"Está claro: porto de mar e capital do país, o Rio possui um internacionalismo ingénito." (Mario de Andrade, 1942 (2002))
Este artigo examina o pensamento de política externa dos gestores do Estado brasileiro no Segundo Reinado e na Primeira República. Específicamente, seu objetivo é investigar as categorías mobilizadas pelos responsáveis pela açao diplomática na enunciaçao do posicionamento do Brasil perante grandes potencias e em conferencias multilaterais. Os termos das relaçoes bilaterais com as potencias sao estudados no ámbito de negociaçoes do Imperio com os Estados Unidos da América (EUA) ( 1 850- 1 866), sobre tratados comerciáis e a abertura do rio Amazonas à navegaçao estrangeira, e com a Grä-Bretanha (1845-1850), sobre a aboliçao do tráfico de escravos africanos e os direitos civis e crimináis de súditos británicos no Brasil. Os termos das relaçoes multilaterais sao estudados no ámbito da participacäo da República na III Conferencia Internacional Americana (1906) e na 11 Conferencia da Paz (1907), ambas voltadas à normatizaçao de práticas e costumes internacionais.
A hipótese de trabalho é de que as antiteses particular/universal e civilizacao/barbárie sao empregadas na enunciaçao das posiçôes brasileiras nessas relaçoes bilaterais e multilaterais, configurando a compreensäo da realidade internacional havida pelos formuladores da política externa, bem como suas propostas de cursos de açao. Enquanto a antitese particular/universal direciona a reflexäo a urna prospecçao dos limites da pràtica soberana diante das exigencias do sistema de Estados, a antítese civilizacao/barbárie paralelamente incorpora a essa reflexäo um imperativo de modernizaçao. Soberanía e modernizaçao tornam-se, assim, eixos temáticos na concepçao das relaçoes bilaterais e multilaterais do Estado brasileiro.
O exame do pensamento de política externa será feito a partir da leitura de fontes primarias. Para o Imperio, o foco estará em pareceres emitidos pela Seçao dos Negocios Estrangeiros do Conselho de Estado e, secundariamente, em atas de suas reuniöes, em discursos de algún s membro s do governo perante o Parlamento e em documentos veiculados pelo Ministerio dos Negocios Estrangeiros (MNE). Para a República, o foco estará na correspondencia telegráfica entre os membros do Ministerio das Relaçoes Exteriores (MRE) e as delegacies brasileiras às conferencias internacionais, bem como em discursos dos representantes brasileiros durante ou após essas conferencias. O método de leitura será a análise da enunciaçao realizada nesses documentos (FOUCAULT, 2005; WHITE, 2001), atentando-se para as estrategias figurativas antitéticas por meio das quais o posicionamento do Brasil emerge como objeto de discurso nos escritos dos estadistas imperials e republicanos. Urna vez que a enunciaçao deve ser compreendida a partir do locus em que é realizada, a análise da política externa do Impèrio e da República será antecedida por breves consideraçoes sobre seus lugares insti tucionais: o Conselho de Estado e o MRE.
Cumpre ainda esclarecer que este traballio nao pretende reconstruir as cadeias de acontecimentos dos casos estudados, senäo para esclarecimentos secundarios. Direcionando sua mirada para regularidades discursivas, o traballio nao pretendería exaurir sequer as narrativas históricas dos casos a cuja análise se propôe. De fato, o rendimento esperado no estudo dos casos aqui elencados é a compreensäo do modo de apropriaçao de categorías do internacional moderno pelo pensamento político brasileiro (especificamente por estadistas imperials e republicanos), deslindando assim algumas linhas de força da política externa em momentos de sua articulaçao.
Conselho de Estado
Durante o Segundo Reinado, as discussöes sobre política externa nao se restringiam a urna instituiçao em particular. O papel do Parlamento, por exemplo, é conhecido (CERVO, 1 98 1 ). Contado, a posiçao do Conselho de Estado dir-se-ia singular: contrastava com a diminuta burocracia do MNE e com a incapacidade do Parlamento de controlar efetivamente os compromissos externos firmados pelo governo, sendo favorecido pela propensäo do imperador D. Pedro II a convocalo e a deliberar conforme as suas consultas (REZEK, 1978, 1979). Outra vantagem do Conselho estaría no fato de que, por serem confidenciais, suas discussöes também seriam mais francas do que as do Senado (FERREIRA, 2006).2
Urna análise das instituiçoes do Imperio aprofunda essa singularidade, sugerindo a existencia de um continuum valorativo que envolvía consecutivamente a Cámara dos Deputados, o Senado, o Conselho de Estado e o imperador: de um lado, "o máximo de política, entendida como 'paixöes partidarias', incontroláveis porque ligadas a interesses locáis, mesquinhos e imediatistas" (MATTOS, 2004, p. 202); de outro lado, "a ausencia de política, o predominio da razäo, dos interesses gérais que se confundem com os interesses da Pàtria" (MATTOS, 2004, p. 202). A presumida neutralidade desse pòlo racional, representado pelo imperador, afastava a noçao de soberanía popular (MATTOS, 2004), contribuindo também para isso a homogeneidade da elite que ocupava o alto estrato burocrático do Impèrio, educada na herança do absolutismo portugués (CARVALHO, 2003). O Conselho de Estado, como instancia mais próxima ao vértice "neutro" da arquitetura política, tornava-se o que Joaquim Nabuco chamou de "o crisol dos nossos estadistas e a arca das tradiçoes do governo" (NABUCO, 1997, p. 79).
Historicamente urna área com limitada participaçao pública (WALKER, 1984), e assim condizendo com as condicionantes desse lugar institucional em que era formulada, a atividade diplomática em dcfcsa do interesse nacional era o ciò evidente entre a sede do governo e o sistema de Estados. Por isso, o "internacionalismo ingènito" que a capital Rio de Janeiro pudesse ter seria devido antes do mais, e em um sentido formal, à gestäo que a elite do Segundo Reinado realizasse dos negocios estrangeiros. O internacional que emerge nesse contexto é voltado para o exterior, para relaçoes entre Estados, ñas quais se empregam as antíteses particular/universal e civilizaçao/barbárie - esse será o caso da relaçao do Brasil com os EUA, analisada na próxima seçao.
Um sentido quicá menos evidente do "internacionalismo ingénito" do Rio de Janeiro - nesse caso, além de capital, também um porto de mar - dever-se-ia as relaçoes estabelecidas entre o Estado e a sociedade. Para notá-lo, é necessario ter presente a construçao da capitalidade do Rio de Janeiro nao apenas como centro de unidade e ordern no país, mas também como "principal elo com o mundo europeu, garantindo sua propria inserçao no chamado processo civilizacional e se tornando a fonte de irradiaçao dessa civilizaçao no país" (MOTTA, 2004, p. 16). Essa inserçao, segundo Gilberto Freyre (2003b), foi urna "re-europeizaçao" do Brasil, em que se modificava a paisagem social construida durante a colonizaçao portuguesa ora pela assimilaçao, ora pela imposicäo de padröes de vida ingleses e franceses. A constituiçao da modernidade brasileira seria iniciada nesse processo, deslanchado com a chegada, em 1808, do principe regente e engendrador da fundaçao do Estado racional e do mercado capitalista no país (SOUZA, 2003).
Do Conselho de Estado, nesse contexto, pode-se dizer que era um lugar institucional de mediaçao entre posicionamentos instruidos pela antítese civilizacao/barbárie ñas relaçoes exteriores e programas modernizadores na política interna. Compreender essa capilarizaçao do internacional dentro do Estado, por meio de sua traduçao em um eixo temático de modernizacäo na sociedade, será o propósito da terceira seçao do trabalho, enfocada nas negociaçoes entre Brasil e Grä-Bretanha.
Limites da Soberanía: A Relacäo Brasil-Estados Unidos
As relaçoes do Imperio com os EUA entre 1 850 e 1 866 abrem um ampio debate no Conselho de Estado a respeito dos limites da soberanía nos negocios estrangeiros do Estado brasileiro. Caetano Maria Lopes Gama, visconde de Maranguape, indicava em 1856 que, nas negociaçoes do Impèrio com os EUA, ligavam-se "duas questöes muito graves, que dominarti todas as outras" (BRASIL, 1979d, p. 464): a conveniencia de se assinar tratados comerciáis e de se aplicar ao rio Amazonas o principio da livre navegaçao. Esta seçao delineará convergencias e divergencias entre os conselheiros no debate dessas questöes, buscando compreender sua reflexäo sobre as condiçôes de exercício da soberanía pelo Brasil.
Tratados de comercio
Bernardo Pereira de Vasconcelos (BRASIL, 1978g), relatando em 1 846 parecer sobre reclamaçoes dos EUA contra o apresamento de navios daquele país pela esquadra imperial, tece consideraçôes gérais que adiantam um tema fundamental da discussäo sobre a relaçao do Brasil com os Estados Unidos. Escreve: "A moralidade política da Europa, diz Semior, está tao relaxada, que nao há urna só naçao que nao devesse ser proscrita da cristandade, se lhe fosse vedado queixar-se de atos injustos, dos quais seus próprios anais oferecem exemplo" (BRASIL, 1978g, p. 155). Urna vez que essa -agora negligenciada - fidelidade às máximas adotadas em política externa supöe sua pràtica costumeira, ai se encontraría outra razäo para que eia nao se aplicasse ao Brasil. Ao contrario das "naçoes antigas" da Europa, o país seria "naçâo nova e sem pràtica". Na passagem, a cristandade, equiparada às naçoes europeias, é estabelecida como área de consideraçao da política externa. A Europa é fonte de autoridade para a açao brasileira, pois a desvirtuaçao da cristandade e o relaxamento da moralidade política naquele continente tornam aceitável a reproduçao dessa conduta na diplomacia do país. Desse quadro, importa reter o diagnóstico que se faz do sistema de Estados: relaxadas as peías de urna moralidade de valor universal, trata- se de um plano em que os soberanos agem em funcäo da conveniencia dos intéresses particulares.
O primeiro parecer sobre urna proposta norte-americana de tratado de comercio e navegaçao é relatado em 1850 por Antonio Paulino Limpo de Abreu, visconde de Abaeté (BRASIL, 1979b). Segundo Abaeté, o plano externo comporta um "deplorável sistema de egoísmo e interesse que dirige nao poucas vezes a política externa das naçôes fortes e poderosas a respeito das naçoes fracas" (BRASIL, 1979b, p. 262). Incorporada a avaliaçao de Vasconcelos sobre a conveniencia, o internacional que emerge do texto do conselheiro é caracterizado pelo confuto entre intéresses particulares e pelo triunfo do criterio da força sobre quaisquer parámetros de universalismo. Nesse sistema com ingredientes trágicos, os tratados de comercio, promovidos com "cáustica perseverança" pelas naçoes "mais adiantadas em industria e comercio", suscitam "desconfiança" e "sobreaviso", pois sao formas de instrumentalizar e ampliar as desigualdades no sistema de Estados.
As prevençoes do conselheiro organizam-se em duas frentes. Na primeira, demonstra, com fundamento estatístico, que a diversidade de circunstancias entre as partes frustraría a aplicaçao do principio "manifestamente justo" de que obrigaçoes assumidas devem gerar "compensaçao efetiva e real" . Recomenda-se adiar negociaçoes comerciáis em que nao se pudesse obter reciprocidade efetiva, a qual se torna um meio de (re)iteracäo da -justa e decorosa - equivalencia soberana em meio às - admitidas - disparidades defacto entre os países. Na segunda frente, os tratados sao criticados por nao servirem como garantías contra violencias e injustiças dos poderosos. Estes praticali - am urna "hermenéutica da força", "fecunda em achar[,] na interpretaçao mais que sutil dos tratados [,] recursos, com que procura encobrir as suas violencias e atentados" (BRASIL, 1979b, p. 263). Recomenda-se nao firmar tratados, privando a violencia dos poderosos do meio "de que abusa eia [a violencia] tao escandalosamente" e resguardando exercício soberano brasileiro de constrangimentos formalizados como direito.
Tendo-se recusado em 1 85 1 a proposta mencionada no parecer de Abaeté, urna nova oferta de tratado é feita pelos Estados Unidos em 1 854, sendo apresentado em 1 856 parecer a seu respeito, relatado por Miguel Calmon du Pin e Almeida, marques de Abrantes (BRASIL, 1979d). Em Abrantes, as polaridades para a enunciaçao do internacional deixam de ser a dupla forte/fraco para se tornar povos cultos/povos barbarescos. Entre os cultos, háos países "preponderantes na política e civilizaçao do mundo", com os quais deve o Brasil manter "boa inteligencia", porque tal é o meio de conferir ao governo "força moral" para manter suas instituiçoes liberáis. Abrantes critica tres pressupostos da política contraria a tratados, substituindo a conveniencia particularista pelo relevo de elementos universais associados à figura da civilizaçao.
