no ritmo e na melodia.
Bakhtin (2003) definiu os generos textuais como enunciados que sao relativamente estáveis; neste artigo, quatro generos diferentes possuem suas próprias particularidades: o romance, a ária (ópera), a cançao e o videoclipe. A ária e a cançao, como genero, possuem certa semelhança estrutural. Costa (2002: 256) indica que "a cançao é um genero híbrido de dois tipos de linguagem, a verbal e a musical (ritmo e melodia)", a ária, por sua vez, nada mais é do que uma cançao recitativa que está dentro de um genero maior, como a ópera. Aproveitando-se das semelhanças estruturais que permeiam os dois generos, Stromae produziu a nova obra, utilizando várias figuras de linguagem, dentre elas: a comparaçao e o paralelismo.
Carmen, personagem da ópera, expressa no primeiro verso de sua cançao a liberdade que possui em relaçao ao amor, para ela "L'amour est un oiseau rebelle/ que nul ne peut apprivoiser"1, o que remete, neste momento, a concepçao de amor tratada inicialmente por Mérimée, o amor independente e livre que nao pode ser contido por nada.
Na segunda cançao, o amor possui ainda a imagem de um pássaro, no entanto desta vez ele é apresentado diferentemente, para Stromae "L'amour est comme l'oiseau de Twitter/ On n'est bleu de lui, seulement pour 48 heures2". A princípio, o compositor usufrui do logotipo da rede social Twitter, que é um pássaro azul, para propor a metáfora de um amor que é abusivo pelas redes sociais, além disso, a expressao etre bleu de quelqu'un, em frances belga, é uma expressao que indica estar apaixonado.
Nota-se em outro trecho da cançao que o amor também é apresentado como o filho da boemia nao conhecedor das leis, "l'amour est enfant de Bohéme/ il n'a jamais, jamais connu de loi3", entende-se entao que alguém que nao conhece as leis nao se deixa levar pelas ordens atribuídas, sendo assim, livre. Stromae joga também com a metáfora com a filiação do amor, porém para ele a relaçao é comercial "L'amour est enfant de la consommation, il voudra toujours, toujours plus de choix/ Voulez voulez-vous des sentiments tombés du camion/ L'offre et la demande pour unique et seule loi4". O vocabulario mercantil é reforçado através das palavras demande, offre e choix, além da expressao tombé du camion que remete a um objeto roubado pelas pessoas; pode-se entao entender que o amor, neste contexto, nao possui afeto, ele é como um negocio.
As duas comparações demonstradas até o momento sao capazes de ilustrar como Stromae utilizou a letra da ópera e sua ideia de amor para entao construir uma nova cançao. Vale lembrar que este artigo nao se debruça somente sobre os artificios textuais, visto que no ano de 2015 foi produzido um videoclipe da cançao que complementa a ideia do amor, acrescentando elementos multimodais que reforçam a critica social proposta pelo cantor. Fato que será discutido na próxima secçao deste artigo.
3.Multimodalidade e intermidialidade: o amor sob a perspectiva do videoclipe
O videoclipe é um genero que surgiu com a televisao e muito se popularizou graças a eclosao da plataforma Youtube. A prática de produzir videoclipes musicais aumentou grandemente, difundindo-se no meio artístico nos últimos anos. Bruning (2009) observa que a semiótica greimasiana considera todos os planos de expressao "como sendo repletos de conteúdo significativo" (Bruning, 2009: 35); sendo assim, o videoclipe é também um veículo que pode ser utilizado para construir diversas criticas que serao rapidamente difundidas por causa da plataforma onde está sendo divulgado.
O videoclipe Carmen foi lançado em 1o de abril de 2015 e atualmente conta com mais de sessenta milhöes de visualizações5. A história apresenta uma animaçao com duas personagens principais: o próprio cantor Stromae e um pássaro azul. Resumidamente, apresenta como enredo um passarinho azul que pousa na janela de uma criança e no decorrer de sua vida é afetado por causa do uso das redes sociais.
