Resumo
0 pensamento de Max Weber, no momento em que economistas e sociólogos procuram fazer convergir os seus trabalhos, apresenta-se como urna alternativa plausível para se pensar a inter-relaçâo entre os vários dominios das Ciencias Sociais. No Brasil, as ideias de Weber influenciaram várias geraçôes de pensadores, ocupando lugar de destaque na construçào da historia do pensamento social e económico do país. Seguindo essa linha, este trabalho tem por objetivo analisar, em Os dorios do poder, de Raymundo Faoro, um intérprete weberiano do Brasil, a articulaçâo entre os distintos dominios do económico, do social e do político. A hipótese fundamental é que, analisadas à luz de Weber, as formulaçôes de Faoro subsumem toda a açào social em urna dimensäo exclusiva, a da política, promovendo urna explicaçâo monocausal do "atraso" e da dinámica da realidade brasileira.
Palavras-chave: Max Weber. Raymundo Faoro. Imbricamento. Institutes. Atraso económico.
1 Introduçao
Há um interesse crescente por parte dos dentistas sodais em aproximar os resultados das pesquisas das suas diversas áreas, promovendo maior contato interdisciplinar entre os vários dominios do saber social. Esse interesse surgiu, por um lado, como urna reaçao dos próprios economistas à crítica de que o objeto de estudo da economía teria esvaziado esse dominio das motivaçôes próprias das outras Ciencias Sociais. Por outro lado, surgiu como urna reaçâo da sociología e da ciencia política à expansáo da teoría económica da escolha racional sobre os seus dominios.
A abordagem da Nova Economia Institucional (NEI), com seu enfoque multidisciplinar, representa a tentativa por parte da economia de conciliar a especificidade e historicidade das instituiçoes das diversas sociedades com a abstraçao e o enfoque generalizante característicos da teoría neoclássica. Da parte da sociología, a contraofensiva tem se dado em ampias frentes. Urna das mais significativas vem das formulaçoes da Nova Sociología Económica. Em suas várias vertentes, os seus membros reconhecem, por exemplo, os avanços da NEI em relaçao à teoría neoclássica, mas criticam o que seria urna inserçao artificial do social pelo económico feita pelos adeptos da NEI. Nessa direçâo, há o resgate do conceito de embeddedness (imbricamento), na busca pelo reconhecimento da importáncia do ambiente e do contexto social em que os agentes estáo inseridos.
Outra frente sociológica intenta um retorno à sociología clássica como soluçâo para se pensar a articulaçào entre os vários níveis da realidade social. Esse é o caso de Swedberg (2005) e Boettke e Storr (2002), que criticam a forma como o económico e o social se vinculam tanto nos trabalhos da Nova Sociología Económica quanto nos da NEI, os primeiros por sobressocializarem o comportamento humano; enquanto os segundos, por subsocializarem. Em contrapartida, esses autores apontam a teoría weberiana como a mais adequada em reconhecer os níveis múltiplos do embeddedness. O interesse por Weber se manifesta também porque este conféré urna atençâo especial ao capitalismo como sistema económico-social distinto. Suas categorías de "capitalismo racional" e "político" foram, até o momento, pouco exploradas, abrindo ampias possibilidades explicativas para se entender a historia dos países em desenvolvimento.
No Brasil, a produçao intelectual de Weber, ao lado da de Marx, foi a que mais fortemente influenciou os estudos dos problemas do país. Seu legado envolve a adiçâo de vários fatores nao económicos na compreensáo da realidade brasileira. Para o caso, cita-se Raymundo Faoro, que usa as ideias de Weber como um contraponto à tópica marxista da determinaçâo da superestrutura política e ideológica pela infraestrutura económica. Faoro faz uso também das noçoes de patrimonialismo, capitalismo político e estamento, próprias da sociología de Weber, para explicar o "atraso" económico, político e social brasileiro comparativamente ao progresso americano.
O objetivo deste trabalho, seguindo a perspectiva aberta pela sociología económica weberiana, é analisar em Os donos do poder, de Raymundo Faoro, a articulaçao entre os distintos dominios do económico, do social e do político. A hipótese fundamental é que, analisadas à luz de Weber, as formulaçoes de Faoro (1997) subsumem toda a açào social a urna dimensáo exclusiva, a saber, a política, promovendo uma explicaçao monocausal do "atraso" e da dinámica da realidade brasileira.
Os estudos mais recentes sobre desenvolvimento económico, ao confirmaran a importância de fatores nao económicos na explicaçao do desempenho diferenciado entre as naçoes no tempo, justificam em grande medida este artigo. Ademáis, a atualidade de Weber para se pensar as várias formas do capitalismo e o imbricamento entre os dominios das Ciencias Sociais abre possibilidades também para se pesquisar a obra dos intérpretes weberianos do Brasil, bem como suas explicaçôes para o atraso brasileiro.
Este trabalho, além desta introduçao, divide-se como segue. A segunda seçâo apresenta os conceitos da sociología económica de Weber, contrapondo-os às outras tentativas de articular os vários dominios da realidade social. A terceira apresenta a interpretaçao de Faoro (1997) e a forma como este articula os conceitos weberianos na explicaçâo do descompasso brasileiro ao longo da historia. Por fim, seguem as conclusóes deste artigo.