O argumento da reciprocidade estrita nao é rejeitado, mas sua decorrènda é limitada, dadas duas razöes que recomendam a assinatura de tratados: reduzir à forma escrita principios "admitidos pela civilizacao [cristal atual respeitados por todos os povos cultos, e nao violados impunemente pelos barbarescos" (BRASIL, 1979d, p. 429); e permitir a "execuçao de medidas que os progressos do comercio, industria e navegaçao têm tornado necessárias" (BRASIL, 1979d, p. 430). Contra o argumento de que os tratados consagrariam apenas principios já adotados ñas leis internas, tornando-se inúteis, Abrantes enuncia, por urna perspectiva universalista, que "as estipulaçoes de um tratado sao mais seguras que as disposiçôes de urna lei ou pràtica de qualquer país" (BRASIL, 1979d, p. 431). Isso porque os termos de um tratado nao podem ser alterados "sem mutuo consenso", enquanto urna mudança ñas leis depende do legislador ou do governo, cujas promessas - por maior que sejam sua "probidade e lealdade" - sao "contingentes e falíveis". A vista das instabilidades políticas na Regencia (BRASIL, 1979d, p. 431), nao admira a Abrantes o descrédito das leis nacionais pelos países com "considerável massa de capitals, e súditos no Brasil", nao se lhes podendo negar o interesse em urna regulaçao "permanente" de suas relaçoes com o Brasil. Ressalte-se o ponto, adiante retomado, de que é a modernizaçao defasada- a manutençao ainda instável das instituiçoes liberáis - a justificativa do universalismo que limita a soberanía brasileira em relaçao a tratados. Contra o argumento da hermenéutica da força, Abrantes nota que as violencias dos poderosos também se aplicariam ao que se dispusesse em leis internas, pois também estas poderiam servir de pretexto para violencias. Abolir tratados e leis, portanto, seria condenar-se ao "estado impossível do isolamento".
Em voto dissidente anexo ao parecer em questäo, o conselheiro Eusebio de Queirós (BRASIL, 1979d) objeta a esse último raciocinio de Abrantes, recuperando a dupla forte/fraco na enunciaçao. A aplicaçao da "hermenéutica da força" as leis internas brasileiras nao teria efeitos equiparáveis aqueles obtidos quando direcionada a um tratado bilateral. Segundo Queirós, à diferença de um tratado, na fixaçao do sentido e do alcance de urna concessäo consignada pela lei interna, o Estado é o "único juiz": "outros Tgovernosl podem falar em nome de seus intéresses, mas nao no de um direito estipulado" (BRASIL, 1979d, p. 459). Sem que se cháncele esse direito, a consecuçao dos intéresses por meio de ameaças e do recurso à violencia é mitigada, pois aquela chancela "dà coragem à força". Queirós reconhece que a mera ausencia de um tratado nao impede as reclamaçoes de urna potencia, mas explica a vantagem de urna disputa de direito consuetudinario: "Sendo esse direito gérai para todas as naçôes, todas elas säo interessadas em que suas disposiçoes nao sejam sofismadas" (BRASIL, 1979d, p. 460). Já em urna disputa sobre tratado bilateral, o signatario fraco fica isolado diante da contraparte forte, que manipula como entende o direito convencional. Nesse sentido, em Queirós, a discriminaçao entre costume e convençao no direito internacional condiz com a precauçao de Abaeté contra pretextos legáis de cerceamento da soberanía, e reafirma a conveniencia de que apenas a esfera jurídica interna consagre principios.
Essa opiniäo de Queirós é rebatida em explicaçao de voto redigida por Maranguape, também aditada ao parecer de Abrantes (BRASIL, 1979d). Para Maranguape, a assinatura de tratados é justificada pela funçao que têm de "fìxar a inteligencia de certos pontos de direito das gentes" (BRASIL, 1 979d, p. 465). A falta disso, os países fortes seríam ajudados por precedentes contraditórios e por polémicas doutrinárias ao fazer valer sua interpretaçao arbitraria de qualquer principio näo positivado. Invertendo o diagnostico de Queirós, Maranguape afirma ser preferível a disputa no direito convencional, de vez que neste a interpretaçao abusiva pela naçao poderosa é mais difícil do que no direito consuetudinàrio, "que ainda nao cessou de ser inteiramente o que era entre as antigas naçoes, isto é, o direito do mais forte" (BRASIL, 1979d, p. 465). Nessa enunciaçao, a soberanía brasileira é ao mesmo tempo limitada pelos compromissos que deve seguir e reforçada pelo fato de que os parámetros legáis fornecidos por esses compromissos rcstringcm o alcance da hermenéutica da força.
Principio da livre navegaçao
O tópico do acesso ao rio Amazonas já constava da pauta da Seçao dos Negocios Estrangeiros, por pressäo da diplomacia das repúblicas circunvizinhas, antes do primeiro parecer que o associa sistematicamente as relaçoes com os Estados Unidos. Em 1845, Vasconcelos (BRASIL, 1978c) relatava parecer sobre a participaçao do Imperio em um Congresso Americano convocado pela Nova Granada. O autor atenta para o interesse desse país, como ribeirinho do Amazonas, em consagrar na conferencia o principio da livre navegaçao, estabelecido no Congresso de Viena. A instruçao ao plenipotenciario imperial vetava essa proposta universalista: "A independencia dos Estados, diz Klüber, se faz principalmente notar no uso livre das aguas tanto no territorio marítimo do Estado, como nos seus ríos, cañáis e lagos" (BRASIL, 1978c, p. 392). Além disso, näo tendo o Brasil participado do Congresso de 1815, näo estava obrigado pelo principio ali promulgado.
Essas objeçoes sao apreciadas em um parecer de 1 854, que inscreve o tema na agenda do país com os Estados Unidos (BRASIL, 1979c). Na enunciaçao do relator Paulino José Soares de Sousa, visconde do Uruguai, a força é estabelecida como parámetro para as polaridades do internacional. Essa é a orientaçao com que o relator passa em revista o quadro jurídico e doutrinário a respeito da navegaçao fluvial, com o propósito de formular o posicionamento do Imperio. Imediatamente, Uruguai constata o enfraquecimento do direito de propriedade de um Estado sobre a extensäo de um rio que corra por seu territorio, direito encontrado em doutrinadores europeus como Klüber, e reafirmado na pràtica de países como a Grä-Bretanha. Conquanto tenha o Congresso de Viena parte nesse enfraquecimento, o fator crucial a presidi-lo é o desenvolvimento técnico nos EUA, que transfere para o ámbito jurídico um "espirito ambicioso e invasor". Para Uruguai, os EUA "pautam somente pelo seu interesse, suas noçôes de direito" (BRASIL, 1979c, p. 22). Difunde-se, sintomaticamente pela doutrina dos norte-americanos Wheaton e Kent, a liberalidade como paràmetro de regulaçao do acesso aos rios. Incorporando argumentos como os de Vasconcelos e de Abaeté sobre o internacional como um plano de conveniencia e força e sobre a ameaç a na açao das potencias, a ponderaçao de Uruguai sobre o posicionamento do Brasil tem deriva oposta à daqueles conselheiros no que se refere à anuencia a normas universais. Como em Maranguape, a adesäo ao direito convencional surge como forma de mitigar as violencias dos fortes. Uruguai escreve:
Como têm os Estados Unidos, a Inglaterra e outras naçoes poderosas, nâo temos nos força, posiçào e importancia que nos dispense de produzir razôes coerentes, de fundar-nos em doutrinas aceitáveis pelos nossos contendores. E preciso buscar urna defesa que se näo obstar aos seus intentos, possa pelo menos embaracá-los e modificar razoavelmente as suas exigencias, dando-nos garantías (BRASIL, 1979c, p. 77).
As doutrinas e os principios da propriedade exclusiva nao podem mais ser os cscolhidos, mas a justificativa para isso c enunciada segundo um pragmatismo particularista: "nao temos a força para [os] fazer prevalecer" (BRASIL, 1979c, p. 78). A doutrina escolhida será justamente a dos autores norte-americanos, que reconhece o direito comuni dos ribeirinhos de navegar por rios que correm em seus territorios, e oferece garantías como a do uso do rio apenas por marinhas mercantes. Essa adesäo a normas limitantes da discricionariedade soberana é, portanto, estrategia concebida em funçao de relaçoes - como a bilateral com os EUA - em que falta poder. Isso fica mais evidente quando Uruguai escalona o Brasil abaixo das "naçoes poderosas", mas acima dos vizinhos, aprovando a distinçao na doutrina entre Estados nao ribeirinhos (como os EUA) e ribeirinhos, que permite negociar em separado com aqueles, ficando estes "a sos conosco, e com eles podemos nos" (BRASIL, 1979c, p. 81).
Posiçao diferente seria externada, durante reuniäo do Conselho de Estado pleno as vésperas do decreto de abertura do Amazonas em 1866, por José Thomaz Nabuco de Araújo (SENADO, 1978b). A enunciaçao do conselheiro reconfigura a polaridade do internacional pelo par civilizacao/barbárie, derivando dai imperativos universais para o Brasil. Para Nabuco de Araújo, como para Abrantes, certos principios têm vigencia irrestrita, sendo prec luida sua rejeiçâo por um soberano (como defendía Vasconcelos em 1 845): "O Brasil como naçao civilizada nao pode deixar de aderir aos principios liberáis consagrados desde 1815 pelo Tratado de Viena sobre a navegaçao dos rios, principios que constituem o direito público das Naçoes" (SENADO, 1978b, p. 135).
Limites da soberanía
No século XIX e em principios do XX, o internacional comportava dois padröes de ordern legal e política (KEENE, 2002). Enquanto as relaçoes intraeuropeias se fundavam no principio da soberanía territorial e no propòsito de tolerancia das diferenças culturáis por ele compartimentadas nacionalmente, as relaçoes do sistema de Estados europeu com seu exterior fundavam-se no principio da divisibilidade da soberanía e no propósito de difundir modelos de governo e sociedade ditos civilizados. As discussöes da Seçao dos Negocios Estrangeiros registradas anteriormente têm por referencia primaria o principio da soberanía. Os conselheiros inscrevem a relaçao bilateral com os EUA no padräo intraeuropeu, cuja problemática elementar é a restriçao da soberanía brasileira em relaçoes exteriores por normas universais. Mesmo Abrantes, que parte do propósito de civilizaçao, o faz para defender a necessidade daquela restriçao.
Se o Conselho de Estado do Segundo Reinado simboliza para Nabuco urna "arca das tradiçoes", já se pode esboçar urna dessas tradiçoes nos negocios estrangeiros: a aporia clàssica entre a soberanía estatal e as necessidades sistêmicas (WALKER, 2005). Vale isso dizer que a antítese entre o particular (soberano) e o universal (sistemico) se faz referencia constitutiva da reflexao de política externa, incorporando-se assim ao discurso diplomático a "contestaçao maciça sobre se é o internacional [...] que tem autoridade sobre os Estados soberanos ou se os Estados soberanos é que devem ser vistos como a maior autoridade dentro de seu territorio" (WALKER, 2005, p. 5). Tomadas com maior exatidäo, as posiçoes particular e universal podem ser entendidas em funçao de dois tipos de relaçao (KOSKENNIEMI, 2005) estabelecida entre o comportamento, a vontade e o interesse de um Estado individual - a soberanía estatal - e o ordenamento jurídico internacional - as necessidades sistêmicas. Onde os enunciados fizeram a soberanía preceder o sistema, foram "ascendentes", no sentido de que a soberanía determinou o ordenamento jurídico. Onde os enunciados fizeram o sistema preceder a soberanía, foram "descendentes", no sentido de que o ordenamento jurídico se sobrepôs à soberanía.
