RESUMO : Este artigo objetiva analisar o significado social dos termos e expressöes referentes a epidemias de cólera e de varióla que acometeram milhares de pessoas no Ceará durante o sáculo XIX, sobretudo a partir de urn corpus constituido da novela de 1899, Violagäo, de Rodolfo Teófilo; e de textos jornalísticos do semanário OAraripe, impresso de 1855 a 1864 em Crato-Ceará. É um trabalho que se situa no ámbito da Lingüística Histórica lato sensu, sendo utilizada como metodología de análise essencialmente aquela da Historia Social da Linguagem, nos moldes dos trabalhos de Burke e Porter (1993,1997) e Burke (2010). Também subjazem ao nosso trabalho analítico as propostas teóricas de Benveniste (1995, 1989), principalmente aquelas que abordam a relaçâo que se estabelece entre lingua e realidade ou entre léxico e cultura. Nossas conclusöes, advindas das análises, apontam para a necessidade de entendermos a linguagem näo como simulacro da realidade, mas como parte viva da realidade social, cultural e histórica do homem. A relaçâo entre as palavras e as doenças pode ser marcada por concepçôes e preconceitos históricos e socioculturais e revelar as funçôes sociais que tem a linguagem.
PALAVRAS-CHAVE: Lingüística histórica. Historia social da Linguagem. Violagäo, de Rodolfo Teófilo. Semanário OAraripe. Enfermidades. Lingua e realidade.
Cada geragäo, vivendo com os problemas do presente, interroga o passado pensando em suas próprías questóes. [...] Mas ao mesmo tempo que usamos o presente para formularperguntas, temos que deixar o passado dar suas próprías respostas.
Peter Burke (2009).
0 temor que a populaçâo tem hoje da cólera, da variola ou de outra doença qualquer que possa surgir de forma epidémica nao é exatamente como acontecia há 100 ou 150 anos. As condiçôes de higiene e de profilaxia mudaram, os medicamentos e a medicina avançaram, as crenças místico-religiosas em relaçâo às enfermidades também mudaram e isso se revela de variadas maneiras, inclusive linguisticamente. Apesar de nao ser a mudança lingüística o foco principal deste trabalho, podemos dizer que urna vista d'olhos sobre os termos e expressôes referentes às doenças como surgem em textos do século XIX em comparaçào corn a maneira como aparecem nos dias de hoje, tanto na literatura artística quanto na imprensa jomalística, revelam realidades distintas, quase como se se comparassem mundos distintos.
Para se ter urna ideia da extensäo da mortandade que a cólera causou no Ceará no ano de 1862 e, consequentemente, para se vislumbrar o terror que essa doença produziu, consideremos as informaçôes colhidas por Otacílio Colares a partir da obra Datas e fatospara a historia do Ceará, do Baräo de Studart, segundo 0 quai, no dia 5 de abril de 1862,
[...] manifesta-se na provincia, pela primeira vez, a epidemia de cóleramorbo, declarando-se o flagelo na cidade de Icó, por transmissáo da Paraíba. [...] A epidemia, que tomou ali proporgóes aterradoras, propagou-se a muitos outros pontos da provincia. Na capital começou a reinar no dia 13 de maio. Em Baturité, Pacatuba, Maianguape, etc. fez horríveis estragos. Em fins de agosto do ano seguinte, achava-se extinta a epidemia em toda a provincia, elevando-se a mortandade a 11 mil vítimas. (STUDART, 1896 apud COLARES, 1979, p.xvi).
Em algumas cidades, há relatos de que caía um número de 100 pessoas infectadas por dia e que, na cidade de Icó, 1/3 da populaçâo foi extinta pela epidemia. Nao é para menos que, naquela época, urna epidemia dessa magnitude recebesse os epítetos de "anjo do exterminio"1 e "medonha peste" (TEÓFILO, 1979, p.236). Assim, essas expressôes nao podem ser analisadas apenas no nivel da lingua, pois seus significados só se mostram no contexto sociocultural e histórico de seus usos. Seus usos e significados sociais, aliás, só existiram em consequéncia das epidemias e do terror que elas causaram a urna populaçâo num contexto específico.
Neste trabalho, usaremos os modelos de análise qualitativa próprios da Historia Social da Linguagem, focando a atençâo no significado social de termos e de expressöes referentes às epidemias de cólera e de variola que assolaram o Ceará no século XIX.
Usaremos nas nossas pesquisas um corpus constituido de urna obra literaria, a novela de 1899, Violaçao, de autoría do farmacéutico e escritor Rodolfo Teófilo, cujo enredo, com rasgos de memorias e recheado de termos científicos, passase em 1862 numa pequeña vila do litoral do Ceará; e de textos jornalísticos do semanário O Araripe, impresso de 1855 a 1864 em Crato, cidade da regiáo do Cariri, no sul do Ceará, sob a direçâo de um grupo de cidadáos ligados ao Partido Liberal, em que reiteradamente eram publicadas matérias que abordavam a variola e a cólera, bem como os horrores que elas provocavam na populaçâo (O ARARIPE, 1855-1864).
Enfim, é preciso dizer que as transcriçôes dos trechos retirados da novela Violaçao, do semanário O Araripe e de outros textos do século XIX sao ipsis litteris; portanto, nenhuma correçâo ou adaptaçâo foi feita aos textos origináis. Quando necessárias, notas de rodapé explicativas foram usadas nessas transcriçôes.
Notas sobre as orientaçôes de Lingüística Histórica e de Historia Social da Linguagem deste trabalho
Conforme o ponto de vista defendido por Rosa V. M. e Silva (2008, p.9): "A lingüística histórica lato sensu trabalha com dados datados e localizados, como ocorre em qualquer trabalho de lingüística baseado em corpora, que, necessariamente sao datados e localizados." Sua énfase nao recai sobre a mudança, mas sim sobre as investigaçôes sincrónicas, ressaltemos, de dados lingüísticos com data e local delimitados.
Já a lingüística histórica stricto sensu possui duas orientaçôes: a lingüística histórica sócio-histórica, que focaliza a mudança lingüística considerando fatores intralinguísticos e também fatores sociais; e a lingüística diacrônica associai, que focaliza a mudança apenas intralinguisticamente, ou seja, na lingua vista como sistema. A filología, por sua vez, é tida como a ciéncia responsável pela recuperaçâo dos textos do passado, estes que sao a base dos dados sobre os quais trabalhará a lingüística histórica (SILVA, R., 2008).