2 O método compreensivo e a sociología de Max Weber
Nas últimas décadas, em resposta às críticas de que a teoría neoclássica teria esvaziado a análise económica das motivaçoes estudadas pela sociología e pela política, tem havido esforços para aproximar os resultados das pesquisas económicas dos resultados das demais Ciencias Sociais. Essa aproximaçao tem sido facilitada pelo entendimento de que a divisáo das Ciencias Sociais diz respeito mais a diferenças de abordagens do que de disciplinas e, em última análise, de que essas abordagens podem ser conciliadas pelo conceito de instituiçôes (DEQUECH, 2011). Nesse contexto, as ideias de Weber (1991, 1994, 2001), evidenciadas neste trabalho, tem relevancia, primeiro por representaran urna soluçâo para a separaçao entre conhecimento histórico e nomotético e, segundo, porque seu sólido alicerce conceitual tem sido alternativa às tentativas de tratar da questáo dos múltiplos níveis de embeddedness7
2.1 Concillando o método histórico e o método abstrato dedutivo
A disputa que influenciou a separaçao da economía das demais Ciencias Sociais ocorreu na Alemanha do sáculo XIX, opondo monistas a pluralistas metodológicos. Na economía, esse embate ficou conhecido como "Batalha dos Métodos",4 colocando em campos opostos aqueles que apoiavam a Escola Marginalista, liderada por Carl Menger, contra a chamada Escola Histórica Alema, liderada por Gustav Schmollen As principáis controvérsias deram-se, principalmente, em torno da questáo da natureza do objeto económico e da melhor forma de abordá-lo.
A contribuiçâo de Weber para a resoluçâo da disputa metodológica na Alemanha deu-se ao operar a fusâo e a conséquente unificaçâo das Ciencias Culturáis e Sociais (RINGER, 2004). Primeiro, por reconhecer que näo existe privilégio ou superioridade do método generalizante em relaçâo ao método individualizante; tanto as Ciencias Naturais quanto Culturáis fazem uso de ambos os métodos na tentativa de dar urna explicaçào causal aos fenómenos. Qualquer que seja o método, cada urna faz urna seleçâo na infinita diversidade da realidade empírica:
O método generalizante despoja o real de todos os aspectos contingentes e singulares, reduzindo as diferenças qualitativas a quantidades que podem ser medidas com precisào e podem formar urna proposiçào gérai de caráter legal. O método individualizante omite os elementos genéricos, a fim de dirigir sua atençào apenas aos caracteres qualitativos e singulares dos fenómenos. (FREUND, 2006, p. 34).
A segunda contribuiçâo de Weber deu-se na medida em que conectou as noçoes de explicaçào e interpretaçâo através da sua "análise causal singular". Por "singular" o autor entende os eventos que podem ser explicados, em sentido lógico, e, especificamente, identificados e localizados tanto no espaço quanto no tempo. Pensar as realidades históricas, culturáis e sociais é pensá-las como algo infinitamente complexo, permeado de relaçoes causais entre dados específicos. No esquema de Weber, esses elementos devem ser explicados através de comparaçoes probabilísticas e contrafactuais, isto é, por atribuiçâo hipotética de racionalidade, sendo em seguida comparados com os comportamentos previstos com os cursos de açâo tomados na realidade. Dessa forma, é possível, conforme assinala Ringer (2004), ajustar ou suplementar as concepçôes de açâo racional a fim de explicar as divergencias entre essas formas de raciocinio e a açâo real que se deseja entender, além dos motivos irracionais e outros fatores intervenientes.
Urna demonstraçâo da íntima conexäo entre interpretaçâo e explicaçâo no pensamento weberiano advém do seu conceito de tipo ideal. Na visäo de Weber,3 esses tipos ideáis devem ser concebidos como "utopias" com valor heurístico, ao permitir as comparaçoes contrafactuais implícitas na elaboraçâo de interpretaçoes ou explicaçoes adequadas. Nas palavras do próprio Weber (2001, p. 402):
O método científico que consiste na construçâo de tipos investiga e expöe todas as conexöes de sentido irracionais e afetivas sentimentalmente condicionadas do comportamento que têm influência sobre a açâo como 'desvíos' de um desenvolvimento desta mesma açâo que foi construida como sendo puramente racional em relaçâo aos fins.6
A soluçâo de Weber para a divisáo entre conhecimento histórico e nomotético teve especial destaque no curso das Ciencias Sociais. De acordo com os pressupostos metodológicos com os quais o autor assenta seu conhecimento, sendo a realidade diversa e infinita, só os aspectos que recebem significaçâo gérai para a cultura merecem ser conhecidos, constituindo-se em objeto de explicaçâo causal. A primazia de urna perspectiva específica na explicaçâo de determinado conjunto de fenómenos náo é arbitrária; baseia-se nas vantagens da divisáo do trabalho académico' e na capacidade dessa perspectiva em oferecer conhecimento de relaçoes e imputar causas a determinados acontecimentos históricos concretos.
Apesar, entretanto, da multiplicidade de pontos de vistas e abordagens admitidas pela realidade, tornou-se comum na historia das ciéncias, segundo Weber (2001), a tentativa de produzir, além de conhecimentos específicos, "conhecimentos do mundo", ou explicaçôes monocausais dos fenómenos. O caso das Ciéncias da Cultura da sua época ilustra bem esse fato, quando, a partir do ponto de vista materialista, tentava-se explicar a totalidade dos fenómenos da vida social "como produto ou funçâo de determinadas constelaçôes de interesses materiais" (WEBER, 2001, p. 121). O autor se coloca frontalmente contra esse tipo de reducionismo nas Ciéncias da Cultura. A forma como ele lida com essa questáo tem relaçâo direta com o tema tratado a seguir, o da inter-relaçâo entre os varios campos do saber social, ou dos distintos níveis de embeddedness.
