Para Gerson Moura, in memoriam
Introduçâo
Este artigo resultou de um longo trabalho de pesquisa sobre a política exterior do governo Juscelino Kubitschek (1956-60), e sua principal motivaçâo foi a constataçâo da quase inexistencia de reflexöes mais profundas sobre a atuaçâo diplomática brasileira naquele período - um vazio que a pròpria pesquisa terminou por preencher.1 Contudo, restava ainda a lacuna de um estudo mais aprofundado sobre a Operaçâo Pan-Americana" (OPA), classificada de forma recorrente como a principal iniciativa diplomática do governo JK. As raras análises existentes a respeito da OPA pouco se concentravam sobre seus desdobramentos específicos, procurando inseri-la em urna perspectiva histórica da política externa brasileira, na quai a Operaçâo é apresentada como urna especie de "ante-sala" da "política externa independente" dos govemos Jánio Quadros e Joäo Goulart. Urna outra interpretaçâo enfatizava o peso dos fatores económicos, ao estabelecer urna correlaçâo estreita entre a OPA e o desenvolvimentismo dos anos JK.2
Embora sem discordar, a priori, dessas interpretaçôes, considerávamos que o tema merecía um estudo empírico e analítico mais apurado, que pudesse localizar as origens dessa iniciativa, suas formulaçôes e pressupostos e os desdobramentos diplomáticos, para entäo situá-la no quadro mais geral da política externa. O resultado foi urna inversäo do enfoque predominante ñas análises precedentes. Nesse sentido, a ênfase exclusiva sobre a Operaçâo Pan-Americana foi revelando, sucessivamente, outras dimensöes da atuaçâo diplomática brasileira naquele período: a coexistencia impossível entre autonomia e alinhamento; os conflitos e harmonías nas relacöes com os EUA; as tentativas de aproximaçao política com a América Latina; a emergencia poderosa de urna diplomacia econòmica e de urna diplomacia multilateral; e a relevancia crescente da temática do desenvolvimento económico.
A questäo do quadro de referencia teórico-metodológico colocou-se, desde o inicio, como urna dificuldade, tendo em vista que no Brasil os estudos sobre relacöes internacionais e política externa só muito recentemente se configuraram em um campo académico específico, capaz de produzir reflexöes teóricas próprias que f ugissem ao caráter descritivo que caracteriza a "historia diplomática" stricto sensu. Além disso, como chama a atençâo Gelson Fonseca Júnior, urna análise dos prímeiros esforços académicos nesse campo revela que as opçoes metodológicas tenderam a se conjugar a opcóes políticas, em urna perspectiva em que o importante nao era "a melhor teoria e sim a melhor política".3 Nesse debate, Fonseca Júnior identifica dois modelos dicotómicos de análise da política externa, que tém, contudo, um elemento comum. Ambos enfatizam os fatores externos como variáveis explicativas da política exterior, subestimando, ou mesmo excluindo, a análise das variáveis internas. Seja no modelo da "naçâo incompleta", cujo substrato teórico é dado pelas teorías do imperialismo e da dependencia, seja no modelo do "baluarte do Ocidente", construido a partir do paradigma realista, a política externa é vista como um conjunto de respostas a condicionamentos que se dào fora do ambito - e, portanto, do controle - nacional. O foco analítico recai ora sobre as transformaçôes estruturais do sistema capitalista, ora sobre os conflitos estratégicos e a evoluçâo da bipolaridade, mas em ambos os casos as complexidades da açao diplomática terminam sepultadas pelo determinismo da dependencia econòmica ou pelo "realismo" das alianças político-militares.4
Contudo, essas interpretaçôes terminaram por sofrer a "crítica dos fatos", na medida em que a evoluçâo contemporànea da politica externa brasileira mostrou que tanto a inserçâo periférica, como a condiçâo de país ocidenta! näo implicavam nenhuma forma de alinhamento automático. Dai a necessidade de se resgatar a multiplicidade e complexidade de fatores, envolvendo os processus de formulaçâo e implementaçâo da política externa, que passarn a ser sublinhados näo apenas no àmbito do sistema internacional, mas também no plano interno.
Procuro seguir aqui a linha interpretativa sugerida por Gerson Moura, estabelecendo interaçoes e disti nçoes entre esiruturas e conjunturas, de tal forma que a política externa nao seja vista nem corno um mero refiexo dos condicionamentos impostos pelo centro hegemónico, nem a partir do exame exclusivo das decisöes do país subordinado. Assim, se as determinaçôes estruturais estabelecem o campo de açao em que se move a diplomacia,
determinando seu alcance e limites, é necessario analisartambém as conjunturas políticas, internas e externas, que conformam o processo mais imediato de tomada de decisöes. É mediante esse exame que poderemos vislumbrar as margens de autonomia que se abrem à açâo do Estado, onde as opçoes possíveis dependerâo sempre de atos de vontade politica.5
Os Condicionamentos Externos: EUA e América Latina sob a Guerra Fria
Ñas duas décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, as relaçôes EUA/América Latina estiveram subordinadas à nova projeçâo internacional assumida pelo Estado norte-americano. Como se sabe, os EUA emergiram dessa guerra na condiçâo de potencia hegemônica mundial, condiçâo esta apoiada em sua inconteste superioridade militar, econòmica e tecnològica e na força de seu prestigio politico. Como conseqiiência, a politica externa norte-americana, bem corno a definiçâo de seus interesses de segurança, passaram a se orientar tendo em vista objetivos mundiais.
O projeto politico-econòmico perseguido pela diplomacia norte-americana no imediato pós-guerra poderia muito bem ser definido pelo que Green denomina open world approach. Somente um "mundo aberto"e interligado, livre dos nacionalismos exacerbados e dos regionalismos e "esferas de influencia" que haviam caracterizado o período entreguerras, poderia garantir a paz e a estabilidade mundiais. Em termos económicos, este "mundo aberto" devena se pautar pela eliminaçâo de todas as barreiras ao livre comercio e ao livre fluxo de serviços e capitals, sobretudo aquelas derivadas dos nacionalismos económicos e da excessiva intervençâo do Estado na economia. Como observa Malan, a posiçâo dos EUA nao pode ser explicada exclusivamente por urna "visäo de estadistas"; tratava-se de um projeto fortemente associado ao crescimento e à internacionalizaçâo da economia americana, cuja demanda por mercados externos era crescente, seja em termos de exportaçôes e investimientos ou de acesso a matérias-primas.6
A deterioraçâo nas relaçôes com a URSS e a consolidaçâo da Guerra Fria implicaram urna redefiniçâo do open world approach, adaptando-o à nova configuraçâo bipolar do poder mundial. Tal como estabelecido pela Doutrina Truman e pela política de "contençâo", inauguradas em 1947, os objetivos da política externa norte-americana passaram a se definir em funçâo de urna relaçâo de competiçâo direta corn a URSS, na quai a contençâo do comunismo tomou-se o elemento fundamental. O "mundo aberto", com seus objetivos de paz, democracia e estabilidade mundiais, transformou-se no "mundo livre", representado pelo bloco ocidental/capitaüsta, cuja defesa os EUA assumiram contra a ameaça "totalitaria" do bloco liderado pela U RSS. No piano econòmico, o projeto de urna economia mundial aberta e internacionalizada também teve de fazer "concessöes" as novas prioridades estratégicas (reconstruçâo européia e asiática), embora reafirmando seus objetivos de longo prazo.
Essas redefiniçoes iriam atetar, igualmente, o relacionamento entre a potencia hegemônica e a América Latina. No imediato pós-guerra, as relaçoes entre ambos se caractenzavam, de urna perspectiva mais gera\, pe\o aprofundamento dos lagos de solidariedade política e dependencia económica, conseqüencia direta da colaboraçâo latino-americana no esforco de guerra dos EUA. Além do crescimento da influencia político-ideológica, o estreitamento das relaçoes económicas durante a guerra converteram os EUA no mais importante mercado tanto para as exportaçôes como para as importaçôes latino-americanas.
As diretrizes estabelecidas pelo governo Truman (1945-51) em sua política para a América Latina, que teriam continuidade durante a administraçâo Eisenhower (1952-60), podem ser divididas em duas vertentes básicas. No plano estratégico, a regiäo ocupava papel secundario no que se refere aos interesses de segurança dos EUA, voltados, prioritariamente, para as regiôes onde se desenroiavam os principáis conflitos da Guerra Fría - a Europa, e depois a Asia. Tratava-se, portanto, de consolidar e aprofundar urna esfera de influencia político-militar, visando nao apenas à exclusäo de potencias e "ideologías" estrangeiras, mas, sobretudo, à manutençâo da coesäo e do apoio político que o bloco latino-americano emprestava à política global dos EUA. Esse objetivo foi consolidado mediante a criaçâo de um mecanismo regional multilateral de defesa, formalizado na assinatura do Tratado Interamericano de Assistenza Recíproca (TI AR), em 1947, e de um mecanismo regional de cooperacäo e formalizaçâo das relaçoes jurídico-políticas entre as "Repúblicas Americanas", consubstanciado na criaçâo da Organizaçâo dos Estados Americanos (OEA), em 1948. Apesar das eventuais resistencias (sobretudo por parte da Argentina), a consolidaçâo dessa estrutura de relaçoes políticas e militares foi obtida por meio de um relativo consenso, o que certamente ilustra o grau de adesâo político-ideológica das elites latino-americanas aos pressupostos da Guerra Pria e ao papel de "defensor" do "mundo livre" que a potencia americana se atribuía.
Mas, se esse consenso era possível nos planos político e estratégico, o mesmo nao ocorria no ámbito das relaçoes económicas, que se constituíam na segunda vertente da política norte-americana para a regiäo. Coerentes com seu projeto de urna economia mundial aberta, os EUA enfatizavam a defesa do livre comercio e a criaçâo de um ambiente político e económico favorável ao investimento privado, nacional e estrangeiro, que deveria ser o principal motor do desenvolvimento latino-americano. Nesse sentido, viam com profunda desconfiança as tendencias nacionalistas e estatistas de muitos govemos locáis, condenando expressamente suas conseqüencias económicas: protecionismo, nacionalizaçâo de companhias estrangeiras, restricóes ao investimento externo, excessivo controle do Estado sobre a economia e até mesmo a tendencia à "industrializaçâo excessiva". Ao mesmo tempo, a ênfase do governo americano sobre o papel primordial a ser concedido ao capital privado pretendía evitar qualquer comprometimento seu corn a ajuda económica govemamental à América Latina, urna vez que, neste aspecto, as atençoes e recursos norte-americanos estavam e deveriam permanecer concentrados em outras regiöes (Europa e Asia), em virtude de sua prioridade estratégica.
Essa orientaçâo se chocava, sob múltiplos aspectos, frontalmente, com as expectativas latino-americanas. Em primeiro lugar, havia esperanças bastante fortes no sentido de obter assistência económica dos EUA, vista como urna continuidade natural do tipo de cooperaçâo econòmica inaugurado no hemisferio durante a Segunda Guerra, ou mesmo como um "prèmio" ao inequívoco apoio político-militar da maioria dos governos latino-americanos à causa aliada. Em segundo lugar, as respectivas visees (e as práticas governamentais a elas subjacentes) que os países da regiâo mantinham a respeito do seu proprio desenvolvimiento económico diferiam em muito, e mesmo se opunham, daquela que os EUA buscavam impor.