O Gráfico 1 resume essa distinçâo:
Este trabalho caracteriza-se, portanto, como sendo de natureza própria da lingüística histórica lato sensu. Sua orientaçâo metodológica e os modelos de análise, porém, säo tipicamente os da Historia Social da Linguagem, cujas pesquisas:
[...] enfocam um estudo lingüístico atrelado a um estudo histórico e sociocultural da comunidade que faz uso da(s) lingua (s) ou diale to (s) em questáo.
Nesse sentido, sobressai-se o intéresse pelas análises e interpretagóes do significado social dentro daquilo que é pesquisado numa dada comunidade. (LEITE, 2009, p.52).
E, no caso específico deste trabalho, nosso interesse recai sobre o significado social dos termos e expressóes do universo das epidemias do Ceará oitocentista. Significado social que, podemos dizer,
[...] vai além da concepçâo de significado saussuriano (ou significado referencial): ela diz respeito, principalmente, aos valores atribuidos (tabus, preconceitos, etc.) histórica e socioculturalmente por um povo ou grupo de individuos a determinados vocábulos, ou expressóes, ou a qualquer outro elemento gramatical em oposiçâo a outro(s) num contexto determinado. (LEITE, 2009, p.52).
Dessa forma, ressaltamos que as nossas análises näo se restringen! a urna especulaçâo acerca das acepçôes dicionarizadas ou do significado entendido como idealizaçâo coletiva nos cérebros dos talantes de urna lingua, ao modo da compreensäo saussuriana da questáo; antes, buscaräo na concretude da realidade histórica e sociocultural sua existencia. Dessa forma, o termo social se opôe a ideal. O significado social terá aqui, portanto, um valor que se refere ao grupo sociocultural e ao período histórico especificamente localizado e datado.
O interesse por se estudar a lingua sem desvinculá-la da cultura nem da historia vem crescendo a cada dia, para lingüistas, historiadores e sociólogos. Isso pode ser percebido, por exemplo, pelo surgimiento de novas áreas da lingüística, tais como a lingüística sócio-histórica e a sociolinguística histórica, como atesta Burke (2010).
Para Auroux (2009, p.64) "[...] entender urna lingua näo é apenas ter acesso a relaçôes intralinguisticas, é mais: é ser capaz de relacionar esses signos lingüísticos a urna experiencia compartilhada de mundo." Dessa forma, um pesquisador que queira compreender urna lingua em sua plenitude, näo poderá prescindir do contexto sociocultural e histórico do quai ela é parte, ou incomerá numa limitada visäo de lingua como estrutura autossuficiente.
Fazer pesquisa em lingüística, que se intéressa em analisar um fenómeno que é heteróclito e multifacetado, a despeito das concepçôes de Saussure, pressupöe entender que lingua e linguagem estáo entrelaçadas com cultura, sociedade, historia e toda sorte de fenómenos intra e extralinguísticos que existem näo somente na mente, mas também no entorno da realidade sociocultural e histórica dos individuos.
Sabemos que näo é tarefa fácil, essa a que nos propomos, a de investigar as delicadas e sutis nuanças que constituem o significado social dos termos e expressöes usados por individuos reais, o quäl nem sempre comesponde áquele significado lingüístico próprio das concepçôes de filiaçâo saussuriana.
Nesse sentido, mas referindo-se especificamente à natureza do signo lingüístico, é que Benveniste diz que o lingüista costuma tratar o problema metafísico da relaçâo entre o espirito e o mundo usando como artificio o viés da arbitrariedade, como se isso fosse urna
[...] forma de defender-se contra essa questáo e também contra a soluçâo que o falante lhe dá instintivamente. Para o falante há, entre a lingua e a realidade, adequaçâo completa: o signo encobre e comanda a realidade; ele é essa realidade (nomen omen, tabus de palavra, poder mágico do verbo, etc.). (BENVENISTE, 1995, p.57).
Essa concepçâo de que o signo é a realidade, a propósito, é muito bem apresentada e analisada num ensaio de Roy Porter intitulado Expressando sua enfermidade:a linguagem da doença na Inglaterra georgiana, em que ele se dedica a perscrutar a ideia popularizada de que um nome é um agouro, ou seja, de que a palavra cáncer, por exemplo, nem deve ser pronunciada, por causa do mal que ela pode trazer (PORTER, 1993).
Arelaçâo signo-mundo, muito com um na concrétude da vida dos individuos, será um dos principáis focos de investigaçâo desta pesquisa, urna vez que nos posicionaremos:"[...] na condiçâo de um lingüista trabalhando em Antropologia.", usando as palavras de Hymes (1993, p.431), no posfácio que escreveu para o livra de ensaios Linguagem, individuo e sociedade.
Sobre os textos que compöem o corpus das análises
As obras literarias e os jomáis (bem como os livras de historia, as cantorias populares, etc.) registraram, cada um à maneira própria de seu género, as doenças no Ceará oitocentista, entretanto justificamos a opçâo por analisar géneros de naturezas distintas para destacar que significados sociais de uso coloquial estavam táo arraigados no cotidiano das gentes de modo que foram incorporados também à literatura da época, sobretudo aquela de apelo realista.
De forma auxiliar, utilizaremos livras de historia e dicionários antigos para contextualizar alguns fatos ou acepçôes de termos do passado, toda vez que considerarmos pertinentes recorrermos a estas fontes como forma de aclararmos o significado social que tiriham as palavras ou as expressóes analisadas.
Mas os textos principáis, que corresponderá ao corpus deste nosso trabalho, säo a novela Violaçao, de autoria do escritor Rodolfo Teófilo, publicada em 1899, e um conjunto de ediçôes do semanário O Araripe, em especial aquelas seçôes dos anos de 1855 a 1864 que abordam a temática das epidemias que assolavam o Ceará oitocentista.
Tragaremos a seguir urna síntese desses dois textos, a fim de que possamos situá-los no contexto social, histórico e cultural em que foram produzidos, de modo a justificar a sua utilizagáo como registros válidos para as análises lingüísticas e também socioculturais e históricas que iremos realizar.