Na discussäo sobre tratados, o raciocinio ascendente parte do pressuposto de que a conveniencia do Estado dita a adesäo ou repudio aos mesmos. Notadas a imoralidade no sistema de Estados (Vasconcelos) e a projeçao de desigualdades - falta de reciprocidade e uso da força- no direito convencional (Abaeté e Queirós), julgou-se conveniente evitar ou qualificar a contento os tratados. Ressalve-se que a conveniencia contém um elemento universalista, pois nao prescinde da demanda de reciprocidade, sendo que esta, "como topos, se reveste, na retórica dos Estados, de atributos de um principio de justiça" (LAFER, 1979, p. 23 1), qualidade que também se aplica à demanda de regulaçao da violencia. O raciocinio descendente parte do pressuposto do dever de se firmar tratados. Proscrevendo a lógica da conveniencia do Estado, e com isso a "desconfiança" quanto às potencias, a posiçao descendente justifica-se no eixo da modernizaçao, em termos dos ganhos produzidos pela "boa inteligencia" com aqueles países (Abrantes). Na discussäo sobre a livre navegaçao, opöem-se os criterios de voluntariedade e obrigatoriedade do ato da adesäo. A exigencia ascendente de que o principio em tela seja endossado antes de ser obrigatório (Vasconcelos) é rebatida pelo argumento descendente que afirma o dever moral das naçoes civilizadas em aderir ao principio (Nabuco de Araújo). Ñas duas discussôes, composiçoes entre os raciocinios ascendente e descendente sao ensaladas: julga-se conveniente a adesäo ao ordenamento jurídico, seja o direito convencional (Maranguape) ou o direito comum dos ribeirinhos (Uruguai), como meio de evitar- se o aprofundamento de desigualdades. Es sas recomendacöes de adesäo às normas alteram os termos das demais justificativas ascendentes, acrescentando aos cálculos de poder da diplomacia urna estrategia que reconhece o valor das normas e se dispöe a segui-las. Contudo, por se tratar de urna aceitaçao prudencial do argumento de moral, esse raciocinio se distingue da noçao descendente de j ustiça ou moralidade.
Essas variantes da antítese particular/universal näo se resolvem, portanto, em síntese, constituindo antes um indecidível que näo apenas oscila entre "duas regras contraditórias e muito determinadas, mas igualmente imperativas [...] [como também] é a experiencia daquilo que, estranho, heterogéneo à ordern do calculável e da regra, deve entretanto [...] entregar- se à decisäo impossível" (DERRIDA, 2007, p. 46, ênfase suprimida). A linha de força da política externa que se vai esboçando tem menos a ver com essa arbitrariedade das decisöes do soberano brasileiro em relaçao a esta ou aquela corrente dos debates que as precedem no Conselho de Estado do que com a contradiçao constantemente reiterada das mesmas posiçôes elementares, observada ao longo desses debates. Nisso, o pensamento de política externa filia-se à aporia canónica da ordern intraeuropeia.
Imperativo de Modernizaçao: A Relaçao Brasil-Grä-Bretanha
As relaçôes do Impèrio com a Grä-Bretanha entre 1 845 e 1 850 mobilizam no Conselho de Estado um debate a respeito do nexo entre civilizaçao e soberanía no Brasil. O firn do tráfico de escravos africanos, principal tema na agenda bilateral com a Grä-Bretanha, era tido por um conselheiro como "grave materia, na qual podem ser comprometidos os mais vitáis interesses daNaçao" (BRASIL, 1978b). Negociava-se, também, o estatuto civil e criminal de súditos británicos no país. O debate desses temas será apresentado nesta seçao, de modo a que se compreenda a constituiçao de um imperativo de modernizacao no pensamento de política externa do período.
Bill Aberdeen
Bernardo Pereira de Vasconcelos relata, em setembro de 1845, parecer sobre a leí editada no mes anterior pelo Parlamento inglés com vistas ao firn do tráfico no Brasil, conhecida como bill Aberdeen (BRASIL, 1978d). O parecer adianta, em varios pontos, o protesto publicado em outubro do mesmo ano pelo MNE e assinado pelo titular da pasta, o visconde de Abaeté (BRASIL, 1 846). Vasconcelos situa o caso pela antítese particular/universal, elaborando basicamente urna reclamaçao contra um "abuso de força" británico "que ameaça os direitos e regalias de todos os povos livres e independentes" (BRASIL, 1978d, p. 442). Referindo-se ao artigo 1° da expirada convençao bilateral de 1826, que estipulava a aboliçao do tráfico, o conselheiro afirma que ele nao poderia servir de base para a lei británica, urna vez que, pelo direito internacional, a Grä-Bretanha apenas poderia cobrar do Brasil sua aplicaçao. O mandato punitivo que o bill Aberdeen conferia aos tribunals do almirantado británico sobre crimes em territorio brasileiro (navios inclusive) se valia de "interpretaçao extensiva" do art. Is para fundar um "odioso" privilègio. Näo so a concessäo de tal autoridade punitiva näo prescindiu de expressa delegaçao, ferindo a interpretaçao estrita, corno também o outorgamento de autoridade sobre súditos brasileiros näo era recíproco ao Brasil em rclacäo aos súditos británicos, fcrindo-sc - aqui aduz Abactc - o principio da reciprocidade contratual. Donde o caráter "usurpatorio" da lei.
Referindo-se à antítese civilizacao/barbárie, Vasconcelos rejeita a equiparaçao, pela Grä-Bretanha, do tráfico à pirataria. Tal näo poderia se dar, pois "näo há muitos anos, inda a mesma Inglaterra näo se reputava inflamada em negociar em escravos africanos, e quando outras naçoes civilizadas inda há pouco o prescreveram" (BRASIL, 1978d, p. 445), a escravidäo era fato nelas praticado "atualmente". Também Abaeté notaría que, ainda em 1807, o conde de Liverpool propunha no Parlamento británico que a lei de aboliçao do tráfico näo poderia conter a justificativa de se tratar de urna pràtica "inconsistente com os principios de justiça e humanidade" (apud BRASIL, 1846, p. 11).
O curso de açao recomendado por Vasconcelos em dois pareceres de 1846 (BRASIL, 1978e; BRASIL, 1978h) reafirmará o enquadramento do caso pela antítese particular/universal. As violaçoes terri toriais levadas a cabo pela Grä-Bretanha nao podiam ser resolvidas pela força, de vez que, "Infelizmente, nao estamos preparados para a guerra" (BRASIL, 1978h, p. 181). Restava ao Brasil "dissimular a justa indignaçao"; abdicar da proteçao dos súditos empenhados no tráfico - pois nao apenas este é ilegal, como também "é mais útil ao Governo Imperial que sejam eles perseguidos pelos ingleses" (BRASIL, 1978h, p. 182) -; e levar ao conhecimento dos "povos independentes" a perpetraçao de tais "atos de violencia e ferocidade, que a civilidade tem proscrito" (BRASIL, 1978h, p. 181). Embora se refira de passagem ao firn do tráfico como "empresa de filantropia e civilizaçao" (BRASIL, 1978d), a fusäo da civilidade coma regulaçao da violencia, em Vasconcelos, faz ambos os propósitos no mínimo equivalentes. O texto de Abaeté realça esse emprego ambivalente da figura da civilizaçao. Tendo defendido a civilidade do tráfico, o autor faz um desagravo: o protesto contra os abusos británicos nao eximia o Imperio do combate ao tráfico, "que todos os governos ilustrados e cristäos deploram e condenam" (BRASIL, 1846, p. 12).
Essa ambivalencia desaparece na série de votos dissidentes do visconde de Maranguape aos pareceres relatados por Vasconcelos (BRASIL, 1978d, 1978e, 1978h). O conselheiro rejeita o curso de açao recomendado por Vasconcelos e o enquadramento que vinha sendo dado ao caso. Em primeiro lugar, observa que deixar os brasileiros à mercè de tribunals británicos importaría em renuncia formal dos direitos soberanos do país, por sua vez um convite a que todos os povos desprezassem o Brasil como incapaz de independencia. Em segundo lugar, observa que o Brasil - ao continuar permitindo o tráfico mesmo depois de promulgada urna lei que o proibia, em 1 83 1 - infringía a convençao de 1 826. Devia o Brasil negociar com a Grä-Bretanha, pois essa infraçao justificava as violencias daquele país. Além disso, outro pretexto das violencias era a pràtica de "fatos [o tráfico] reprovados pelos governos de todas as naçoes civilizadas" (BRASIL, 1978h, p. 185). Urna longa passagem, em voto dissidente a parecer de Vasconcelos de 1 846, conclama o Estado a pugnar pela imediata aboliçao do tráfico e reposiciona a discussäo pela antítese civilizacao/barbárie.
Já a mais adiantada e poderosa naçâo do Novo Mundo tinha aberto o exemplo de urna medida tao política como urgente; já se tinha observado quanto pode um governo, quanto prospera urna naçao, quando näo transigem com mal-entendidos interesses, quando näo lhes subordinan! a causa da justiça, da humanidade, da civilizacäo, e do engrandecimento da sociedade. É, pois, para lamentar que, sendo nesse procedimento imitada por todas as outras Repúblicas da América, näo o fosse também por este Imperio, quando a aversäo a este nefando tráfico era proclamada na tribuna, partilhada pelo governo e sustentada na imprensa, a firn de saírem os brasileiros, por si mesmos, da degradaçao a que seus maiores os condenaram, misturando-os com urna raça que só lhes podia trazer, a par de grosseiras e limitadas produçoes, péssimos hábitos, sustos e receios, e todas as calamidades da escravidäo [...] No Brasil, urna só voz näo ousa levantar-se contra a entrada de tantos navios que diariamente lhe trazem milhares de defensores das instituiçoes do Haiti! (BRASIL, 1978h,p. 183).
A figura da civilizaçao centraliza a apreciaçao do tráfico, subtraindo relevancia aos argumentos até ai arrolados pela antítese particular/universal. Trata-se, ñas naçoes da América, de mimetizar a soluçao dos EUA ao empecilho a seu progresso representado pelos "mal-entendidos intéresses". Como diría Maranguape em parecer de 1 849 (BRASIL, 1979a), o Brasil "só aguarda a consolidaçao de suas instituiçoes", junto de anos de paz e tranquilidade, para transformar- se em "urna das primeiras potencias marítimas e comerciáis". Mais que o tráfico, é a escravidäo que se faz maior obstáculo à civilizaçao no Brasil - as "instituiçoes de Haiti" configuram-se como polo antitético as instituiçoes liberáis, cuja consolidaçao também preocupava o marqués de Abrantes.
Ainda em 1 846, um parecer relatado por Honorio Hermeto Carneiro Leäo, marqués de Paraná, demarca posiçao completamente oposta (BRASIL, 1978i). A enunciaçao de Paraná nao faz qualquer mençao à antítese civilizacao/barbárie ao discutir o tráfico, evitando ambivalencias como a de Abaeté. Seus argumentos sobre a posiçao a adotar perante a Grä-Bretanha reproduzem, em larga medida, os de Vasconcelos, e empregam exclusivamente a antítese particular/universal. A gravitaçao do parecer está no questionamento de urna premissa da agenda bilateral: a viabilidade económica da supressäo do tráfico. De acordo com Paraná, a agricultura é "quase único elemento de riqueza do Imperio", razäo pela qual a falta de bracos é "geralmente sentida". A lei de 1831, derivada da convençao de 1826, foi feita de boa- fé, e tentou-se mesmo "estigmatizar" o tráfico, mas nao foram tomadas as providencias que viabilizassem a aboliçao. Persistiu esse estado de coisas, e o conselheiro julga inviável a aboliçao imediata, excluindo a possibilidade de "execuçao rigorosa" de qualquer nova convençao com a Grâ-Bretanha. O maior obstáculo para a mudança estaría nos "graves embaraços e resistencia na opiniäo pública", que levariam o Estado a "adotar medidas violentas que poderi am comprometer a segurança e a tranquilidade do país" (BRASIL, 1978i, p. 229). Quatro eram os requisitos para a aboliçao do tráfico: tomada de medidas para o suprimento de mäo de obra alternativa, realocaçao dos capitals empregados no tráfico para empresas de importaçâo de colonos, comprovaçao pràtica do sucesso das medidas de suprimento alternativo e viabilizaçao do cumprimento do firn do tráfico junto à "opiniäo pública".
Em voto dissidente a esse parecer, Maranguape aprofunda o reposicionamento de figuras na apreciaçao do caso (BRASIL, 1978i). Afastando ainda mais a antítese particular/universal, o conselheiro sugere que o bill Aberdeen cada vez menos é tido como "medida injusta e violenta", tendo-se considerado correto qualificar os brasileiros envolvidos no tráfico como piratas, "como se fossem súditos dessas potencias barbarescas, com as quais nao eram precisos tratados para perseguiçao dos seus corsarios" (BRASIL, 1978i, p. 233). A aproximaçao do Brasil do polo bárbaro na antítese em tela, corresponde urna reformulaçao das condiçoes do exercício soberano no país. Em julho de 1 850, opinando em Conselho de Estado pleno sobre a posiçao que o Imperio deveria adotar diante das redobradas pressöes da esquadra británica sobre portos e mar territorial brasileiro, Abrantes desaconselha qualquer tipo de resistencia armada aos atentados británicos (SENADO, 1978a). No entender do conselheiro, faltava ao Brasil força material para resistir aos atentados, mas também força moral, "visto que nenhuma Naçao culta [...] simpatizaría com a luta [...] que travássemos, e que teria por firn, ao menos indiretamente[,] a proteçao do tráfico" (SENADO, 1978a, p. 252). A soberanía, além do jogo de poder inscrito na lógica particularista, torna-se portanto submetida a urna moralidade civilizada, mais que universalista. Isso nao significava, porém, reconhecer à Grä-Bretanha o direito de visita em portos e mares territorials brasileiros, solicitado por seu almirantado em 1850. O visconde do Uruguai, entäo ministro dos estrangeiros, afirmaría preferir os atos británicos como violencias nao sancionadas a "sacrificar o principio sagrado da independencia do nosso territorio" (URUGUAI, 2002b, p. 595).