2.2 A sociología económica de Weber
Para Swedberg (2005) e Boettke e Storr (2002), a perspectiva de Weber é a mais adequada para se compreender conceitualmente a inter-relaçâo entre o dominio do económico, do político e do social. O que conféré superioridade ao embeddedness weberiano é a metodología do autor, que sustenta um individualismo sofisticado. O ponto de partida de Weber (1991, 2001) náo sáo as entidades coletivas, grupos ou instituiçôes, mas o individuo e sua atribuiçâo proposital de sentido à açào. A particularidade do seu individualismo metodológico reside no fato de que nele os individuos sáo influenciados e afetados pelo contexto significativo no qual estáo situados, ao mesmo tempo que sáo também produtores e criadores desse contexto. Náo há, portanto, espaço para agentes sociais desincorporados nem estruturas sociais e relaçoes dissociadas das redes de entendimentos que lhes dáo forma.
Na abordagem weberiana, a distinçâo entre as dimensóes social, económica e política ocorre somente a partir do contexto e do sentido subjetivo que os individuos conferem à açào. Tendo em vista essa condiçâo, cabe ao pesquisador das Ciencias da Cultura relacionar o pensamento formal às manifestaçoes empíricas, a fim de classificar o dominio ao quai a açâo pertence. O sociólogo, por exemplo, procura compreender o significado ou sentido próprio quando esse sentido se relaciona com o comportamento de outras pessoas. Na busca por desvendar os nexos causais dessas açôes, sao considerados tanto os interesses ideáis quanto os intéresses materiais dos agentes. O economista, por sua vez, trata da relaçâo humana que tem por base urna necessidade ou um complexo de necessidades que exigem satisfaçâo, enquanto os meios e os atos capazes de proporcionar essa satisfaçâo estáo limitados quer pela raridade, quer por urna penúria, quer por urna indigencia dos recursos de aquisiçâo (WEBER, 1991, 2001). As situaçoes analisadas pela economia devem envolver agentes movidos principalmente pelos intéresses materiais, tendo a utilidade como objetivo, mas esta náo deve levar em conta o comportamento dos outros (açâo económica).8
No caso da sociologia económica,9 seu estudo abrange urna área muito maior do que a da teoria económica; ambas, cornudo, tem um tema em comum, a saber, a açâo económica é social e racional e tem objetivos exclusivamente económicos. Além disso, a teoria económica estuda a açâo racional que tem objetivos exclusivamente económicos e que náo é social. O caso mais importante de açâo económica irracional é o comportamento tradicional. O termo usado por Weber (2001) para designar a açâo económica que náo tem objetivos exclusivamente económicos, mas sofre motivaçâo económica, é "fenómeno económicamente condicionado", podendo ser citados, nesse caso, os fenómenos da vida cotidiana, da política, quando recebem o condicionamento de motivos económicos - estes se contrapóem aos "fenómenos económicos" propriamente ditos e aos "fenómenos económicamente relevantes". Os "fenómenos económicos" abrangem aqueles em sentido estrito, tal como eventos económicos e instituiçôes económicas, por exemplo, acontecimentos da vida bancária e da bolsa, que interessam, essencialmente, desse ponto de vista. Normalmente esses fenómenos atuam onde a satisfaçào de urna necessidade, por mais imaterial que seja, envolve a utilizaçào de meios limitados. Os "fenómenos económicamente relevantes" descrevem os eventos e as instituiçoes que nao sao económicos no sentido estrito, mas que têm consequências económicas. Podem ser citados, nesse caso, os fenómenos da vida religiosa e cultural, quando dáo forma a motivos económicos.
Na próxima seçào, aborda-se a forma como as categorías weberianas ganham sentido na explicaçào do "atraso" brasileiro por Raymundo Faoro. A ênfase é para as noçôes de fenómenos económicamente relevantes e económicamente condicionados de Weber, que seráo usados para analisar a articulaçào dos dominios do político, do social e do económico em Faoro.
3 Faoro e a articulaçào do económico, do político e do social na explicaçào do atraso
Raymundo Faoro,10 em Os dorios do poder, faz uso de urna série de conceitos próprios da sociología weberiana, como patrimonialismo, estamento e capitalismo político para entender o Brasil. O autor estuda seis séculos de historia, partindo da origem do Estado portugués até as transformaçoes políticas ocorridos na década de 1930, durante o governo de Getúlio Vargas. Corn isso, e em oposiçào às teses mais antropológicas11 da época, o autor passa a identificar urna estrutura de dominaçào que, transposta para o Brasil, foi a responsável pelos problemas do Estado e da sociedade brasileira.
Desde o lançamento do seu livro, Raymundo Faoro se constituí em um dos grandes pensadores da realidade brasileira e Os dorios do poder em um referencial apropriado - apesar de pontos questionáveis à luz de pesquisas historiográficas recentes (CARVALHO, 1980; FRANCO, 1976) - e muito atual para a compreensáo dos problemas que hoje afligem a sociedade brasileira.
As subseçôes a seguir analisam alguns dos conceitos empregados por Faoro (1997), corn ênfase na articulaçào dos dominios do político, do social e do económico na sua explicaçào do atraso do Brasil.
3.1 Faoro, Weber e o determinismo económico
A preocupaçâo fundamental de Faoro em Os dorios do poder foi apresentar urna explicaçâo para o descompasso histórico brasileiro que o distanciasse ao mesmo tempo do marxismo ortodoxo. A razáo disso está no fato de o autor interpretar o marxismo como um reducionismo, na medida em que esse referencial apresenta o dominio do económico como o nexo causal necessário ao entendimento da realidade social. A sua ruptura definitiva com esse modo de ver o mundo vem corn a oposiçâo a duas noçôes centrais do materialismo histórico: primeiro, a ideia de que a infraestrutura económica determina em última instancia a superestrutura política, jurídica e ideológica e, segundo, quanto ao papel da luta de classes e sua centralidade na explicaçâo da historia da sociedade humana.