Violagäo, de Rodolfo Teófilo
Rodolfo Teófilo nasceu em Salvador, em 6 de maio de 1853, e faleceu em Fortaleza, em 2 de julho de 1932. Participou de movimientos literarios do Ceará, sendo, inclusive, membro da Padaria Espiritual, com o nome de "padeiro" Marcos Serrano.2 Foi farmacéutico, escritor e historiador. Escreveu, entre outros trabalhos, os romances: A Fome (de 1890), OsBrílhantes (de 1895), María Rita (de 1897) e O Paroaia (de 1899); escreveu também o livra de informagáo histórico-científica Secas do Ceará: segunda metade do século XIX (de 1901) e o compéndio testemunhal de batalha contra a epidemia de varióla que ocorreu em Fortaleza Variola e Vacinagäo (de 1905-1910).
Tendo vivido na infância os horrores causados pela epidemia de cólera em Maranguape, na época pequeña vila do litoral do Ceará, onde seu pai era médico, publicou, em 1899, a novela Violaçao, que revela cientificismo, positivismo, determinismo, realismo, regionalismo, impressäo e memorias, tudo misturado sob a égide do naturalismo literario do final do século XIX.
Otacílio Colares, na introdugáo crítica do livra que traz o romance A Fome e a novela Violaçao, especificamente sobre esta última, diz:
Urna estória, ou melhor, um episodio dramático, que tem sua origem, evoluçâo e desfecho macabro à conta da bestialidade gerada em cérebros elementares, no delirio da febre e da lubricidade sem freios, tudo como consequência do advento de urna peste de cólera-morbo.
Na verdade, Violaçao é fruto, quanto ao enredo e seu final dantesco, de urna forte e ousada imaginaçâo criadora, cevado no húmus de lembranças infantis do autor. (COLARES, 1979, p.xvi).
Nao se trata, portanto, Violaçao de urna pura obra de ficgäo. Na verdade, ela traz, em seu bojo, tragos de reminiscéncia e de memorias do autor, além de testemurihar lingüística e históricamente aspectos socioculturais do Ceará oitocentista, especialmente no tocante à epidemia de cólera que ele vivenciou na infância.
Novela de poucas personagens, Violaçao traz como urna das personagens mais marcantes a própria peste de cólera e em torno déla urna série de termos e expressóes, tais como peste, microbios, cadáver, moribundos, febre, fezes, cemitério dos coléricos, castigo do céu, que configurara urna ambientagäo macabra, infecciosa, lúgubre, aterradora e dantesca, que se assemelha a um transe ou delirio, como se nota no epílogo, em que um cadáver de urna jovem, vítima de cólera fulminante, é violado sexualmente no cemitério, entre pilhas de morios, por dois criminosos que pagavam pena como carregadores de defuntos, enguanto o noivo da jovem assiste a tudo desesperado, mas impossibilitado de falar e de se mover pelo estado de quase morte ou de letargía causado pela doença que o consumía.
O Araripe
O semanário O Araripe, de Crato, cidade do Cariri, regiáo sul cearense, foi o primeiro jornal do interior do Ceará. Seu proprietário e também redator era o historiador e jomalista Joño Brígido dos Santos, que, juntamente com um grupo de comerciantes e profissionais liberáis ligados ao Partido Liberal, fez circular este semanário entre os anos de 1855 e 1864.
Durante estes mais de nove anos de sua existencia, esse jornal, como atesta Alves (2010, p.8), "[...] apresentou em seus artigos a necessidade de civilizar a regiáo caririense, apresentando entre seus projetos de civilizaçâo a criaçâo da 'Provincia dos Cariris Novos', cuja capital seria o Crato, por ser esta a cidade mais desenvolvida do Cariri."
Mas, mesmo corn este propalado desenvolvimiento do Crato, a cidade estava despreparada, corn suas precárias condiçôes sanitárias, como atesta Figueiredo Filho (2010), para combater urna epidemia que se aproximava ceifando vidas por onde passava.
Sobre o porqué do temor da cólera na cidade de Crato e da presença de várias matérias sobre essa doença no semanário O Araripe, Alexandre (2010, p.3) esclarece bem:
Por essa época o cólera percorria o território do Brasil, deixando um rastro de morte por onde passava. O medo de que o surto atingisse aquela cidade fez corn que, desde 1855, O Araripe passasse a publicar, de forma enfática, urna série de textos sobre o tema. Assim, o jornal divulgou o percurso da peste pelas provincias brasileiras, reivindicou ou criticou a açâo das autoridades públicas, expos conselhos médicos para combater os sintomas característicos da doença, ensinou remédios caseiros e oraçôes consideradas poderosas para debelar a moléstia, entre outros textos.
Dessa forma, O Araripe, em suas quatro páginas costumeiras (salvo quando apareciam suplementos que acresciam mais duas, très ou quatro páginas), concomitantemente à sua tarefa jomalística, terminava por fazer as vezes de outras formas de combate à cólera:
Os responsáveis pelo jornal o compreendiam como o espaço apropriado para ditar os melhores meios de combater a doença, diante da constataçâo que aparentavam ter da aproximaçâo geográfica da mesma, da falta de médicos no Cariri cearense e da distância da regiâo em relaçâo à capital provincial, o que inviabilizava o socorro imediato em caso de contaminaçâo. (ALEXANDRE, 2010, p.13).
Termos e expressöes tais como "Cholera morbus",3 de propensäo eruditocientífica, ou "terrivel flagelo"4 e "mal terrivel",5 de características apocalípticas e religiosas, eram recorrentes em suas matérias sobre a cólera e sobre a variola, o que pede um estudo lingüístico, mas que também considere a historia, o social e o cultural, no que se refere à maneira como a linguagem se manifesta no cotidiano dos homens como parte de sua realidade mais viva e nao apenas como um modo de representá-la.
Análises do significado social dos termos e expressöes referentes ás epidemias no Ceará do século XIX
A linguagem está sempre necessariamente permeada de elementos de urna época, de urna sociedade e de urna cultura. Sua relaçâo com a historia é de interdependencia. Is so näo é nenhuma novidade, mas nos so objetivo nâo é só apresentar esta constataçâo, é estudar urna situaçâo concreta em que isso se revela materialmente. Para tanto, focaremos a atençâo das análises nas questöes lingüísticas considerando estas sempre inter-relacionadas com o seu contexto sociocultural e histórico.
À guisa de urna introduçâo de um aspecto lingüístico e histórico da palavra cólera, que neste trabalho aparecerá várias vezes, ora em transcriçôes de textos antigos, ora como palavra de uso contemporáneo, apresentamos urnas breves anotaçôes sobre a questäo do género gramatical dessa palavra.