A aboliçao do tráfico, efetivada por lei de setembro de 1850, nao foi imediatamente precedida por pareceres da Seçâo dos Negocios Estrangeiros, mas por debates do Conselho pieno e discussöes no Parlamento. Urna referencia final no caso é ao discurso do ministro Uruguai na Cámara dos Deputados, ainda em julho de 1 850 (URUGUAI, 2002a). A enunciaçao em Uruguai combina as antíteses particular/universal e civilizacao/barbárie na exposiçao dos motivos pelos quais o tráfico se tornou insustentável. Por um lado, a "incansável tenacidade" de urna "naçao poderosa" como a Grä-Bretanha nao so torna formidáveis suas pressôes sobre o Brasil, como também obtém de todas as naçoes marítimas da Europa e da América a anuencia ao firn do tráfico. Por outro lado, "a civilizaçao há de fazê-lo cessar completamente algum dia" (URUGUAI, 2002a, p. 57 1), cabendo ao Brasil sair do "sono da indolencia", aperfeiçoar sua produçao pelo aumento da mäo de obra livre e "arredar" das cidades "essa multidäo de escravos que as entulham". A combinaçao das antíteses firma a discussäo sobre o firn do tráfico como tema de politica interna, anulando as rcssalvas do cálculo econòmico de Paraná. Para Uruguai, as medidas de repressäo ao tráfico seriam apenas parte de urna "soluçao mui ampia e mui importante". Elas deviam ser ponderadas no quadro de um novo "sistema" a ser adotado, responsável pelo "futuro engrandecimento de nosso país".
Direitos civis e crimináis de súditos británicos
Opostos em outras materias, os membros da Seçao dos Negocios Estrangeiros convergem na negativa à concessäo de direitos soberanos extraterritoriais as potencias europeias, especialmente diante de reclamaçoes británicas sobre o enquadramento de súditos daquela nacionalidade no sistema judiciário brasileiro (BRASIL, 1978f, 1978J, 1979a, 2005). Um parecer de 1846 relatado por Maranguape bastará para adensar a apresentaçao, ao associar-lhe ao tema da civilizaçao (BRASIL, 1978f). Seu objeto é a alegaçao británica de dupla infraçao de privilegios para os súditos daquele país previstos no tratado anglo-brasileiro de 1 827. A detençao de Barney Byrne por suspei- ta de assalto a urna igreja na Bahia teria sido feita sem atençao as esti- pulaçoes de que a detençao sumaria de um británico so seria permiti- da no caso de flagrante delito; e de que de vería ser precedida de ordern formal lavrada pelo juiz conservador da naçao británica. A isso, dois argumentos sao antepostos pelo relator.
O primeiro é de que a Conservatoria seria juízo especial de primeira instancia, mas nao a consignaçao de direitos especiáis em causas ci- vis ou crimináis. Estas se regulariam pelo Código do Processo Crimi- nal, que gozava de irrestrita validade no territorio brasileiro - arguir em sentido contrario seria supor, como dissera Maranguape em outra oportunidade, "urna anomalia da ordern social moderna" (apud s CALOGERAS, 1 989, p. 373). Maranguape explica que a reclusäo de Byrne se qualificava como custodia enquanto se dirimia a incerteza sobre sua participaçao no crime, e nao como detençao arbitrària, como pretendía a diplomacia británica. A distinçao entre custodia e prisäo, inscrita no Código, era copiada da dou trina do jurista inglés William Blackstone: 'Admira, pois, que o Governo británico näo te- nha compreendido as razöes que justificam o procedimento havido com aquele seu súdito na cidade da Bahia, sendo ele urna imitaçao do que se pratica em Inglaterra" (BRASIL, 1978f, p. 141). Essa fonte da mímese - näo se esquece de notá-lo o relator atento à figura da civili- dade - era "o país mais cioso da liberdade pessoal de seus cidadäos" (BRASIL, 1 978f, p. 145). O segundo argumento c de que o tratado de 1 827 previa que ordern formal de "autoridade legítima" devia prece- der a detençao de británicos. Reconhecer legitimidade apenas no juiz conservador era leitura "inexequível e absurda", por isentar os britá- nicos da autoridade policial brasileira. Tratando da jurisdiçao de cón- sules estrangeiros em parecer de 1849, Maranguape explicaría que esses agentes podiam arbitrar disputas entre marinheiros ou comer- ciantes de sua nacionalidade, mas nunca se lhes concedía autoridade judicial, "senäo nos estados da barbaria" (BRASIL, 1979a, p. 181). A objeçao é semelhante à feita à Conservatoria, associando- se com clareza o exercício de direitos soberanos ao status de civilidade.
Imperativo de modernizacäo
Já se observou que o padräo de ordenamento político e legal extraeuropeu no século XIX reservava para os países ditos menos ou nao civilizados o principio de divisibilidade da soberanía. A constante discussäo desse principio na relacäo Brasil-Grä-Bretanha refere o pensamento imperial de política externa ao padräo extraeuropeu. O bill Aberdeen e as reivindicaçoes de direitos civis e crimináis especiáis encetam variadas objeçoes à noçao de que aregulaçao de certas esferas de atividade da sociedade pudesse ser transferida para a Grä-Bretanha com o fito de ser mais bem gerida, rompendo a exclusividade da prerrogativa soberana do Impèrio sobre sociedade e territorio. Tratar-se-ia de outorgaçâo infundada e nao reciprocada de autoridade punitiva para a Grä-Bretanha sobre súditos brasileiros envolvidos no tráfico (Vasconcelos); de equivocada estrategia de transferencia consentida de autoridade punitiva à Grä-Bretanha (Maranguape); de insustentável exceçao ao principio sagrado de independencia territorial (Uruguai); e de anómala presunçao de isençao dos súditos británicos da autoridade judiciária brasileira (Maranguape). Esse conjunto de objeçoes adverte unanimemente contra o limbo criado pelo risco de "usurpaçao" da independencia brasileira, indicando a viva apreensäo produzida pela concretude do tema da divisibilidade da soberanía na pauta británica (BELL, 2007, p. 169; PITTS, 2007, p. 81). De fato, abre-se urna temática que näo se circunscreve a um debate sobre as limitaçoes da soberanía por normas internacionais, senäo também a um debate sobre o teor da civilizaçao no Brasil.
Podem-se discernir duas vertentes nesse debate da Seçao dos Negocios Estrangeiros, que se organiza ao redor do tema do tráfico de escravos. A primeira délas parte do enunciado, em parecer de 1845, de que o Brasil é coetáneo com a Europa: o tráfico fora abolido há pouco tempo naquele continente, e a escravidäo era fato corrente em naçoes que nem por isso deixavam de ser tidas por civilizadas (Vasconcelos). Essaproposiçao de contemporaneidade é cercada por argumentos que reproduzem um dos polos do debate brasileiro do século XIX sobre a escravidäo (CARVALHO, 2005b). Economicamente, o tráfico é defendido como um imperativo para a riqueza nacional, podendo ser abolido apenas quando comprovado o sucesso da produçao por mao de obra livre e imigrada (Paraná). Politicamente, a aboliçao é impraticável enquanto arrisque a ordern no país, denotando a imprescindibilidade do concurso da classe proprietaria, ou da "opiniäo pública" (Paraná). Moralmente, faz-se referencia aos anais do pròprio Parlamento responsável pelo bill, encontrando- se ali defesa da justiça e humanidade da causa do tráfico (Abaeté). Em todas essas razöes se funda a consideraçao do bill Aberdeen como um problema de política exclusivamente exterior, o que subscrevia a definiçao de urna "cidadania restrita aos proprietários [e afirmava urna soberanía que] passava antes pela consolidaçao do poder senhorial na sociedade brasileira" (RODRIGUES, 2000, p. 106). Dada a impossibilidade de se fazer guerra à Grä-Bretanha, ponderam-se formas de persuadi-la a respeitar a indivisibilidade soberana e recomenda-se desalentadamente a dissimulaçao e a transferencia tácita de autoridade punitiva àquele país (Vasconcelos e Paraná).
A afirmaçao paralela de que países "ilustrados e cristäos" "deploram e condenam" o tráfico, também confida no - por isso mesmo - ambivalente protesto oficial ao bill assinado por Abaeté, marca a transiçao para a segunda vertente na disputa de definiçoes sobre a civilizaçao. Essa vertente parte do enunciado, em parecer de 1 846, de que o Brasil nao é coetáneo com a Europa: o tráfico é fato reprovado por todas as naçoes civilizadas (Maranguape). O enunciado pode ser referido a um entendimento da relaçao entre as partes do mundo segundo um tempo evolucionarlo, fundador de urna escala de progresso sociocultural entre os países. Essa escala permitiu ao discurso antropológico do século XIX a confecçao de um método comparativo que discrimina entre o civilizado (a modernidade da Europa) e o bárbaro (o atraso nao moderno de outras regiöes do globo) (FABIAN, 1983), possibilitando ainda a distinçao entre a civilizaçao corno fato consumado e como processo de superaçao do atraso (KEENE, 2002). Esses desenvolvimentos näo foram estranhos ao pensamento brasileiro da época, que passa a tratar o Brasil como um "país novo", ao quai se reservava grande progresso futuro (CANDIDO, 2006). Na reflexäo diplomática, a premência dada ao tema da consolidaçao das instituiçoes (Abrantes e Maranguape) assegura aquele caráter de processo em aberto da civilizaçao no Brasil, e recomenda averiguar mais detidamente o papel do método comparativo na política externa.
Para compreendê-lo, é preciso considerar o segundo polo do debate do século XIX sobre a escravidäo (CARVALHO, 2005b), cujo expoente é José Bonifacio de Andrada e Silva (2002). Para esse autor, a civilizaçao näo pode se desenvolver no Brasil sem a existencia previa da liberdade individual, o que investe a escravidäo do status de maior obstáculo a urna ordern liberal no país. Se no primeiro polo do debate sobre a escravidäo se pressupunha a heterogeneidade de sociedade - a "africanizaçao" parcial do país -, a civilizaçao, nesse segundo polo, pressupöe um modelo de sociedade homogénea. Nessa linhagem se inserem os argumentos contrarios ao tráfico. Economicamente, é preciso melhorar a produçao pela maior eficiencia da força de traballio assalariada (Uruguai). Politicamente, näo convém aumentar o número de "defensores das instituiçoes de Haiti" (Maranguape). Moralmente, bastaría lembrar aja referida condenaçao e deploraçao do tráfico pelas naçoes civilizadas. O caso da "naçao mais adiantada do Novo Mundo" - "lamentavelmente" näo seguido pelo Brasil - torna-se, pelo exercício comparativo, exemplo autoritativo do poder de um governo e da prosperidade da sociedade que atendía à causa da civilizaçao abolindo o tráfico. Esse conjunto de razöes desautoriza o tratamento do bill Aberdeen como um problema puramente de política externa. É reveladora a combinaçao de antíteses no discurso de Uruguai que consagra o projeto de aboliçao do tráfico: "junto com o reconhecimento da força inglesa estava presente a ideia da necessidade da modernizaçao da produçao no país" (COSER, 2008, p. 2 1 4). Ainda que transigindo com a classe proprietaria (MATTOS, 2004, p. 239), a lei de 4 de setembro de 1850, que decreta a aboliçao do tráfico, nao pode deixar de se referir ao ideal de urna sociedade homogénea e de urna economia assalariada eficiente, cuja implementaçao o Estado faria a ponderável custo político (ver os contra- argumento s políticos e económicos de Paraná) . Identificado no "polo racional" e "neutro" do sistema político imperial um padräo de civilizaçao contràrio ao tráfico e à escravidäo, o método comparativo inscreve um imperativo de modernizaçao no pensamento de política externa e repercute sobre os "mais vitáis intéresses" da arena política interna, reconfigurando-os.