As profundas divergencias entre EUA e América Latina acerca da cooperaçâo económica iriam manifestar-se claramente ñas principáis conferencias interamericanas que, seja durante os governos Roosevelt e Truman ou já na administraçâo Eisenhower, se dedicariam ao tratamento das relaçoes económicas hemisféricas - como no caso das Conferencias de Chapultepec (1 945), Bogotá (1948), Washington (1951), Caracas (1954), Panamá (1956) e Buenos Aires (1957). Em todas essas reunióes, a atuaçâo norte-americana pautou-se no sentido de insistir na eliminaçâo de todas as formas de nacionalismo económico, de estimular a iniciativa privada e de suprimir as barreiras comerciáis, sobretudo em termos de tarifas que visassem à proteçâo de nascentes industrias latino-americanas. Além disso, os EUA se opunham fortemente às duas principáis reivindicaçôes latino-americanas: a de participaçâo na elaboraçâo de políticas ou acordos cujo objetivo fosse a estabilizaçâo dos preços dos produtos primarios exportados pela regiäo sujeitos a fortes flutuaçôes; e a criaçâo de urna instituiçâo financeira para o desenvolvimento económico regional, papel que o governo americano julgava ser suficientemente preenchido pelo Eximbank (Banco de Exportaçâo e Importaçâo do Governo dos EUA) e o Banco Internacional de Reconstruçâo e Desenvolvimento (BIRD).
O descontentamento latino-americano, por sua vez, se expressaria mediante a criaçâo de um novo organismo - fora da jurisdiçâo interamericana - voltado para o desenvolvimento econòmico da regiäo: a Comissäo Económica para a América Latina (CEPAL), fundada em 1948 como órgao especializado das Naçôes Unidas. Os EUA manifestaram desde o inicio sua oposiçâo à criaçâo da CEPAL, e tentaram assegurar que as funçôes por eia desempenhadas permanecessem atreladas ao Conselho Interamericano Econòmico e Social (CÍES), incorporado à estrutura da OEA. Assim, nâo é de se estranhar que tenha sido a CEPAL - e nao o CÍES ou qualquer outro organismo interamericano - a principal formuladora de um projeto alternativo de desenvolvimiento económico que iria influenciar decisivamente os programas desenvolví m entistas implementados por alguns govemos latino-americanos nos anos 50.
As divergencias entre EUA e países latino-americanos quanto ao conteúdo e formas da cooperaçâo económica hemisférica nao devem ser vistas apenas como um choque entre diferentes concepçôes de desenvolvimento económico. A postura norte-americana, independentemente do peso das prioridades estratégicas, direcionava-se claramente no sentido de perpetuar um padräo de relacionamento económico totalmente assimétrico, no qual as economías latino-americanas deveriam se manter basicamente como fornecedoras de materias-primas necessárias ao consumo doméstico e à produçâo industrial americana, cujos bens manufaturados deveriam continuar importando. A pròpria pauta de comercio envolvendo EUA/América Latina, bem como a importancia desta última em termos do comercio e do investimento externo norte-americanos (tratava-se do segundo maior mercado, atrás apenas da Europa) expressam e confirmam essa assimetria.7
No lado oposto, as resistencias latino-americanas refletiam a tentativa de romper, ou ao menos redefinir, os termos desse relacionamento assimétrico, esforco esse que tinha como pano de fundo as transformaçôes económicas e sociais que a regiäo vinha sofrendo desde os anos 30 - acentuadas ainda pela conjuntura do pós-guerra - e cujas características principáis eram exatamente a perda de dinamismo do setor primario-exportador e a diversificacäo da estrutura produtiva.
De fato, varios países latino-americanos se encontravam, depois da guerra, sob condiçôes que favoreciam um novo modelo de crescimento econòmico, baseado na aceleraçâo do processo de industrializaçao via substituiçao de importaçôes e na ampliaçâo do mercado interno. Refletindo esse processo, e acentuando-o ao mesmo tempo, a regiäo enfrentava agudas transformaçôes sociais e políticas, expressas no acelerado crescimento urbano, no aparecimento e consolidaçâo de novos grupos sociais (burguesía industrial, classes médias, proletariado urbano) e, principalmente, no surgimiento de urna "sociedade de massas", que passava a pressionar continuamente no sentido de sua incorporaçâo política e social. Fenómenos como nacionalismo, populismo e desenvolvimentismo seriam comuns a diversos países latinoamericanos nesse período, expressando a ascensäo de novas forças políticas e os programas governamentais que procuravam dar conta dessa nova realídade.8
A ascensäo dos republicanos à Presidencia dos EUA em 1952 nao modificaría, como já se observou, as linhas básicas traçadas pela administraçâo anterior em sua política hemisférica. A eclosäo da Guerra da Coréia (1950-53) implicaría um recrudesci mento da Guerra Fria, inaugurando urna nova etapa na política norte-americana de contencáo. Como conseqüencia, reforçou-se ainda mais o elemento anticomunista no discurso e açâo externa americanos, o que nao deixou de se refletir ñas relacöes com a América Latina e com o Terceiro Mundo como um todo.
Aqui, vale a pena considerar também um outro vetor relevante da política exterior dos EUA nesse período, relativo às prioridades e modalidades de ajuda externa. A condiçâo de potencia hegemônica ocidental assinalava urna nova etapa nos programas de ajuda externa norte-americanos e no papel que estes desempenhavam dentro das metas globais da política exterior, levando em consideraçâo, neste caso, nao apenas os objetivos estratégicos (contençâo do comunismo), como também concepçôes mais ampias a respeito do desenvolvimento economico e político de outras regiöes do mundo.
É justamente este último aspecto o mais sublinhado por Packenham em sua análise sobre os programas de ajuda externa dos EUA no pós-guerra, construida a partir de tres approaches básicos que revelariam as concepçôes dominantes entre os policy-makers norte-americanos sobre o papel da ajuda externa como instrumento de promoçâo do desenvolvimento econòmico e político.9 Esse autor distingue, primeiramente, urn approach "econòmico", predominante no período entre 1947-50, no qual os objetivos estratégicos da ajuda externa (estabilidade, pró-americanismo, contençâo do comunismo) eram vistos a partir de urna estreita correlaçâo com o desenvolvimento económico, privilegiando-se mecanismos como a ajuda material e a cooperaçâo técnica. O Plano Marshall é, certamente, um dos exemplos mais completos e bem-sucedidos da vigencia desse approach, mas para os países subdesenvolvidos o marco fundamental seria o lançamento, em 1949, do programa do chamado "Ponto IV".10 Este assinalava, entre outras coisas, o momento em que os programas de ajuda externa, deslocando-se progressivamente para o Terceiro Mundo, em conseqüencia da evoluçâo dos conflitos estratégicos, chegavam à América Latina. Nao obstante, é importante observar que, para esse Continente, seu valor em termos de desenvolvimento económico era bastante limitado, urna vez que seriam necessárias grandes quantias de capital para transfomar a assistência técnica em projetos de desenvolvimento de larga escala, além do que nao havia nenhuma agencia oficial norte-americana (ou mesmo internacional) que pudesse tornar esse capital acessível aos países latino-americanos.
Assim, no caso brasileiro, a formacäo da Comissäo Mista Brasil-Estados Unidos possibilitaria urna intensa cooperaçâo técnica, com repercussöes decisivas para o nosso desenvolvimento económico futuro, sem que, contudo, fosse asseguratío o financiamento para os projetos elaborados pela Comissäo.11 De fato, a América Latina permanecía como baixíssima prioridade no quadro global da ajuda externa norte-americana, ficando atrás da Europa, da Asia Oriental e do Sudeste Asiático, à frente apenas da África.12 A eclosáo da Guerra da Coréia favorecería a emergencia de um novo tipo de abordagem que viria a se tomar dominante durante toda a década de 50, em urna linba de continuidade que se inicia no governo Truman e perpassa toda a administraçâo Eisenhower. No cold war approach a ajuda externa era encarada explícitamente como um "instrumento da Guerra Fría", visando a objetivos de segurança específicos, em que o desenvolvimento económico cumpria apenas papel incidental, desde que compatível com os interesses estratégicos. A nova ênfase na segurança e no "apoio à defesa" (defense support) acarretaria urna inversäo nas taxas relativas de assistência econòmica e assistência militar no àmbito da ajuda externa total norte-americana, inversäo esta que atingiría também a América Latina. Se até 1 952 a assistência militar dos EUA à regiäo era bastante reduzida, a partir de entâo esta apresenta um crescimento constante e superior, em termos proporcionáis, à ajuda econòmica, que permanece praticamente restrita à cooperaçâo técnica autorizada pelo Ponto IV.13
A Deterioraçâo nas Relaçoes EUA/América Latina: Primeiros Sinais de Mudança
A partir de 1956, quando se inicia o segundo governo de Dwight Eisenhower, a política norte-americana para a América Latina passa a sofrer um crescente questionamento, anunciado, inclusive, na pròpria campanha eleitoral, com as severas críticas do candidato da oposiçâo demócrata, Adlai Stevenson. A origem desse questionamento pode ser melhor compreendida se a situarmos em très níveis distintos, os quais, naturalmente, estäo inter-relacionados:
(a) a evoluçao da conjuntura internacional- a partir de 1955, o processo de "desestalinizaçâo" e a ascensâo de Krushev na URSS trariam mudanças na política externa soviética que se refletiriam também nas relaçoes com a América Latina. O inicio da política de "coexistencia pacífica", em 1956-57, implicou urna maior ênfase na competiçao econòmica e. tecnológica entre as superpotências, cujo símbolo maior foi o "espanto" mundial em torno do lançamento do satélite soviético "Sputnik I". Além disso, a URSS iniciou urna política de ajuda económica aos países subdesenvolvidos, mediante acordos bilaterais e assistência técnica. Em consequência, cresceu o temor em certos círculos govemamentais dos EUA quanto a urna possível penetraçao econòmica soviética no Continente, tanto em termos de ofertas de ajuda econòmica como de acordos comerciáis atraentes para os países latino-americanos;
(b) a evoluçao da conjuntura política e económica latino-americana - os anos de 1 955-58 assistiram a um processo de redemocratizaçâo em varios países do Continente (Argentina, Peru, Venezuela, Colombia), com a queda de regimes autoritarios e a eleiçâo, pelo voto popular, de novos presidentes. Esse processo contribuiu para desgastar ainda mais, junto à opiniäo pública e também aos governos latino-americanos, a imagem da adminisiraçâo Eisenhower (e dos EUA, em geral), que emprestara apoio político a diversos governos ditatoriais. Somava-se a isso urna conjuntura económica desfavorável aos interesses da América Latina: após o boom experimentado durante a Guerra da Coréia, as exportaçôes latino-americanas apresentaram urna queda constante, dadas as oscilaçôes drásticas nos preços dos produtos primarios e a generalizada deterioraçâo nos termos de troca entre produtos primarios e manufaturados. Näo obstante, a orientaçâo da política econòmica interna e externa norte-americana atuava no sentido de agravar ainda mais esse quadro, seja pela negativa de participar de acordos para a estabilizaçâo dos preços de materias-primas, seja pelas diversas quotas e restriçoes impostas à importaçâo de urna série de produtos latino-americanos;
(c) a existencia de vozes divergentes, dentro da propria administraçào Eisenhower, em relaçào à ortodoxia da política econòmica norte-americana para a América Latina e sua en fase exclusiva no investimento privado e nos recursos domésticos - localizadas sobretudo no Departamento de Estado, essas vozes defendiam mudanças que estabelecessem um maior compromisso dos EUA com o desenvolvimento econòmico e social latino-americano, visando, inclusive, evitar a propagaçâo de idéias políticas radicáis.14 Simultaneamente, as divergencias intra-administraçâo encontravam apoios e resistencias no Congresso, em urna discussäo que envolvía näo só a América Latina mas a ajuda externa para o Terceiro Mundo como um todo.