No século XIX, era masculino o substantivo cholera (bem como sua variante: cholera-morbus) na acepçâo de moléstia ou doença, como se le no Diccionario de medicina popular e das sciencias accessorias, de Chemoviz (1890, p.578): "o cholera distingue-se em esporádico e epidémico", bem como em vários trechos aqui transcritos da novela Violaçao e do semanário OAraripe] mas era feminino o substantivo cólera (bem como sua variante: colera) corn outras acepçôes, tais como ira, como registra o Diccionario da Lingua Brasileira, de Pinto (1832): "Colera s.f. Hum dos humores do corpo humano. Fig. Ira.", e o Diccionario da lingua portugueza, de Antonio de Moráis Silva (1813, p.411): "Cólera, s.f. Um dos humores do corpo humano. § Ira, agastamento."
Na atualidade, porém, o substantivo cólera aparece registrado nos dicionários apenas como sendo de género feminino, em quaisquer acepçôes, seja de doença ou de ira, como vemos, por exemplo, no dicionário Aurelio eletrénico:
Cólera
[Do gr. choléra, pelo lat. cholera,'doença biliosa','ira'.]
Substantivo feminino.
1.Impulso violento contra o que nos ofende, fere ou indigna; ira, raiva, fúria, furor, zanga.
2. A ferocidade dos animais:
a cólera do tigre.
3. Fig. ímpeto, agitaçâo:
a cólera das ondas.
4. Patol. Doença infecciosa aguda, contagiosa, que pode manifestar-se sob forma epidémica, caracterizada, em sua apresentaçâo clássica, por diarréia abundante, prostraçâo e céibras; cólera-morbo, mordexim. (FERREIRA, 2012).
Podemos conjeturar que essa diferença de géneros para o substantivo cólera, que existia no sáculo XIX (o cholera e a colera), fosse urna das formas (além da distinçâo gráfica) que os usuários da lingua portuguesa tinham para melhor distinguir o nome dado para a doença do nome dado para a ira, como permitem supor os verbetes pesquisados em dicionários da época e também os textos analisados. Nossos objetivos nas investigaçôes, porém, vâo além de simplesmente anotar essa mudança de género do substantivo cólera.
Se lermos textos do passado com nossa compreensäo restrita ao presente, perdem-se muitos detalhes de significado que tinham esses textos, inclusive significados dos termos e das expressöes de entäo. Isso nao é só porque o género gramatical das palavras pode mudar, como anotamos, nem só porque mudou a grafía de algumas palavras, tais como cholera, flagello, amiaça e molestia, grafadas hoje respectivamente: cólera, flagelo, ameaça e moléstia; nem só porque alguns termos que aparecem em textos do passado näo sejam mais comuns hoje - como, por exemplo, cholerina, termo que significava, segundo Chemoviz (1890, p.585), "molestia que se parece com o primeiro gráo do cholera", mas que näo se encontra mais em dicionários contemporáneos, nem mesmo com a letra c em vez do ch -, mas também (ou principalmente) porque - mesmo se tratando de termos que ainda aparecem registrados nos dicionários de hoje ou ainda säo usados por individuos do presente - o significado social dos termos e das expressöes é diferente por serem distintas a época, a sociedade e a cultura. Por exemplo, hoje näo se veem pessoas evitando pronunciar a palavra cólera, por pánico ou temor da doença, nem pelo fato de acreditar que aquela palavra seja a própria doença, mas essa compreensäo do significado da palavra cólera existia socialmente para muitas pessoas, por exemplo, no Ceará oitocentista, como é possível se vislumbrar numa matéria do semanário OArarípe, cujo trecho abaixo demonstra:
O CHOLERA. Como nestes últimos dias se tem divulgado a noticia de que o cholera morbus, vem pouco e pouco se aproximando de nós, o Araripe julga prestar um valioso serviço aos habitantes desta comarca, e dos lugares que lhe sâo mais visinhos, indicando-lhes alguns conselhos prudentes confirmados pela experiencia, e desvanecendo esse ou pánico, terror imaginario,6 que se apodera de todos ao proferir se o nome do cholera; e para desempenhar esta tarefa reservou exclusivamente este numero; cuja leitura recommenda a todos que se interessant pelo bem da humanidade.7
Aqui já podemos ver quäo estreita, real e concreta pode ser a relagäo entre a lingua e o mundo, pois para muitos individuos vale o provérbio norren est ornen, ou seja, um nome é um presságio. No dizer de Porter (1993, p.366):
O mau agouro das palavras reflete o fato banal de que algumas doenças sâo auténticamente mais dolorosas ou ameaçadoras do que outras. No entanto, muito mais está em jogo. Diferentes termos de doenças transmitem mensagens moráis e metafóricas radicalmente distintas.
Como é possível se perceber no trecho da matéria supracitada dO Araripe, em 1856, no Ceará, pánico e terror imaginário já se apoderavam de todos "ao proferir se o nome do cholera".
Dando seguimiento a essa proposta de se fazer um estudo de lingüística histórica, que inegavelmente tem pontos de contato com várias concepgöes próprias da sociolinguística, procuraremos enriquecer nossas análises com informagöes históricas e so ció culturáis referentes ao Ceará oitocentista para que possamos perscrutar os significados sociais que os termos e expressöes em questäo tinham no contexto em que foram usados, pois como bem aponía Garrioch (1997, p.121):
O principio central da sociolinguística é que o falar é um ato cuja importância se situa além da defimçâo literal, contida nos dicionários, das palavras usadas. Nenhum tipo de comunicaçâo, verbal ou nâoverbal, pode ser entendido sem referencia ao contexto social no interior do quai é produzido.
Na novela Violaçâo, entre urna atmosfera pestífera marcante do texto, percebese a presença de um cientificismo no trato lingüístico da epidemia de cólera e, no semanário OArarípe, há matérias que ensinam remédios para curar a doença e informaçôes de como se prevenir déla; mas, no tocante ao que nos intéressa analisar neste trabalho, sobressaem-se neles alguns termos e expressöes com significados sociais que revelam o horror causado pelas epidemias de cólera e de variola: o flagelo, o caçador, o inimigo de guerra e, por fim, o forasteiro. Analisemolos a seguir.