Esse desdobramento do internacional dentro do Brasil sugere urna inversäo da fórmula de Celso Lafer: aqui, a política externa seria um esforço de compatibilizaçao de necessidades externas com possibilidades internas. Isso porque o padräo de relacionamento extraeuropeu se marca por urna estrutura política mais centralizada do que aquela verificada no padräo intraeuropeu, no quai o respeito ao principio da soberanía territorial garante um sistema descentralizado e menos hierarquizado (GARCIA, 2006; KEENE, 2002). A compatibilizaçao entre instituiçoes europeias e a sociedade brasileira torna-se um argumento legitimador na política externa, presumivelmente capaz de afastar a ameaça da divisäo da soberanía - tal o caso no parecer de Maranguape sobre as reclamaçôes referentes à reclusäo do súdito británico Barney Byrne. Nele, o principio de liberdade individual, cultuado na Grä-Bretanha, era colocado como baliza do sistema jurídico nacional, por isso mesmo diferenciando o Brasil dos "[Ejstados da barbaria", em que atribuiçôes extraterritoriais de juízes conservadores e cónsules obstavam ao desenvolvimento da "ordern social moderna". Incorpora-se à soberanía urna dimensäo moral, além da material (Abrantes), garantindo-se a observancia de normas de civilizaçao corno pré-condiçao do cálculo particular/universal e evitando- se com isso que a indivisibilidade da soberanía sirva de pretexto para a manutençao ou adoçao de práticas "bárbaras". Em suma, o reconhecimento do imperativo da modernizaçao afigura-se estrategia exterior comum aos conselheiros adeptos do entendimento sobre a necessaria homogeneidade social, embora com isso nao se pretenda reduzir a pluralidade de suas reflexöes individuáis.
A reflexao do Segundo Reinado sobre relaçoes bilaterais coloca a política externa brasileira em urna encruzilhada entre os padrôes intra e extra europei] s de ordenamento global. Versada no debate entre perspectivas ascendentes e descendentes, a reflexäo viu-se às voltas com questôes de modernizaçao, deixando o argumento da adesäo às instituiçoes civilizadas, senäo como tradiçao, como curso de açao exemplar.
Ministerio das Relaçoes Exteriores
A centralizacäo das discussöes de política externa pelo MRE ao longo da Primeira República pode ser compreendida por referencia à reorganizaçâo do Estado brasileiro empreendida na segunda década do novo regime. As reformas políticas entäo postas em marcha, já se observou (LESSA, 2001), tinham por objetivo superar o que se identificava como os maiores problemas do decenio inicial da República: reduzida institucionalizaçào dos mecanismos de governo, acentuada politizaçao das Forças Armadas e anarquía nos ámbitos estaduais em decorrènda da questäo do federalismo. Contra esse momento visto como de anarquía, logrou-se no mandato presidencial de Manuel Ferraz de Campos Salles ( 1 898- 1 902) a desconexäo entre as disputas de facçoes, relegadas à política estadual, e o executivo federal. Este se votava agora à chamada "obra administrativa", retomando as tradiçoes do Impèrio de autonomia do governo central e de obstruçao à incorporaçao política na esfera pública (LESSA, 2001).
Esse quadro institucional, consolidado ao longo da segunda década republicana, localizava a política externa no ámbito administrativo e a insulava de disputas distributivas (LIMA, 2000). Discursando ao assumir a chancelaria em 1902, José Maria da Silva Párannos Júnior, baräo do Rio Branco, afirmaría que a pasta de relaçoes exteriores "nao é e nao deve ser urna pasta de política interna" (RIO BRANCO, 1 945b, p. 757). Essa desconexäo entre as políticas interna e externa é propria à retórica do particularismo, em que a diplomacia se limita a urna elite capacitada à gestäo de interesses de Estado (WALKER, 1984). Mais urna vez, o "internacionalismo ingénito" do Rio de Janeiro se referiría ao elo entre a atividade diplomática do Estado soberano e o sistema de Estados.
Outro sentido desse internacionalismo, como no caso do Imperio, está na relaçao entre o Estado e a sociedade. Firmada a ordern institucional, foi possível que no mandato presidencial de Francisco de Paula Rodrigues Al ves ( 1 902- 1 906) se tratasse de urna série de reformas no Rio de Janeiro, em nova leva do processo de "re-europeizaçao" (FREYRE, 2003a). Além de transformaçôes urbanísticas inspiradas ñas exemplares reformas de Paris, as próprias relaçoes sociais eram influenciadas por padröes de vida aristocráticos franceses e ingleses (CARVALHO, 2005a), e a capital em modernizaçao passa a ser tida como locus de civilizaçao - na voga da época, a expressäo "o Rio civiliza-se" (BROCA, 2004). Nesse contexto, mais que executor dos cálculos políticos orientados pela antítese particular/universal, o MRE pode ser visto como articulador do programa interno de europeizaçao ao posicionamento externo no sistema de Estados. Dessa articulaçao, participaría a intelligentsia da República, atraída para o MRE na gestäo de Rio Branco (1902-1912) (SEVCENKO, 2003). Membros proeminentes dessa intelectualidade, Joaquim Nabuco e Rui Barbosa seriam arregimentados para a diplomacia, atuando respectivamente ñas conferencias multilaterais de 1906 e de 1907 e debatendo a política multilateral com o chanceler.
"Lugar Intermèdio": A Participacäo do Brasil em Conferencias Multilaterais
A participacäo em assembleias interestatais, entre 1906 e 1907, ocasiona um debate entre os quadros diplomáticos brasileiros a respeito dos limites da soberanía e do imperativo de modernizaçao em negociaçoes multilaterais. Esse novo tipo de reuniäo tem constantemente afirmada a sua importancia para as relaçoes exteriores: se a conferencia pan-americana era ocasiäo prestigiosa, por sediar-se em um Rio de Janeiro "que se transforma e rejuvenesce há très anos apenas" (RIO BRANCO, 1948c, p. 96), a conferencia da Haia näo era menos que assembleia onde "se reunía a flor da cultura de todos os povos" (BARBOSA, 1962b, p. 132). Esta seçao acompanhará a divergencia sobre o "lugar" do Brasil na ordern multilateral - alinhado aos fortes ou aos fracos - e a convergencia quanto ao requisito para a participacao nessa ordern - a modernizaçao.
Ill Conferencia Internacional Americana
Em despacho telegráfico de 1906, o baräo do Rio Branco (1945a) apresenta a Joaquim Nabuco, embaixador brasileiro nos EUA e principal negociador do país na III Conferencia Internacional Americana, os termos da política hemisférica. No texto do chanceler, o ordenamento político do continente americano é obtenível pela reuniäo de Argentina, Brasil, Chile, EUA e México. Esse arranjo exclusivo, que viabiliza acordos "no interesse geral", tem sua fonte na pràtica europeia: "O concerto europeu é formado apenas pelas chamadas grandes potencias [...]. Entrando muitos [Estados], seríamos suplantados pelo número sempre que se tratasse de tomar qualquer resoluçao" (RIO BRANCO, 1945a, p. 760). Discernidos os Estados dotados de intéresses individuáis daqueles dotados de interesses coletivos, a gestâo da ordern interestatal americana é atribuida a um agrupamento de países fortes e nao para urna somatória dos países do hemisferio, denotando-se o caráter oligárquico dessa gestäo.
Dois outros documentos de Rio Branco qualificam essa enunciaçao, até aqui pautada pela dupla particular/universal. Em despacho a Nabuco datado de 1905, Rio Branco (LINS, 1945, p. 498) emprega o civilizacao/barbárie para distinguir entre a Argentina, o Brasil e o Chile, por um lado, e demais Estados latino-americanos, por outro. Os tres primeiros nada teriam a temer na proclamaçao de um "direito de expropriaçao contra os povos incompetentes" pelo presidente Theodore Roosevelt dos EUA, urna vez que nao se poderia dizer com justiça que estivessem "no número das naçôes desgovernadas ou turbulentas que nao sabem fazer 'bom uso da sua independencia'" (RIO BRANCO apud LINS, 1945, p. 498). O Brasil, em particular- diria o chanceler em discurso de 1906 por ocasiäo de homenagem do Exército Nacional -, passado o período republicano de "discordias civis" e "agitaçoes políticas", lançava-se agora "resolutamente no caminho de todos os melhoramentos moráis e materiais" (RIO BRANCO, 1948a, p. 102). Os demais Estados latino- americano s - prossegue o despacho de 1905 - nao se deviam sentir ameaçados pelos EUA, pois "têm o remedio em suas mäos: é tratarem de escolher governos honestos e previdentes e, pela paz e energia no trabalho, progredirem em riqueza e força" (RIO BRANCO apud LINS, 1945, p. 498). O alij amento desses países dos mecanismos de gestäo da ordern hemisférica se afigura, assim, sobretudo como consequência de seu ínfimo nivel de progresso. Além disso, esse progresso, afirma Rio Branco (1948b) em discurso na sessäo inaugural da III Conferencia, representava a expansäo das atividades comerciáis e industriáis europeia. Tratava-se de urna retribuicäo das "naçôes novas" da América à Europa: "Eia nos criou, eia nos ensinou, déla recebemos incessantemente apoio e exemplo, a claridade da ciencia e da arte, as comodidades da sua industria, e a liçao mais proveitosa do progresso" (RIO BRANCO, 1948b, p. 88).
H Conferencia da Paz
No contexto da II Conferencia da Paz, em 1907, a discussäo plenària sobre urna Corte Permanente de Arbitragem enseja um intercambio entre Rio Branco e o delegado brasileiro, Rui Barbosa. Informado de que, dos dezessete assentos previstos para a corte em projeto da Alemanha, Grä-Bretanha e EUA, nove seriam contemplados permanentemente para grandes potencias, sendo os demais distribuidos rotativamente para grupos de Estados - para os dez países da América do Sul se destinava um assento -, Rio Branco acusa "a maior desigualdade" na formaçao dos grupos. O chanceler evoca, em telegrama a Barbosa, trecho do discurso do secretario de Estado dos EUA, Elihu Root, na conferencia de 1906: "consideramos que a independencia e a igualdade de direitos do menor e mais fraco membro da familia das naçoes façam jus a tanto respeito quanto aqueles do maior império". Em seguida, embora afirmando preferir esse principio de igualdade soberana entre os Estados, de teor universalista, Rio Branco considera alternativas que poderi am ser adotadas a título de "iransaçao", atendendo ao interesse particular de "garantir um lugar permanente para o Brasil naquele tribunal" (BURNS, 2003, p. 154). Quando afinal autoriza a defesa da igualdade soberana por Barbosa, Rio Branco o faz deixando claro que essa decisäo foi subordinada ao fracasso de negociaçoes bilaterais com os EUA, com os quais se tentaram aquelas transaçoes.
Na resposta as prospecçoes de Rio Branco e em seu discurso no plenàrio da assembleia, quando é afinal autorizado pelo chanceler a defender a igualdade soberana como critèrio para a composicäo da corte, Barbosa apresenta arrazoado diverso para a defesa do principio da igualdade soberana. Contràrio a transaçoes que comprometessem a posiçao universalista, Barbosa pondera com Rio Branco que, fora de soluçoes baseadas naquele principio, "incorremos [na] censura [de sermos] interesseiros e agravaremos [a] indisposiçao [dos] pequeños estados americanos Tal nossorespeitoM enfraquecendo nossaautoridade moral".21
Em seu pronunciamento em plenario, no dia 27 de agosto de 1907, Barbosa (1966) principia pela afirmaçao de que há urna "urdidura de leis essenciais, que guardam as naçoes de retornarem à barbàrie" (BARBOSA, 1966, p. 252). Urna dessas leis é a "igualdade das naçoes qualquer que seja sua força ou seu tamanho" (BARBOSA, 1966, p. 252), principio declarado pela I Conferencia da Paz, em 1 899, para a organizaçao de urna corte de arbitragem. Esse principio da igualdade soberana contribuì para o processo pelo qual o direito "distribuì" j ustiça entre as naçoes, pois é justo dar a todos os países, fracos e fortes, "urna posiçao igual, no tribunal que deve julgar a uns e aos outros" (BARBOSA, 1966, p. 257). A igualdade jurídica é o "último freio da ambiçao e do orgulho entre os povos", tornando a soberanía nacional "ponto de comensurabilidade moral" que desconhece diferenças de riqueza e de força entre os Estados. Dai a censura do plenipotenciario ao esvaziamento, no projeto patrocinado pela Alemanna, EUA e Grä-Bretanha, do apoio ao arranjo inclusivo concebido em 1 899 com base na igualdade soberana, e sua crítica ao silencio - e, portanto, à arbitrariedade - desses países no debate sobre o critèrio de classificaçao dos Estados-membros da corte, imposto de "forma muda, mas deplorável".