Mas foi somente a partir de 1958 que urna sucessáo de acontecimientos políticos revelou o grau de deterioraçâo real ñas relaçôes entre EUA e América Latina, abrindo caminho para o surgimento de propostas que preconizavam urna revisâo mais ampia dessas relaçôes. Nesse mesmo ano, o vice-presidente americano Richard Nixon iniciou urna série de visitas a varios países latinoamericanos, seguindo a linha proposta pelo Departamento de Estado de imprimir um caráter de "relaçôes públicas" e "missäo de boa vontade" a essa viagem. De fato, ama percepçâo, em Washington, quanto ao nivel de desgaste sofrido pela administraçào Eisenhower, fez com que o tour do vice-presidente se transformasse em um verdadeiro fiasco. No Peru e, sobretudo, na Venezuela, ele teve de enfrentar fortíssimas manifestaçôes populares, a ponto de o governo americano deslocar tropas para suas bases no Caribe com o objetivo de realizar urna "operaçâo-resgate" caso fosse necessario. As primeiras reaçôes oficiáis dos EUA seguiram a linha tradicional de atribuir os protestos à "agitaçâo comunista", porém isso näo impediu que a viagem de Nixon tivesse repercussöes mais profundas, servindo para reforçar dentro do Executivo e do Congresso norte-americanos urna postura que favorecía mudanças na política para o Continente.15
Descortinava-se, portanto, urna conjuntura política favorável à retomada das reivindicaçôes latino-americanas que, como já vimos, concentravam-se principalmente no terreno da cooperaçâo econòmica. Contudo, para entendermos por que foi o Brasil o principal protagonista desse processo, como formulador de urna proposta que catalisava e articulava as demandas latjnoamericanas, é fundamental que consideremos tambem os fatores internos associados à implementaçâo de nossa açâo diplomática.
Os Antecedentes da Política Externa
O tema do desenvolvimento económico tem ocupado lugar de destaque na política externa brasileira desde a década de 30, quando o País iniciou os primeiros esforços articulados para superar a condiçâo de economia primarioexportadora e implementar um processo de crescimento industriai voltado para o mercado interno. Desde entäo, a instrumentalizaçâo das relaçoes externas no sentido de colocá-las a serviço do desenvolvimento tem se configurado em um padräo histórico de conformacäo e implementaçâo de nossa política exterior, mesmo que conjugado a diferentes gradaçoes de alinhamento político.
Essa preocupaçâo esteve presente na política de "equidistancia pragmática" levada a efeito entre 1935 e 1942, em que a tentativa bem-sucedida de manter urna postura equidistante dos dois sistemas de poder entäo em formaçâo - o norte-americano e o alemäo - visava garantir urna margem de autonomia política que se traduzisse em ganhos económicos para o País. Esteve novamente presente no processo de alinhamento corn os EU A em 1 942, que passou pela negociaçâo do reequipamento econòmico e militar nacional, e no alinhamento incondicional do governo Dutra (1949-50), cuja percepçâo (que se revelou equivocada) era de que urna relaçâo "especial" com os EUA deveria implicar um tratamento igualmente especial para corn as reivindicaçôes brasileiras de auxilio económico. Por firn, a questäo do desenvolvimento económico voltou à cena no segundo governo Vargas (1951-54), quando se buscou reeditar um "alinhamento pragmático" nos moldes do de 1 942, reediçâo esta impossível, urna vez que a configuraçâo do poder nos planos internacional e regional nao mais permitiría ao Brasil urna margem de autonomia tao expressiva.16
O governo Kubitschek iniciou, aparentemente, sem apresentar novidades nesse terreno. Os primeiros passos da política externa desse período foram no sentido de reafirmar a solidariedade política aos EUA e à "causa ocidental", o que ficava patente, já em fins de 1956, na concordancia brasileira de ceder a llha de Fernando de Noronha para a instalaçâo de um posto de observaçâo norte-americano de foguetes teleguiados. Simultaneamente, no plano económico, lançou-se urna ofensiva para assegurar a reativaçâo do fluxo de investimentos externos públicos e privados, parausados desde o final do governo Vargas, e recolocaram-se as reivindicaçôes de auxilio económico no ámbito das relaçoes bilaterais Brasil-EUA.
Como se sabe, o principal instrumento da política económica de JK foi o Plano de Metas, cujo objetivo era acelerar e complementar o processo de industrializaçâo substitutiva de importaçôes mediante investimento maciço ñas áreas de infra-estrutura, bens intermediarios e bens de capital. Dois fatores desempenharam um papel fundamental nesse processo. Em primeiro lugar, a açâo do Estado como planejador e condutor da arrancada industrial, via investimento público direto ou atraçâo e alocaçâo de capitals privados. Em segundo, o recurso as fontes externas de financiamento e investimento, cujo instrumento principal foi a famosa "Instruçâo 113", da Superintendencia da Moeda e do Crédito (Sumoc), herdada do governo Café Filho, que criava condiçôes extremamente favoráveis à entrada de capital estrangeiro e à posterior remessa de lucros.
A necessidade de recorrer aos recursos externos era determinada, principalmente, pela insuficiencia de poupança interna para atender ao grande volume de inversoes preconizado pelo Plano, o que inclusive terminou por gerar um financiamento de origem inflacionaria. Ao mesmo tempo, o País enfrentava desequilibrios estruturais em seu balanço de pagamentos, em conseqüencia da queda permanente ñas receitas de exportaçâo, sendo forçado a recorrer ao endividamento externo de curto e medio prazos para assegurar a continuidade do crescimento económico e industrial. Portanto, era necessario atrair nao apenas capitais privados, mas também recursos públicos, tendo em vista que estes últimos adquiriam a forma de empréstimos de longo prazo e se dirigiam para setores de infra-estrutura - os chamados "pontos de estrangulamento", localizados no binòmio "energia e transportes" -que nao apresentavam interesse para a iniciativa privada.17
Assim, ajustando necessidades económicas internas e externas, a agenda diplomática da política económica externa de JK estabeleceu, a principio, dois eixos principáis: a negociaçâo de acordos regionais e/ou intemacionais que estabilizassem as cotaçôes intemacionais do café; e as reivindicaçôes de ampliaçâo e flexibilizaçâo dos empréstimos fornecidos por entidades intemacionais de crédito público, particularmente o BIRD.
Nao obstante, a partir de 1958 essa agenda seria substancialmente ampliada, nao apenas pela incorporaçâo de novas demandas económicas mas, sobretudo, pela sua articulaçâo com um novo conteúdo político.
A OPA em suas Formulaçoes Iniciáis: Autonomia, Desenvolvimento, Multilatéralisme
Em maio de 1958, aproveitando-se da conjuntura favorável criada pela repercussäo negativa da viagem de Nixon, Juscelino Kubitschek enviou carta ao presidente Eisenhower na quai propunha urna revisäo profunda das relacöes interamericanas e dos ideáis do pan-americanismo. Apesar da resposta bastante cautelosa do chefe de Estado americano, o presidente brasileiro insistiu, dando conteúdo mais detalhado às idéias genéricas que havia apenas esboçado em sua primeira correspondencia.18 Esse detalhamento foi feito em urn discurso de J ? aos embaixadores das Repúblicas Americanas no Rio de Janeiro, e transmitido para todo o País por cadeia de ràdio e TV, quando lançou oficialmente a Operaçâo Pan-Americana (OPA). Os pressupostos e objetivos iniciáis da OPA seriam ainda objeto de um outro discurso presidencial, em urna exposiçâo para as Forças Armadas no Palacio do Itamaraty. Em ambos os pronunciamentos, de conteúdo bastante semelhante, pode-se identificar claramente a ênfase em très aspectos básicos:
(a) a OPA é apresentada como a expressäo do anseio de dar ao Brasil urna postura mais atuante e autónoma no que se refere à política internacional. Nao se tratava apenas de um desejo subjetivo, mas de urna pretensäo apoiada ñas condiçoes objetivas (políticas, demográficas, económicas) que o País já alcançara. O Brasil se via como parte da civilizaçao ocidental e continuava aceitando os pressupostos da Guerra Fria (divisäo bipolar do poder mundial e liderança dos EUA no Ocidente), porém procurava assumir um papel mais ativo dentro da coligacáo que integrava, e cujas responsabilidades e riscos assumia - a busca de urna maior autonomia se expressaria principalmente ñas relaçôes com os EUA. Estas sao definidas, como sempre, em funçâo de "laços indestrutíveis" apoiados ñas "afinidades políticas e espirituais" e reforçados ainda pela importancia das relaçôes económicas estabelecidas entre ambos. Contudo, a "amizade" entre os dois países deveria pautar-se pelo reconhecimento de que o Brasil já estava maduro para expressar livremente seus pontos de vista e eventuais desacordos;
(b) o objetivo central da OPA é definido como sendo o de combate ao subdesenvolvimento económico da América Latina, visto como o principal problema do Continente, inclusive em termos de segurança. Tal diagnóstico baseava-se na constataçâo de que os grandes avanços tecnológicos mundiais nao se repartiam igualitariamente entre os países, persistindo grandes desequilibrios entre as nacóes "economicamente poderosas" e os países despossuídos dos recursos para satisfazer as necessidades vitáis de seus povos. Paralelamente, observava-se que, no plano estratégico, a atuaçâo do "inimigo" se deslocava cada vez mais do confronto direto para urna estrategia de "penetraçâo interna", fato este que era bastante preocupante, tendo em vista os progressos material e tecnológico do bloco comunista e seu possível efeito propagandístico. Assim, a OPA propunha urna estreita associaçâo entre desenvolvimento económico e segurança. O subdesenvolvimento latino-americano era visto como urna "chaga" que tornava o Continente extremamente vulnerável à penetraçâo do comunismo, e çuja eliminaçâo deveria ser parte necessaria da defesa coletiva ocidental;
(c) a OPA é apresentada como urna iniciativa de caráter e objetivos multilateral; ao Brasil coube o lançamento da proposta, mas "sem qualquer pretensäo de assumir liderança no continente", visando apenas dar expressäo a um sentimento que pertencia a toda a América. Messe sentido, a Operaçâo näo contemplava espaço para nenhum tipo de conversaçâo bilateral.19
Quanto a este último aspecto, a ênfase no multilatéralisme evidenciava, desde logo, que o governo norte-americano nao era o único interlocutor da proposta brasileira. Simultaneamente às gestöes junto aos EUA, desenvolveuse todo um trabalho de contatos políticos e diplomáticos com os países latino-americanos, tanto ao nivel das chancelarias como da troca de mensagens presidenciais, buscando-se assegurar apoio para a Operaçao. Além disso, nesse esforco de aproximaçâo política com a América Latina, houve urna estrategia deliberada de atrair a colaboracäo dos países com maior peso no Continente, particularmente a Argentina.20
As Resistencias Domésticas
O tato de o marco inicial da OPA ser urna troca de cartas entre presidentes -tanto em um caso como no outro entregues por enviados especiáis, passando "por cima" dos cañáis diplomáticos ordinarios - é bastante revelador para a compreensäo das origens da iniciativa diplomática brasileira. Elas estäo localizadas na pròpria Presidencia da República que, passando ao largo do Ministerio das Relaçoes Exteriores e de sua Secretaria de Estado, entrou em contato direto com a embaixada do Brasil em Washington, solicitando as providencias necessárias para a entrega da carta de JK. Diversas fontes atribuem a "patemidade" da iniciativa a Augusto Frederico Schmidt, assessor político informal de Kubitschek desde a campanha, e que gozava de grande prestigio junto ao presidente.21
A açâo paralela da Presidencia, que se repetiría urna vez mais no discurso de lançamento da OPA, terminou por levar ao confronto corn o chanceler José Carlos Macedo Soares, culminando, por firn, na sua demissäo e substituiçâo por Francisco Negräo de Lima. Além das críticas pela forma como havia sido lançada a Operaçao (sem consulta previa ao MRE), as divergencias eram de conteúdo político, expressando as resistencias de setores do Itamaraty ao novo tratamento que a OPA procurava imprimir tanto às relaçoes com os EUA, como com os demais países latino-americanos. Céticas quanto às possibilidades de se obter resultados concretos, as vozes divergentes apontavam para o perigo de que, de um lado, a iniciativa brasileira viesse a criar obstáculos às relaçoes bilaterais com os EUA, e, de outro, contribuisse para aumentar as desconfianças latino-americanas em relaçâo a urna possível pretensäo de liderança ou hegemonía brasileira no Continente.