Em alguns trechos de Violaçâo, a cólera aparece como um flagelo, como um castigo dos céus, do quai o povo deveria se proteger corn oraçôes e fé. Termos e expressöes tais como "medonha peste", "a invasáo do mal" e "o flagelo" (TEÓFILO, 1979, p.236) säo recorrentes em várias passagens da novela e revelam que a epidemia de cólera era associada a urna puniçâo advinda de Deus na forma de urna peste.
O parágrafo transcrito a seguir ilustra tal associaçâo:
A populaçâo espavorida valeu-se do derradeiro recurso dos abandonados, e todos os dias lá ia em grande romagem à pequeña matriz, pedir a Deus que a livrasse da peste. Lembro-me ainda, sentindo um frémito nos ñervos, daquele vozear de náufragos a implorar a misericordia do céu. Rezavam, em vez de estabelecerem rigorosos cordöes sanitários. (TEÓFILO, 1979, p.237).
As atitudes do povo daquela época revelam-nos que essa aproximaçâo da cólera a um flagelo nao era só urna metáfora do autor da novela, ela tinha raízes socioculturais, era um significado social corrente entre o povo, pois algumas ediçôes dO Ararípe já revelavam esta prática de se procurar a igreja em vez de se porem em prática cuidados sanitários, tais como se lê nesta matéria de 1855:
Agora a nosso Reverendo Parocho corre o dever de chamar o povo a oraçâo, para pedirmos a Deus nâo nos fulmine com esse terrivel flagello. O que nâo alcansarmos por meio da oraçâo, nunca obteremos com medidas preventivas: só a infinita bondade de Déos nos pode perservar desses males de que somos dignos; por tanto o Parocho chame o povo a oraçâo, este é o seguro meio de alcançar a graça.8
Além disso, noticias desesperadas, tais como esta: "HORROR! O cholera morbus, o anjo do extreminio se aproxima de nós. Grande Déos!",9 em que a cólera era comparada a um anjo que vinha para trazer o exterminio de muitas vidas, reforçavam o significado social que esta doença tinha para além dos limites da lingua, ou seja, beirando até mesmo as fronteiras do sobrenatural, como urna coisa contra a quai aquele povo, ignorante em relaçâo a tal moléstia, rogava proteçâo e piedade divinas, como revela esta mánchete de urna noticia sobre várias vítimas da cólera em cidades e vilas da entáo provincia de Sergipe: "O cholera se aproxima de nós!!!... / GRANDE DEOS, AMPARARNOS COM VOSSA DIVINA MISERICORDIA".10
Em outras passagens da novela Violaçào, a epidemia de cólera aparece metaforizada como urna cagada, sendo a populaçâo a presa inocente e indefesa que ó inesperadamente e em polvorosa apanhada pela doenga, descrita como o caçador certeiro e astucioso, conforme se ló neste parágrafo:
O cólera chegou, mas sem pródromos, sem casos isolados, atacando centenas de pessoas. A confusâo foi entáo horrível, e o pánico tudo avassalou. A populaçâo inteira desvairou-se, como um bando de aves bravas que fosse alcançado à noite no quieto pouso pela ofuscaçâo do facho de astuto caçador. (TEÓFILO, 1979, p.237).
Noutra passagem, a populaçâo ó descrita como carneiros que se veem cercados por lobos (a cólera): "Ao primeiro grito de alarma a populaçâo ficou aterrada, como se ela fosse um rebanho de cameiros cercado por urna manada de lobos." (TEÓFILO, 1979, p.248).
Numa matéria do mes de agosto dO Ararípe, numa ediçâo do semanário que saiu após urna longa parada (por conta da epidemia que se lançara sobre a populaçâo cratense, inclusive sobre os editores do jornal) durante os meses de maio, junho e julho de 1862, ano da chegada fatídica da cólera à cidade do Crato, lemos algo similar a esta metáfora da cagada: "[...] quanto ó temerosa a solidäo que reina em tomo de nós! O monstro cruel devorou centenas de amigos [...] E quantos näo teräo aínda de sucumbir em luta contra o monstro impenetravel e capcioso? ".* 11 Expressöes tais como monstro cruel e monstro impenetrável e capcioso revelam esse significado social da cólera como um caçador ou como um assombroso, forte e ardiloso ente devorador de vidas.
Noutros momentos, veem-se, em Violaçào, os horrores da epidemia assemelhados aos de urna guerra, em que a cólera ó o inimigo que a populaçâo deveria enfrentar honrosamente até a morte, quase que com espirito patriótico. É o que lemos neste trecho: "E todos nós nos preparávamos, näo para resistir ao inimigo, pois näo tinha armas a nossa ignorancia, mas para morrer." (TEÓFILO, 1979, p.237).
Os termos e expressöes usados neste trecho a seguir, de urna matéria dO Ararípe, demonstram também ser a cólera vista como um inimigo contra quem a populaçâo deveria se preparar para guerrear, primeiro se protegendo e criando barreñas, para em seguida morrer gloriosamente sem fugñ, pois a deserçâo era vista como desonra:
Os cordöes sanitarios produzem milhores resultados que as quarentenas, bem que nao se trate de um contagio e sim de urna epidemia. Algumas pessoas que se tiverem inoculados do mal nâo transporâo a linha, e nosso único perigo ficará na athmosphera, o q', grapas a diversidade do clima, nâo é muito para assustar.
Quando esta poderosa cautella falhar, resta um nâo menos efficiente meio de minorar o mal, a coragem. Encaremol-o como um inimigo a cujas máos pereceremos, si nâo combatermos até as extremidades. Afrontemol-o, näo como Ajax despeitado dos Deoses, porem como o christâo na sua resignaçâo evangélica.
A causa de um seja a de todas; maldiçâo ao q' abandonar seo irmäo; vergonha ao que fugir. Demos batalha ao inimigo com aquella coragem Passiva, q'honra as grandes almas. Quem sobreviver escreva em lettras de ouro a coragem do q' se sacrificar pelo seo semilhante: urna gloria eterna fique ligada a seo nome.12
Os termos linha, perigo, coragem, inimigo, combatermos, Ajax, fugir, batalha, sobreviver e gloria, presentes neste trecho da matéria supracitada, lembram o campo semántico bélico e reforçam esse significado social da epidemia aproximado da ideia de inimigo de guerra. Mas notemos que, neste caso específico, nâo se estava evocando urna guerra passional como a deTroia ("Afrontemol-o, näo como Ajax despeitado dos Deoses"), mas urna guerra santa como urna cruzada ("porem como o christâo na sua resignaçâo evangélica"), em que, da luta pelo semelhante, a recompensa seria memorável e quase celestial ("urna gloria eterna fique ligada a seo nome").
