"'Who controls the past', ran the Party slogan, 'controls the future: who controls the present controls the past.'"
George Orwell, i984
Urn número muito grande de páginas já foi escrito sobre o envolvimento do Brasil na Segunda Guerra Mundial, as razöes que o levaram a isso e as vantagens aferidas pelo governo brasileiro durante esse processo1 . Em face dessa constataçâo, poder-se-ia perguntar por que tratar mais urna vez do assunto.
Ora, mesmo que nenhuma introvisäo mais originai existisse, revisitar, reescrever a historia, é tarefa de importancia impar, necessaria à manutençâo de um constante debate sobre o passado, de modo que o pluralismo de interpretaçôes mantenha em permanente e constante xeque o pesadelo orwelliano de urna única e oficial interpretaçào histórica. De qualquer forma, este artigo, e ainda mais a dissertaçao que serviu de inspiraçâo para ele (Alves, 1998), tem pretensoes que vâo além do exposto acima. Seu objetivo é fornecer urna forma mais parcimoniosa e concisa de responder e explicar as grandes questöes de política extema que cercam o Brasil no período, quais sejam: por que o país se envolveu no conflito de maneira cada vez mais militante, terminando por declarar formalmente guerra à Alemanha e Italia em agosto de 1942; e onde estäo as reais razöes que tornaram possível ao governo brasileiro realizar, através de auxilio estrangeiro, duas de suas mais importantes metas políticas no período (construir urna siderúrgica em territorio nacional e repotencializar suas Forças Armadas)? De imediato, adianto que as explicaçôes aquí fornecidas se encontram fundamentalmente na análise do inusitado cenano internacional existente à época, onde se desenrolava verdadeiro conflito total e global entre todas as principáis potencias existentes. Urna explicaçao eminentemente de fora para dentro, portan to.
Antes de examinar empiricamente o caso brasileiro é preciso delinear o pano de fundo teórico sobre o qual ele será encaixado e estudado. Passemos a este primeiro e importantissimo passo.
Erg tiendo o Arcabouço Teórico a Ser Utilizado
A influencia que o sistema internacional exerce sobre o comportamento dos Estados é reconhecida por todos os estudiosos de Relaçoes Internacionais, ainda que a importancia desse condicionamento varie bastante de autor para autor. A hipótese desenvolvida aquí tem como premissa a existencia de um grau muito elevado de coaçâo sistemica para os atores periféricos do sistema internacional da época, täo grande que é considerado como suficiente para explicar o envolvimento do Brasil e até os ganhos de sua política exterior na guerra. Em razâo disso, é necessaria urna explanaçâo clara do conceito de sistema internacional aqui utilizado. Ele parte do conceito elaborado por Kenneth Waltz de que os Estados säo os atores predominantes no cenário internacional, cuja característica mais saliente em termos teóricos é a descentralizaçâo, ou ausencia de qualquer órgao ou instituiçâo política hierarquicamente superior aos países. Essa anarquía internacional ensejaria, através do processo de socializaçao e competiçâo/emulaçâo entre os Estados, um sistema internacional composto por atores assemelhados. A diferença entre eles estaría circunscrita somente à capacidade ou poder relativo desfrutado por cada um, característica que, de qualquer modo, nao faria parte das unidades e sim da estrutura do sistema (Waltz, 1 988, caps. 4 e 5). A partir dessaconstataçâo, Waltz faz urna analogia do sistema internacional a um mercado oligopolizado, onde urna estrutura emerge e condiciona a coletividade estatai, ainda que um numero bem pequeño desses Estados (os mais poderosos) tenha a capacidade de influenciar a pròpria forma que essa estrutura internacional toma, sendo simultaneamente condicionado por eia (idem: 19 1-199).
A despeito da grande validade desse modelo teorico, seu caráter estritamente estrutural acaba empobrecendo por demais seu uso em análises ad hoc. Isso ocorre porque Waltz desconsidera em seu modelo, propositadamente, as características específicas dos agentes internacionais, concentrando-se única e exclusivamente, para descriçao e caracterizaçâo dos sistemas internacionais, no número de potencias existentes - sistemas bipolares ou multipolares. Conforme explicitado por Raymond Aron, mais importante do que a rígida definiçâo de polaridades de um determinado sistema e de como isso afetaria o comportamento dos Estados, parece ser o estudo detalhado dos Estados mais poderosos, de como eles atuam no sistema e definem seus interesses nacionais (Aron, 1983, cap. VI). Inserir os objetivos, os intéresses e o comportamento internacional específico das grandes potencias no modelo waltziano torna-o mais contingente e, por isso, muito melhor para a aplicaçâo em casos históricos específicos2. Esquemáticamente podemos caracterizar nosso modelo de sistema internacional da seguinte forma:
Estrutura + políticas, estrategias e interesses das Grandes Potencias (entidades mutuamente constitutivas)
Este modelo, eminentemente oligárquico, salienta quanto os países mais fracos, periféricos, sao influenciados e condicionados pelo sistema internacional. Contudo, nao seria suficiente estudá-lo, em um período mais normal, convencional, para se entender o comportamento internacional de um determinado país periférico. Este estudo teria de ser complementado por um outro, mais aprofundado, do processo de decisäo política dentro da burocracia desses Estados, visto que o "retrato" tirado a partir do sistema seria um tanto vago e impreciso.
Ocorre que o sistema internacional a partir de meados dos anos 30 até a metade dos 40 nao pode ser classiñcado como normal, convencional. Ao contrario, era um sistema que passava por um processo único e especial de escalada e, finalmente, consagraçâo do que chamamos guerra total e global. Esta, desenvolvimento último e radicalizado por que passou o fenómeno da guerra no Ocidente, exerceu impacto diferenciado e magnificado sobre todos os atores internacionais existentes entäo.
O conceito de guerra, definido por Karl von Clausewitz (1979) como política estatal exercidapor outros meios, terminou legitimando o enorme morticinio ocorrido durante a Primeira Guerra Mundial, já que reconhecia aos principáis Estados europeus o direito de propugnar seus intéresses e objetivos políticos através de meios militares, mobilizando milhöes de seus cidadäos como soldados e outros milhöes como trabalhadores em urna guerra já completamente industrial. A despeito disso, o primeiro confuto mundial ainda admitía diferenças entre civis e militares. A guerra total diluiría essa fronteira. Nela, o Estado inimigo precisa ser derrotado totalmente e, como a mobilizaçâo nacional é requisito preliminar para o sucesso de qualquer país em um confuto na era industrial, a guerra deve ser empreendida direta e ornamente contra toda a populaçao do país antagónico. Os bombardeios indiscriminados contra cidades c fábricas, e a guerra submarina total no Atlàntico e Pacífico, perpetrados tanto pelo Eixo como pelos Aliados, sao exemplos da consubstanciaçao dessa idéia durante a Segunda Guerra Mundial.
A mesma diluiçâo entre civis e militares ocorre também em relaçâo aos Estados, na diferença entre neutros e beligerantes. Neutralidade é condicio muito difícil de ser mantida, principalmente para países periféricos, dependendo em grande medida dos resultados dos embates entre as principáis potencias em luta e das estrategias e manobras diplomáticas dessas mesmas potencias. Finlandia, Noruega e Grecia sao alguns exemplos de Estados que foram literalmente tragados para o interior do confuto apesar de suas firmes posiçoes de neutralidade em relaçâo à guerra européia que se desenrolava.
O incremento na tecnología bélica, especialmente na aviaçao, nos anos 30, rompía também pela primeira vez na historia barreiras geográficas antes intransponíveis. Viagens transatlánticas eram agora possíveis, e um bombardeio aéreo ao continente americano a partir de bases africanas ou das ilhas atlánticas européias (Acores, Madeira, Cabo Verde e Canarias) era, pelo menos teoricamente, factível. Isso significava que a guerra total podia e realmente seria lutada em escala mundial. De fato, a partir do momento em que eia realmente se configurou, ou seja, quando todas as grandes potencias do planeta formalmente nela se envolveram, a partir do último mes de 1941, praticamente todos os Estados soberanos existentes também foram envolvidos3.