Na verdade, o que se defendía era a preservaçao do relacionamento com os EUA e sua manutençâo nos cañáis diplomáticos tradicionais, em urna perspectiva que postulava ser esta a melhor forma de encaminhar os intéresses externos do País, inclusive do ponto de vista económico. Presente em setores mais tradicionais do Itamaraty, esta era urna visäo que também se estendia a grupos políticos e sociais mais ampios - um exemplo sao os "caciques" do Partido Social Demócrata (PSD), dos quais o proprio chanceler Macedo Soares e o embaixador brasileiro em Washington, Emani do Amarai Peixoto, eram eméritos representantes.22
De fato, a OPA jamais logrou formar um consenso político interno, recebendo críticas "à direita" e "à esquerda" em urna polemica que refletia näo apenas as clivagens políticas internas do governo Kubitschek, mas, sobretudo, a crescente polarizaçâo entre distintas concepçôes quanto à conduçao da política exterior. Para os "americanistas", a Operaçâo era indesejável porque poderia obstruir o bom relacionamento com os EUA; para os "neutralistas", ao contrario, o ponto fraco da OPA era justamente o näo questionamento do alinhamento à potencia americana.23
Contudo, isso näo significa que näo houvesse setores da diplomacia brasileira engajados na formulaçâo da OPA. No pequeño grupo que assessorava o presidente, ainda nessa fase inicial, destacavam-se diplomatas como José Sette Cámara, subchefe do Gabinete Civil, e Joäo Augusto de Araújo Castro, chefe do Departamento Político e Cultural do MRE, entre outros.
Os Obstáculos Externos: O Difícil Diálogo com os EUA
A primeira reaçâo do governo americano à OPA foi de absoluta frieza, claramente evidenciada quando da visita ao Brasil do secretario de Estado John Foster Dulles, ocorrida logo após o lançamento da Operaçâo, em julho de 1 958. A ênfase na segurança e no anticomunismo permanecía sendo a tónica da orientacáo de Washington, mas haviatambém crescentes sinais de flexibilizaçào em relaçâo à cooperaçâo económica hemisférica. Ainda em meados de 1958, os EUA anunciariam seu apoio à criaçâo de urna instituiçâo financera interamericana para o desenvolvimento econòmico, abrindo caminho para a constituiçao do futuro Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) . Outros sinais viriam, como o firn da oposiçâo norte-americana a medidas para a estabilizaçâo dos preços dos produtos primarios e à formaçâo de mercados regionais latino-americanos e o apoio ao aumento da capacidade de empréstimo de entidades de crédito público como o Eximbank e o BIRD. Essas mudanças já vinham sendo gestadas no interior da administraçâo Eisenhower, mas foram aceleradas pela turbulencia que marcou a viagem de Nixon, pelo desgaste político gerado a partir dai e pela necessidade de os EUA oferecerem algum tipo de resposta à crescente pressäo e insatisfacäo latino-americanas.24 Embora tais medidas näo constituíssem urna resposta à OPA em especial, o fato de terem sido anunciadas simultaneamente ao lançamento da Operaçâo dava ao governo brasileiro a oportunidade de apresentá-las como "conquistas", principalmente no caso do BID.
É também nesse contexto que se deve compreender a iniciativa do Departamento de Estado de convocar urna reuniäo informal de chanceleres, com o objetivo de discutir as relacöes interamericanas. Aproveitando a pequeña brecha, o governo brasileiro teve de evoluir da generalidade das formulagoes iniciáis para a apresentaçâo de propostas concretas, fosse no tocante ao encaminhamento ou aosobjetivos da Operaçâo.
No primeiro caso, a principal proposta brasileira era a de criaçao de um comité de representantes especiáis das 21 Repúblicas Americanas, cuja f inalidade seria dar seguimento às discussöes sobre a OPA e elaborar as bases de um acordo a ser discutido e aprovado em reuniäo de alto nivel. Para o Brasil, o mais importante era que este novo organismo fosse dotado de flexibilidade e autonomia de açâo, desvinculado ao máximo da estrutura da OEA, onde a supremacía norte-americana se exercia praticamente sem limites.
No segundo caso, o governo brasileiro procurou fixar urna agenda minima que orientasse as discussöes com vistas à adoçâo de novas medidas de cooperaçâo econòmica. Neste caso, a atuaçâo da diplomacia articulava-se com os objetivos mais gérais da política econòmica, produzindo-se a partir dai urna agenda fortemente desenvolvimentista. Assim, o Brasil buscava ampliar o grau e o alcance das já consolidadas reivindicacöes latino-americanas, acrescentando-lhes objetivos específicos, tais como: a identificaçâo dos principáis pontos de estrangulamento dessas economías, com destaque para as limitaçoes à capacidade de importar tendo em vista desequilibrios estruturais do balanço de pagamentos, e a determinaçâo do volume de recursos internacionais, públicos e privados, necessario à superaçâo dos desequilibrios externos, de forma a assegurar a continuidade do desenvolvimento latino-america9^ no.
A oposiçâo dos EUA em relaçâo ao alcance e ousadia das propostas brasileiras manifestou-se imediatamente. De fato, a reuniäo de chanceleres americanos, realizada em Washington em setembro de 1958, consagrou a criaçao daquele que passou a ser conhecido como "Comité dos 21", prevalecendo, contudo, a posiçâo norte-americana de vinculá-lo ao Conselho da OEA, de forma a evitar paralelismos que pudessem resultar em compromissos indesejáveis. Da mesma forma, os EUA rejeitaram integralmente o "desenvolvimentismo" que o Brasil procurava imprimir à agenda de discussöes do Comité, limitando-a aos pontos que, de resto, já haviam sido incorporados pelas mudanças na política económica hemisférica: estabelecimento de urna instituiçâo financera interamericana.
Na verdade, esse quadro näo sofrena nenhuma modificaçâo substancial durante as reuniöes subséquentes do Comité dos 21 , realizadas em Washington (novembro/dezembro de 1958) e Buenos Aires (maio de 1959). A atuaçâo brasileira junto a esse fòrum se orientava, primordialmente, no sentido de reforçar o caráter político da OPA, enfatizando a necessidade de urna associaçâo entre desenvolvimento econòmico e segurança hemisférica, com o objetivo de assegurar um compromisso político dos EUA com o combate ao subdesenvolvimento latino-americano. Já no que se refere as propostas específicas, o Brasil insistía naquilo que denominava de approach "global" do desenvolvimento latino-americano, defendendo a fixaçâo de metas quantitativas (taxas de crescimento da renda per capita e do Produto Nacional Bruto (PNB), volume de recursos internacionais etc..) em urna perspectiva de longo prazo.26
A estrategia norte-americana seguía exatamente na direçâo oposta, procurando limitar as discussöes a um campo estritamente técnico-económico. Tomando como base urna agenda predefinida, os EUA limitavam o debate quanto a novas medidas de cooperaçâo económica a tres pontos principáis: (a) incremento no fluxo de capitais públicos (BID, Eximbank, BIRD) e "papel primordial" dos capitais privados; (b) ampliaçâo e intensif icaçâo dos programas de cooperaçâo técnica; (c) expansäo do comercio internacional, ai incluidas as medidas para a estabilizaçâo dos preços de produtos básicos e o apoio à formaçâo de mercados regionais, desde que estes näo implicassem um desvio de comercio em relaçâo aos EUA. Além disso, o governo americano descartava qualquer possibilidade de comprometí mento com um plano global, multilateral e de longo prazo de desenvolvimento latino-americano, favorecendo claramente a manutençâo de urna abordagem bilateral voltada para objetivos específicos.27 As disparidades de orientaçâo entre Brasil e EUA terminariam, inclusive, por levar as delegacies dos dois países a atritos constantes, opondo o Tinha dura" Thomas Mann (secretario de Estado adjunto para assuntos económicos e chefe da delegaçao americana) a Augusto Frederico Schmidt (chefe da delegaçao brasileira).
Por outro lado, os anos de 1 958-59 foram certamente os que registraram os momentos de maiortensäo no relacionamento bilateral entre Brasil e EUA. Como pano de fundo desses atritos figuravam as dificuldades financeras enfrentadas pelo governo brasileiro em conseqüéncia dos constantes déficits no balanço de pagamentos, que levariam a tensas e prolongadas negociaçôes com o FMI, e cujo ponto culminante seria a ruptura com este, em junho de 1 959. Já no inicio desse mesmo ano, cresciam as pressöes do Departamento de Estado no sentido de que o Brasil concluísse um acordo com o FMI e aceitasse as medidas de estabilizaçâo económica impostas por essa instituiçâo.28 Assim, pode-se deduzir que a intransigencia norte-americana no Comité dos 21 provavelmente se reforçou à medida que o governo brasileiro emitía sinaís de que nâo se submeteria as exigencias do Fundo. Nesse sentido, os EUA adotaram urna estrategia deliberada, que seria repetida com outras países, de introduzir problemas e questöes bilaterais nas negociaçôes globais relativas à OPA, de forma a enfraquecer o aspecto multilateral da Operaçâo.29
De fato, o único resultado concreto que a OPA pode apresentar nesse período foi a redaçâo e aprovaçâo do convenio constitutivo do BID, elaborado por urna comissâo de especialistas, cujos trabalhos estavam subordinados ao CÍES, passando, portanto, ao largo do Comité dos 21 . Diante do visive! impasse a que haviam chegado as discussöes, a estrategia brasileira no Comité passou a ohentar-se no sentido de ganhar tempo, concentrando-se em mecanismos processuais que, ao final de cada reuniäo, garantiam urna "sobrevida" à OPA, mediante a criaçao de grupos de trabalho, subcomissöes etc. Também nesse caso, reconhecia-se que o campo de açâo politica estava limitado näo apenas pela oposiçao dos EUA como também pela falta de unidade latino-americana, o que se refletia na dificuldade de dar maior coesäo aos trabalhos técnicos do Comité.30
O Desafio Cubano e as Mudanças ñas Relaçoes EUA/América Latina
Nos primeiros meses de 1960, as relaçoes entre o novo governo revolucionario cubano e os EUA entraram em acelerada deterioracelo, em um processo cujo ponto culminante seria a expulsäo de Cuba da OEA, em 1962. Por tras dos antagonismos entre os dois países estava a decisäo do governo cubano de tornar urna série de medidas nos campos econòmico e social (reforma agrària, expropriaçâo e nacionalizaçao de companhias estrangeiras) que atingiam diretamente os intéresses económicos norte-americanos na llha. Estava, sobretudo, a aproximaçâo económico-militar de Cuba e URSS, concretízada por ocasiäo da visita do vice-presidente soviético Anastase Mikoyan a Havana, no inicio de 1 960, e da assinatura de acordos de comercio e ajuda económica entre os dois países. O acercamento de Cuba e URSS representava um desafio gravissimo para os EUA, na medida em que abría a possibilidade (que efetivamente se concretizou) de um país pertencente à esfera de influencia americana, e situado geograficamente em urna área vital para a sua segurança (o Caribe), passar à órbita soviética. Tratava-se, na verdade, de um desafio ao proprio sistema interamericano, ñas formas, mecanismos e objetivos que este assumira no pós-guerra.