Em oposiçâo ao marxismo ortodoxo, Faoro (1997) procura na sociologia de Weber conceitos que visam atenuar e mesmo diminuir a importáncia explicativa dos fatores económicos. Nesse sentido, quando a dimensáo económica aparece na sua obra, é com a marca do seu enraizamento no político. Urna amostra desse procedimento é o tratamento dispensado a categorias tais como mercado, moeda, burguesia e capitalismo. No caso específico do mercado, Faoro (1997, p. 47) aponta que, desde o seu nascimento e difusâo no mundo ibérico, as convençôes, os estilos de vida incidem sobre ele, "impedindo-o de expandir sua plena virtualidade de negar relaçôes pessoais". A moeda também aparece como instrumento privado, apropriada pelo soberano e, posteriormente, pelos grupos de status. No Brasil, conforme corrobora Galvan (2001), ela foi muito mais instrumento do Rei que meio de trocas, pois as trocas se efetuavam principalmente em funçâo da apropriaçâo pelo Rei e pelos grupos de poder das riquezas existentes.
A burguesia portuguesa, que poderia representar um contrapeso à particularizaçâo do mercado e dos seus instrumentos, em vez de se fazer portadora de urna nova ordern, mais universalista e de "acesso aberto", continuou presa aos vínculos tradicionais. Nas palavras do próprio Faoro (1997, p. 60):
Acomodou-se ao Estado maior que a cercava e triturava impondo-lhe o estilo de vida. Esta marca social, esta estratificaçào impediu-lhe a emancipaçào, lançando sobre ela descrédito ao trabalho manual em favor de valores que consagravam a ociosidade letrada.
A justificativa do autor para esses fatos, mais urna vez, está no papel maior da política na explicaçào histórica. Seguindo a tradiçâo weberiana, Faoro (1997) dá o nome de patrimonialismo12 às relaçôes de dominaçao existentes em Portugal. Nesse país, os servidores do Estado estáo presos "[***] numa rede patriarcal, na quai eles representam a extensáo da casa do soberano" (FAORO, 1997, p. 20). Tivesse Portugal passado pelo feudalismo, a historia poderia ter seguido outro caminho. A importância do feudalismo está em permitir o estabelecimento de vínculos entre soberanos e súditos por meio de relaçôes contratuais; estas estabelecem limites ao exercício do poder, assegurando aos súditos o direito de resistencia quando ultrapassadas as fronteiras de comando. Por isso, para Faoro (1997, p. 18), há urna
[...] insuperável incompatibilidade do sistema feudal corn a apropriaçâo, pelo príncipe, dos recursos militares e fiscais - fatores que levaram a intensificar e racionalizar o Estado, capaz, com o suporte económico, de se emancipar, como realidade eminente, das forças descentralizadas que o dispersam, dividem e anulam.
A passagem pelo feudalismo sinaliza, portanto, a existencia de relaçôes contratuais, e estas sao a expressáo máxima da racionalidade requerida pelo capitalismo moderno. O formato de economia que nasce das relaçôes patrimoniais, em contrapartida, é mais condizente com o mercantilismo e, diga-se, inapropriado para o capitalismo moderno. Ñas palavras do próprio Faoro (1997, p. 18), dominante o patrimonialismo,
[...] com sua ordern burocrática e com o Estado dirigindo a sociedade, impede-se a autonomía da empresa, anulando a esfera das liberdades públicas, fundadas sobre as liberdades económicas, a saber, livre contrato, livre concorrência e livre profissäo, opostas, todas elas, aos monopolios e concessóes régias.
Do exposto, tem-se que a aproximaçâo de Faoro (1997) corn relaçao a Weber está na crença de que o capitalismo moderno implica o desenvolvimento de uma racionalidade ou sistematicidade na busca dos lucros, culminando num método de empresa. A ruptura, segundo Lessa (2009), está no fato de Faoro (1997) ter negado a associaçâo entre espirito capitalista e ética protestante, ao considerar que somente países que vivenciaram e superaram o feudalismo teriam adotado de forma plena o capitalismo, nele integrando sociedade e Estado. Essa noçao é confirmada pelo próprio Faoro (1997), ao assumir que sua proximidade com Weber é expressáo de um afastamento com relaçâo a Marx. Isso pode ser constatado logo no prefácio à segunda ediçao de Os donos do poder, em que o autor adverte nao seguir a linha de pensamento de Max Weber, embora seus conceitos tenham um parentesco próximo. Vale ressaltar, entretanto, que Faoro (1997) estava equivocado quanto à posiçao de Max Weber a respeito do surgimento do capitalismo moderno, pois para Weber (1994) há uma multiplicidade de causas influenciando o surgimento do capitalismo, podendo ser estas de cunho político, religioso e/ou económico. Na "Etica Protestante...", o autor explora apenas uma dessas causas, a da importância dos fatores ideáis por meio da influencia do protestantismo ascético.13 E isso o que diz o próprio Weber (1994, p. 132) ao final do livro, quando suscita novas pesquisas históricas sobre o nascimento do capitalismo no Ocidente:
Aquí apenas se tratou do fato e da direçào de sua influencia em apenas um, se bem que importante ponto de seus motivos. Seria, todavía, necessário investigar mais adiante, a ma~ neira pela quai a ascese protestante foi por sua vez influenciada em seu desenvolvimiento e caráter pela totalidade das condiçôes sociais, especialmente pelas económicas.