O resultado desse específico cenário de guerra total e global, quando aplicado ao modelo sistemico previamente exposto, é a maximizaçâo dos já fortes condicionamentos sistêmicos existentes, especialmente em relaçâo aos Estados mais fracos do sistema internacional. As grandes potencias, durante um confuto dessa natureza, agem de fonna muito mais assertiva e até truculenta, procurando trazer para seu campo os países mais fracos cuja importancia estratégica, seja mineral ou geopolítica, é reconhecida. É preciso destacar que urna açâo vacilante em relaçâo à neutralidade de um pequeño Estado pode ser aproveitada pela coalizào inimiga, e isso pode ser fundamental para o resultado final do embate. O proprio Winston Churchill, urna das principáis lideranças aliadas na guerra, reconheceu o primado dos interesses e estrategias das grandes potencias em guerra em relaçao ao respeito jurídico à neutralidade dos pequeños países. Quando ainda Primeiro Lorde do almirantado británico, no inverno de 1939, ele defendeu a minagem dos portos da Noruega, ainda neutra na época, como forma de obstaculizar os carregamentos de minério de ferro sueco que eram escoados pelo país em direçâo à Alemanha. Sua posiçâo em relaçao a essa questâo foi apresentada nos seguintes termos:
"Nos estamos lutando para restabelecer o Impèrio da Lei e para proteger a liberdade dos pequeños países. Nossa derrota significará urna era de violencia bárbara, e seria fatal nâo so para nós mesmos, como também para a vida independente de cada um dos pequeños Estados europeus [...]. As pequeñas naçôes nao podem atar nossas mäos quando nós estamos lutando pelos seus direitos e liberdade [...]. Humanidade, em vez da estrita legalidade, deve ser o nosso guia." (Cohen, 1991:61)
Se a participaçâo na guerra de países periféricos estrategicamente importantes para um ou mais dos principáis Estados em conflito era ditada primordialmente por motivos exógenos à política interna desses países, havìa simultaneamente um aumento substantivo ñas possibilidades de ganhos reais para eles. Sua realizaçao estava ligada à capacidade de negociaçâo das autoridades governamentais dos países periféricos (ou pelo menos à inexistencia de urna completa inepcia para negociar), que deviam apresentar suas demandas para a(s) potência(s) interessada(s) no momento certo. A relaçao Brasil-Estados Unidos é um excelente exemplo para este raciocinio. Até 1942, as maiores demandas brasileiras - compromisso norte-americano de financiar a siderúrgica nacional e provimento as Forças Armadas brasileiras de equipamento militar novo - foram atendidas. Em troca, o Brasil emprestou todo o apoio que lhe era cabível ao esforço de guerra norte-americano contra o Eixo. Curioso notar que até os pequeños aliados de Hitler, ainda que sujeitos a pressöes muìto mais violentas do que as empreendidas do lado Aliado, eram também recompensados por seus alinhamentos. A Roméni a, por exemplo, em troca de sua anuencia em participar da cruzada antibolchevique, iniciada em junho de 1941 contra os russos, recebeu, entre outras coisas, a promessa alema de soberanía sobre um grande naco de territorio ucraniano (Transnistria), além da devoluçâo daqueles territorios cedidos aos soviéticos no ano anterior (Weinberg, 1994:274-275). Que os premios oferecidos pelos países do Eixo fossem, muitas vezes, de natureza territorial, diz sobremaneira sobre a natureza eminentemente revisionista da política desses países.
Outro efeito desse cenário especial (guerra total e global) na estrutura do sistema é torná-la muito mais dinámica, já que o resultado de embates militares, manobras diplomáticas e decisöes estratégicas tomadas pelas principáis potencias modificam completamente o panorama internacional precedente, cessando a importancia estratégica de determinados Estados periféricos (tornado-os mais autónomos) e aumentando a de outros, muitas vezes obrigando estes a mergulhar no confuto.
O nivel de cerceamento e condicionamento existente em um cenário de guerra total sobre um determinado país periférico é conhecido a partir da análise de duas características intrinsecamente relacionadas com a posiçâo e inserçâo desse país no sistema internacional. A primeira diz respei to à dependencia econômico-estrutural que ele tern em relaçâo a urna ou mais potencias, e se essa dependencia é, de fato, verificável. Economías primario-exportadoras, muito comuns no mundo periférico da década de 30, podiam, caso preponderantemente ligadas a urna única potencia, dar a esta um forte me io de pressäo sobre seus go vernos. E importante ressaltar que essa dependencia nao podia ser mutua, já que se perdería, no caso, a validade da situaçao como instrumento de pressäo política por parte da potencia4. A segunda e mais relevante característica a ser tratada é a importancia estratégica desfrutada pelo país periférico. Essa importancia tinha de ser reconhecida por pelo menos um dos principáis Estados combatentes na guerra, e podia ser de natureza política, agrícola, mineral e/ou localizacional.
Corn base nessas informaçôes podemos, eximindo-nos de mergulhar na política interna e processo decisorio específico dos Estados periféricos tratados, descrever e explicar seus envolvimentos no conflito (ou, em relaçao a alguns poucos casos, o contrario, ou seja, sua menor participaçâo na guerra) e até seus ganhos em termos de política exterior. O caso brasileiro servirá para pôr à prova a funcionalidade do modelo teórico exposto.
Operacionalizando o Modelo para Análise do Caso Brasileiro
O primeiro passo a ser dado é classificar o Brasil dentro do conjunto de Estados existentes. Seria o país um ator relevante no cenário internacional ou estaría mais propriamente classificado como um dos muitos Estados periféricos?
Em termos territoriais, o Estado brasileiro era idéntico ao que é nos dias atuais, configurando-se como um dos maiores países do mundo (mais de 8,5 milhöes de quilómetros quadrados de superficie), ultrapass ado apenas pela URSS, os Estados Unidos, o Canadá e a China. Em termos populacionais sua posiçâo internacional era menos impressionante, mas, ainda assim, o governo brasileiro exercia soberanía sobre o maior contingente de pessoas em toda a América Latina (mais de 40 milhöes de habitantes em fins dos anos 30), estando bem próximo neste quesito das grandes potencias da Europa Ocidental (Reino Unido, Franca e Italia). Terminavam aqui os atributos nacionais que poderiam fazer um incauto observador pensar tratar-se de urna grande potencia o país em questäo. Mesmo em termos populacionais, salta aos olhos o fato de que a maioria dos brasileiros era composta de analfabetos5, em um momento histórico em que um grau mínimo de instruçâo já se fazia necessario para o perfeito funcionamento de urna economia industrializada. A propósito, era inquestionável o status subindustrializado do país. Setenta por cento de sua populaçao estava ocupada em atividades primarias. A pròpria infra-estrulura de transportes via terrestre era em grande parte inexistente, o que muito apropri adámente levou um de nossos historiadores militares a definir o Brasil da época como um arquipélago, dependente da navegaçâo de cabotagem para comunicaçâo e comercio entre as densamente povoadas zonas litorâneas do norte e sul do país (Vidigal, 1985:88). O imenso interior ainda estava em grande parte subaproveitado e vazio. Em termos de estruturaçâo económica, o Brasil apresentava-se como urna típica economia primario-exportadora, seguindo o padrào reinante em todo o continente ibero- americano. Dentre os principáis produtos de exportaçao, figuravam acucar, fumo, couro e peles, algodäo e, principalmente, café, que no pen odo 1934-1939 continuava respondendo por aproximadamente 50% das exportaçôes brasileiras em termos de valor (Buescu, 1977:155 e 158). A despeito da industrializaçào ocorrida no entreguerras, o Brasil dependía do exterior para seu provimento de bens de capital e de bens de consumo duráveis mais elaborados. Dentre estes, destacavase toda a maquinaria bélica necessaria para a operaçâo eficaz das Forças Annadas da época, como aviöes, navios de superficie e submarinos, carros de combate e peças de artilharia de grosso calibre. Em relaçâo a todos esses apetrechos os brasileiros só podiam contar com as importaçôes dos países industrializados, o que, diga-se de passagem, era condicio comuni a todos os latino-americanos, do Rio Grande à Patagonia.