O impacto exercido pela Revolucáo Cubana sobre a política norte-americana para o hemisferio implicou, assim, näo apenas um imenso volume de pressöes diplomáticas e económicas sobre Cuba, mas urna mudança de orientaçao que abrangia o conjunto da América Latina. Tal transformaçâo era determinada, entre outras coisas, pela necessidade de os EUA buscarem o apoio latino-americano para a adoçâo de sançôes bilaterais e multilaterais contra o governo cubano. Além da decisäo de embargar totalmente as importaçôes de acucar desse país, os EUA procuraram forjar, no ámbito do sistema interamericano, um consenso político para urna açâo coletiva contra Cuba.
Mas havia também urna percepçao crescente de que era preciso evitar urna "nova Cuba", isto é, o reconhecimento de que, em parte, o desafio cubano tinha suas origens na omissäo norte-americana em relaçâo aos problemas da América Latina. Esta concepçâo, que ganhará força total com a ascensäo do demócrata John Kennedy à Presidencia dos EUA, em 1961, já se anunciava claramente durante o último ano da administraçâo Eisenhower. Tratava-se de urna abordagem nova da problemática latino-americana, na qual o desenvolvimento economico era visto sob um prisma mais ampio do que o laissezfaire que havia predominado na orientaçao norte-americana desde 1 945.
Recuperando os tres approaches formulados por Packenham, pode-se observar que ao final do governo Eisenhower já começavam a se delinear os tragos básicos do que eie classifica como explicit democratic approach. Em contraste com a abordagem típica da Guerra Fria, o novo approach estabelecia todo um conjunto de relaçoes causais entre desenvolvimento econòmico, desenvolvimento social e desenvolvimento político. A estabilidade política, agora concebida claramente em termos de um compromisso com a democracia representativa, deixava de ser vista sob a ótica exclusiva da segurança e da contençâo do comunismo, passando a incorporar os temas da prosperidade econòmica e social ?v
Certamente, esta näo foi urna visäo gestada apenas em funçâo do impacto causado pela Revoluçâo Cubana, tendo em vista que, como já vimos, a política dos EUA para a América Latina encontrava-se sob forte questionamento desde o inicio do segundo mandato de Eisenhower. Mas a dimensäo do desafio cubano criava urna conjuntura política nova, à quai os EUA tinham de responder com rapidez, e atuava no sentido de fortalecer a posiçao dos que, dentro do governo, já defendiam mudanças radicáis.
Tratava-se de um contexto que abría ampias possibilidades para a revitalizaçâo da OPA, inclusive porque os rumos tomados pela Revoluçâo Cubana, em sua crescente aproximaçao da òrbita soviètica, serviam para comprovar a "correçâo" da tese brasileira, de que o subdesenvolvimento era um fator gerador de instabilidade politica que comportava ameaças à segurança hemisférica. Estabelecia-se, portante urna nova conjuntura em que, pela primeira vez desde que fora lançada, a OPA passaria a contar corn a simpatia do governo norte-americano.
A Visita de Eisenhower: Um Momento de Transiçâo
Em agosto de 1 959, o comando do Itamaraty passaria por novas modificacöes, com a saída de Negräo de Lima e a entrada de Horacio Lafer. Ao contrario do que ocorrera anteriormente, dessa vez a substituiçâo no MRE näo implicou nenhuma mudança ou descontinuidade na conduçâo da política externa, mantendo-se a OPA como urna de suas prioridades. O toque inovador na atuaçâo do novo chanceler ficou por conta de urna ênfase particular na necessidade de se implementar as relaçoes económicas intemacionais do País com vistas à expansäo das exportaçôes e à conquista de novos mercados, inclusive relegando a um segundo plano constrangimentos de ordern políticoideológica que haviam vigorado até entäo. A gestäo de Lafer também levaría à frente varias medidas, iniciadas ainda com Negräo de Lima, destinadas a dar maior relevo e articulaçâo as questöes económicas, de forma a coordenar a atuaçao do Itamaraty com outros ministerios e capacitá-lo para atuar com maior eficacia seja no plano bilateral ou multilateral.32
Entrementes, no ano de 1960, foi introduzido um acontecimento novo na agenda diplomática brasileira, a partir da programada visita do presidente Eisenhower. O tour do chete de Estado americano incluía também idas à Argentina, Chile e Uruguai, tendo ocorrido poucas semanas após a assinatura do acordo comercial entre Cuba e URSS, em urna conjuntura na quai já se anunciavam mudanças na política norte-americana para a América Latina, ainda que essas nao estivessem claramente delineadas.
Tal como já havia se dado durante a vinda de Foster Dulles, o Brasil adotou como estrategia concentrar sua atençâo nos temas multilateral, deixando a abordagem das questöes Dilaterais - de natureza realmente delicada, em virtude dos problemas decorrentes da ruptura com o FMI e das dificuldades financeiras brasileiras - a cargo do governo americano. Contudo, as diferenças entre as conjunturas de urna e outra visita ficariam evidentes na mudança de atitude dos EUA: da última vez, o governo brasileiro encontrou um interlocutor extremamente receptivo, nao apenas no apoio à OPA como também na disponibilidade para eliminar as áreas de fricçâo ñas relaçôes Dilaterais.33 Em relaçâo à primeira temática, o governo americano manifestou claramente sua aprovaçâo à retomada imediata das atividades do Comité dos 21 , embora continuasse rejeitando o approach global defendido pelo Brasil e optasse por urna abordagem bilateral no tocante aos programas de auxilio econòmico. De fato, esse era um momento de indefiniçâo na política global dos EUA para a América Latina, em que a persistencia de divergencias dentro da administraçâo Eisenhower quanto aos rumos a seguir inibia qualquer compromisso com medidas mais ampias ou mudanças mais radicáis.34
Por outro lado, também no inicio de 1960, antes mesmo da visita de Eisenhower, ocorreria um episòdio bastante revelador dos condicionamentos político-ideológicos da Operaçâo Pan-Americana. O governo cubano formulou um convite ao Brasil para que participasse de urna conferencia de países subdesenvolvidos, reunindo Estados latino-americanos, africanos e asiáticos, a ser realizada brevemente em Havana. Sob alegaçoes vagas quanto à possibilidade de que essa reuniäo interferisse no encaminhamento da OPA, o chanceler Horacio Lafer recusou o convite, o que causou estranheza ao governo cubano, pois este considerava que sua proposta se enquadrava plenamente no espirito da Operaçâo. Entretanto, a recusa era compreensível, tendo em vista a iminéncia da visita do presidente americano e o impacto negativo que a aceitaçâo de semelhante convite poderia produzir, ainda que a posiçâo brasileira em face do confuto EUA/Cuba fosse de cautela e conciliaçâo. Assim, entre a preservaçâo do apoio norte-americano e a possibilidade de dar um conteúdo "terceiro-mundista" ou neutralista à luta contra o subdesenvolvimento, o Brasil optou claramente pela primeira alternativa, opçâo esta que se torna tanto mais significativa quando se observa que o País participou como observador da I e II Conferencias de Solidariedade Afro-Asiática, realizadas em Bandung (1 955) e no Cairo (1 957). Neste caso, manifestava-se um evidente descompasso entre a atuacäo diplomática brasileira no plano internacional - onde o País se permitía urna postura mais autónoma, buscando maior aproximado ao Terceiro Mundo - e no plano regional - onde se procurava evitar qualquer posiçâo que pudesse levar a um confronto direto com os EUA.
O Comité dos 21 em Bogotá: Alcances e Limites
Em julho de 1960, o Conselho da OEA decidiu convocar urna reuniäo de consulta dos chanceleres americanos, que se transformaría na Conferencia da Costa Rica, para discutir o confuto entre EUA e Cuba. Aproveitando-se da conjuntura favorável, o Brasil propos, com sucesso, a inclusao na agenda de urn item referente à "relaçâo de causalidade entre a intranqüilidade política e social na América Latina e o subdesenvolvimento económico".35 Dessa vez, todavía, a iniciativa de maior impacto nao coube ao Brasil e sim à delegaçâo norte-americana, que ao final da reuniäo anunciaría a intençâo de seu governo de criar um fundo de aproximadamente US$ 600 milhóes destinado a projetos de desenvolvímento social na América Latina.
A criaçâo daquele que ficou conhecido como Fundo de Desenvolvímento Social (Social Progress Trust Fund) sinalizava mudanças políticas importantes, pois significava urna total reversäo na política até entäo adotada pelos EUA de nao conceder recursos ao desenvolvímento dos países latino-americanos. Além disso, o governo americano empenhou-se em ter o Fundo rapidamente aprovado pelo Congresso, de forma que o mesmo pudesse ser apresentado como a principal medida a ser discutida e sancionada no terceiro período de sessöes do Comité dos 21 , cuja realizaçâo já estava prevista para Bogotá.36 Note-se que, nessa época, a candidatura oposicionista de Kennedy já havia sido lançada, e que um dos pontos fortes de sua campanha era a revisäo global das relacóes EUA/Améríca Latina.
Consciente das ampias possibílidades abertas pela nova conjuntura política, o Brasil estabeleceu metas ambiciosas para sua atuacäo na terceira e última reuniäo do Comité, aínda que se possa observar, também, urna maior ênfase brasileira nos aspectos puramente técnicos e económicos. Assim, nossa delegaçâo deveria concentrar seus est orcos na aprovaçâo dos seguintes pontos: (a) quantificacäo das metas do desenvolvímento latino-americano; (b) compromisso de assistência externa adequada; (c) abandono da tese de que a concessâo de assistência deveria ser antecedida pelas medidas de estabilizaçâo preconizadas pelo FMI; (d) abandono da tese de que a assistência externa só deveria cobrir os gastos decorrentes de importaçôes; (e) abandono da tese de que os países latino-americanos nao poderiam acelerar seu desenvolvímento por incapacidade tecnológica de absorçâo rápida de recursos; (f) abandono da idéia de que o desenvolvimento económico deveria se basear principalmente no capital privado.37
Surpreendente foi a receptividade dos EUA em relaçâo as ambiciosas propostas brasileiras. De fato, ao contrario do que ocorrera em reuniöes anteriores, em Bogotá as delegacies americana e brasileira atuaram em um clima de entendimento e sintonia, a ponto de um observador classificar o trabalho das duas delegacies como urna reediçâo "oficiosa" da Comissäo Mista Brasil-Estados Unidos.38 Como resultado desse trabalho conjunto, a terceira reuniao do Comité dos 21 produziu um documento final que representava urna total ruptura, por sua extensäo e profundidade, com o conteúdo genérico e inocuo das "declaraçoes" precedentes.