Nessa altura, a enunciaçao excede os termos instruidos pela dupla particular/universal e remete à dupla civilizacao/barbárie. O plenipotenciario brasileiro mobiliza os atributos sócio-históricos do Brasil para argumentar que o quadro interno do país nao poderia ser a razäo - nao se ausculta outra no mutismo dos poderosos - de sua desclassificaçao política e mesmo da despreocupacäo das grandes potencias em justificá-la. (Cabe adiantar que, discursando depois da conferencia, Barbosa (1962b) afirmaría ser necessario que os estadistas brasileiros se convences sem de que a reputaçao do país no exterior era o "mais seguro critèrio dos seus interesses". Essa preocupaçao, entre outras influencias sobre o desenvolvimento nacional, "nos abonançara as lutas, nos civilizará os costumes"). Na conferencia, o argumento exposto enfoca o nivel de civilizacäo já verificado no país, apontando a ilegitimidade do arranjo exclusivo que discrimina Estados, como o Brasil, adeptos do processo modernizador.
Se a Europa e os Estados Unidos eles mesmos conhecessem melhor o nosso continente, nao infringiriam essa grave injustiça contra naçoes repletas de porvir e já tao notáveis por seu progresso. Elas nao sao Estados dependentes, como há alhures; nao sao povos que chegaram no termo de seu desenvolvimento, como algumas do Velho Mundo ranqueadas à nossa frente nessa hierarquia [proposta] : sao naçoes em plena exuberancia da juventude, que herdaram em tudo a civilizacäo européia, que näo estäo täo longe quanto se supöe da cultura intelectual deste continente [Europa], que se encontram hoje em pieno surto de urna vida maravilhosamente robusta [...]. Felizmente näo é sobre este terreno que teremos que formular a questäo, pois divergimos do projeto justamente quanto a seu principio. O projeto nos convida a discutir os graus, a verificar os lugares. Nos näo aceitamos os graus. Nos näo disputamos os lugares (BARBOSA, 1966, p. 253-254).
Em dois discursos após a conferencia, Barbosa discorreria sobre as decorrências das posiçôes universalistas ali adotadas. No que tange ao ordenamento hemisférico, o principio da igualdade soberana conferia à América urna "integridade suprema" que a resguardava de "urna justaposiçao grosseira de humilhaçoes e privilegios, de cobiças e espoliaçôes, de exclusöes e precedencias" (BARBOSA, 1962a, p. 156). No que tange ao ordenamento global, o delegado parte de um diagnóstico particularista: "Abaixo das oito grandes potencias que entre si repartem o dominio da força, nenhum Estado se adianta ao Brasil no conjunto dos elementos, cuja reuniäo assinala a superioridade entre as naçoes" (BARBOSA, 1962b, p. 130), reservando-se ao pais um "lugar intermèdio". A posiçao de meio termo - "Tao distante da soberanía de uns como da humildade de outros" - pretende aproximar o particular (a força) ao universal (o direito): "na sua extrema delicadeza, devia ter urna linguagem sua, moderada e circunspecta, mas firme e altiva, quando necessari a" (? ARB OS A, 1962b,p. 131).
Nabuco, ainda embaixador nos EUA, corresponde-se ao longo da II Conferencia com o delegado brasileiro (NABUCO, 1999a, 1999b, 1999c). Sua posiçao na dupla particular/universal é simétricamente oposta à de Barbosa. Retomando a lógica da conveniencia, afirma que a defesa do principio da igualdade soberana foi "toda de ocasiäo, em defesa pròpria, para evitar que nos amesquinhassem" (NABUCO, 1999b, p. 72). Para Nabuco, a proposta de equivalencia do voto de países com grandes disparidades populacionais ñas deliberaçoes parlamentares entre Estados ou em tribunals internacionais nao pressuporia "igualdade, mas desigualdade, pois nenhum contrato de sociedade é feito sem atençao à lei de proporçao" (NABUCO, 1999a, p. 61). A vista da aliança de países desfavorecidos pelo arranjo exclusivo proposto na Haia, liderada por Barbosa com base na igualdade soberana, Nabuco adverte que, caso outros países queiram "engrandecer" o Brasil, "nao devemos dizer que nao entramos onde nao entram também S. Domingos e Haiti" (NABUCO, 1999b, p. 72).
A objeçao de Nabuco à aceitaçâo universalista das consequências da igualdade soberana na agenda das relaçôes exteriores toma forma em seus comentarios particularistas sobre a política hemisférica. Qualquer aliança sul-americana lhe parece "serio perigo", pelas duas consequências que cogita. A primeira é que tal aliança tirasse a regiäo da esfera de proteçao dos EUA pelos termos da doutrina Monroe, incitando movimentos expansionistas da Alemanha. A segunda é que tal aliança levasse os países da regiäo a recorrer aos EUA como garante de um sistema que tornaría o "arbitramento a lei de todo o hemisferio sul-americano e nao a vontade das suas maiores naçoes" (NABUCO, 1999c, p. 72).
Essa posiçao particularista é acompanhada de consideraçoes de ordern civilizacional que configuram urna hierarquia cultural. Escrevendo após o firn da conferencia, Nabuco externa o desejo de que o reconhecimento público ao traballio de Barbosa nao se devesse à defesa da igualdade soberana pelo estadista baiano, e sim ao "brilho e culminância intelectual" do delegado na representaçao do Brasil na assembleia de Estados. O grande beneficio a tirar da conferencia, escreve a Barbosa, "é a reputaçao de alta cultura que V. criou para o Brasil [...] na sua atitude [...] V. mostrou bem que se sentía o representante de urna grande naçao, e que quería que a tratassem como tal. Essa alma é incompativel com o principio de que nao há diferenças" (NABUCO, 1999b, p. 72, grifo suprimido). Cumpre referir, a propósito, o discurso do presidente da República, Afonso Pena (1962), durante cerimonia em homenagem ao traballio de Barbosa na Haia. Nele, a enunciaçao também se pauta pela adesäo ao discurso civilizador: o feito notável do delegado brasileiro, pugnando nessa "memorável assembleia das naçoes civilizadas" pelos "principios mais liberáis", teria sido testemunhar "perante o mundo civilizado os ideáis que sempre guiaram, e guiam o povo brasileiro" (PENA, 1962, p. 175).
"Lugar intermedio"
Urna primeira ordern de consideraçoes a respeito do debate sobre relaçôes multilaterais na Primeira República diz respeito a ele reproduzir, em nova configuraçao, a aporia observada ñas discussöes sobre relaçoes bilaterais no Segundo Reinado. Essa aporia, que se desenlia nas discussöes entre os estadistas ligados ao MRE, mas também dentro de seus próprios escritos, refere-se à aplicaçao (particularista) ou repudio (universalista) da distinçao entre interesses individuáis e coleti vos no plano multilateral.24
Pelo lado dos objetivos individuáis, criterios como a força e a populaçao sao usados para afirmar e reiterar a desigualdade no sistema de Estados. As instituiçoes e normas multilaterais sao aceitas segundo um critèrio "mais voltado para o espirito da cooperaçao do que para a definiçao de constrangimentos" (FONSECA JR., 2002, p. 401), isto é, evitando limites à soberanía. Nesse contexto, defendem-se principalmente arranjos exclusivos: na América, o agrupamento dos países mais fortes e a ênfase na relaçao bilateral com os Estados Unidos (Nabuco e Rio Branco); no sistema em geral, o agrupamento dos mais fortes ou dos de maior populaçao é considerado, desde que inclua o Brasil (Nabuco e Rio Branco; Barbosa nao deixa de adotar o criterio da força ao enunciar o escalonamento das potencias). Um arranjo inclusivo também pode ser aceito, desde que seu principio ordenador - a igualdade soberana - seja enunciado como meio e nao como firn tanto na ordern americana quando na geral, e que as alianças por ele compostas sejam circunstanciáis (Nabuco e Rio Branco).
Pelo lado dos objetivos coletivos, rejeitam-se quaisquer criterios que obstem o da igualdade no sistema de Estados. A identidade da política externa constitui-se, "pelo menos em parte, por meio da utilizaçao [...] de argumento moral, isto c, o apoio do Brasil a instituiçoes e sua adesäo a regimes internacionais em defesa de urna ordern internacional regida por normas" (ROCHA, 2006, p. 93). Nesse contexto, ressalta-se o interesse coletivo e apenas arranjos inclusivos sao defendidos: na América, como no sistema em geral, a somatória de todos os Estados gera integridade, precluindo quaisquer privilegios políticos ou legáis em virtude da comensurabilidade moral de seus membros (Barbosa; Rio Branco nao deixa de enunciar, pelas palavras de Root, urna igualdade fundamental entre fracos e fortes).
Nota-se que a posiçao particularista se vale de um raciocinio ascendente, em que a soberanía - a "vontade das maiores naçôes" - precede e dita as necessidades sistêmicas - o interesse individual pode "transacionar" politicamente os principios ordenadores e criar arranjos excludentes. Nota-se também que a posiçao universalista se vale de um raciocinio descendente, em que as necessidades sistêmicas - a "urdidura de leis essenciais" - sobrepoem-se à soberanía - o interesse coletivo veta a imoralidade da postura "interés seira" em relaçao aos principios ordenadores e recomenda a criaçao de arranjos inclusivos. Há urna tentativa de composiçao entre particularismo (ascendencia) e universalismo (descendencia), retomando-se nisso a reflexäo do Segundo Reinado sobre os limites da soberanía brasileira. Se a partir do visconde de Uruguai a enunci açao ascendente incorpora o valor estratégico das normas para os países relativamente menos poderosos - embora nao necessariamente para os relativamente mais fracos -, no sistema em que predomina a força, a partir do discurso de Barbosa em Paris, o Brasil emerge em urna posiçao mediana - e, por extensäo, mediadora - entre fortes e fracos. Essa mediaçao, na singularidade da linha de conduta que exige - a linguagem do lugar intermedio é "moderada e circunspecta, mas firme e altiva, quando necessaria" -, expôe em seu tensionamento máximo a aporia entre interesses individuáis e coletivos: como percebeu Maria Regina Soares de Lima, o mediador entre fortes e fracos "sofre de urna dissonância permanente entre seus objetivos particulares, de cooptaçao internacional, e os objetivos coletivos dos países que supostamente representan! de democratizaçao dos espaços decisorios" (LIMA, 2005, p. 7).
A antítese nessa linha de força do pensamento republicano sobre relaçôes multilaterais, como antes no pensamento imperial sobre relaçoes bilaterais, nao se resolve, quedando-se dissonante e aberta a decisöes pontuais. O relevo da questäo é aprofundado pelo entrelaçamento desse conjunto de divergencias a urna ampia convergencia a respeito do imperativo de modernizaçao, que constituí a segunda ordern de consideraçoes a respeito do debate sobre relaçoes multilaterais.
A europeizaçao é regularidade enunciativa no tratamento da ordern social e da açao estatal. Defende-se a retribuiçao das "naçoes novas" ao apoio europeu para seu progresso moral e material, reconhecendo-se a exemplaridade da produçao científica, cultural e industrial daquele continente (Rio Branco); critica-se a discriminaçao de "naçoes repletas de porvir" e "em tudo" herdeiras da civilizaçao e da cultura intelectual europeias, diferençando estas dos Estados dependentes, estes sim passíveis de discriminaçao (Barbosa); afirma-se a existencia de diferenças entre as naçoes em funçao da grandeza que sua reputaçao de alta cultura lhes confira (Nabuco); e louva-se o decantamento dos atributos civilizados - os principios liberáis - do Brasil perante o "mundo civilizado" (Pena). Esses argumentos apontam para a modernizaçao da sociedade como criterio de legitimacäo da política externa. A recorrente caracterizaçao do Brasil pela já registrada potencialidade de seu futuro indica a presença da formula evolucionista que equipara o tempo à mudança (FABIAN, 1983), inerente à figura da civilizaçao, no espaço correlativo dos enunciados. O desafio colocado para a jovem naçao, nesse contexto, remonta à diretriz liberal de homogeneizaçao da sociedade (que se verifica a partir de Bonifacio, no Impèrio), mas qualifica-a, pois reside especificamente "na desmontagem do exótico mediante a postulaçao de urna continuidade cultural com a Europa" (JAGUARIBE, 1994, p. 26).25 Essa desmontagem renova a situaçao em que necessidades externas se impoem as possibilidades internas. Como no arrazoado do visconde de Maranguape sobre a legitimidade da custòdia do súdito inglés Barney Byrne, o chamado de Barbosa a que os estadistas cuidassem da reputaçao internacional do Brasil, pois assim se civilizariam os costumes no país, expressa essa importancia da ordern interna ñas relaçoes exteriores. Urna soluçao formal de incorporacäo da civilizaçao à soberanía particularista, que já fora indicada pelo marqués de Abrantes no caso do tráfico, é encontrada na obra nao diplomática de Nabuco.