Em face dos atributos apresentados, nâo resta dúvida de que o Brasil fazia parte do conjunto de Estados periféricos, aínda que a localizaçâo, distante dos principáis centros produtivos mundiais, escamoteassc um pouco tal condiçâo, pelo menos em tempos de paz.
Seguindo o esquema previamente delineado, cabe agora caracterizar a dependencia econômico-estrutural brasileira, e em relaçâo a qual país central eia se manifestava mais fortemente. Um rápido exame dos números relativos às trocas comerciáis brasileiras é suficiente para responder a tal questâo. Nos últimos anos antes do estalar da guerra na Europa, aproximadamente Va das importaçôes e 1/3 das exportaçôes brasileiras foram realizadas com os norte-americanos. Nesse mesmo período, a Alemanna, que adotava feroz e militante política comercial na América Latina, respondeu por Va das importaçôes e pouco menos de 1/5 das exportacöes brasileiras. Urna vez que o bloqueìo naval británico tornou-se efetivo e o comercio com a Alemanna impossibilitado, a dependencia em relaçâo aos EUA aumentou sobremaneira. Em 1941, 60% das importaçôes e 57% das exportacöes brasileiras foram feitas com os norte-americanos (Hilton, 1977:217 e 322). Ressalte-se que mesmo durante a disputa comercial entre as duas potencias, antes da guerra na Europa, o comercio Brasil- Alemanna apresentava certa dependencia mutua, o que nao acontecía na relaçâo Brasil-Estados Unidos. A falta de divisas e a necessidade de aquisiçâo de materias-primas imprescindíveis a um país industrializado (o destaque era o algodäo) por parte da Alemanha tornava a relaçâo com os brasileiros pouco sujeita a pressoes económicas por parte do país mais forte. O café, produto supèrfluo, era majoritariamente exportado para os Estados Unidos, país em grande medida autárquico em suas principáis necessidades agrícolas e minerais. Estes sim, tinham condiçoes de exercer pressöes sobre os brasileiros caso quisessem, pressoes estas que seriam de difícil administraçao caso ocorressem durante os anos de guerra.
Em termos estratégicos, o Brasil possuía grande importancia em um possível confuto global, destacadamente para os Estados Unidos, única grande potencia existente no hemisferio ocidental, caso tivessem de enfrentar militarmente um poderoso adversario europeu. Em ordern crescente, a importancia brasileira manifestava-se em termos minerais, políticos e geográficos.
A despeito da inexistencia do mais cobiçado produto mineral na presente fase do capitalismo industrial (o petróleo), o territorio brasileiro abrigava urna quantidade substancial de produtos necessários ao bom funcionamento de urna economia industrial de guerra. Berilo, cromita, minério de manganês, mica, cobalto, níquel e diamantes industriáis erara apenas alguns dos itens de interesse dos Estados Unidos. Nos anos de 1941 e 1942 acordos específicos foram negociados entre os govemos do Brasil e dos Estados Unidos visando um fornecimento regular desses minerais paraos últimos (Abreu, 1977:228-229).
Em termos políticos o Brasil era, indubitavelmente, o mais importante Estado latino-americano para os norte-americanos. Como maior país da regiäo - tanto era termos populacionais como territoriais era, e continua sendo, metade de toda a América do Sul - era imprescindível a inclusäo do Brasil na comunidade pan-americana que estava sendo organizada pelos Estados Unidos. Ancorada em pseudocomunalidades existentes entre todos os Estados americanos - republicanismo, valorizaçâo do incremento comercial regional, respeito à soberanía alheia e ao principio da nao-ingerencia - , o pan-americanismo e a política de Boa Vizinhança professadapelo governo norte-americano nos anos 30 eram instrumentos sutis e poderosos para consagrar a hegemonía dos Estados Unidos sobre todas as Americas de urna forma pacífica e consentida pelos aliados subordinados. Deve-se frisar que a importancia intrínseca desse objetivo se cobria da mais alta necessidade diante da possibilidade de enfrentamento de poderosos antagonistas no Velho Mundo em futuro nao muito distante. De qualquer modo, urna vez aceita a necessidade de formar tal comunidade de poder no hemisferio ocidental, dentre os principáis, senáo o primeiro aliado a ser ganho na América Latina, figurava o Brasil.
Finalmente temos, talvez, o traço mais importante para os norte-americanos dentre todas as características estratégicas brasilciras: a localizaçào geográfica do país. Apesar do grande desenvolvimento da aeronáutica no período entreguerras, em fíns dos anos 30 o Oceano Atlántico aínda se configurava como urna formidável barreira para a comunicaçâo aérea programática entre o Novo e o Velho Mundo. Por urna série de f atores técnicos e climáticos, a chave para realizaçâo de vôos transoceánicos seguros estava na utilizaçâo das ilhas atlánticas ibéricas, especialmente Acores, e/ou na travessia do Oceano ao sul do Trópico de Cáncer, em área onde o Atlantico apresenta seu máximo estreitamento, entre a África Ocidental e o saliente nordestino brasileiro. A distancia em linha reta entre as principáis bases aéreas continentais nesta última regiäo situa-se em torno dos 3 mil km. O nordeste brasileiro possuía, por isso, importantissima posiçâo para a comunicaçâo aérea transatlántica, o que, convém ressaltar, era reconhecido antes mesmo do inicio da guerra (Warner, 1938). Urna vez iniciado o conflito na Europa e especialmente após o armisticio assinado pelo governo francés com alemäes e italianos, em fins de junho de 1940, os 3 mil km que separavam Natal de Dakar, na Africa Ocidental francesa, passaram a atormentar os dirigentes norte-americanos, nâo só em termos de defesa hemisférica, mas também em relaçâo à proteçâo dos interesses vitáis do pais na regiâo. O general Marshall, chefe do EstadoMaior do Exército dos Estados Unidos, via como um serio risco à segurança norte-americana urna revolta dentro do Brasil, de inspiraçao nazista, que conseguiría apoio das vitoriosas forças do Eixo, mobilizadas naquele momento na Africa Ocidental francesa. A partir dali eles realizariam urna cabeça-de-ponte no litoral nordeste do Brasil, fornecendo todo o apoio material possível aos revoltosos, nos mesmos moldes do ocorrido alguns anos antes naEspanha, durante a guerra civil. Urna vez ganho o Brasil, bases aéreas no norte e nordeste do país podiam ser preparadas, possibilitando ataques ao canal do Panamá em qualquer tempo. Essa preocupaçâo defensiva é bem salientadaneste plano de operaçôes do Departamento de Guerra norte-americano, de abril de 1942:
"A localizaçâo geográfica de Natal, juntamente com o fato de os terrenos vizinhos à cidade serem próprios para a construçâo e aparelhamento de aeroportos, tornam uma possível base aérea do Eixo nesta área-chave potencialmente poderosa nao apenas para operaçôes contra navegaçào comercial, mas também para operaçôes contra a regiâo do Caribe e o canal do Panamá. O controle e estabelecimento do [nosso] poder aéreo em Natal é pré-requisito para a defesa das costas norte e leste da América do Sul contra ameaças do Eixo oriundas da Europa ou África." (Desch, 1993:54)
Nessa data, entretanto, o interesse estratégico norte-americano no saliente nordestino já mudara sua natureza primordial. Particularmente a partir de 1942, a base aérea de Natal serviría como ponto base para o fornecimento de miUiares de aeronaves de combate para británicos e russos em luta contra o Eixo6. Os aviöes atravessavam o Atlántico voando e, chegando à África Ocidental, percorriam a chamada rota "Takoradi", no interior do continente, chegando ao Cairo. Aípodiam ser utilizados pelas forças combatentes británicas ou seguir viagem até alcançarem tropas aliadas mais distantes, lutando ñas estepes ucranianas (soviéticos) ou no acidentado terreno birmanes (británicos). Devido a esse importante papel na guerra, a cidade de Natal passarla para a posteridade como o "trampolini para a vitória". O interesse norte-americano passara a ser eminentemente ofensivo, utilizando parte do territorio brasileiro estrategicamente localizado para incrementar o esforço de guerra aliado antes mesmo da entrada formal dos Estados Unidos na guerra. De qualquer forma, é patente a elevada importancia militar que o territorio brasileiro tinha para os norte-americanos, tanto para propósitos defensivos como ofensivos.