Esta outra matéria dO Ararípe trata de forma ñónica e desprezível o fato desonroso de um subdelegado ter fúgido do Crato na época da epidemia para se refocüar (descansar) na vizinha cidade de Barbalha (provavelmente näo täo afetada pela cólera) e voltar forte e vigoroso para prestar de novo seus serviços somente depois dos piores dias:
BOAS NOVAS. - É chegado o impagavel snr. Francisco José de Pontes Simöes, o subdelegado deste destricto, que andou refocilando, durante o cholera, pelo termo de Barbalha. A patria agradecida lhe deve remuneraçâo do grande serviço, que prestou á humanidade, favorecendo esta cidade com sua ausencia durante aquelles máos dias. Com effeito aguentar o cholera e o snr. Xico, era uma dupla calamidade. A naturesa que lhe pregou errados os dois olhos, cravando-lhe um mais a baixo, outro mais a cima, com vistas para este bordo e bom bordo, quis em compensaçao dotal-o de uma saude de Hercules. Elle veio gordo e rochucxudo [sic] promettendo prestar bons serviços; bem entendido, si nâo se fallar mais em cholera. Damos pois os nossos emboras ao amavel povo do Crato.13
Nessa matéria, pode-se destacar aínda a passagem: "Elle veio gordo e rochucxudo [sic] promettendo prestar bons serviços; bem entendido, si nâo se fallar mais em cholera.", em que é feita uma alusâo - se bem que em torn de chiste - ao temor que o simples falar sobre a cólera sobrevinha a alguns individuos.
Entretanto um dos significados sociais mais marcantes, na novela em questáo e também fortemente marcada em várias matérias do semanário O Ararípe, é a da doença como um forasteiro. Esta é uma das concepçôes mais evidentes dos aspectos socioculturais do Ceará oitocentista em relaçâo ás epidemias. Falando específicamente do Cariri, regiäo ao sul da entáo provincia do Ceará, o historiador Figueiredo Filho (2010, p.54) diz:
Desde o seu nascedouro para a vida civilizada, nâo teve a mais rudimentär assistência médica, até fins do século passado,14 a nâo ser esporádicamente. Vivia entáo em pleno dominio do curandeirismo, aos métodos primitivos dos pagés [sic] amerindios, ou mandingueiros de origem africana.
Era, portanto, nesse contexto provinciano e insalubre que se popularizava a ideia das epidemias de cólera e de variola como algo exótico e invasivo, personificado, sobretudo, na figura lendária do judeu errante, a qual corresponde, com suas raizes na tradiçâo crista medieval, a uma espécie de resumo dos outros significados sociais identificados: o flagelo, o caçador e o inimigo de guerra.
Já eram conhecidos registros históricos de epidemias de variola na Grécia, em Roma, no Oriente, na Ásia e na África desde a Antiguidade. Cria-se ter se espalhado a variola com o estabelecimento de rotas comerciáis que passavam pela India, onde se cultua, desde épocas remotíssimas, Sítala, a deusa da variola, invocada para curar doenças contagiosas. Chemoviz (1890, p.325), porém, afirma: "[...] parece que esta calamidade veio da Arabia para outros paizes, em consequencia das conquistas de Mafoma."15
No Brasil, há registros da variola desde o sáculo XVI, quando matou milhares de indígenas. Apesar de ter sido a doença para a quai primeiro se descobriu urna vacina e de ter sido a primeira doença erradicada pelo homem (em fins do sáculo XVIII, Edward Jenner, um médico británico, descobriu que a inoculaçâo do virus vaccinia no homem produzia urna vacina16 contra a variola), no Ceará oitocentista ela ainda era temida, pois causava muitos sofrimentos e mortes.
A cólera, segundo Chemoviz (1890, p.578):
É urna molestia conhecida desde tempo immemorial. [...] A India é seu paiz natal. [...] A grande epidemia de cholera que no espaço de alguns annos semeou o terror e a morte em muitos povos da terra, parece ter principiado em Jessora, no Delta do Ganges, em 1817. [...] Foi no armo de 1855 que se declarou pela primeira vez no Rio de Janeiro.
Esta doença bacteriana tinha sua origem histórica associada às abluçôes dos rituais religiosos dos hindus ñas águas do rio Ganges. Naquela época, portanto, acreditava-se que tanto a variola quanto a cólera tivessem surgido na India, se nao no Oriente, sendo vistas como terríveis e indesejados invasores estrangeiros.
Um exemplo disso é que em vários trechos de Violaçào, a cólera é cognominada como algo que vem de fora, exótico, como um bandoleiro que vem causar destruiçâo e morte, como, por exemplo, neste trecho em que aparece a referencia ao rio sagrado dos hindus: "Era a primeira vez que o mortífero filho do Ganges nos visitava; que a legiäo desses infinitamente pequeños deixava a sua terra, para vir empestear a nossa tenda." (TEÓFILO, 1979, p.236).
E numa matéria d O Araripe sobre a varióla, vemos esta doença virótica infectocontagiosa (que na época também era chamada de bexigas, bexiga ou bixiga) sendo comparada ao judeu errante a se aproximar:
A bexiga, este mal terrivel, que tem ceifado preciosas vidas, acaba de devastar grande parte das populaçôes do alto Amasonas, Pará, Maranháo e Pernambuco, e nos ameaça com seos horriveis cortejos; por que sendo esta peste como Judeo errante devemos contar com ella no litoral de nossa provincia.17
Essa mesma concepçâo de associar urna epidemia à passagem do judeu errante também se encontra noutra matéria dO Araripe sobre a cólera: "O cholera que tanto tem afligido a raga humana, esse maldito judéo errante18 vai-se aproximando de nossa comarca pelo lado de Pajaù de Flores."19
A expressäo judeu errante poderia, já naquela época, lembrar a figura dos mascates (muitos deles de origem judaica) que andavam por esse Brasil afora, muitas vezes, ludibriando os incautos com a venda de mercadorias sem qualidade e a pregos altos. Nos textos pesquisados, porém, esta expressäo evoca a lendária personagem do judeu que, por afastar Jesus de sua porta, foi amaldigoado por Ele, na Via Dolorosa, com a condenagäo de viver perambulando eternamente até que Ele, Jesus, voltasse.