A Ata de Bogotá subdividia-se em quatto partes distintas, que incluíam: (a) medidas de melhoramento social, inclusive apoio à realizaçâo de reformas agrària e tributària; (b) criaçâo do Fundo de Desenvolvimento Social, a ser administrado pelo BID, cujos recursos estariam disponíveis para os países que se dispusessem a realizar "melhoramentos institucionais efetivos" com vistas a um "maior progresso social e desenvolvimento econòmico mais equilibrado"; (e) medidas de desenvolvimento econòmico, ai incluidas as principáis propostas brasileiras; e (d) cooperaçâo multilateral para o progresso social e económico, visando à uniäo de esforços entre CÍES, CEPAL, BID e organismos especializados das Naçôes Unidas.39
A Ata, portante contemplava ampiamente as propostas da OPA, mas é importante registrar que a inclusäo de medidas referentes ao desenvolvimento social foi urna iniciativa da delegaçâo norte-americana. Na verdade, o desenvolvimento social era urna questäo tratada de forma apenas superficial ñas formulacóes e pronunciamentos diplomáticos brasileiros, com visíveis objetivos retóricos, mas sem nenhuma preocupaçao de fixar metas ou propostas específicas. Fiel à sua matriz desenvolvimentista, a OPA incorporava a concepçâo de que os frutos do desenvolvimento económico se distribuíam automaticamente pela sociedade, de tal forma que progresso económico e prosperidade social se tornavam sinónimos. De resto, para o governo brasileiro, como também para outros govemos latino-americanos, a questäo social era um tema mais incómodo, do ponto de vista do consenso político interno e externo, que o desenvolvimento económico. Ao contràrio deste último, abordado a partir de urna construçâo ideológica que localizava o "inimigo" no plano externo (os países centrais ou desenvolvidos), denunciando relaçoes internacionais desiguais, a temática social remetía diretamente as relaçoes de poder e às desigualdades internas.
Na verdade, a Ata de Bogotá se constituía nao apenas em urna consagraçâo da OPA, mas também em um preámbulo da Manca para o Progresso, principal iniciativa da administraçâo Kennedy para a América Latina. Lançada em 1961, a nova ofensiva preconizava urna revisäo radical da política norteamericana para o Continente, tendo por base objetivos de desenvolvimento econòmico de longo prazo, reforma estrutural e democratizaçâo política. Essas metas adquiriram forma concreta mediante a assinatura da Carta de Punta del Este, na quai os EUA se comprometiam a destinar um fundo de US$ 20 bilhöes ao desenvolvimento latino-americano por um período de dez anos, sendo que a aplicaçâo desses recursos estava vinculada a um compromisso com a democracia representativa e à realizaçâo de reformas sociais.
O lançamento da Aliança para o Progresso significava um claro esforco norte-americano no sentido de corrigir os erros do passado e fornecer à América Latina um modelo de desenvolvimento econòmico e social alternativo ao perigoso exemplo oferecido pela Revoluçâo Cubana. Varios assessores de Kennedy que participaram diretamente da formulaçâo da Manca para o Progresso reconhecem a importancia e a influencia da Operaçâo Pan-Americana corno proposta inovadora e corno um alerta em relaçâo aos "perigos" do subdesenvolvimento.40
Nesse sentido, a Ata de Bogotá, ao mesclar recomendaçôes referentes ao desenvolvimento economico e ao desenvolvimento social, pode ser considerada como um ponto de chegada que era também um ponto de partida, explicitando os alcances e limites da iniciativa brasileira. No primeiro caso, atingia-se o objetivo, coerentemente sustentado ao longo de toda a trajetória diplomática da Operaçâo, de se obter um compromisso politico dos EUA com o combate ao subdesenvolvimento latino-americano. No segundo, urna parte dessa substancial vitória política da diplomacia brasileira era diluida pelo fato de que a capacidade inovadora havia se transportado para o lado norte-americano, ao propor a associaçâo entre desenvolvimento econòmico, democracia política e reforma social.
Conclusöes
Como podemos observar, o lançamento da Operaçâo Pan-Americana representou urna substancial ampliaçâo da agenda econòmica externa brasileira. Contudo, isso nâo significa que a OPA deva ser vista apenas corno urna consequência lògica e inevitável do desenvoMmentismo agressivo do governo JK. A pròpria conjuntura que cercou o seu lançamento, assim como suas origens e o conteúdo das formulaçôes iniciáis apontam claramente para urna iniciativa política, traduzida em um ato de afirmaçâo continental e internacional do País - esse caráter eminentemente político se revela, inclusive, na generalidade das formulaçôes e na ausencia de propostas concretas.
Nao obstante, o encaminhamento pràtico da OPA terminou por impor a necessidade de que esta formulasse urna agenda específica que orientasse os trabalhos e a açâo diplomática. Aquí pode-se observar que a atuaçâo brasileira assumiu duas dimensöes que, embora distintas, nâo eram confutantes e de fato se complementavam. Em primeiro lugar, urna dimensäo político-diplomática, que buscava reforçar o conteúdo político da Operaçâo mediante a associaçâo entre segurança hemisférica e desenvolvimento econòmico. Em segundo, urna dimensäo técnico-económica, fortemente influenciada pelo pensamento e práticas económicas desenvolvimentistas, que se ajustava às necessidades e objetivos das políticas económicas interna e externa. Neste último caso, a OPA nao só se beneficiou como também reforçou todo um processo de colaboraçao entre o Ministerio das Relaçôes Exteriores e setores da burocracia estatal vinculados às relaçôes económicas externas, em um contexto de crescente articulaçâo entre aspectos económicos e aspectos políticos na conducäo da política externa. Toda urna geraçao de "diplomataseconomistas" esteve ligada à OPA, quer por meio da realizaçao de estudos técnicos ou da participacáo ñas delegacies brasileiras ñas reuniöes do Comité dos21.41
Por outro lado, a OPA reintroduziu no quadro geral da política externa brasileira os temas do alinhamento e do desenvolvimento sob um novo prisma, do multilateralismo. Todas as tentativas anteriores, bem-sucedidas ou nao, de negociar o alinhamento político em troca de auxilio económico haviam se dado em bases bilaterais. A partir de 1942, esse bilatéralisme se concentrou na relaçâo com os EUA, que passava a desfrutar da condiçâo de potencia hegemônica regional. A consolidaçâo, no imediato pós-guerra, de um sistema interamericano, com foros multilaterais permanentes ou regularmente convocados, näo alterou esse padräo, pois ainda assim a diplomacia brasileira orientava-se no sentido de utilizar instrumentos multilaterais para assegurar ganhos bilaterais na relaçâo com os EUA, em urna postura de evidente competicäo com os demais países latino-americanos.
O multilateralismo foi, como já vimos, um dos principáis aspectos afirmados pela OPA desde suas formulaçoes iniciáis, e näo se constituía apenas em urna figura de retórica. Muito embora o interlocutor privilegiado do governo brasileiro fossem os EUA, houve todo um esforço diplomático no sentido de ampliar os contatos e obter o apoio das Chancelarias latino-americanas. A pròpria criaçâo do Comité dos 21 é urna evidencia do relativo sucesso desse traballio diplomático, urna vez que näo teria sido possível criar um organismo com essas características sem o suporte político mínimo näo só dos EUA mas também dos demais Estados americanos.
A énfase no multilateralismo significou a introduçâo de duas novas direçôes na política externa brasileira, com desdobramentos importantes para sua evoluçâo posterior. Em primeiro lugar, como um instrumento em si de conducäo da acáo diplomática, isto é, a conjugaçâo entre açâo multilateral e relaçôes bilaterais, particularmente no tocante aos temas económicos. Em segundo, como um esforço de aproximaçao da América Latina. Nesse último caso, a OPA inaugurou urna experiencia de cooperacáo político-económica sem precedentes, tendo por base a temática comum do subdesenvolvimento.
A coexistencia permanente de dois interlocutores - EUA, de um lado, e América Latina, de outro - é também reveladora das ambigüidades da iniciativa brasileira, que conjugava conservaçao e inovaçao. Se utilizarmos a tipologia construida por Jaguaribe, que opunha americanistas vs. neutralistas, observaremos que a OPA buscou conciliar concepçôes e objetivos. aparentemente inconciliáveis. De um lado, eia incorporava pressupostos tipicamente americanistas: a manutençâo da solidariedade política aos EUA e a noçâo de urna suposta "complementaridade de intéresses" políticos e económicos entre os dois países. De outro, eia também incorporava pressupostos neutralistas, tais como a busca de maior autonomia na atuaçâo internacional do Brasil, a aproximaçâo da América Latina e a ênfase no subdesenvolvimento.42 Nao obstante, também podemos observar que o americanismo prevaieceu sobre o neutralismo nos momentos em que o alinhamento aos EUA, percebido como alinhamento ao mundo ocidental, poderia ser posto em xeque - como no episodio da recusa ao convite do governo cubano.
Essa dimensäo também nos revela que as ambigüidades da OPA nao sao isoladas, inserindo-se no quadro mais global da política exterior do governo Kubitschek. O caráter ambiguo, às vezes indefinido, e mesmo contraditório desta última manifestou-se igualmente em outras situaçoes, como na "fórmula de conciliaçâo" encontrada para implementar o reatamento comercial com a URSS, ou ainda na postura crescentemente contraditória em face da descolonizaçâo africana.43 Podemos igualmente observar que essa ambigüidade pressupöe um processo de progressivo descolamento entre os aspectos da política externa mais diretamente ligados ao campo político-estratégico - nos quais persiste o alinhamento aos EUA e às demais potencias ocidentais - e aqueles mais estreitamente vinculados ao desenvolvimento económico - nos quais a atuaçâo diplomática brasileira vai assumindo urna postura crescentemente crítica, autónoma e capaz de articular um discurso proprio.
Nesse sentido, é significativo que dos tres aspectos destacados ñas formulaçôes iniciáis, o que mais se diluiu à medida que a proposta foi ganhando um encaminhamento concreto foi o da autonomia, que terminou por sucumbir ao peso real do alinhamento diante de urna configuraçâo extremamente rígida das relaçôes de poder no ámbito regional. De fato, no único momento em que se abriram posibilidades para que a OPA obtivesse ganhos reais, estes se deram mediante um reforço do alinhamento, em um contexto de questionamento do sistema interamericano imposto pelo desafio cubano.
Ainda assim, foi justamente na capacidade de ter articulado em um discurso coerente os temas da autonomia, do desenvolvimento e do multilatéralisme que residiu a contribuiçâo inovadora da política exterior de JK. Todos os tres temas apontavam para um alargamento de horizontes que seria retomado posteriormente pela diplomacia brasileira.
(Recebido para publicaçâo em maio de 1 993)
mico. Ao mesmo tempo, procurou-se delinear os fatores internos associados ao lançamento da OPA, com atençâo especial as formulaçôes políticas, aos conflitos intragovernamentais e às demandas originadas da política económica. Por firn, destaca-se os alcances e limites da iniciativa brasileira, ressaltando o seu caráter inovador ao articular os temas do desenvolvimento e do multilatéralisme) em um discurso coerente de política externa.