Mesmo para a Alemanha a localizaçâo geográfica brasileira era relevante, caso o país tivesse como projeto político um imediato confuto com os Estados Unidos após sua vitória contra a Franca. Tema que enseja forte debate historiográfico, a realidade é que, em termos de diretivas, o mais a ocidente que a Alemanha hitlerista se programou a ir foi o esquematizado na operaçâo Félix, que previa a tomada de Gibraltar e a possível ocupaçâo das ilhas ibéricas de Cabo Verde, Acores e Canarias, tudo com a anuencia e provável auxilio dos espanhóis7. Prevista para novembro de 1940, tal operaçâo teve de ser adiada devido à falta de apoio espanhol para o projeto e a necessidade premente de auxilio alemâo ao aliado italiano nos Baleas8. Nao convém, de fato, rejeitar a possibilidade de urna arremetida alema em direçâo ao Brasil simplesmente pela inexistencia de planos militares neste sentido. É sabido que Hitler nao programava suas açôes militares com muita antecedencia, e um sucesso normalmente o levava a pensar em metas mais ousadas. Em 1941, entretanto, ano destinado ao esmagamento do gigante soviético, as coisas nao saíram conforme o planejado e desejado em Berlim. Apesar de ocupar grande parte da Russia européia, nos meses fináis do ano a ofensiva germanica estancou, e teve até de fazer frente a contra-ataques soviéticos. A partir de entäo, o front oriental consumiría a maior parte do esforço de guerra alemâo e qualquer plano visando urna expansäo germánica à ocidente, quanto mais urna ofensiva em direçâo à América do Sul, pode ser entendido como simples quimera.
Urna vez enquadrado o Estado brasileiro de acordo com o modelo previamente apresentado, podemos partir para a empiria, analisando tres momentos seqüenciais de nos sa historia e política exterior, cada qual inserido em etapa diversa do conflito total e global que gradativamente crescia em termos de intensidade e abrangência geográfica.
Da Diplomacia Comercial à Declaraçao de Guerra
Durante o lustro imediatamente antecedente ao inicio do conflito na Europa, em setembro de 1939, o mote em termos de política exterior no Brasil era "o máximo de relaçôes comerciáis e o mínimo de relaçôes políticas com a Europa"9. O Brasil, durante todo o período, incrementou tremendamente suas relaçôes comerciáis com a Alemanna nazista, ainda que se mantivesse em termos políticos estreitamente ligado aos Estados Unidos - em todas as conferencias pan-americanas realizadas, a diplomacia brasileira foi sempre aquiescente as decisôes tomadas por Washington. Mesmo o comercio com os alemâes, realizado sob bases neomerc antilistas que feriam frontalmente as disposiçôes do tratado comercial assinado pelos govemos brasileiro e norte-americano em fevereiro de 1935 (Moura, 1980:73-90), nao tinha um caráter formal, expresso. Salvando as aparências, os brasileiros, a principio, satisfaziam seus aliados estadunidenses. Toda essa situaçâo é melhor compreendida se a observamos de urna perspectiva mais distante, através do panorama internacional existente.
A Alemanna de meados dos anos 30 era carente de importantes materiasprimas, inexistentes em seu territorio mas necessárias ao funcionamento regular de seu parque industrial. Tal situaçâo era agravada por tres motivos: vivia-se urna grave crise económica internacional, com mercados sendo fechados, forte controle imperial exercido sobre o comercio com as colônias, por aqueles países que as possuíam, e queda geral nos números relativos às trocas comerciáis internacionais; os alemäes näo tinham divisas em profusäo, o que dificultava a compra dos produtos necessários no já restrito mercado internacional; e, por último, era realmente essencial à Alemanna a aquisiçâo do maior volume possível de matériasprimas importantes. Em acelerado ritmo de rearmamento, a partir dos últimos anos da década, começa a ser muito provável para o governo germánico um confuto com as potencias ocidentais (Grä-Bretanha e Franca) devido ao rearranjo territorial que o país desejava fazer no centro e leste da Europa, destruindo a ordern estabelecida em Versailles. Era preciso, portanto, preparar-se condizentemente para essa conjuntura, adquirindo o maior volume de matérias-primas possível, visto que o poderío naval superior da coalizâo inimiga impediría o prosseguimento de trocas comerciáis com países do além-mar durante as hostilidades. Diante de rudo isso, o governo alemäo procurou direcionar suas relaçôes comerciáis para regiöes onde países nominalmente soberanos, exportadores de produtos primarios e dependentes do mundo desenvolvido para seus abastecimentos de bens industriáis mais elaborados, teriam interesse em manter trocas feitas primordialmente sem utilizaçâo de moeda, na base do escambo. Os países da América Latina e Europa oriental e balcánica foram o alvo principal desse comercio compensado alemäo, e o Brasil destacou-se, enviando para a Europa milhares de toneladas de algodäo, café, fumo, borracha e cacau, dentre outros produtos, e recebendo em troca variada gama de bens industrializados, incluindo pecas de artilharia Krupp, encomendadas pelos militares do Exército brasileiro (Hüton, 1977:272-273 e 206-207).
Para os Estados Unidos, os interesses em relaçâo ao Brasil eram bem diferentes . Peça-chave para a consolidaçao da hegemonía norte-americana sobre todo o hemisferio ocidental, o comercio compensado que o Brasil mantinha com os alemäes devia ser tolerado em prol da manutençâo das boas relaçôes políticas existentes entre brasileiros e norte-americanos. Acima de rudo, era preciso garantir um pacífico estreitamento de reíaçôes entre os dois países, ainda que ao custo de perdas comerciáis (Moura, 1980:96). Destaque-se que mesmo estas perdas nao eram, de fato, tao relevantes. A maior parte dos produtos brasileiros exportados para a Alemanha era excedente que o mercado norte-americano nao tinha condiçôes de consumir, e o que o Brasil importava eram bens industrializados que nao competiam com os produtos norte-americanos (Abreu, 1990:87-90) - relevo para o material bélico, que os Estados Unidos nao tinham a menor condiçâo de prover aos brasileiros, já que nao possuíam ein quantidade satisfatória ncm para si mesmos. A maior preocupaçâo norte-americana naquele momento era mostrar-se melhor parceiro para os brasileiros do que os alemâes poderiam ser. Isto ficará patente no período histórico subséquente, quando os Estados Unidos atenderam às duas maiores demandas nacionais do período em troca do alinhamento total do Brasil ao esforço de guerra estadunidense, completo em Janeiro de 1942.
Com o inicio da guerra na Europa, e especialmente após a queda da Franca, em junho de 1940, a importancia estratégica brasileira sofre um incremento notável, e os esforços políticos norte- americano s para trazer o Brasil "mais para perto" tomam-se bem mais militantes. Independente de quem se encontrava no Palacio do Catete, o momento era altamente propicio para se barganhar o apoio brasileiro aos Estados Unidos, e foi exatamente isto que o governo brasileiro de entäo fez. O momento e a presteza com que seräo atendidas as demandas nacionais para o alinhamento definitivo, entretanto, têm grande relaçâo com a real capacidade material norte-americana para atendê-las. Ainda em 1940, alguns meses após o famoso discurso do presidente Vargas no encouraçado Minas Gérais, onde ele sutilmente atou a continuidade das boas relaçôes entre Brasil e Estados Unidos ao apoio dos últimos ao desenvolvimento e industrializaçâo brasileiros (Moura, 1991:20), o governo norte-americano comprometeu-se a prestar auxilio técnico e financeiro para a construçâo de urna usina siderúrgica no Brasil, projeto caro ao presidente. Um crédito inicial de US$ 20 milhôes foi posto à disposiçao do governo brasileiro através do Export-Import Bank, valor este que posteriormente subiu para US$ 45 milhöes (Humphreys, 1981:138). Já a entrega de material bélico novo e moderno, demanda que tinha no alto oficialato nacional sua principal fonte, foi procrastinada durante longo tempo.