A figura lendária do judeu errante aparece em muitos relatos desde a Idade Média, muitas vezes associada à ideia do anticristo. Segundo Pires Ferreira (2000, p.4), "[...] a lenda do judeu errante, alegoría e personificagäo da nagáo judaica, é anterior ao século XII." e foi usada pela Igreja Católica em discursos antijudaicos ou de conversäo ao cristianismo.
Na Europa medieval, o imaginário popular, alimentado pelo discurso católico, associava temporais, ventos fortes, desgragas e pestes à passagem do judeu errante por urna regiäo e, no século XIX, por exemplo, o romance-folhetim Le Juif Errant (O Judeu Errante), de Eugene Sue, publicado na Franga em 1845, "[...] apresenta o judeu errante como ocasionador de urna epidemia de cólera por onde andasse." (SANTANA JÚNIOR, 2011, p.7).
Näo é absurdo, portanto, pensar que tal concepgäo - de associar a expressäo judeu errante à lenda de Ahasvérus,20 acrescida da crenga de que ele levava desgraga por onde passasse -, característica do cristianismo medieval e presente na literatura e no imaginário popular europeu, existisse também no Ceará oitocentista, como sugere aquela prática de rezar para se proteger das doengas.
As populagöes dos vilarejos e das pequeñas cidades do interior, sentindo-se invadidas, em sua paz e tranquilidade, por um desconhecido e indesejado mal estrangeiro a lhes desorganizar a vida, revelavam sua ojeriza a essas doengas exóticas também linguisticamente. O valor social negativo atribuido ás doengas era, com fundamento na tradigäo católica, igualado ao que era atribuido ao judeu errante lendário e que terminava por se estender à nagáo judaica e ao judaismo. As epidemias de variola e cólera que se abateram sobre o Ceará no sáculo XIX mudaram os hábitos e costumes das populaçôes, trouxeram novas preocupaçôes e medos e alteraram-lhes também a linguagem, proporcionando o surgimiento de novos termos, expressöes e significados sociais diretamente ligados a elas. Um exemplo dis so é urna nota no semanário OArarípe, em que, no ano de 1856, um homem simples (como revelam suas palavras e suas dúvidas) da cidadezinha de Assaré, no interior do Ceará, que se assina por "um sertaneijo", preocupado em aprender a preparar um remédio feito com limáo para se prevenir contra a cólera que se anunciava na eminencia de aparecer no Cariri cearense, usa em seu texto a expressáo maldito cólera ("a humana rassa amiaçada do maldito cholera"21). Essa expressáo, aparentemente, foi adquirida a partir do uso que se fazia corriqueiro no contexto sociocultural, histórico e lingüístico de entáo e sugere o significado social de amaldiçoada doença que se anuncia vindoura a nos trazer pavor e morte.
Provavelmente, expressöes de uso popular ainda hoje observáveis, sobretudo no Nordeste brasileño, têm sua origem ligada ao período em que estas e outras doenças faziam estragos terríveis na populaçâo local. Assim, quando popularmente se diz, por exemplo, "coceña da bixiga", fala-se de urna coceña sem fim e muño forte; quando se diz: "ele está com a molesta" é o mesmo que dizer "ele está com a bixiga", ou seja, ele está com toda força, ou com raiva, ou com ímpeto. O significado social de tais expressöes pode estar associado à intensidade com que se manifestara a moléstia da bexiga (varióla), ainda táo presente na memoria histórica e lingüística do povo.
Considerares fináis
Estudar um fenómeno lingüístico qualquer - como se fez aqui com o significado social de termos e expressöes - de um determinado período histórico do passado da lingua, carece necessariamente que sejam também considerados os fatores extralinguísticos ou contextuáis envolvidos neste fenómeno; caso contrário, muñas questöes quedaráo sem respostas.
Os registros lingüísticos acerca das epidemias de cólera e de variola, colhidos num jornal e numa obra literaria do século XIX no Ceará, que constituíram o corpus deste trabalho, considerados em seus contextos socioculturais e históricos, revelam atitudes tais como a associaçâo das doenças a um castigo dos céus, a um caçador de homens, a um inimigo de guerra e a um intruso forasteño (o judeu errante).
Os costumes, as práticas, as atitudes místico-religiosas e os temores de um povo que se revelam linguisticamente nos textos analisados näo demonstram apenas que a linguagem sirva para representar a realidade, mas - ao ser considerado esse povo fomentando linguisticamente ideáis de convivio social, comportamentos, crenças e tabus - demonstram que ela ajuda a moldar a própria realidade de dentro desta mesma realidade, da quai é parte constitutiva.
A relaçâo entre as palavras e as doenças, como aparece nesse contexto específico do Ceará oitocentista, extrapola os limites puramente lingüísticos e revela algumas funçôes da linguagem, pois, nos momentos de afligäo, o significado social explode com veemência e sem disfarces, revelando toda a carga de preconceitos e de concepçôes socialmente construidas. Algumas expressöes, tais como judeu errante e anjo do exterminio, eram mais do que sinónimos de cólera e de variola e possuíam mais que tragos de eloquência; elas eram para os homens daquela época como que válvulas de escape de suas afligöes e de seus preconceitos socioculturais com requintes de xenofobia, que ecoavam também os tradicionais discursos católicos antijudaicos.
Por onde se manifestavam as epidemias, o espectro da morte rondava os lares e roubava dia a dia crianças, jovens e velhos, parentes, amigos e grande parte da populagäo, principalmente, dos lugares com menos condigöes de higiene. Entäo, quando näo adiantava mais rezar, nem fugir, nem tomar remédios, restava praguejar, gritar, expressar sua révolta através da linguagem; isso que se pode ver materializado nas passagens analisadas dos textos aqui pesquisados.
Portanto, se quisermos saber como se dava em outras épocas a relaçâo língua-realidade, é preciso escavar os escombros do passado (escombros que, neste trabalho, säo as lendas medievais, tradigöes cristäs, discursos católicos, concepçôes e preconceitos socioculturais da populagäo, condigöes de vida no Ceará oitocentista e o despreparo médico-científico de entäo para enfrentar as epidemias, envolvidos nos significados sociais analisados). E, para isso, nada mais apropriado que perscrutando seus textos e contextos. Por eles o passado dá suas próprias respostas.