Outro conceito weberiano usado por Faoro (1997) para marcar o distanciamento corn relaçâo à análise reducionista feita pelo marxismo ortodoxo foi o de estamento. Este, de acordo com Weber (1991), é uma camada social e náo económica. Sociedades onde persistem os estamentos sao classificadas como convencionais, sendo reguladas por normas de modos de vida opostas à formaçao do livre mercado.14 Faoro (1997) segue fielmente a definiçâo de Weber, usando o termo para identificar, no Brasil, a autonomia de urna camada de poder náo diluida numa infraestrutura esquemática, que daria conteúdo económico a fatores de outra índole. A ruptura de Faoro ( 1997) ^ para com Weber ocorre quando ele caracteriza a situaçâo de países que foram dominados pelo comércio mercantilista e que promoveram o surgimento de Estados nacionais modernos, sem, contudo, criar urna burocracia racional legal. Impera, nesse caso, um tipo de dominaçâo tradicional, o patrimonialismo estamental. Em contraposiçâo, segundo Campante (2003), Max Weber teria usado o conceito para entender originalmente a atuaçâo de grupos de status que têm o seu centro de poder baseado na dominaçâo territorial, atuando em urna economia náo ou pouco monetizada.
No que diz respeito ao Brasil, para Faoro (1997) é justamente a estrutura patrimonial trazida pelos portugueses que teria moldado a colonizaçâo e o posterior desenvolvimento da sociedade. A própria descoberta seria "[...] negocio do Rei, integrada à estrutura patrimonial, visado ñas armas e com fins ao comércio" (FAORO, 1997, p. 108). Ademáis, a especificidade do caso brasileiro está na compatibilidade do patrimonialismo com o capitalismo moderno. A modalidade de capitalismo existente aqui é a do politicamente orientado, gerido, segundo Faoro (1997), na esfera política pela comunidade que comanda, conduz e supervisiona os negocios públicos.
Urna questáo adicional sobre a importáncia da política no modelo explicativo de Faoro (1997), que vale salientar, é o fato de a estrutura patrimonial estamental trazer consequências de longa duraçâo para a dinámica da mudança institucional na sociedade brasileira. Isso porque esta passa a ocorrer a partir do estamento, que forma o "elo vinculador com o mundo externo e que pressiona pelo dominio de seus padróes" (FAORO, 1997, p. 743), incorporando e simultáneamente controlando as novas forças sociais.
3.2 O embeddedness weberiano e a interpretaçâo de Faoro para o atraso do Brasil
A forma como Faoro (1997) articula as distintas dimensóes da realidade social é bem característica, mas guarda distância também corn relaçao à explicaçâo de Weber. Primeiro, porque este último se vale, diga-se mais urna vez, de vários elementos para explicar o capitalismo; segundo, porque o embeddedness weberiano (açao económica social) só pode ser pensado a partir do método compreensivo. Neste fica claro que a análise da açào social deve começar necessariamente pelo individuo e sua atribuiçao proposital de sentido à açâo. Assim, a classificaçâo de uma açao como social, económica ou política deve ocorrer a partir do entendimento e do sentido subjetivo atribuido pelos próprios individuos envolvidos.
Nota-se que, mesmo tendo o individuo como ponto de partida para o entendimento dos fenómenos sociais, Weber consegue resguardar as estruturas e as instituiçôes na compreensáo dos fenómenos sociais. Diferentemente de outras abordagens que analisam o social e as instituiçôes tomando o hábito, as convençôes como ponto de partida da pesquisa económica e social, Weber concebe essas regularidades, ou as açoes sociais repetidas, como tendo por base o comportamento individual e as expectativas guardadas corn relaçâo ao comportamento do outro. Nesse caso, a ocorrência dessas regularidades está, por sua vez, relacionada à probabilidade de que certas açoes entre pessoas ocorram em média ou por exercício de fato.
Na interpretaçâo de Faoro (1997) sobre o Brasil, embora use conceitos weberianos, o autor se afasta da metodología de Weber. Sua ênfase recaí, principalmente, em noçôes como patrimonialismo, estamento, estratificaçao e capitalismo politicamente orientado. Mesmo tendo origem na sociología de Weber, tais categorias, como sustentam Gerth e Mills (1974, p. 75), nao se acomodam bem com o método compreensivo, pois se constituem em um tipo de explicaçâo que tenta "justificar a motivaçâo dos sistemas de açao pelas suas funçôes ou como estruturas funcionáis e náo pelas intençôes subjetivas dos individuos que as praticam".
Como visto, Weber (2001) usa alguns conceitos para marcar de forma mais precisa o dominio do económico. Relembrando, postula a existencia de fenómenos estritamente económicos e de fenómenos náo económicos. Estes últimos podem interessar à economía tanto pelos seus efeitos quanto por serem causados por fatores económicos. Para melhor entender a ligaçâo desses conceitos com o embeddedness de Weber, pode-se pensar, assim como sugerido por Boettke e Storr (2002), em très círculos de tamanhos potenciáis diferentes, representando, respectivamente, a sociedade, o político e a economía. Arranjando esses círculos dentro da configuraçao do argumento do embeddedness da Nova Sociología Económica, por exemplo, ter-se-ia que conceber o círculo que representa a sociedade como o maior, o do político como o segundo maior e o da economía como o menor, localizado dentro dos dois maiores. Isso porque as açoes que no modelo weberiano seriam tratadas como "económicamente relevantes" tomam a primazia sobre as outras esferas. A vida económica, nessa configuraçao, é situada dentro das redes de "relaçôes sociais", ou seja, nesse caso, é sempre a sociedade que as influencia e confina o comportamento económico.