Resumo
Desenvolvìmento e Multi lateratismo: Um Estudo sobre a Operaçao Pan-Americana no Contexto da Política Externa de JK
Este artigo se baseia em um estudo detaIhado sobre a Operaçao Pan-Americana (OPA), principal iniciativa diplomática do governo Juscelino Kubitschek (1956-60), tendo como pano de fundo o contexto mais ampio da política exterior brasileira naquele período. Como fio condutor da análise, buscou-se articular, de um lado, os condicionamentos externos que balizavam o campo de açâo da diplomacia brasileira, sobressaindo-se, neste caso, as relaçoes de poder no interior do subsistema interamericano e as divergencias entre EUA e América Latina quanto às diferentes prioridades concedidas à segurança e ao desenvolvìmento econôAbstract
Development and Multilateralism: A Study on the Pan-American Operation in the Context of JK's Foreign Policy
This article is based on a detailed study of the Pan-American Operation (OPA), the principal diplomatic initiative of the Juscelino Kubitschek government (1956-60), in the context of Brazil's foreign policy in the period. As guidelines for the analysis, the author has attempted, on one hand, to link the external conditioning factors which set bounds for the Brazilian diplomacy, pointing out the power relations in the inter-American sub-system, as well as the divergences between the United States and Latin America on the different priorities given to security and economic development. On the other hand, the article has sought to outline the internal factors associated with the launching of the OPA, with a special emphasis on political formulation, intra-governmental conflicts and on demands originating from the economic policy. Finally, it points out the attainments and limitations of the Brazilian initiative, emphasizing its novelty while linking the themes of development and multilateralism into a coherent foreign policy discourse.
Resume
Développement et Multilateralité: Une Etude sur l'Opération Pan-Américaine dans le Contexte de la Politique Externe de U.K.
Cet article s'appuie sur une etude détaillée de l'Opération Pan-Américaine (OPA), principale initiative diplomatique du gouvernement de Juscelino Kubitschek (1956-60), ayant comme toile de fond le contexte de la politique extérieure brésilienne de cette période. Comme fil conducteur de l'analyse, l'auteur cherche à articuler d'un côté, les conditionnements externes qui ont défini le champ d'action de la diplomacie brésilienne, soulignant, dans ce cas, les relations de pouvoir dans le noyau du sous-système inter-américain et les divergences entre les États Unis et l'Amérique Latine par rapport aux différentes priorités accordées à la sécurité et au développement économique. En même temps, l'article cherche à décrire les facteurs intérieurs associés au lancement de G???, en dédiant une attention spéciale aux formules politiques, aux conflits intra-gouvernementales et aux demandes originaires de la politique économique. En dernier lieu, l'auteur souligne les portées et limitations de l'initiative brésilienne, remarquant son caractère innovateur par l'articulation des thèmes du développement et de la multilateralste dans un discours cohérent sur la politique extérieure.
* Este artigo se baseia em minha dissertaçâo de mestrado, defendida junto ao I RI/PUCRio em junho de 1992.
NOTAS
1 A pesquisa, realizada a partir de um convenio entre o CPDOC/FGV e a Fundaçao Ford, foi coordenada pelo professor Gerson Moura. A esse respeito, ver Alexandra de M. e Silva e Maria Helena Versiani, A Política Exterior do Governo Juscelino Kubitschek - Cronologia 1956/1960, Rio de Janeiro, CPDOC/FGV, 1987; Leticia Pinheiro, Seis Momentos de Atuaçâo do Brasil na ONU - O Governo Juscelino Kubitschek 1956/1960, Rio de Janeiro, CPDOC/FGV, 1987; Gerson Moura, "Avanços e Recuos: A Política Exterior de JK", in Angela de Castro Gomes, org., O Brasil de JK, Rio de Janeiro, Ed. da Fundaçao Getúlio Vargas/CPDOC, 1991; e, ainda, Alexandra de M. e Silva, "A Política Externa de JK: A Operaçâo Pan-Americana", Dissertaçâo de Mestrado, IRI/PUC-Rio, 1992.
2 No caso da primeira interpretaçâo, ver Keith L. Storrs, "Brazil's Independent Foreign Policy: Background, Tenets, Linkage to Domestic Policies and Aftermath", Ph.D. Dissertation, Cornell University, 1973. Para urna análise que privilegia os aspectos económicos, ver Pedro S. Malan, "Relaçoes Económicas Internacionais do Brasil (1945-1964)", in Boris Fausto, dir., Historia Geral da Civilizaçâo Brasileira, tomo III, vol. 4, Sao Paulo, Difel, 1986.
3 Ver Gelson Fonseca Júnior, "Estudos sobre Política Extema no Brasil: Os Tempos Recentes (1950/1980)", in Gelson Fonseca Juniore Valdemar Carneiro Leäo, orgs., Temas de Política Externa Brasiíeira, Brasilia, Funag/IPRI-Ed. Ática, 1989.
4 A partir de urna distincäo metodológica entre fatores externos e internos como variáveis explicativas das políticas externas latino-americanas, van Klaveren chama a atençao para a presença desse elemento comum em interpretaçôes aparentemente dicotómicas, tais como o pensamento geopolítico e a teoria da dependencia. Ver Alberto van Klaveren, "Análise das Políticas Externas Latino-Americanas: Perspectivas Teóricas", in Heraldo Muñoz e Joseph Tulchín, eds., A América Latina e a Política Mundial - Urna Perspectiva Latino-Americana das Relaçoes Internacionais, Sao Paulo, Convivio, 1987.
5 Ver Gerson Moura, Autonomia na Dependencia: Política Externa Brasiíeira de 1935 a 1942, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1980, cap. I.
6 Ver David Green, "The Cold War comes to Latin America", in ?. J. Bernstein, Politics and Policies oí the Truman Administration, Chicago, Quadrangle Books, 1 970; e Pedro S. Malan, "Relaçoes Económicas...", op. cit.
7 Em 1955, a pauta de exportaçôes da América Latina para os EUA era constituida por produtos como café, acucar, petróleo, cobre, estanho e outros, ao passo que a pauta de importaçôes incluía máquinas, automóveis, produtos alimenticios, equipamentos agrícolas e elétricos, texteis, produtos químicos, ferro e aço. Os dados sao de CPDOC/BDE 57.03.00 - Report on the United States Foreign Assistance Programs.
8 Para urna descriçâo detalhada desse processo, ver Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, Dependencia e Desenvolvimento na América Latina - Ensaio de Interpretaçao Sociologica, Rio de Janeiro, Zahar, 1984.
9 Ver Robert Packenham, uberai America and the Third World- Political Development Ideas in Foreign Aid and Social Science, Princeton, Princeton University Press, 1976.
10 O nome refere-se ao quarto ponto do discurso de posse de Harry Truman, quando este enuncia os objetivos da política externa dos EUA, quais sejam: I) apoio à ONU; II) recuperacelo da economia mundial; III) fortalecimento das naçoes "livres"; e IV) tornar o conhecímento técnico norte-americano dispon ível para as regióos subdesenvolvidas. O programa do "Ponto IV" tomaría forma legislativa através da promulgacao, em 1 950, do Act for International Development, que permitía o estabelecimento de comissöes mistas para negociar objetivos de ajuda técnica e económica. Malan assiñala que apenas oito países (sendo sete latino-americanos, entre eles o Brasil) solicitaram a constituicáo daquelas comissöes, o que revelaría a escassa repercussäo do programa norte-americano. Ver Pedro S. Malan, "Relacóes Económicas...", op. cit., pp. 68-9.
11 A Comissäo Mista Brasil-Estados Unidos instalou-se em 1951, funcionando até 1953. De seus trabaIhos resultaram nao apenas 41 projetos específicos, que priorizavam as áreas de energia e transportes, mas também um extenso diagnóstico das deficiencias da economia brasileira. Os financiamentos para os projetos elaborados pela Comissäo, que deveriam vir do Eximbank e do BIRD, terminaram preiudicados pelas mudanças no governo americano (ascensäo de Eisenhower) e coni Sitos burocráticos entre o Eximbank e o BIRD. No entanto, suas recomendaçoestiveram influencia decisiva na elaboraçao do Plano de Metas do governo JK. A esse respeito, ver Sergio B. Vianna, A Política Económica no Segundo Governo Vargas (1951/1954), Rio de Janeiro, BNDES, 1987; e ainda Maria Antonieta Leopoldi, "Crescendo em meio à Incerteza: A Política Económica do Governo JK (1 956/60)", in Angela de Castro Gomes, org., O Brasil de JK... op. cit.
12 Entre 1946 e 1953, o Continente recebeu um total de US$ 1 ,3 bilhäo em assistanola externa (económica e militar), contra US$ 29,4 bilboes concedidos à Europa; US$ 6,9 biIhóes à Asia Oriental; US$ 3,7 biIhóes ao Sudeste Asiático; e US$ 7 milhöes à África. Os dados sao de SamuelT7BailyT777eT/r7/Yed States and the Development of South America - 1945/1975, Nova Jorque, New Viewpoints, 1976, pp. 56-7.
13 Em 1 949, très quartos da ajuda externa total dos EUA eram destinados à assistência económica, e apenas um quarto à assistência militar. Ao longo da década de 50, essas taxas se invertem para dois tercos de assistência militar contra um terço de ajuda económica. Ver Robert Packenham, Liberal America... op. cit., p. 49; e Samuel L Baily, The United States... op. cit^ p.74.
14 Nesse caso, as maiores divergencias partiam de Milton Eisenhower e C. Douglas Dillon. O primeiro, irmäo do presidente, näo ocupava nenhum cargo formai dentro do governo mas atuava corno um de seus principáis conselheiros para assuntos latino-americanos, enquanto o segundo foi nomeado subsecretario de Estado para assuntos económicos em 1957. No extremo oposto, defendendo a ortodoxia dominante, colocavam-se o secretario do Tesouro, George Humphrey, e seu sucessor, Robert ?. Anderson. A esse respeito, ver M.R. Zahniser e W.M. Weiss, "A Diplomatie Pearl Harbor? Richard Nixon's Good Will Mission to Latin America in 1 958", Diplomatic History, vol. 13, na 2, 1989.
15 Idem.
16 Ver Gerson Moura, Autonomia na Dependencia... op. cit.; O Alinhamento sem Recompensa: A Política Externa do Governo Dutra, Rio de Janeiro, CPDOC/FGV, 1987, mimeo; Monica Hirst, O Pragmatismo Impossível: A Política Externa do Segundo Governo Vargas (1951/1954), Rio de Janeiro, CPDOC/FGV, 1990, mimeo; e Antonio Francisco da C. Silva Neto, "A Evoluçâo do Conceito de Desenvolvimento e seu Reflexo na Politica Externa Brasileira", Cadernos do IPRI, n^ 2 - Ensaios de Historia Diplomática do Brasil (1930/1986), Brasilia, Funag/IPRI, 1989.
17 Para urna análise detalhada da politica econòmica interna e externa do governo JK, ver Carlos Lessa, 15 Anos de Politica Econòmica, Säo Paulo, Brasiliense, 1982; Maria Antonieta Leopoldi, "Crescendo em meio...", op. cit.; Pedro S. MaIan, "Relaçôes Económicas...", op. cit.) e Luìz Orenstein e A. C. Sochaczewski, "Democracia com Desenvolvimento: 1 956/1 960", in Marcelo de P. Abreu, org., A Ordern do Progresso: Cem Anos de Politica Econòmica Republicana - 1889/1989, Rio de Janeiro, Campus, 1989.
18 O texto das cartas trocadas por Juscelino Kubitschek e Dwight Eisenhower pode ser encontrado em Relatório do Ministerio das Relaçôes Exteriores, Rio de Janeiro, MRE/Seçâo de Publicaçâo do Servico de Documentaçâo, 1958, p. 4.