Para realizar a análise comparativa das duas mídias (cançao e videoclipe) foi utilizado um quadro sinóptico para evidenciar o diálogo entre a letra da música e a animaçao. Acredita-se que a critica proposta pelo cantor inicialmente na cançao é enfatizada através das imagens. Para a marcaçao de tempo, serao utilizadas aspas simples (') para se referir aos minutos e aspas duplas (") para a contagem de segundos. É importante ressaltar que doravante quando o nome Stromae é citado a referencia é a personagem da animaçao e, quando nos referirmos ao cantor, será utilizado o seu nome real: Paul Van Haver. Para fins metodológicos, destaca-se aqui que foi realizado um cotejo e o quadro compara apenas os primeiros segundos do videoclipe.
Observando-se a letra da cançao, pode-se constatar que o vocabulario da internet está sempre presente ao passo que na ária de Bizet nota-se um léxico voltado á exaltaçao do amor livre que a cigana Carmen demonstrava. Quando o amor exaltado por Bizet se transforma em um amor dependente de redes sociais, o vocabulario também é readequado e o videoclipe interage da mesma forma com o vocabulario através das imagens e das ações feitas por Stromae. Toma-se por exemplo, dos 18" aos 23", a sequencia de selfies em que a personagem passa da infancia para a fase adulta; paralelamente, a música também apresenta uma sequencia de fatos: primeiramente nos inscrevemos (em uma rede social); em seguida, seguimos os perfis de pessoas; tornamo-nos loucos por ela; por fim, terminamos sozinhos.
O pássaro também aparece influenciando a vida pessoal de Stromae. Enquanto a família o adverte (aos 37") para que ele tome cuidado, Stromae mexe sem parar em seu celular e nao percebe nem a proporçao da ave, nem que ela está vivendo a vida dele. Mais uma vez, tem-se a intertextualidade musical em relaçao a Habanera, a frase "prends garde á toi" é, nesse momento, repetida pela família no videoclipe e, na ópera, ela é recitada pelo coro de apoio, nao por Carmen. Sendo assim, pode-se notar que, ao compor a sua cançao, Paul Van Haver se preocupou tanto com a letra da ária quanto com o modo pelo qual ela foi encenada, transpondo estas características para o videoclipe.
De acordo com Clüver (2011), a intermidialidade implica todos os tipos de "inter-relaçao e interaçao entre mídias". Rajewsky (2015), aponta tres categorias de intermidialidade, a primeira, um sentido mais restrito da transposiçao; a segunda, um sentido restrito de combinaçao de mídias e a terceira, no sentido mais restrito de referencias intermidiáticas. A transposiçao de Carmen (ópera) para o videoclipe Carmen se encaixa na terceira definição, pois a autora acredita que as referencias intermidiáticas tem que ser "compreendidas como estratégias de produçao de sentido que contribuem para a significação total do produto: este usa seus próprios meios, seja para referir a uma obra individual especifica produzida em outra mídia [...], seja para se referir a um subsistema midiático especifico [...], ou a outra mídia como sistema". (Rajewsky, 2012: 25)
De fato, a adaptaçao de Paul Van Haver tramita entre duas mídias diferentes, a primeira uma ópera e a segunda um videoclipe. Jost (2006 apud Lima, 2013) definiu a intermidialidade como "um constante ir-e-vir de artes mistas em que as relaçoes permitem significativas trocas de linguagens e de saberes" (Jost, 2006 apud Lima, 2013: 182). Representar outra mídia proporciona ao videoclipe a possibilidade de atingir outros públicos, como os jovens de hoje. Há que expressar um significado maior a crítica as redes sociais - se a música composta por Paul estivesse em um outro genero, ou fosse cantada como ópera, talvez ela nao obtivesse tanto exito em sua crítica nos dias atuais.
Voltando a animaçao, nos primeiros minutos Stromae passou a sua vida sozinho. Juntamente a frase "L'amour est enfant de la consommation", o videoclipe traz uma personagem nova, uma menina que será a companheira de Stromae, no entanto logo percebe-se que o pássaro cria um problema entre os dois. Há uma mudança de cena, passando da praça local onde eles se conheceram para um quarto; ve-se que o casal está deitado na cama com o pássaro no meio deles, há uma briga entre os dois. Neste momento a animaçao dialoga diretamente com a letra da cançao: enquanto Stromae tenta se reconciliar com sua namorada, ele se aproxima dela e canta "mais j'en connais déjá les dangers, moi, j'ai gardé mon ticket et, s'il le faut je vais l'échanger moi6", continua apontando para o pássaro que está deitado na cama junto com o casal, "cet oiseau de malheur je le mets en cage, je le fais chanter moi7" e sorri, sua companheira, porém, nao aceita a promessa e vai embora.