Como advertem Boettke e Storr (2002), ao estabelecer a configuraçâo mencionada, náo há nada de lógicamente inconsistente em imaginar o inteiramente oposto, ou seja, poder-se-ia colocar a sociedade dentro da economía. Esse é precisamente o desenho que muitos marxistas imaginam quando concebem a influência, em última instancia, da infraestrutura sobre a superestrutura (sociedade dentro da economía).16 Essa imagem, aínda seguindo os autores, pode ser estendida de modo a englobar as explicaçoes dos novos institucionalistas. Aqueles incentivos económicos, tais como a instituiçâo de direitos de propriedade, os contratos e mesmo as normas e os valores tratados pela NEI, estariam caracterizados dentro do que Weber chamou "fenómenos económicamente condicionados".17
Mas e Faoro (1997), como se situa dentro dessa conceituaçao? O autor também incorre no problema de subsumir a açao social em urna única categoría, promovendo urna explicaçào da realidade brasileira a partir de um único nivel do embeddedness? O argumento principal deste trabalho é que sim, Faoro (1997) imbrica as demais instancias da realidade social na esfera política. Ao diminuir, por exemplo, o papel das classes sociais e aumentar o dos grupos de status, constituidos a partir da ordern política, ele reduz o espaço para a compreensäo de relaçoes tipicamente económicas e económicamente condicionadas. Sobre isso, veja o que diz o próprio autor, para quem as "atividades económicas, os interesses, os contratos náo se reduzem, dentro deste contexto social, ao ganho, ao lucro e às vantagens materiais. Tudo se subordina à gloria, à honra, ao incremento dos valores que o estamento corporifica" (FAORO, 1997, p. 67).
Pode-se reforçar o que foi dito tomando-se o caso da chamada Revoluçào de 1930, ponto culminante de um longo processo de instauraçâo da ordern burguesa e do capitalismo no Brasil, mas que, na visáo de Faoro (1997), náo passou de um rearranjo conservador do estamento, ao aglutinar as classes estruturando-as sob o comando autoritário. Assim, segundo o próprio autor, "destruida a confiança no aparelhamento presidencial, rompida a política dos governadores, era necessário colocar, na área vazia, um corpo de dominio estruturado por todas as classes, comandadas autoritariamente" (FAORO, 1997, p. 679). Esse corpo, aínda que gerado pelas circunstancias, teria sido "moldado históricamente num leito permanente, embora transitoriamente obscurecido" (FAORO, 1997, p. 717).
Ademáis, na explicaçâo de Faoro (1997), categorías como moeda, mercado, burguesía, mercantilismo e capitalismo, apesar de fazerem referencia ao dominio do económico, têm motivaçâo claramente na esfera política. Dito de outro modo, o argumento de Faoro (1997) se aplica bem quando entendido sob a ótica do conceito de "fenómenos económicamente relevantes" de Weber. Isso porque, na sua explicaçâo, toda a dinámica histórica portuguesa, e posteriormente a brasileira, é concebida como estando sob a influência de circunstáncias náo económicas que geraram consequéncias económicas. A prova maior disso é o capitalismo, que se constituiu a partir da esfera política por influência e orientaçâo do estamento.
Esse argumento pode ser reforçado chamando-se a atençâo para a forma como a economía brasileira muda no tempo, isto é, a partir dos intéresses da camada dirigente, que, de posse dos instrumentos políticos derivados do aparelhamento estatal, suaviza o impacto desagregador do capitalismo, compatibilizando-o com o seu esquema de dominio. Um exemplo mais concreto também extraído da década de 1930 ajuda a esclarecer esse ponto. Para os autores ligados à Cepal, esse período representa um momento de transformaçâo económica qualitativa. Em urna situaçâo de grave crise externa, os centros de decisao foram internalizados, o investimento e o mercado interno tomaram a precedencia em relaçao ao setor externo na geraçao da renda nacional. Esse processo é denominado de Substituiçâo de Importaçôes (PSI), e sua dinámica géra açôes que podem ser enquadradas dentro daquilo que Weber (2001) designou tanto por "fenómenos económicos estritos" quanto por "fenómenos económicos condicionados". Para os primeiros, salienta-se que o próprio motor do PSI sáo os recorrentes estrangulamentos externos, demandando medidas de políticas estritamente económicas voltadas a facilitar o desempenho da economia, como o controle de importaçâo e a manipulaçâo das taxas de câmbio. Para os "fenómenos económicos condicionados", destaca-se, conforme Fonseca (2003, p. 147), a açâo estatal no sentido de promover urna série de instituiçôes, como:
a criaçào e/ou alteraçào de leis, códigos, ôrgâos, ministérios, regulamentaçâo de relaçoes de propriedade... que revelam a consciência e a intencionalidade do governo de direcionar a economia para o mercado interno, sob a liderança do setor industrial.
Preso ao seu modelo, que pressupóe "a precedencia do Estado sobre a sociedade, os arranjos de elite e a dominaçâo do estamento burocrático" (FONSECA, 1989, p. 148), Raymundo Faoro náo percebeu nem os "fenómenos económicos estritos", nem os "económicos condicionados". Como consequência, o autor acabou se limitando a classificar as várias mudanças substantivas na historia da sociedade brasileira como sendo mais de forma do que de conteúdo.
Sintetizando o que foi dito, se os círculos anteriores propostos por Boettke e Storr (2002) fossem usados para descrever o conteúdo de Os donos do poder, poder-se-ia conceber que o círculo do político seria o maior, englobando, respectivamente, o do social e o do económico.
4 Conclusäo
Se, por um lado, as Ciencias Sociais caminham no sentido de fazer convergir os resultados dos trabalhos das suas diversas áreas, principalmente por dotar a economia de mais conteúdo histórico e institucional, há, por outro, diversos questionamentos quanto à forma como isso tem sido feito. As críticas mais comuns se dirigem ás tentativas da NEI e da Nova Sociología Económica de, respectivamente, subsocializarem e sobressocializarem o comportamento humano. Nesse caso, a sociología económica de Weber apresenta-se como algo relevante, na medida em que o seu alicerce conceitual permite a preservaçâo dos distintos níveis do embeddedness.