1 9 Ver Operaçao Pan-Americana, vol. 1 , Rio de Janeiro, Serviço de Documentaçâo da Presidencia da República, 1958, pp. 32-6; e CPDOC/EAP OPA I - Exposiçâo do presidente da República às Forças Armadas sobre a Operaçao Pan-Americana, em 17/7/1958.
20 Para urna exposiçâo detalhada sobre a estrategia brasileira de atrair a colaboraçâo dos demais países latino-americanos, e a atençâo especial dada à Argentina, ver CPDOC/EAP OPA III - memorando secreto da embaixada brasileira nos EUA, S.I., s.d.; CPDOC/NL 58.05.28 adm - Operaçao PanAmericana - esboço de um plano de trabalho - reuniäo de 4/7/1958; e CPDOC/NL 58.05.28 adm - Metodologia da Operaçao Pan-Americana.
21 Essa informaçâo é confirmada pelos depoimentos de Emani do Amarai Peixoto, à época embaixador do Brasil em Washington; Mario Gibson Barbosa, encarregado de negocios do Brasil em Buenos Aires; e ainda José Sette Cámara, subchefe do Gabinete Civil de JK. Ver, respectivamente, Aspasia Camargo et all'i, Artes da Política: Diálogo com Amarai Peixoto, Rio de Janeiro, Nova Fronteira-CPDOC/FGVUFF, 1986, p. 414; Mario Gibson Barbosa - Depoimento concedido à Leticia Pinheiro e Zairo B. Cheibub, Programa de Historia Oral do CPDOC/FGV, 1989; e José Sette Cámara- Depoimento concedido à Ines Cordeiro de Farias, Paulo Wrobel e Alexandra de Mello e Silva, Programa de Historia Oral do CPDOC/FGV, 1993.
22 Em seu depoimento, Sette Cámara observa que José Maria Alkmin, outro "cacique" do PSD, à época ministro da Fazenda, também temia que a OPA pudesse prejudicar as relaçoes Dilaterais corn os EUA. A respeito da posiçâo de Amarai Peixoto, ver Aspasia Camargo et alli, Artes da Política..., op. cit., pp. 41 56. As críticas à Operaçâo podem ser acompanhadas igualmente por intermedio dos editoriais dos principáis jomáis da época, tais como O Estado de Sao Paulo e Correlo da Manhä. Ver, por exemplo, "A Carta e o Discurso", CM, 24/6/1958, p.6; e "Servir e Desservir", ESP, 24/6/1958, p.3. Urna análise feita à época por Jacob Gorender também registrava as divergencias intragovernamentais, observando que o lançamento da OPA representaría a viteria de um certo segmento governamental, de visâo mais pragmática, sobre os setores mais conservadores do Itamaraty. Ver Jacob Gorender, "Política Exterior em Crise", Estudos Sociais, julho/agosto de 1958.
23 A distinçâo entre "americanistas" e "neutralistas" baseia-se na análise de Jaguaribe, que identificava as duas posturas como correntes antagónicas, localizadas tanto dentro como fora do Estado, que lutavam para estabe lecer seu controle sobre a conducáo da política exterior. Ainda que seja problemático localizar as correntes em "estado puro", principalmente no tocante às disputas intraburocraticas, consideramos que a tipologia de Jaguaribe é bastante útil, sobretudo quando se trata de situar o debate na sociedade civil. Ver Helio Jaguaribe, O Nacionalismo na Atualidade Brasileira, Rio de Janeiro, MEC/ISEB, 1958.
24 Sobre as respostas i mediatas da administraçâo Eisenhower ao impacto causado pela viagem de Nixon, ver M.R. Zahniser e W.M. Weiss, "A Diplomatie Pearl Harbor...", op. cit.; Samuel L. Baily, The United States..., op. cit.; e ainda Gordon Connel-Smith, Los Estados Unidos y la América Latina, México, Fondo de Cultura Econòmica, 1977.
25 Ver CPDOC/EAP OPA I- aide-memoire Operaçâo Pan-Americana, 12/8/1958; CPDOC/EAP OPA I - Telegrama da Secretaria de Estado às missöes diplomáticas brasileiras nos EUA, América Latina, ONU e OEA, 21/8/1958; e CPDOC/EAP OPA I - Ministerio das Relaçoes Exteriores dos Estados Unidos do Brasil - aide-memoire. Este último memorando, apresentado pelo Brasil durante a reuniáo informal de chanceleres em Washington, baseava-se em um extenso documento de trabalho elaborado pelo Departamento Economico e Consular do MRE, com a ajuda de um grupo de técnicos do BNDE. Ver Estudos Económicos da Operaçâo Pan-Americana, tomo I: Tendencias Básicas das Economías Brastleira e Mundial no Período 19581980, Rio de Janeiro, MRE/Departamento Económico e Consular, 1958.
26 Ver CPDOC/OA doc. of. OEA II - Palabras pronunciadas por el representante del Brasil, 19/1 1/1958; CPDOC/OA doc. of. OEA II - Discurso pronunciado por el señor Augusto Frederico Schmidt, 28/1 1/1958; e CPDOC/EAP OPA II - Comité dos 21. Projeto de instruçôes à delegaçâo brasileira, 13/11/1958.
27 Ver CPDOC/OA doc. of. OEA II - Palabras pronunciadas por el señor Douglas Dillon, em 18/11/1958; e CPDOC/EAP OPA II - Not for publication.
28 O Fundo recomendava ao Brasil a aplicaçao de medidas de estabilizaçao monetària, incluindo a restriçao do crédito e a realizaçâo de urna reforma cambial, com vistas à contençâo da inflaçâo e à eliminaçâo dos desequilibrios externos. O "Plano de Estabilizaçâo Monetària", elaborado por Lucas Lopes (que sucedeu Alkmin no Ministerio da Fazenda), estava na lin ha das medidas preconizadas pelo FMI, mas sua aplicaçao foi prejudicada pela clara opçâo do governo JK pela continuidade do crescimento econòmico, em detrimento da estabilizaçâo. Ver Maria Antonieta Leopoldi, "Crescendo em meio...", op. cit.
29 Ver CPDOC/EAP OPA II - Not for publication; e CPDOC/EAP OPA II - Telegrama de Sergio Correa da Costa à Secretaria de Estado, em 19/1/1959.
30 Ver CPDOC/OA doc. of. OEA I - Resumo do segundo relatório da delegaçâo do Brasil à Comissäo Especial do Conselho da OEA, 27/4 -8/5/1959.
31 Na verdade, esse novo approach se aplicava ao conjunto do Terceiro Mundo, tendo se expressado mais fortemente ñas iniciativas norteamericanas para a América Latina. Ver Robert Packenham, Liberal America... op. cit., pp. 59-75 e 10910.
32 Podem-se citar, neste caso, a criacao da Comissäo de Coordenaçao e Planejamento da Política Económica Exterior e urna reforma administrativa no MRE que, entre outras inovaçôes, acabou com a divisäo funcional entre assuntos políticos e assuntos económicos e consulares, introduzindo o critèrio de divisäo por áreas geográficas.
33 Durante as conversacöes com J ?, Eisenhower sugeriu que o Brasil retomasse as negociaçôes com o FMI, sem que isto implicasse necessariamente a aceitaçâo das medidas rígidas impostas pelo Fundo. Assim, sob os auspicios do Departamento de Estado, o governo brasilero reatou suas relaçôes com o Fundo em maio de 1960, obtendo de i mediato a liberaçao de um empréstimo de US$ 47 milhöes. Ver L. A. Moniz Bandeira, Presença dos Estados Unidos no Brasil (Dois Séculos de Historia), Rio de Janeiro, Civilizaçao Brasileira, 1 973, p. 400.
34 Ver "Atravessamos urna Fase de Decisöes Fatais, Disse Eie no Congresso", O Estado de Säo Paulo, 25/2/1960, p.6; "Divulgada Ontem Nota Conjunta do Brasil e dos E UÀ", O Estado de Säo Paulo, 20/3/1960, p. 12. Douglas Dillon relata as divergencias entre os Departamentos de Estado e do Tesouro, que so seriam solucionadas mediante a intervençao pessoal de Eisenhower em meados de 1960. Ver Douglas Dillon, 'The Prelude", in Ronald Scheman, ed., The Alliance for Progress ~ A Retrospective, Nova lorque, Praeger, 1988.
35 Relatório do Ministerio das Relaçoes Exteriores, Rio de Janeiro, MRE/Seçâo de Publicaçâo do Serviço de Documentaçao, 1960, p. 10.
36 Ver Douglas Dillon, 'The Prelude...", op. cit.
37 Relatório do Ministerio das Relaçoes Exteriores..., op. cit., pp. 5-6.
38 O observador é Frederico Heller, correspondente de O Estado de Säo Paulo. Ver "Significado da Atitude Norte-Americana e do Novo Estilo de Dillon", ESP, 8/9/1960, p. 1 ; e "Encerrada a Reuniäo de Bogotá", ESP, 14/9/1960, p. 1.
39 CPDOC/Arquivo Clemente Mariani - Ata de Bogotá. Medidas de MeIhoramento Social e Desenvolvimento Económico dentro do Quadro da Operaçao Pan-Americana.
40 Ver os depoimentos de Douglas Dillon, Arthur Schlesinger Jr. e Lincoln Gordon, in Ronald Scheman, ed., The Alliance for..., op. cit. Sobre as origens e desdobramentos da Aliança para o Progresso, ver, também, Samuel L. Baily, The United States..., op. cit.
41 Podem-se citar os nomes de Miguel Osório de Almeida, Roberto Campos e Joäo Batista Pinheiro, entre outros.
42 Ver Hélio Jaguaribe, O Nacionalismo na... op. cit., pp. 221-96. Nótese que sua análise é anterior ao lançamento da OPA.
43 O debate acerca da conveniencia de reatar relaçoes com a URSS, rompidas desde 1947, envolveu diversos segmentos da sociedade civil e da burocracia estatal, tendo persistido ao longo de todo o governo JK. A "fórmula de conciliacáo" consistía em implementar o reatamento de relaçoes comerciáis (concretizado em 1960), postergando, contudo, o reatamento político-diplomático. A esse respeito, ver Gerson Moura, "Avanços e Recuos...", op. cit. Sobre a postura do Brasil em relaçâo à descolonizaçâo africana, ver Leticia Pinheiro, "Açâo e Omissäo: A Ambigüidade da Política Brasileira írente ao Processo de Descolonizaçâo Africana (1946/1960)", Dissertaçao de Mestrado, IRI/PUC-Rio, 1988.
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Abstract
This article is based on a detailed study of the Pan-American Operation (OPA), the principal diplomatic initiative of the Juscelino Kubitschek government (1956-60), in the context of Brazil's foreign policy in the period. As guidelines for the analysis, the author has attempted, on one hand, to link the external conditioning factors which set bounds for the Brazilian diplomacy, pointing out the power relations in the inter-American sub-system, as well as the divergences between the United States and Latin America on the different priorities given to security and economic development. On the other hand, the article has sought to outline the internal factors associated with the launching of the OPA, with a special emphasis on political formulation, intra-governmental conflicts and on demands originating from the economic policy. Finally, it points out the attainments and limitations of the Brazilian initiative, emphasizing its novelty while linking the themes of development and multilateralism into a coherent foreign policy discourse. [PUBLICATION ABSTRACT]
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