Os Estados Unidos havíam iniciado seu processo de rearmamento em data muito recente, e a produçâo de sua indùstria bélica devia atender primeiramente às Forças Armadas do proprio país. Além desses entraves materials, existiam aqueles de natureza legai, próprios de um país onde grande parte da populaçâo e do Congresso apresentava enorme aversäo a qualquer tipo de envolvimento com querelas no exterior. O presidente Roosevelt somente conseguiu derrubar as leis neutralistas vigentes, que proibiam a venda de armas para países em guerra, após o inicio das hostilidades na Europa, e nenhum auxilio bélico substancial foi fornecido aos británicos quando estes passavam por seu momento mais perigoso em toda a guerra, a Batalha da Inglaterra (julho/setembro de 1940). Mesmo a famosa troca de contratorpedeiros por bases, em setembro de 1 940, foi muito mais urna prova de apoio norte-americano àcausa inglesa do que urna real ajuda, visto que os navios estadunidenses já eram bem antigos e o arrendamento de bases británicas, da Guiana Inglesa até a Terra Nova, era altamente benéfico para os norte-americanos, que as preparariam como parte do cordäo militar visando à defesa hemisférica.
Foi a partir da aprovaçào do Lend-Lease Act (Lei de Empréstimos e Arrendamentos) em marco de 1941, instrumento jurídico que possibilitava ao presidente dos Estados Unidos, discricionariamente, vender, emprestar, arrendar ou trocar armas ou equipamentos com qualquer pais que ele julgasse importante para a defesa dos Estados Unidos (Kissinger, 1994:388), que o país pôde realmente começar a armar seus aliados. Nessa mesma época, a produçâo bélica nacional também apresentava os primeiros números mais substanciáis, possibilitando o envió de parte da produçâo para o exterior. Em outubro de 1941, os norte-americanos abriram um crédito inicial ao governo brasileiro, através do Lend-Lease, para aquisiçâo de material bélico no país até o valor de US$ 100 milhöes. Em fevereiro/março de 1942 este acordo foi renegociado, e o valor inicial do contrato subiu para US$ 200 milhôes (McCann Jr., 1995:215). No mesmo ano as Forças Armadas brasileiras receberam as primeiras remessas do equipamento militar prometido.
Durante todo o tempo em que as armas made in USA nâo passavam de palavras ao vento, o governo Vargas evitou completar o alinhamento brasileiro com os norte-americanos. Isto nao significa dizer que a posiçào de Vargas era contraria ou mesmo excessivamente resistente aos pedidos norte-americanos, mas que a aproximaçao entre os dois países foi sendo feita de forma escalonada. Em julho de 1941, Vargas autorizou textualmente a construçâo e aparelhamento de bases aéreas no Brasil pela empresa norte-americana Pan American, algo que há meses já vinha sendo feito mediante sua permissäo oral e particular (Humphreys, 1981:139). Tais aeroportos eram parte de urna série que estava sendo construida e aparelhada na América Central, Caribe, Colombia, Venezuela e Brasil, implementaçào de um acordo secreto, de fins de 1940, entre a empresa aérea norte-americana e o Departamento de Guerra dos Estados Unidos, visando à utilizaçâo futura por "aeronaves do Exército, Marinha, Corpo de Fuzileiros Navais e Guarda Costeira dos Estados Unidos, na medida em que autorizadas pelos respectivos países em que tais aeroportos forem localizados [...]" (McCann Jr., 1995:182). Como comentado, aviöes norte-americanos já estavam atravessando o Atlántico para suprir forças aliadas no Velho Mundo a partir do primeiro semestre de 1 94 1 . A presença substancial de militares estadunidenses armados em territorio nacional, no entanto, só seria autorizada mais tarde, após o governo brasileiro anunciar seu rompimento de relaçôes diplomáticas com os países do Eixo, no fechamento da III Reuniäo de Chanceleres Americanos, realizada no Rio de Janeiro. Após esta medida o Brasil estava virtualmente na guerra, como parte do esforço norte-americano nesta, fomecendo tudo o que um país com seu nivel de desenvolvimento poderia fornecer para a vitória, o que, ñas palavras de Moura, significava "apoio político, materials estratégicos, bases e rotas aéreas, patrulhas aéreas e navais e eliminaçâo da 5d coluna nazista" (Moura, 1996:99). A declaraçao formal de guerra do Brasil à Alemanha e Italia, em agosto de 1942, nao fazia parte das exigencias do governo norte-americano em relaçao ao papel brasiìeiro no confuto. Pode, entretanto, igualmente ser explicada e entendida mediante o exame do específico sistema internacional existente naquela circunstancia. É essa decisào, o derradeiro momento da política exterior brasileira durante a guerra, que examinaremos.
A declaraçâo de guerra da Alemanha aos Estados Unidos, em 1 1 de dezembro de 1941, honrando o Pacto Tripartido existente entre o país, a Italia e o Japáo, abriu todo o Oceano Atlántico à guerra comercial realizada pelos submarinos do Eixo. Como meta principal, a Alemanha esperava conseguir cortar a linha de suprimento naval aliada existente no Atlántico Norte entre a Europa e a América do Norte. Para isso, o maior número de navios comerciáis aliados devia ser afundado e o firn dos impedimentos a ataques a navios norte-americanos trazia grandes possibílidades de vitória. De fato, o ano de 1942 foi aquele em que o maior volume de tonelagem naval aliada foi afundado durante toda a guerra - 8,25 milhôes (Gabaglia, 1953:363-365) - e grande parte deste volume se deveu à açâo dos submarinos do Eixo ñas costas dos Estados Unidos. A inexperiencia dos marinheiros norte-americanos, tanto militares como civis, juntamente com a enorme profusäo de alvos na área levou, inclusive, os submarinistas alemâes a denominar os seis primeiros meses de 1942 como "tempos felizes". Com o passar do tempo, as técnicas de guerra anti-submarina foram sendo aprendidas e urna maior dificuldade passou a existir para a açâo submarina no litoral norte-americano. Tal situaçâo levou os U-Boats a deslocarem-se paramares mais desprotegidos ao sul, onde presas mais facéis podiam ser atacadas. A partir de abril, o litoral leste dos Estados Unidos perdería importancia como área de atuaçâo de submarinos para o Golfo do México e os mares caribenhos, regíoes onde passaria a ocorrer o maior número de ataques no hemisferio. No segundo semestre do ano, entretanto, o escudo protetor aeronaval dos Estados Unidos já alcançava essas áreas, e as costas brasileiras passaram a ser a regiño hemisférica relativamente mais fácil para o abate de navios comerciáis aliados. Deve-se frisar que o litoral do Brasil, predominantemente situado no Atlàntico Sul, nao apresentava tráíego naval comparável às regiöes do Atlántico Norte aludidas acima. Por isso, a partir dos últimos meses de 1942, a maior parte da força submarina alema abandonará os litorais das Americas, voltando a operar no centro do Atlantico Norte contra os comboios aliados protegidos (Weinberg, 1994:377-378). Isso nao impedía que um pequeño número pros seguís se atacando a Marinha Mercante aliada nos mares hemisféricos mais desprotegidos, e aquí se destacava o litoral brasileiro. No último trimestre do ano, a regiäo rivalizou com os mares caribenhos como urna das mais lucrativas para a açao dos U-Boats no hemisferio ocidental, ainda que, em termos absolutos, o número de afundamentos em todo o hemisferio fosse aproximadamente metade daquele ocorrido no trimestre anterior10.