Fazendo-se aquí sumario excurso pela contribuiçao desse autor ao pensamento social brasileiro, cabe sugerir que Minha formaçao, de 1900 (NABUCO, 2004), aprofunda a soluçao avançada por Abrantes. Nabuco escreve que o Brasil, por comungar o passado europeu, terá "a mesma imaginaçao histórica" que o Velho Continente, "desde que haja um raio de cultura". Essa condicionalidade trai a contigência do processo de difusäo de urna ordern europeia no Brasil. Ao mesmo tempo, o fato de que o "espirito humano" do sceulo XIX seja "terrivelmente centralista" denota a primazia desse processo. A longa preocupaçao abolicionista de Nabuco, que inclusive orienta a confeeçao desse texto autobiográfico (JAGUARIBE, 1994), ressalta a dificuldade na consolidaçao de formas políticas europeias no Brasil, ao mesmo tempo em que acentúa a premêneia da conformaçao do pais a padrôes ocidentais (SANTIAGO, 2004). A tarefa do estadista, nesse sentido, é de se ligar ao "interesse humano, universal" e procurai "na política o lado moral", rejeitando a submissäo de suas faculdades a urna "religiäo local". Como Nabuco já escrevera em O abolicismo, em 1883, o "verdadeiro patriotismo" era aquele que "concilla a patria corn a humanidade" (NABUCO, 2003, p. 138).
O internacional capilariza-se na sociedade brasileira, e o Estado - seu segmento insulado da política "local" - assume a causa da modernizaçao como meio de legitimidade internacional. Tais termos, hauridos da leitura de Nabuco, podem ser usados para definir a convergencia dos estadistas ligados ao MRE a respeito dos fundamentos do posicionamento externo do Brasil nos casos estudados. Com base nesse enunciado comum do imperativo de modernizaçao, é possível abordar diferenças a respeito da temática da modernizaçao no plano externo. Mantida a antítese civilizacao/barbárie, que demarca expressamente as margens desse sistema- isto é, os Estados dependentes, que (ainda) nao podem governar bem o seu territorio -, pode-se divisar duas diretrizes de açao da política externa, as quais entrelaçam a lógica dos interesses individuáis e coletivos a diferentes enunciaçôes do grau de civilizaçao no sistema de Estados.
A adoçao particularista do principio da igualdade soberana (Nabuco e Rio Branco), que veta sua decorrènda para cálculos de interesse em outras agendas diplomáticas, possibilità o endosso ao principio de divisibilidade da soberanía. Esse é o caso no apoio, por Rio Branco, a um direito de expropriaçao que se justifica pela dita incompetencia dos povos a que se aplica. Ademais, sendo variado o grau de civilizaçao entre as repúblicas sul- americanas, aquelas de maior nivel de progresso podem se reunir em um arranjo exclusivo (inscrito no direito convencional, no caso do projetado Tratado do A.B.C.) de coordenaçao de políticas para a supressäo da desordem na vizinhança. O que, no Segundo Reinado, era a cooperaçao bilateral para consolidaçao das instituiçoes libérais no Brasil (Abrantes), vê-se agora ser urna cooperaçao regional direcionada à vizinhança. Reitera-se, com isso, a distinçao entre tipos - ordeiros e desordeiros - de entes soberanos, atribuindo-se valor moral diferenciado a um e outro (DOTY, 1996). Como sugere urna avaliaçao sobre o ajuste entre política interna e externa na gestäo de Rio Branco, o chanceler "näo teria podido realizar a sua obra com urna política interna enfraquecida, com urna administraçao pública caótica, apática, falando em nome de um país sem ordern e sem o funcionamento regular das instituiçoes" (LINS, 1945, p. 528-529).
A adoçao universalista do principio da igualdade soberana (Barbosa), que impöe sua decorrènda para cálculos de interesse em outras agendas diplomáticas, possibilità o repudio ao principio de divisibilidade da soberanía. Esse é o caso na declaraçao de Barbosa sobre a "integridade suprema" do sistema de Estados americano. Em escopo mais ampio, Barbosa defende a "comensurabilidade moral" entre os Estados soberanos, rejeitando frontalmente qualquer diferenciaçao nesse campo. Remonta, nisso, ao zelo do visconde de Abaeté contra tratados desiguais, aos quais opunha a reciprocidade efetiva como garantía da equivalencia entre os soberanos.
O descrédito da divisibilidade soberana coloca em causa a propria existencia de dois padröes de ordenamento político e - especialmente - legal na política global. Afirmando a modernizaçao e a eliminaçao do exótico, o delegado brasileiro barganha a equiparacäo dos padröes de relacionamento ao longo de todo o espectro geográfico do sistema de Estados, notando que a falta da "lei essencial" da igualdade soberana também ocasiona a barbarie. Com a afirmaçao da soberanía contra a anarquía no interior dos Estados, no quadro de um processo global de modernizaçao - processo cuja efetividade em certos países era disputada por Rio Branco e por Nabuco -, ocorre o "destacamento coordenado" da anarquía para o sistema de Estados, e näo de uns Estados para outros: a preocupaçao primaria da organizaçao internacional, desse momento em diante, é com a constituiçao de urna "multiplicidade de espaços e tempos", cada quai investido do principio de jurisdiçao doméstica (soberanía) (ASHLEY, 1988). Essa linha de força, representada por Barbosa, contribuì, portante, para o que viria a ser descrito como a conjugaçao do imperativo de modernizaçao com a igualdade soberana na ordern global no decorrer da primeira metade do século XX.
Conclusäo
O presente traballio abordou, seni pretender exauri-los, aspectos do pensamento de politica externa brasileira no Segundo Reinado e na Primeira República. A leitura das fontes primarias de alguns debates a respeito de relaçoes bilaterais e multilaterais do pais possibilitou a avaliaçao de dois eixos temáticos, ou enunciativos, da vertente oficial da reflexäo brasileira sobre o internacional. O primeiro deles abre a linha de força da aporia entre Estado soberano e sistema de Estados, desdobrada tanto ñas relaçoes bilaterais quanto ñas multilaterais. Ao estabelecer parámetros contrapostos de particularismo e universalismo nessas relaçoes, essa aporia delineia urna matriz de alinhamentos do Brasil em suas relaçoes com grandes potencias e em foros parlamentares internacional s. O segundo eixo abre a linha de força do imperativo de modernizaçao nos negocios estrangeiros, também desdobrada tanto ñas relaçoes bilaterais quanto ñas multilaterais. Aprofunda-se, do Imperio à República, um entendimento sobre o respeito aos padröes vigentes de civilizaçao como condiçao de legitimidade para a pràtica soberana brasileira. Projetado no plano exterior, esse entendimento poderá conviver com a afirmaçao da divisibilidade da soberanía de países desordeiros - especialmente aqueles da vizinhança -, mas poderá também associar-se ao principio da igualdade soberana dos Estados. Nesse último caso, proclamando a equivalencia dos direitos soberanos dos Estados, a política externa tomará parte na desmontagem da duplicidade de padröes da ordern global do século XIX, cuja premência se verificou na pauta bilateral do Brasil com a Grä-Bretanha àquela época.
Urna consideraçâo final recomenda-se à conclusäo. Embora seja correto o relevo geralmente atribuido ao passado da política externa brasileira, verifica- se a tendencia de identificar o período republicano, e particularmente a gestäo do baräo do Rio Branco, como aquele em que foram construidos os modernos padröes de relacionamento exterior do Brasil (AMORIM, 2010; FONSECA JR., 1989; LIMA, 2000). O proprio repertorio de casos elencados neste artigo reitera, na parte que lhe cabe, a importancia do período em questäo. Contudo, nao se poderia deixar de sugerir, conclusivamente, o recuo daquele marco de identificacäo. Com efeito, o período republicano em tela foi desde logo momento de retomada, na política interna e na política externa, de tradiçoes imperials. Sendo evidentes as novidades aportadas pela República em urna e em outra área, nao foram menos perceptíveis elementos de continuidade e aprofundamento, na diplomacia do novo regime, do que se viu ser a - sob certos aspectos, seminal - reflexao de política externa no Segundo Reinado.
Resumo
Soberanía e Modernizacäo no Brasil: Pensamento de Política Externa no Segundo Reinado e na Primeira República
O propósito deste artigo é apresentar o pensamento de política externa brasileira no Segundo Reinado e na Primeira República. Argumenta-se que o posicionamento do Brasil em relaçôes bilaterais com grandes potencias entre 1 845 e 1 866 e na participaçao em conferencias multilaterais entre 1 906 e 1907 é enunciado pelas antíteses particular/universal e civilizacao/barbárie. Por meio da primeira, os gestores da diplomacia inscrevem o país no raio de um padräo de relacionamento intraeuropeu, maniendo um debate a respeito dos limites que as normas internacionais podem impor à pratica soberana. Por meio da segunda antítese, os gestores da diplomacia repudiam a inclusäo do Brasil no conjunto de países sujeitos a um padräo de relacionamento extraeuropeu. Afirmam, em seu lugar, um imperativo de modernizacao da sociedade pelo Estado, como forma de evitar os desrespeitos à soberanía territorial brasileira e de legitimar a inserçào do país no padräo intraeuropeu.
Palavras-chave: Política Externa Brasileira - Segundo Reinado - Primeira República - Antítese Particular/Universal - Antítese Civilizacao/Barbárie
Abstract
Sovereignty and Modernization in Brazil: Foreign Policy Thought in the Second Empire and First Republic
This paper aims to present Brazilian foreign policy thought in the Second Empire and in the First Republic. It is argued that Brazil's position in bilateral relations with great powers from 1845 to 1866 and in multilateral conferences from 1906 to 1907 is enunciated through the particular/universal and civilization/barbarism antitheses. By means of the former, policymakers inscribed the country within the scope of an intra-European pattern of relationships, debating among themselves the limits international norms could impose to sovereign practices. By means of the latter antithesis, policymakers repudiated Brazil's inclusion in the group of countries subjected to an extra-European pattern of relationships. Instead, they affirmed an imperative of modernization of society by the state, aiming at avoiding the disregard for Brazilian territorial sovereignty and at legitimizing the country's insertion in the intra-European pattern.
Keywords: Brazilian Foreign Policy - Second Empire - First Republic - Particular/Universal Antithesis - Civilization/Barbarism Antithesis
* Artigo recebido em marco de 2008 e aprovado para publicaçào em novembro de 2009. Versöes anteriores deste traballio fora m apresentadas no 1 Simposio de Relaçôes Internacionais do Programa San Tiago Dantas (2007) e na Conferencia Internacional Conjunta International Studies Association e Associaçào Brasileira de Relaçôes Internacionais (2009). Nessas e em outras ocasiöes, as recomendaçôes de Bruno Simôes, Carlos Aurelio Pimenta de Faria, Clodoaldo Bueno, Dawisson Lopes, Jens Bartelson, Joào Pontes Nogueira, Joào Vargas, Maria Regina Soares de Lima, Paulo Esteves e de um parecerista anònimo de Contexto Internacional foram fundamentáis para aretificaçào de deficiencias do argumento, nào lhes cabendo, todavía, responsabilidade por erros e omissöes remanesceníes.
Notas
1. Para a inscriçâo dessas antíteses no discurso político europeu moderno, ver Bartelson (1996) e Walker (2005).
2. O órgao podia se reunir com a presença de todos os seus doze membros, consti tuindo o Conselho de Estado pleno, ou em cada urna de suas quatro seçoes individuáis: Justiça e Estrangeiros; Impèrio; Fazenda; e Marinha e Guerra. A seçào responsável pelos negocios estrangeiros, em cujas consultas este traballio se concentrará, era composta por tres conselheiros, que variavam de acordo com adesignaçâo do imperador D. Pedro II. Para mais detalhes, ver Rezek ( 1 978).
3. A mesma apreciaçâo razia Vasconcelos (BRASIL, 1978a) em voto dissidente a parecer de 1844 sobre urna proposta británica de tratado comercial: era-lhe "decoroso ao Trono Imperiai" evitar compensaçoes meramente nomináis.
4- Esta e as demais citaçôes de origináis em lingua estrangeira foram livremente traduzidas para este artigo.
5. "Näo pode haver moralidade política sem prudencia, isto é, sem a devida consideracäo das consequências políticas da açào aparentemente moral" (MORGENTHAU, 2002, p. 20).