Como já visto anteriormente, o videoclipé é um genero híbrido. Ele é também essencialmente multimodal, tendo em vista que trabalha com diversos modos (gestos, entonações, palavras, textos, etc.) e, além disso, diversas linguagens (oral, escrita, imagética, por exemplo). Mozdzenski (2013) considera que os videoclipes sao ótimos material's para investigar a multimodalidade, justamente por esse motivo; o pesquisador aponta um elemento intitulado "textos verbais acessórios" que sao "por exemplo, diálogos acidentais ou elementos textuais gráficos integrantes das imagens do próprio videoclipe" (Mozdzenski, 2013: 104). Aos 1'50" da animaęao, Stromae caminha por uma rua juntamente com o pássaro que o pega pelo bico e o coloca sobre suas costas, como se estivesse montando em um cavalo. O pássaro entao leva Stromae para um caminho em que, ao fundo, pode-se notar a presença de vários outdoors e cartazes. Segundo a teoria do autor citado acima, estes representam os textos verbais acessórios.
Estes elementos sao capazes de exemplificar como a multimodalidade se torna importante para construir a crítica proposta por Paul Van Haver. Nos cartazes estao escritas frases como "friend or follow", "free wifi"8 além de várias setas apontadas para a direçao a qual o pássaro está seguindo. Paralelamente as cenas, o ritmo da cançao possui um aumento na velocidade juntamente com a letra que repete os seguintes versos, intensificando, desta forma, o ritmo da cançao, "et c'est comme ça qu'on s'aime, s'aime, s'aime, s'aime. Comme ça, consomme, somme, somme, somme, somme9".
Ainda sobre os vídeos musicais, Mozdzenski (2013) considera que eles se tornaram "um dos principais generos midiáticos de expressao cultural e estética da contemporaneidade" (2013: 103). Ora, nao é de estranhar que esses meios de comunicação façam mençao a grandes nomes do mundo artístico, político e social da época em que se vive. E esse também é um artificio empregado pelos roteiristas da animação: enquanto a personagem Stromae cavalga sobre a sua ave, na mesma trilha poluída com outdoors e setas, aparecem personalidades importantes e conhecidas mundialmente. A primeira é Orelsan - cantor que ajudou na confecçao do videoclipe -, em seguida, o cantor canadense Justin Bieber seguido do casal americano Beyonce e Jay-Z montados em um único pássaro e abraçados; logo aparece a cantora Lady Gaga e depois, em uma ave extremamente grande, o ex-presidente dos Estados Unidos da América, Barack Obama; neste momento, a camera focaliza seu rosto e ele olha em sua direçao. Por fim, em um pássaro bem pequeno, a figura da rainha Elizabeth, monarca inglesa, é mostrada e, gentilmente, ela sorri para a camera.
É neste momento que a intertextualidade ajuda a realçar a reprovaçao ao uso abusivo das redes sociais. Todas estas pessoas sao figuras influentes e conhecidas no mundo em que vivemos e a maioria delas tem perfil em redes sociais exemplificada na cançao. Cada uma está montada em um pássaro de tamanho diferente, cada proporçao do pássaro faz alusāo a influencia que cada personagem possui na vida real. Porém, esta influencia acaba por nāo ser importante, pois todos estāo indo para o mesmo caminho e terāo o mesmo fim.
Para finalizar a história, a companheira de Stromae retorna ao cenário, caminha rapidamente em direção ao seu amado que lhe estende a māo; é muito tarde, cai e é pisoteada por um dos animais que estava na trilha. Finalmente, o lugar para o qual as setas estavam indicando é revelado: um precipicio. No fim do abismo, um pássaro gigantesco com feições monstruosas devora as pessoas que lá sāo jogadas e as expele em um monte de dejetos.