As perd as de navios pela Marinha Mercante brasileira tem enorme sincronicidade com o padräo de afundamentos no continente americano descrito acima. Em fevereiro e marco de 1942, os primeiros cinco navios foram perdidos, todos destruidos ao longo da costa leste dos Estados Unidos. De maio a julho mais sete navios foram afundados, agora nos mares do Caribe e adjacências, sendo que a maior parte foi perdida ñas aguas próximas de Trinidad e Barbados, extremo sul caribenho. Em agosto ocorreram ataques no litoral brasileiro, causando a perda de seis embarcaçôes e adeclaraçao de guerra do Brasil. Após esta, o Brasil ainda perdería mais doze navios, dos quais somente dois foram afundados longe das costas nacionais (Duarte, 1968). Para o governo alemäo, nao era racional poupar os navios e o litoral de um país que contribuía para o esforço de guerra aliado até o limite de sua capacidade. Até mesmo ataques de aeronaves da Força Aérea Brasileira contra submergíveis alemäes aconteceram e foram divulgados no mes de maio de 1942 (ídem: 3 17). Em face disso, a ordern do Alto Comando Naval alemäo, autorizando o ataque a qualquer embarcaçao latino-americana que esüvesse armada, com exceçao dos navios argentinos e chilenos - únicos países do hemisferio que nao haviam rompido relaçôes diplomáticas com o Eixo - , e a decisäo do governo alemäo, em 4 de julho, de liberar os navios e costas brasileños para seus submarinos, que, de qualquer forma, já os vinham atacando mesmo, nada têm de extraordinarias (Doenitz, 1997:239). A declaraçâo formal de guerra do governo brasileiro, por sua vez, parece ser o desdobramento mais natural dos acontecimentos. A destruiçâo sistemática de patrimonio e vidas nacionais, particularmente quando isso ocorria tao próximo do territorio brasileiro, era fator de grande gravidade, ainda mais quando urna espontánea mobilizaçâo da sociedade nacional cxigia urna resposta dura do governo a tao violentos atos de agressäo perpetrados por potencias estrangeiras. Vargas, em seu discurso de 7 de setembro, deixa patente as pressöes populares por tras da decisäo tomada pelo governo, quando comenta:
"Protestastes com indignaçâo, solicitastes por todas as formas de expressar a vontade popular que o governo déclarasse guerra aos agressores, e assim foi feito." (Vargas, 1943:260)
A decisäo de formalizar a guerra em relaçâo à Alemanha e Italia, assim como os ganhos da política exterior brasileira até aquela data e o envolví mento nacional cada vez mais forte no confuto mundial podem ser explicados, e bem explicados, pela dinamica do proprio confuto e os intéresses, políticas e estrategias das principáis partes beligerantes. A adoçâo desse modelo sistèmico se provaria ainda mais propria caso fosse capaz de explicar igualmente bem um segundo caso empírico, utilizando a mesma mecánica empregada no exemplo brasileiro. O Mexico encaixa-se perfeitamente bem neste proposito.
Verificando a Robustez do Modelo: O Envolvimento Mexicano na Guerra
Como no caso brasileiro, o primeiro passo a ser dado consiste na operacionalizaçâo do modelo para o caso mexicano. Como o Brasil, o México indubitavelmente também fazia parte do mundo periférico.
Economicamente estruturado como um país primario-exportador, sua relaçâo de dependencia com os Estados Unidos era ainda maior do que a existente entre brasileiros e norte-americanos. Em 1938, mais de Vz das export açôes mexicanas eram remetidas para seu vizinho do norte e, com a guerra na Europa, esse número cresceu ainda mais, atingindo cerca de 90% das exportaçoes do país no ano de 1941 (Reynolds, 1973:285). Em termos estratégicos o México também recebia grande atençâo dos dirigentes norte- americanos. Sua importancia devia-se basicamente a fatores minerais e posicionais. Tratava-se de um grande produtor de prata, cobre, chumbo, zinco e petróleo, este último item tendo um relevo especial, principalmente em um cenário de guerra à vista, como aquele existente em fins dos anos 30. A posiçâo geográfica mexicana, com urna extensa fronteira com os Estados Unidos, preocupava os norte-americanos especialmente por motivos defensivos. Caso os Estados Unidos estivessem envolvidos em urna guerra alhures, urna relaçâo amistosa com o México era imprescindível, visto que um vizinho neutro, ou pior, hostil, comprometería o desempenho militar norte-americano fora do hemisferio, já que forças teriam de ser mantidas próximas à fronteira para lidar com essa ameaça sempre presente na retaguarda. Mais grave ainda seria a necessidade de urna intervençâo em territòrio mexicano, açao que podia literalmente "jogar por agua abaixo" um papel mais determinante dos Estados Unidos em um confuto no Velho Mundo11.
Possuindo grande importancia estratégica e apresentando relaçâo de dependencia economica com os norte-americanos, situaçâo similar à vivida pelos brasileiros, dedutivamente esperaríamos encontrar muitas semelhanças entre o processo de envolvimento do país na guerra e aquele vivido pelo Brasil. A historia parece corroborar plenamente com este raciocinio. Em 1938 o presidente mexicano Lázaro Cárdenas nacionalizou empresas petrolíferas estrangeiras, majoritariamente depropriedade de británicos e norte-americanos. O governo dos Estados Unidos reagiu de maneira bem conciliadora, reconhecendo desde o inicio o direito mexicano em expropriar bens localizados em seu territorio, desde que se indenizasse de forma justa os antigos proprietários. Esta reaçâo se coadunava com a estrategia norte-americana de evitar antagonismos com Estados latino-americanos importantes, tendo em vista a necessidade de consolidar-se a hegemonía estadunidense de modo pacífico sobre toda a regiäo. Ainda assim, como nao se chegou a um valor acordado para as indenizaçoes devidas as empresas, estas conseguiram impor um bloqueio ao petróleo mexicano em todo o mundo anglo-saxäo, principal mercado do produto. A soluçao do governo mexicano para o problema foi buscar novos clientes, e estes foram rapidamente encontrados na Europa, onde o eixo Roma-Berlim estava disposto a adquirir todo o petróleo que os mexicanos se dispusessem a vender. A compra, entretanto, seria feita através das caixas de compensaçâo, tal como era feito com o Brasil. Durante um ano, a Alemanha e a Italia foram o destino de Vi do petróleo exportado pelo México, comercio que teve um rompimento abrupto devido ao inicio da guerra na Europa (Scroggs, 1940:266). Foi entäo que o governo norte-americano começou a achar prudente resolver o mais rapidamente possível essa pendencia, visto o desenrolar preocupante do confuto europeu. Um entendímento entre os governos do México e dos Estados Unidos foi materializando-se, e em novembro de 1941 chegou-se a um acordo sobre as indenizaçoes devidas, cujo valor exato e forma de pagamento seriam acertados em abril do ano seguinte. O cálculo da rndenizaçâo foi extremamente vantajoso para o governo mexicano, que pagaría US$ 29 milhôes as empresas petrolíferas norteamericanas, incluindo juros, enquanto o valor pleiteado por estas girava em torno de US$ 260 milhôes (Smith, 1996:78-80). Além disso, o Departamento de Estado deixou claro às empresas que caso elas recusassem os termos do negocio, corriam o risco de nada receberem (Cline, 1969:249). A resolucäo dessa questäo sob a forma de um nítido ganho para o governo mexicano possibilitou um eslreilamento das relaçoes México-Estados Unidos e, ainda em dezembro de 1941, o México rompeu suas relaçoes diplomáticas com os países do Eixo. Durante a guerra, o México seria também o segundo país latino-americano recipiente de auxilio militar através do Lend-Lease - aproximadamente US$ 39 milhôes durante todo o período de guerra - superado somen te pelo Brasil (Humphreys, 1982:268). A declaraçâo de guerra mexicana ocorreu em junho de 1942, decisáo retroativa a 22 de maio, data em que se tornou público o segundo afundamento de cargueiro nacional por submarino alemäo em aguas próximas ao litoral atlántico do país, e que causou grande comoçâo nacional em favor da formalizaçâo da guerra contra o Eixo (idem:4Q-4l), Recordemos que a campanha submarina total alema já havia sido lançada contra o esforço de guerra aliado, e todo o litoral atlántico das Americas, assim como todos os navios cuja bandeira pertencesse a países que de fato estavam envolvidos nesse esforço de guerra, apareciam como possíveis alvos. Maio foi o mes em que a regiäo do Golfo do México foi mais atingida, momento em que eia se configurava como a mais lucrativa área americana para a açâo dos U -Boats (Descli, 1993:74). Näo surpreende, portan to, que tenha sido o mes da declaraçâo de guerra mexicana.