No Brasil, a produçâo intelectual de Weber legou um vasto arsenal na explicaçâo do descompasso político, económico e social do país. Urna questäo que se coloca é a de entender, à luz desse interesse crescente pela sociología económica weberiana, a forma como um importante intérprete do Brasil faz uso das categorías do autor para explicar a realidade brasileira. No caso de Raymundo Faoro, sabe-se, ademáis, que urna das suas motivaçôes foi a de fazer uso de um referencial teórico que o distanciasse do marxismo ortodoxo. No seu entender, as explicaçoes baseadas em tal concepçâo de mundo se constituíam em urn dogma, primeiro por tentarem derivar leis gérais da historia e, em segundo lugar, por trazerem explícitamente a determinaçâo das instáncias do social e do político pela do económico.
Para este trabalho, apesar dos esforços de Faoro (1997), constatou-se a natureza semelhante do seu equívoco e a do marxismo ortodoxo, que ele tanto criticou. Sua abordagem também promove urna explicaçâo monocausal da realidade e do "atraso" brasileiro, näo com o predominio do económico, mas com o do político sobre as outras instáncias da realidade social. Isso pode ser confirmado pelo próprio autor, ao admitir a "autonomía da esfera política, que se manifesta com objetivos próprios, organizando a naçâo a partir de urna unidade centralizadora" (FAORO, 1997, p. 738).
Pode-se afirmar, em conclusáo, que a ênfase excessiva de Faoro (1997) no aspecto "político" traz urna importante contribuiçâo ao entendimento da realidade brasileira, a do papel do Estado em sua formaçâo e seu legado. Mas náo se pode deixar de mencionar também as razóes de seu equívoco. Estas residem precisamente no fato de o autor se valer dos conceitos de Weber e náo da sua metodología e do seu individualismo sofisticado, que preserva a intençâo e o sentido subjetivo atribuido pelos individuos à açâo. Sem essa orientaçâo metodológica, portanto, näo é de se admirar que Faoro (1997) náo consiga fazer como faz Weber, tratar do social, do político e do económico com o mesmo nivel de preeminencia.
Faoro, Weberand the articulation of various dimensions of social reality in brazilian explanation of-backwardness
Abstract
Max Weber's thought, at the moment when economists and sociologists seek to converge their work, is presented as a plausible alternative to think about the interrelation between the various fields of Social Sciences. In Brazil, the ideas of Weber constituted one of the most notable influences to understand the country's problems. Following along this line, this paper aims to examine Raymundo Faoro's Os donos do poder (The owners of power), Weberian interpretation of Brazil, the articulation between the economic, social and political fields. The underlying assumption is that, viewed in the light of Weber's formulations, Faoro subsumes all different social actions in a unique dimension, namely politics, advancing a monocausal explanation of both the "backwardness" and the dynamics of Brazilian reality.
Keywords: Max Weber. Raymundo Faoro. Embeddedness. Institutions. Economic Backwardness.
1 Qostaria de agradecer aos professores Pedro Cesar Dutra Fonseca (UFRQS) e Hermógenes Saviani Filho (UFRQS), pelas contributes e. como de praxe, ressallar que os erros porventura existentes säo de inteira responsabilidade do autor. Qostaria de agradecer também aos dois pareceristas anónimos da revista pelos comentónos e sugestóes.
3 Boettke e Storr (2002) criticara a forma como o económico e o social se vinculam tanto nos trabalhos da Noua Sociología Económica quanto nos da NEI. No caso da Noua Sociología Económica, nem mesmo as indicaçôes de Mark Qranovetter e sua crítica à subsocializaçâo e sobressocializaçào, feitas, respectivamente, aos neoclássicos e aos novos institucionalistas, foram suficientemente fortes em reconhecer os níveis múltiplos do embeddedness.
4 De acordo com Swedberg (1990), estaría ocorrendo mais recentemente urna "Nova Batalha dos Métodos". Enquanto a primeira teria dado os passos iniciáis para marcar a separaçao da teoría económica em relaçâo à historia e à sociología, a segunda estaría contribuindo para levar ao fim as tradicionais formas de análise das Ciencias Sociais.
5 Um exemplo do que foi exposto sào as construçôes da teoría económica. Concebendo a impossibilidade de apropriaçâo do real, os economistas, a partir de Menger. dirigiram seus estudos no sentido de decompor os fenómenos complexos em constituintes e relaçoes mais elementares, passíveis de serem representadas por tipos e leis rígidas e inuariáveis. Nesse sentido, a economía postulará individuos bem-inf ornados, racionáis e puramente económicos. A ideia aquí, segundo Weber (2001). éade que essa construçâo é um tipo ideal, constituindo-se em urna elaboraçâo mental heurísticamente útil para contrapor-se à realidade entendendo os seus desvíos.
6 Para ser mais preciso, o compreensível é. pois, a sua referencia "[...] à açâo humana, seja como 'meio'. seja como 'fim' imaginado pelo agente ou pelos agentes que orientaram a sua açâo" (WEBER, 2001, p. 402).
7 Até mesmo porque Max Weber faz questáo de salientar que a autonomía relativa dessas esferas e a criaçào de inúmeras áreas do conhecimento - essencialmente, as efetuadas ñas Ciéncias Sociais - advém da tendência à racionalizaçâo, à secularizaçào e ao individualismo, tragos dominantes da civilizaçâo ocidental e da modernidade.
8 De acordo com Swedberg (2005), existem très diferenças básicas, as quais, consideradas em conjunto, podem melhor informar sobre a relaçâo entre teoria económica e sociologia dentro da perspectiva weberiana: I) a teoria económica, ao contrário da sociologia, só leva em conta o comportamento racional: 2) a teoria económica, ao contrário da sociologia, só leva em conta o comportamento com objetivos puramente económicos: e 3) a sociologia considera exclusivamente a açâo social, ou seja, a açâo que é voltada para o comportamento dos outros.