6. A referencia é a este discurso de Vasconcelos no Senado, em 1843: "Eu digo que a associaçâo brasileira hoje precisa de adotar urna economia política em grande parte contraria à geralmente admitida, por isso que a aboliçào do tráfico deve trazer tendencias barbarizadoras... [O sr. C. Ferreira:] Já a África civiliza! [O sr. Vasconcelos:] E urna verdade; a Africa tem civilizado a América, e veja o nobre senador os grandes homens da América do Norte, os mais eminentes, onde têm nascido; veja onde os outros todos que devem sua existencia, o seu aperfeicoamento aos países que têm procurado em parte africanizar-se" (VASCONCELOS, 1999, p. 268-269).
7- A referencia aquí é à Representaçào à Assembléia Gérai Constituinte e Legislativa do Impèrio do Brasil sobre a Escravatura, apresentada por Bonifacio em 1823: "E tempo, pois, e mais que tempo, que acabemos com um tráfico tao bárbaro e carniceiro; é tempo também que vamos acabando gradualmente até os últimos vestigios da escravidäo entre nos, para que venhamos a formar em poucas geraçoes urna naçào homogénea, sem o que nunca seremos verdaderamente livres, respeitáveis e felizes. E da maior necessidade ir acabando com tanta heterogeneidade física e civil; cuidemos pois desde já em combinar sabiamente tantos elementos discordes e contrarios, e em amalgamar tantos metáis diversos, para que saia um todo homogéneo e compacto, que se näo esfarele ao pequeño toque de qualquer nova convulsäo política" (ANDRADA E SILVA, 2002, p. 201-202, ênfases no original).
8. No gérai, o repudio ao tráfico e à escravidào marca urna mudança de perspectivas no entendimento sobre a contribuiçào da Africa para a civilizaçào no Brasil (RODRIGUES, 1982, p. 229-238), ligada à "re-europeizaçào" do país. As objeçoes racistas de Maranguape - falando das "grosseiras produçoes" e dos "péssimos hábitos" dos africanos - evocam urna explicaçao de Freyre também válida para o entendimento da Primeira República: "Como desde a transferencia da Corte para o Brasil - urna Corte dominada por ingleses - a Europa ganhara urna prestigio novo, no Brasil, como modelo da 'civilizaçào perfeita' a quem deviam todos os brasileiros aspirar, a essa atitude, irradiada das cidades ou dos centros de populaçoes mais cultas, teria que corresponder, como de fato corresponded a desvalorizaçâo de tipos de hörnern e de valores de cultura extra-europeus" (FREYRE, 2003b, p. 560). A heterogeneidade social, com as contradiçôes próprias da escravidào (COSTA LIMA, 1996, p. 152-157), tornase indesejável na sociedade aburguesada, recomendando-se a homogeneizaçào ou, à sua falta, a ocultaçào e controle da realidade atrasada (LAVELLE, 2003, p. 49-50). Recorde-se a necessidade, notada por Uruguai, de "arredar" os escravos que "entulhavam" as cidades.
9- A critica da escravidào pelo critèrio da liberdade individuai seria mais um caso de adoçào formalista de ideias europeias, apresentada por José Murilo de Carvalho como "estrategia de mudança social e de construçào nacional concebida por sociedades prismáticas derivadas do mundo europeu. Seria urna estrategia de articulacäo com o mundo de origem ou de referencia. A lei nessas sociedades cumpriria um papel pedagógico, nao regulando comportamentos reais, mas buscando induzir comportamentos desejados" (CARVALHO, 2003, p. 381).
10- "Toda política exterior resulta de um esforço de compatibilizar necessidades internas com possibilidades externas" (LAFER, 1987, p. 73).
11. Sendo a Conservatoria "urna forma de jurisdiçào extraterritorial da GräBretanha no Brasil, t[i]nha característicos de ostentaçào de poder imperial da Grä-Bretanha em área colonial, que näo podiam senäo repugnar os brasileiros orgulhosos de seu novo status: o de Naçào politicamente independente" (FREYRE, 2000, p. 336).
12. Sobre a ulterior estrategia de difusäo de imagem civilizada do Brasil na Europa, ver Zenha (2003).
13. A mudança no nome do antigo MNE ocorreu em 1 891.
14. Na interpretaçâo de Freyre, o MRE seria "sistema mais que diplomático, [...] de organizaçào e de definiçào de valores superiormente nacionais" (FREYRE, 2003a, p. 177): para dentro, um ministerio de Educaçào e Cultura, por exemplo realizando conferencias de pensadores europeus; para fora, um ministerio de Informaçào e Propaganda, difusor da imagem de "pais de gente sä e bem-conformada", por exemplo na preocupaçào eugenista e arianista de Rio Branco na seleçâo dos diplomatas.
15- A instabilidade dos países da vizinhança é um dos principáis objetos de um tratado entre Argentina, Brasil e Chile projetado por Rio Branco em 1 909 (RIO BRANCO, 1945c). Diante da "perturbacäo da ordern pública, insurreiçào política ou levante militar", o "Tratado do A.B.C." prevería a coordenaçào dos dispositivos diplomático, consular e militar das partes contratantes presentes nos países conflagrados, bem como de suas autoridades civis e militares de fronteira.
16. Rio Branco para Rui Barbosa, 4 de agosto de 1907. Telegrama n. 52. FCRB.
17- Rio Branco para Rui Barbosa, 4 de agosto de 1 907. Telegrama n. 52. FCRB.
18. Rio Branco para Rui Barbosa, 15 de agosto de 1907. Telegrama n. 78. FCRB.
19. Considera-se, por exemplo, a aceitaçào do Brasil como potencia em um dos assentos permanentes, bem como a definiçào dos membros permanentes da corte pelo criterio populacional (Rio Branco para Rui Barbosa, 9 de agosto de 1 907. Telegrama n. 65. FCRB; e Rio Branco para Rui Barbosa, 1 5 de agosto de 1 907. Telegrama n. 78. FCRB). Para urna apresentaçao detalhada das alternativas consideradas por Rio Branco, ver Burns (2003, p. 154-155).
20. "Agora que nao mais podemos ocultar a nossa divergencia com a delegacao americana cumpre-nos tomar ai francamente a defesa do nosso direito e dos das demais naçôes americanas" (Rio Branco para Rui Barbosa, 18 de agosto de 1907. Telegrama n. 89. FCRB).
21. Rui Barbosa para Rio Branco, 17 de agosto de 1907. Telegrama n. 53. FCRB. Aplica-se ao caso do principio da igualdade soberana, dessa forma, a avaliaçào de que o acordo entre Barbosa e Rio Branco na conferencia da Haia "parecía mais urna questäo de conveniencia do que de convicçâo" (BURNS, 2006, p. 428).
22. No despacho de 1 906 a Nabuco, Rio Branco afirmava a importancia dos EUA nos cálculos hemisféricos do Brasil: "Pensamos que o monroísmo será geraímente aceito para o firn de se declararem todos unidos no pensamento de impedir qualquer expansäo colonial ou tentativa de conquista europeia neste continente [...] Acreditamos que nem mesmo os Estados-Unidos com os seus ¿mensos recursos poderiam eficazmente exercer a policía amigável ou paternal que desejariam exercer, salvo no Mar das Antilhas" (RIO BRANCO, 1945a, p. 760).
23. Projetadas na política hemisférica, essas diferenças embasariam a afirmacao de Nabuco, em telegrama de 1904 a Rio Branco, de que conviria "separar a nossa causa da dos Estados, se se pode chamar assim, que desacreditaram completamente a forma republicana na América Latina" (apud BUENO, 2003, p. 167).
24. Para a emergencia do mullilaleralismo na política externa brasileira, na segunda metade do século XIX, ver Almeida (2001). As conferencias da Haia de 1899 e 1907 teriam sido, contudo, o momento em que o sistema de diplomacia coletiva é delineado com clareza em oposiçào ao sistema de reuniäo das grandes potencias (CLAUDE JR., 1971, p. 28-34).
25. O problema do exótico é ilustrado em relato de um episodio ocorrido durante a III Conferencia Internacional Americana, publicado em urna crónica a respeito de indígenas aculturados no Jornal do Comercio, em 1908 (apud SEVCENKO, 2003, p. 50): "Lembro-me sempre, por mais que queira esquecer, a amargura, o desespero com que pusemos os olhos rebrilhantes de orgulho naquele carro fatal atulhado de caboclos, que a mäo da providencia meteu em prestito por ocasiäo das festas do Congresso Pan- Americano. A cabeleira da mata virgem daquela gente funesta ensombrou toda a nossa alegría. E näo era para menos. Abríamos a nossa casa para convidados da mais rara distinçao e de todas as naçôes da América. Recebíamos até norte-americanos! [...] Iamos mostrar-lhes a grandeza do nosso Progresso, na nossa grande Avenida recém-aberta, na Avenida à beira-mar, näo acabada, no Palacio Monroe, urna tetéia de acucar branco. No melhor da festa, como se tivessem caído do céu ou subido do inferno eis os selvagens medonhos, de incultas cabeleiras metidas até os ombros, metidos com gente bem penteada, estragando a fidalguia das homenagens, desmoralizando-nos perante o estrangeiro, destruindo com o seu exotismo o nosso chiquismo. Infelizmente, nao era mais tempo de [...] tirar aquela nódoa tupinambá da nossa correçao parisiense". Para as questöes da supressäo da cultura popular e do controle de populacöes näo brancas, ver Sevcenko (2003) e Ventura (2000).
26. Näo se fala, contudo, em similaridade ñas perspécticas desses estadistas a respeito dos programas defendidos na política interna urna vez endossado o imperativo de modernizaçao ñas relaçoes exteriores. Pense-se, por exemplo, na diferença entre o foco de Barbosa em reformas políticas e o de Nabuco em reformas sociais (LYNCH, 2008).
27. O mesmo vale para a oposiçâo de Rio Branco e Nabuco à proposta de que a cobrança de dividas pecuniarias - contraídas por países americanos com grandes potencias - nao pudesse se valer do uso da força, a chamada Doutrina Drago. Nabuco, em telegrama ao chanceler em 1 906, escrevia ser indesejável a discussäo dessa doutrina na III Conferencia Internacional Americana, pois faria com que a reuniào fosse vista, na Europa, como "assembléia de devedores reclamando imunidade bancarrota" (apud BUENO, 2003, p. 61).
28. Já se encontra no Segundo Reinado essa linha, embora sem o elemento da cooperaçâo: "À medida que o Imperio foi se consolidando [...] o tema da Ordern passou para segundo plano, sendo suplantado pelo da necessidade de difusäo de urna Civilizaçào" (MATTOS, 1 999, p. 214) na vizinhança. O principio da divisibilidade da soberanía, repudiado no caso do bill Aberdeen, aparece na relaçao do Brasil com seu entorno. De acordo com o visconde do Uruguai, em discurso de 1852, a convençào firmada em 1828 entre as naçôes argentina e brasileira a respeito do Uruguai estipulava que "tanto urna como outra teriam, a respeito do novo Estado, aquela ingerencia necessaria para que nao pudesse ser prejudicada a segurança das duas naçôes vizinhas" (URUGUAI, 2002c, p. 613). Para urna avaliaçào da política brasileira para as repúblicas platinas, ver Ferreira (2006).
29. "Deveria ser obvia a seriedade do dilema que essa dualidade de propósitos representa. Por um lado, as Naçôes Unidas como organizaçâo e todos os seus membros se dedicam a promover o que só pode ser chamado de civilizaçào: o progresso econòmico e social, o intercambio social colaborativo e o respeito pelos direitos humanos fundamentáis dos individuos. Por outro lado, as Naçôes Unidas como organizaçâo e todos os seus membros se dedicam a promover o que só pode ser chamado de tolerancia: o respeito pela soberanía territorial igual e independente de todos os Estados e por seu direito de desenvolver qualquer tipo de sistema político, social, económico e cultural que eles escolham" (KEENE, 2002, p. 141).
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Luiz Feldman**
** Mestre em Relaçôes Internacionais pelo Instituto de Relaçôes Internacionais da Pontificia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IRI/PUC-Rio). E-mail: [email protected].
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Copyright Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Sep-Dec 2009
Abstract
This paper aims to present Brazilian foreign policy thought in the Second Empire and in the First Republic. It is argued that Brazil's position in bilateral relations with great powers from 1845 to 1866 and in multilateral conferences from 1906 to 1907 is enunciated through the particular/universal and civilization/barbarism antitheses. By means of the former, policymakers inscribed the country within the scope of an intra-European pattern of relationships, debating among themselves the limits international norms could impose to sovereign practices. By means of the latter antithesis, policymakers repudiated Brazil's inclusion in the group of countries subjected to an extra-European pattern of relationships. Instead, they affirmed an imperative of modernization of society by the state, aiming at avoiding the disregard for Brazilian territorial sovereignty and at legitimizing the country's insertion in the intra-European pattern. [PUBLICATION ABSTRACT]
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