Resumindo, o México estabeleceu relaçôes íntimas com os Estados Unidos, tacitamente tornando-se parte do esforço de guerra que este país mobilizava para desempenhar papel de protagonista no conflito mundial que se deslindava. Terminou, com isso, envolvendo-se na guerra formalmente, mas obteve ganhos visíveis nesse processo, tais como auxilio militar e resoluçâo benéfica da questäo da nacionalizaçâo das empresas petrolíferas norte-americanas. As conformidades com o acontecido simultaneamente ao Brasil sao impressionantes, e fortalecem a validade do modelo teórico aqui proposto.
Concluindo e Sintetizando o Debate Teórico sobre o Tema
O argumento aqui apresentado tem natureza eminentemente sistemica, ainda que esteja sendo utilizado para análise de casos específicos. Dialoga, assim, com trabalhos centrados em política exterior, cujo foco principal se encontra, pelo menos teoricamente, no agente em lugar de no sistema. A política exterior brasileira do periodo tem interpretaçôes diferenciadas, conforme o autor lido. Très trabalhos merecerá ser mencionados e discutidos rapidamente aqui: o de Roberto Gambini (1977), Gerson Moura (1980) e Marcelo Abreu (1977)12.
Gambini tem argumento nitidamente estruturalista, salientando a enorme dependencia da arena política nacional em relaçao aos condicionamientos econômico-estruturais existentes no sistema internacional. Caracterizado como economia periférica, agroexportadora, o Estado brasileiro somente pode extrair ganhos de sua política exterior porque o sistema internacional, ou melhor, o modo de produçâo capitalista, encontrava-se em profunda crise. A grande depressäo dos anos 30 e a guerra entre as principáis potencias mundiais que a seguiu possibilitaram ao governo brasileiro reformular a relaçao de dependencia nacional, conseguindo alguns beneficios no processo. O choque imperialista entre Estados Unidos e Alemanna, resultante do desejo de ambos de inserir o Brasil em sua esfera de poder economico, possibilitou ao governo Vargas urna pontual capacidade de barganha internacional.
Gambini é, pelo menos teoricamente, eminentemente económico em seu estruturalismo. Ainda que o presente trabalho comungue com a base de seu argumento, no sentido de encarar o Brasil muito mais como objeto do que ator dentro das relaçôes interestatais do período, sente-se a ausencia em seu modelo teórico dos aspectos políticos do sistema internacional, tais como os intéresses e estrategias das principáis potencias mundiais, que procuravano vencer a guerra mundial e com isso reformular toda a ordern internacional política vigente. Ao s allentar a relaçao de dependencia econòmica vivida pelo Brasil no periodo, Gambini, grosso modo, acerta o alvo. Entretanto, descrevendo empiricamente a consubstanciaçâo da barganha brasileira, nota-se que os momentos em que determinadas decisöes ou acordos foram realizados só podem ser devidamente entendidos se examinados concomitantemente com o desenrolar do confuto total e global existente: o tratado prevendo auxilio técnico e financeiro para construçâo da siderúrgica brasileira logo após a queda da Franca e o dominio alemäo de toda a Europa Ocidental continental; o compromisso formal norte-americano de fornecer material bélico para as Forças Armadas nacionais a partir de fins de 1941 e inicio de 1942, momento em que os entraves materials, políticos e legáis a tal empreendimento eram superados dentro dos Estados Unidos; a declaraçao de guerra brasileira em agosto de 1942, pouco tempo após o governo e o Alto Comando alemäo liberarem os navios e costas brasileiros para a guerra submarina indiscriminada empreendida no Atlántico contra a Mariríha Mercante aliada.
Moura, por sua vez, procura analisar tanto os aspectos conjunturais (internos) como estruturais (externos) que incidiam sobre a política exterior brasileira, caracterizando a situaçâo do Brasil no cenário internacional do periodo como um caso de "autonomia na dependencia". Procurando conjugar esse duplo condicionamento, Moura atesta que a favorável diplomacia comercial empreendida até o inicio da guerra na Europa devia-se tanto a determinantes internacionais - crise económica e antagonismo entre grandes potencias - como a divisoes existentes no seio da sociedade brasileira, divisoes estas que se corporificavam na dicotomia entre americanófílos e germanófilos que, conforme atesta o autor, correspondía a interesses económicos e políticos que cortavam classes e instituiçôes (Moura, 1980:180). O governo Vargas navegava em meio a essas múltiplas influencias, tanto externas como internas, procurando promover o que a burocracia estatal entendía como interesse nacional, algo que para o autor transcendía a soma dos intéresses privados nacionais, ainda que nao trabalhasse contra eles (/¿fera: 179). Essa equidistancia pragmática possibilitou um aumento na capacidade de barganha nacional e fortes ganhos no momento de seu rompimento, quando o Brasil alinhou-se aos Estados Unidos (/¿/era: 185). Resta saber se a atitude pregressa do governo brasileiro foi de fato a grande responsável pela aquiescencia norte-americana em atender as demandas nacionais para o alinhamento ou se o perigoso panorama internacional existente, conjugado ao inteligente modus operandi dos Estados Unidos na regiäo, visando ganhar aliados pacificamente através da negociaçao, nâo foram os maiores responsáveis por isso.
A propósito, vale a pena comentar o traballio de Abreu. Centrado ñas relaçôes económicas e comerciáis entre Brasil-Estados Unidos, o autor tem nitidamente urna hipótese acerca das causas por tras da política exterior brasileira. Esta seria basicamente reativa, característica propria das políticas externas de economías dependentes, conforme os dois autores anteriores também enfatizam, particularmente Gambini. Os ganhos conseguidos no período, entretanto, devem-se especialmente ao auto-interesse esclarecido dos norte- americanos, que procuraram trazer pacificamente os brasileiros para sua esfera de influencia, atendendo no processo a algumas importantes demandas nacionais. Abreu equivoca- se quando aponta como motor principal desse interesse o fato de os norte-americanos desejarem fortalecer o Brasil vis-à-vis a Argentina, visto a postura dissonante que o país platino adotava dentro do concerto interamericano de naçôes (Abreu, 1977:215-216). Como vimos, a importancia de se ter o Brasil como aliado se devia muito mais ao papel estratégico que o país tinha para o incremento e deslocamento do esforço de guerra norte-americano para os teatros de combate na Europa, África e Atlantico Sul do que para contrabalançar os argentinos no Cone Sul, objetivo preponderante das elites dirigentes brasileiras. Além disso, a idéia da Política de Boa- Vizinhança como grande responsável pelos ganhos de nossapolítica exterior deve ser vista através de urna lente sistèmica, onde as relaçôes bilaterais Brasil-Estados Unidos eram profundamente influenciadas por fatores exógenos, e ganhos e compensaçoes foram conseguidos até mesmo por países periféricos que quase forçosamente se alinharam ao Eixo na Europa, o que demonstra a existencia de um momento internacional propicio para isso, independentemente dos atores estatais que interagiam.