9 Aínda de acordo com Swedberg (2005), a sociologia económica weberiana ou economia política enfocaría a açâo social económica - isto é, a açâo movida, principalmente, pelos Interesses materiais, que é voltada para a utilidade e leva outros agentes em conta. A açâo social e a açâo social económica também podem ser movidas pelo hábito (ou tradiçâo) e pelas emoçôes combinadas com os interesses.
10 Vale ressaltar que, entre os intérpretes weberianos do Brasil, um aspecto a diferenciar Raymundo Faoro é, segundo Souza (1999), a sua abordagem mais "institueionalista", sem, contudo, descuidarse dos aspectos socioculturais inerentes ao comportamento prático.
11 Principalmente a tese de Qilberto Freyre em Casa-Qrande & senzala.
12 O patrimonialismo, para Weber ( 1991). é um tipo de dominaçao tradicional. A dominaçao tradicional ocorre quando sua legitimidade repousa na crença na santidade de ordens e poderes senhoriais tradicionais. Determinase o senhor em uirtude de regras tradicionais. 0 dominante nào é um ",superior", mas senhor pessoal; seu quadro administrativo nao se compóe primariamente de 'funcionónos", mas de servidores pessoais, e os dominados nao sao "membros" da associaçào, mas companheiros tradicionais ou súditos. No caso do feudalismo, este representa um tipo de dominaçao que possui tanto elementos típicamente patrimoniais - como o culto ó fidelidade pessoal ao governante - quanto características típicamente extrapatrimoniais - como a complexa e minuciosa estipulaçâo contratual de direitos e deveres entre governantes e quadro administrativo.
13 Ver Swedberg (2005, p. 37-38), em sua interpretaçâo de Weber: "o capitalismo racional ou o capitalismo ocidental pressupöe uma sociedade em que o tradicionalismo perdeu sua influencia sobre as pessoas e onde o sistema predominante de valores é favorável à obtençào de lucros. Pressupöe também Estado político com estatuto jurídico previsível e universal, além de tecnología racional e trabalho formalmente livre".
14 Apesar de os estamentos serem característicos de sociedades onde nao impera o mercado, podem persistir aínda que residualmente no capitalismo. 0 fechamento da comunidade leva à apropriaçào de oportunidades económicas que acabam virando monopolios de atividades lucrativas e cargos públicos" (FAORO, 1997. p. 46). Isso significa que as convençôes e os estilos de vida incident sobre o mercado, restringindo-o. Por sua própria natureza, os estamentos se fortalecem corn a estabilidade e se enfraquecem com as mudanças. Dai representarem um freio conservador preocupado em assegurar seu poder. Os diversos grupos se orientam dentro dos limites definidos, que sâo estabelecidos de cima para baixo.
15 Para Faoro (1997), no primeiro estágio do dominio patrimonial, os grupos que detinham o poder se apropriaram das oportunidades económicas, das concessóes, dos cargos, através da confusáo entre o setor público e o privado. Com o desenvolvimento da estrutura política característica da formaçâo dos Estados Nacionais, apareceram as competencias fixas e a divisäo de poderes, ocasionando, assim. a separaçâo entre o setor fiscal e o pessoal. Tem-se, entâo, a constituiçâo do estamento burocrático.
16 Esta parece ser exatamente a imagem que Faoro (1997) tem do materialismo histórico.
17 Igual constataçâo pode ser atribuida a Hodgson (1993). Este afirma que. na agenda de pesquisa da NEI. a proposiçâo principal é a questäo da emergéncia das instituiçôes e sua eficiencia comparativa.
Referencias
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Recebido em: 19/05/2013
Aprovado em: 13/05/2014
Hélio Afonso de Aguilar Filho2
2 Doutor em Economía pela Universidade Federal do Rio Qrande do Sul (UFRQS), corn énfase em Economía do Desenvolvimento. Porto Alegre, Rio Qrande do Sul, Brasil. Professor adjunto da UFRQS. E-mail: [email protected].
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Copyright Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciencias Humanas-CFH May-Aug 2014
Abstract
0 pensamento de Max Weber, no momento em que economistas e sociólogos procuram fazer convergir os seus trabalhos, apresenta-se como urna alternativa plausível para se pensar a inter-relaçâo entre os vários dominios das Ciencias Sociais. No Brasil, as ideias de Weber influenciaram várias geraçôes de pensadores, ocupando lugar de destaque na construçào da historia do pensamento social e económico do país. Seguindo essa linha, este trabalho tem por objetivo analisar, em Os dorios do poder, de Raymundo Faoro, um intérprete weberiano do Brasil, a articulaçâo entre os distintos dominios do económico, do social e do político. A hipótese fundamental é que, analisadas à luz de Weber, as formulaçôes de Faoro subsumem toda a açào social em urna dimensäo exclusiva, a da política, promovendo urna explicaçâo monocausal do "atraso" e da dinámica da realidade brasileira.//Max Weber's thought, at the moment when economists and sociologists seek to converge their work, is presented as a plausible alternative to think about the interrelation between the various fields of Social Sciences. In Brazil, the ideas of Weber constituted one of the most notable influences to understand the country's problems. Following along this line, this paper aims to examine Raymundo Faoro's Os donos do poder (The owners of power), Weberian interpretation of Brazil, the articulation between the economic, social and political fields. The underlying assumption is that, viewed in the light of Weber's formulations, Faoro subsumes all different social actions in a unique dimension, namely politics, advancing a monocausal explanation of both the "backwardness" and the dynamics of Brazilian reality.
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