Agradecimentos
Agradecemos aos professores da UFPB Camilo Rosa e Cristina Assis as leituras e observagöes e também aos professores e bolsistas do Centro de Documentagäo da URCA a disponibilizagäo dos textos para consultas.
LEITE, F. de F; ALMEIDA, M. de F. The social meaning of terms and expressions relating to epidemics in the nineteenth century Ceará. Alfa, Sao Paulo, v.58, n.2, p.441-462,2014.
* ABSTRACT: This paper intends to analyze the social meaning of terms and expressions related to epidemics of cholera and smallpox which affected thousands of people in Ceará (Brazil) during the nineteenth century Our corpus is composed of an 1899 novel called Violação, written by Rodolfo Teófilo; and of some articles from the weekly newspaper known as O Araripe, which was printed from 1855 to 1864 in Crato, Ceará. The main theoretical approach for this research is the Historical Linguistics (lato sensu) studies, associated with the methodology of analysis developed by the Social History of Language, mainly considering the methods used by Burke and Porter (1993, 1997) and Burke (2010). In addition to that, our analytical work also comprehends the use of theoretical proposals created by Benveniste (1995, 1989), especially those ones which deal with the relationship between language and reality or between lexicon and culture. The conclusions obtained from our analysis point out that it is necessary to understand the language not as a simulacrum of reality, but as a living part of social, cultural and historical realities of humankind. The relationship between words and diseases can be highlighted by historical and sociocultural conceptions as well as by prejudices; besides that, it also reveals the social functions of the language.
* KEYWORDS: Historical Linguistics. Social history of Language. Violação, by Rodolfo Teófilo. Weekly Araripe. Diseases. Language and reality.
1 No original: "anjo do extreminio". OAiarípe, n.10, p.2,08 set. 1855.
2 A Padaria Espiritual foi urna agremiaçâo literária e artística que existiu em Fortaleza entre os anos de 1892 e 1898. Seus componentes, que obligatoriamente deveriam adotar cognomes, eram denominados padeiros, devido à flnalidade da agremiaçâo de fomecer päo de espirito aos seus sócios em particular e também aos povos em gérai - entendido este päo de espirito como urna literatura de feiçôes nacionalista e regional, além de bem-humorados principios de conduta, tais como o de näo recitar versos ao piano - e também por conta do jornal O Pao, que eles editavam.
3 OAraripe, n.17, p.3,27 out. 1855.
4 OAraripe,n.20,p.l, 17 nov. 1855.
6 OAraripe, n.l, p.3,07 jul. 1855..
6 Entendemos ter havido aqui um lapso de impressäo. O trecho talvez devesse ser: desvanecendo esse pánico ou terror imaginario [sicj.
7 OArarípe,n.33, p.l, 16 fev. 1856.
8 OArarípe, n.20,p.l, 17 nov. 1855.
9 OArarípe, n.10, p.2,08 set. 1855.
10 OAraripe, n.21, p.4,24 nov. 1855.
11 O/lraWpe, n.285, p. 1,23 ago. 1862.
12 OAraripe,n.42,p.l, 26 abr. 1856.
13 OAraripe, n.291, p.3,19 out. 1862.
14 Leia-se século XIX.
16 Antigo antropónimo equivalente a Maomé (570 d.C. - 632 d.C.), mais usado atualmente.
16 O termo vacina, a propósito, vem de vaccinia (nome do virus que provoca urna espécie de variola ñas vacas) a partir de vacca, ou seja, vaca em latim (CUNHA, 1999).
17 O Araripe,n.l,p.3,07 jul. 1855.
18 Tratando exatamente desta passagem, num estudo acerca das representaçôes sobre a cólera no semanário cratense OArarípe, diz Alexandre (2010, p.206): "Nessas condiçôes, a adjetivaçâo judeu errante, utilizada para caracterizar o cólera, é reveladora: a carga de preconceito com que a palavra judeu era tratada pelo catolicismo da época - visto por este como sinónimo dos assassinos de Cristo, dando origem inclusive ao verbo portugués judiar, no sentido de maltratar - era seguida pela percepçâo de um vagar sem pouso, já que o povo judeu nao tinha um território, um lugar próprio, estando disperso pelo mundo. Desse modo, o epíteto preconceituoso utilizado pelo jornal representava o cólera como um mal que vagava, disseminando a morte ao se espalhar por todos os cantos do globo."
19 OArarípe, n.27, p.4,5 jan. 1856.
20 Um dos vários nomes dados ao judeu enante lendário.
21 OArarípe, n.30, p.3-4,26 jan. 1856.
REFERÊNCIAS
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Recebido em novembro de 2012.
Aprovado em maio de 2013.
Francisco de Freitas LEITE*
Maria de Fátima ALMEIDA**
* URCA - Universidade Regional do Cariri. Departamento de Línguas e Literatura. Ciato - CE - Brasil. 63105000 - [email protected]
** UFPB - Universidade Federal da Paraíba. Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas - Joáo Pessoa - PB - Brasil. 58059-900 - [email protected]
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Copyright Universidade Estadual Paulista - UNESP, Departamento de Estudos Linguísticos e Literários, Campus de Sáo José do Rio Preto 2014
Abstract
This paper intends to analyze the social meaning of terms and expressions related to epidemics of cholera and smallpox which affected thousands of people in Ceará (Brazil) during the nineteenth century Our corpus is composed of an 1899 novel called Violação, written by Rodolfo Teófilo; and of some articles from the weekly newspaper known as O Araripe, which was printed from 1855 to 1864 in Crato, Ceará. The main theoretical approach for this research is the Historical Linguistics (lato sensu) studies, associated with the methodology of analysis developed by the Social History of Language, mainly considering the methods used by Burke and Porter (1993, 1997) and Burke (2010). In addition to that, our analytical work also comprehends the use of theoretical proposals created by Benveniste (1995, 1989), especially those ones which deal with the relationship between language and reality or between lexicon and culture. The conclusions obtained from our analysis point out that it is necessary to understand the language not as a simulacrum of reality, but as a living part of social, cultural and historical realities of humankind. The relationship between words and diseases can be highlighted by historical and sociocultural conceptions as well as by prejudices; besides that, it also reveals the social functions of the language.
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