Mozdzenski (2013) retoma a divisāo de Frith (1988) que categoriza os videoclipes musicais em tres configurações: a primeira com enfase na performance, a segunda com enfase na ficcionalidade e a terceira, com enfase na artisticidade. O segundo modelo é o que se encaixa na obra, objeto desse estudo porque narra uma história. Para o autor, essa narrativa visual nāo precisa corresponder a visualizaçāo literal da letra da cançāo, "antes, pode ilustrá-la livremente, complementar ou ampliar seus sentidos ou ainda funcionar de modo totalmente independente", de tal maneira que ela pode "produzir sentidos tāo novos a ponto de modificar significativamente a leitura de sua letra" (Mozdzenski, 2013: 109). O videoclipe de Carmen nāo ilustra integralmente o que está sendo cantado, uma nova história é criada e complementa a letra da cançāo; ela se articula com elementos intertextuais e multimodais presentes ao longo da anim^āo, reforçando assim, a ideia de que o uso excessivo as redes sociais acaba por destruir uma pessoa.
4.Considerações finais
Em Mérimée, Carmen é uma personagem que materializa a ideia do amor livre, contrapondo-se a seu companheiro Dom José que, por sua vez, acredita em relaçoes monogâmicas-tradicionais. Bizet, ao adaptar esta obra para uma ópera, resgatou esta dicotomia, no entanto, apresenta ao público a cigana mais livre, como pode ser constatado pelos famosos versos da Habanera "l'amour est un oiseau rebelle que nul ne peut apprivoiser".
Adaptando a ária de Bizet para a música eletrônica, Paul Van Haver utilizou a intertextualidade para intensificar a sua critica ao uso abusivo das redes sociais. Entende-se que a metáfora do pássaro azul se contrapondo ao pássaro rebelde foi essencial para que a construçāo de sentido fosse alcançada.
Já na adaptaçao para outra mídia, o videoclipé da cançao, o artista fortalece ainda mais sua opiniāo. Nele, a intertextualidade é ainda mais forte, como nas cenas onde foram feitas referencias diretas a ópera (através da cena do coro de apoio) e na citação de pessoas do mundo político e artístico, apoiadas no uso de elementos multimodais. Os videoclipes sāo, em sua essencia, generos multimodais e, no videoclipe musical em questão, a multimodalidade se faz presente para acentuar diversos momentos da história (por exemplo, o trecho com os cartazes).
Após essa análise, pode-se dizer que se a canção e o videoclipe nāo tivessem sidos construidos desse jeito, nāo teriam conseguido o mesmo efeito de sentido, pois a multimodalidade e a intertextualidade fizeram com que a critica as redes sociais se tornasse ainda mais elaborada e engenhosa.
Melissa Marangoni Melchiori est diplômée en Lettres (Licenciatura et Bacharelado) a l'Université Fédérale de Sao Paulo en 2018. Toujours intéressée par la langue et a la culture française, elle a participé au projet de Monitorat de Langue Française en 2015. Elle a développé un projet scientifique qui portait sur la multimodalité et l'intermédialité.
Notes
1. "O amor é um pássaro rebelde e nada pode aprisioná-lo" (traduçāo nossa).
2. "O amor é como um pássaro do Twitter, estamos vidrados nele 48 horas por dia" (traduçāo nossa).
3. "O amor é filho da Boemia, ele nunca nunca conheceu a lei" (traducāo nossa).
4. "O amor é filho do consumo, ele quer sempre sempre mais escolhas, voces querem sentimentos caídos do caminhāo? A oferta e a demanda como única e só lei" (traduçāo nossa).
5. Informção consultada no site Youtube. Acesso em 21 maio 2018.
6. "Eu já conheço os perigos, eu guardei meu ticket e se for necessário eu troco" (tradução nossa).
7. "E esse pássaro de má sorte, eu o coloco em uma gaiola, eu o faço cantar" (tradução nossa).
8. "amigo ou seguidor", "wi-fi grátis" (tradução nossa).
9. "E é assim que a gente ama, ama, ama, ama, e é assim que consome, some, some, some, some ..." (tradução nossa).
Bibliografia
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Abstract
Le présent article vise a analyser la transmodalisation intermodale de l'aria L'amour est un oiseau rebelle (1875) qui fait partie du premier acte de l'opéra Carmen de Georges Bizet, pour le vidéoclip de la chanson Carmen (2015) composée par Stromae. Pour ce faire, les deux chansons seront analysées en tenant compte de la signification que les deux auteurs ont donnée au concept d'amour dans leur production. De plus, nous avons observé la maniere par laquelle les éléments narratifs interagissent avec les éléments visuels du vidéoclip, en obtenant un nouveau média, avec de nouveaux sens.