O enfoque sistèmico do presente artigo implica a conjugaçâo de urna situaçâo de guerra total e global e o impacto desta situaçâo internacional especial na política exterior de qualquer Estado periférico estratégicamente importante. Diferente de todos os trabalhos pregressos, o Brasil aquí nao é apresentado como portador de qualquer especificidade. Urna vez caracterizado como país periférico, atributos eminentemente geográficos e económicos sao vistos como capazes de explicar o envolvimento do país e os principáis acordos e decisöes relativos à política exterior realizados pelo governo brasileiro no período.
O reducionismo inerente ao modelo teórico empregado é encarado positivamente, já que sua capacidade explicativa é grande. Teorías sao instrumentos cujo principal objetivo é explicar temas ou assuntos considerados importantes. Nào têm, necessariamente, nenhum compromisso de espelhar o real (Waltz, 1988, cap. i). É a partir desses marcos que o presente estudo deve ser encarado. Caso tenha conseguido apresentar urna maneira parcimoniosa de entender-se o envolvimento brasileiro na guerra e as mais importantes decisöes concernentes à política exterior brasileira de fins dos anos 30 até agosto de 1942, entâo ele logrou seu intento.
(Recebido para publicaçâo ero Janeiro de 1999)
Resumo
O Brasil e a Segunda Guerra Mundial: Paradigma de Inserçâo em Confuto Total e Global para Países Periféricos e Estrategicamente Importantes
O crescente envolví mento do Brasil na Segunda Guerra Mundial como parte do esforço de guerra norte-americano (de fins do anos 30 até a declaraçSo de guerra brasüeira ao Eixo em agosto de 1 942) e os ganhos da política exterior brasüeira no periodo (financiamento da usina siderúrgica nacional e provimento de material bélico para as Forças Armadas brasileiras) sao estudados e analizados sob urna perspectiva eminentemente sistèmica, de fora para dentro. Categorizando o Estado brasileiro com base em seus atributos geográficos e económicos, explica-se a inserçâo do país no confuto total e global que se formava sem necessidade de exame concomitante do processo de decisâo política interna ou aceitaçâo de qualquer particularidade de sua política.
Palavras-chave: Relaçôes Internacionais - Política Externa Brasüeira - Segunda Guerra Mundial
Abstract
Brazil and the World War II: Inserction Paradigm in a Global and Total Conflict for Peripheric and Strategicaly Important Countries
Brazil's growing involvement in the Second World War as part of the American war effort (from the late thirties to the Brazilian declaration of war against the Axis in August, 1942), and the gains of Brazilian foreign policy during the period (the financing of a national steel plant and the supplying of arms to the Brazilian armed forces) are studied and analysed mainly from a systemic perspective, from an outside view. Categorizing the Brazilian State with its geographic and economic attributes, we can explain the country's insertion in the worldwide all-out conflict that was brewing without the need of a concurrent examination of the Brazilian domestic policy making process or acceptance of any specific trait of its policy.
Keywords: International Relations - Brazilian Foreign Policy - World War II
Motas
1. Essa abundante literatura incluí trabalhos de autores dos mais diferentes ramos das ciencias sociais, como economia, historia e ciencia política, tanto do Brasil como do exterior. Dentre livros, teses e monografías, podemos citar: Hilton (1977); McCann Jr. (1995); Moura(!980; 1991); Gambini (1977); Abreu(1977); eSeitenfus (1990?).
2. Um exemplo extremamente feliz de inclusâo da variável "interesses das grandes potencias" no modelo basicamente estrutural de Waltz, para análise de caso histórico (curiosamente também a Segunda Guerra Mundial), encontra-se em Schweller (1998).
3. Até o seu final, em agosto de 1945 (rendiçao japonesa), todos os países soberanos estavam formalmente na guerra, à exceçâo da Suécia, Suiça, Irlanda, Portugal, Espanha, Afeganistño, Tibete, Mongòlia e lernen. Cumpre destacar que muitos deles (Suécia e Portugal, por exemplo) tiveram papel durante o confuto que nao condiz absolutamente com suas posiçôes formais de neutralidade. Cabe assinalar também que isso se devia menos as suas intençôes reais de participar na guerra do que à necessidade de acomodar pressöes extemas de potencias que exigiam urna neutralidade mais partidaria desses países (Alemanha e Reino Unido, respectivamente em relaçâo aos dois Estados citados) (Keegan, 1996:31).
4. Era esse o caso argentino antes e principalmente durante a guerra. Dependentes do mercado británico para suas exportaçôes de couro, linhaça, carne e trigo, os argentinos eram ao mesmo tempo necessários ao governo de sua majestade, que precisava desses produtos para a manutençâo de seu proprio esforço de guerra. Nao podia, se é que quería, impor ou pressionar de forma alguma o governo argentino, obrigando-o a romper relaçôes ou declarar guerra ao Eixo (Humphreys, 1982: 139, 143, 159-160 e 168-169).
5. Mais de 56% dos adultos (maiores de 18 anos) (Brasil/IBGE, 1940/1945).
6. Em maio de 1941 os primeìros aviôes de produçâo norte-americana atravessaram o Atlàntico através de Natal para serem entregues a forças inglesas (McCann Jr., 1 995: 191-1 92). Mais de 25 mil aeronaves passariam por bases aéreas brasileiras antes de chegar aos seus destinatarios na África, Europa e até Extremo Oriente asiático (Desch. 1993:80).
7. Em recente traballio, o jovem historiador Norman Goda sustenta, amparado por extensa pesquisa em fontes primarias e secundarias, que a diplomacia hitlerista em relaçâo ao sudoeste da Europa, no veráo e outono de 1940, tinha como meta mais importante a aquisiçâo de bases permanentes no Marrocos francés e/ou ilhas atlánticas ibéricas, visando o preparo destas para a recepçâo futura de pesados encouraçados e bombardeiros quadrimotores de longo raio de açào, necessários para o futuro e esperado choque que ocorreria com os Estados Unidos após o firn da guerra na Europa. Entretanto, o proprio autor relata que, em termos mais imediatos, até mesmo um ataque ao arquipélago açoriano foi descartado pelas autoridades militares alemas como urna impossibilidade técnica e material, e conseqüentemente retirado dos planos visando à implementaçâo da operaçao Félix. Inexiste também em todo o livro qualquer referencia ao Brasil como possível alvo militar futuro (Goda, 1998).
8. A operaçao foi reprogramada para o outono de 1941 quando, dentro dos prognósticos do governo alemäo, a campanha russa já teria terminado (Hinsley, 1951: 101123).
9. A declaraçSo é do chefe do Estado-Maior do Exército brasileiro, general Góes Monteiro, em relatório do EME de 1939 (Hilton, 1977:71).
10. As estatísticas sobre afundamentos de navios nos mares americanos sao baseadas em tabela existente em minha dissertaçâo de mestrado (Alves, 1998:99).
11. Durante a Primeira Guerra Mundial isso quase aconteceu. Urna intervençào mais pesada no México revolucionario por parte dos Estados Unidos, açâo defendida por alguns influentes norte-americanos na época, certamente comprometería o papel primordial que as tropas estadunidenses tiveram para a derrota alema em 1918 (Desch, 1993. cap. 2).
12. Moura realizou urna discussao semelhante sobre a bibliografía existente sobre o tema. A novidade aqui é que ele também será objeto de análise (Moura, 1980, cap. 2 e conclusâo).
Referencias
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Copyright Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Jan-Jun 1999
Abstract
Brazil's growing involvement in the Second World War as part of the American war effort (from the late thirties to the Brazilian declaration of war against the Axis in August, 1942), and the gains of Brazilian foreign policy during the period (the financing of a national steel plant and the supplying of arms to the Brazilian armed forces) are studied and analysed mainly from a systemic perspective, from an outside view. Categorizing the Brazilian State with its geographic and economic attributes, we can explain the country's insertion in the worldwide all-out conflict that was brewing without the need of a concurrent examination of the Brazilian domestic policy making process or acceptance of any specific trait of its policy. [PUBLICATION ABSTRACT]
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