SUMARIO:
Introduçâo; 1. Repensando a Temporalidade: O Virtual e o Atual; 2. Decisao Judicial, Norma e Representaçâo: A Temporalidade Estagnada do Direito; 3. O Futuro do Passado: Temporalidade, Subsunçao e Decisao Judicial; 4. Consideraçöes Finais; Referencias.
RESUMO:
O objetivo deste artigo reside em explorar de que maneira o conceito de virtualidade, concebido principalmente através dos trabalhos de Alexandre Lefebvre, Keith Ansell-Pearson e Pierre Lévy, pode ter implicações significativas para algumas questões concernentes à decisão judicial no contexto da teoria do direito. Para tanto, o artigo inicialmente desenvolve uma formulação abrangente da virtualidade e de sua associação com a temporalidade do direito com o propósito de apontar, na seção subsequente, como isso pode servir para repensar a decisão judicial sob uma outra óptica. O conceito de virtualidade, neste sentido, permite reconsiderar, no tocante à decisão judicial, o seu caráter criativo, dissociando essa criatividade de traços problemáticos para pensá-la em termos ontológicos.
ABSTRACT:
The objective of this article is to explore how the concept of virtuality, which is here conceived through the lens of Alexandre Lefebvre, Keith Ansell-Pearson and Pierre Lévy, can have relevant implication to approach a few issues concerning legal adjudication within the context of legal theory. For this purpose, this article initially develops a general conception of virtuality and its association with law temporality in order to, in the next session, show how this can be used to reconsider legal adjudication into a new light. The concept of virtuality, in this sense, allows us to reconsider, regarding judicial decision, its creative aspect, disconnecting this creativity of problematic traces to think it in ontological terms.
RESUMEN:
El objetivo de este artículo es explorar cómo el concepto de virtualidad, concebido principalmente a través de los trabajos de Alexandre Lefebvre, Keith Ansell-Pearson y Pierre Lévy, puede tener implicaciones significativas para algunos problemas relacionados con la decisión judicial en el contexto de la teoría del derecho. Con este fin, el artículo desarrolla inicialmente una formulación integral de la virtualidad y su asociación con la temporalidad de la ley con el propósito de señalar, en la sección siguiente, cómo esto puede servir para repensar la decisión judicial desde otra perspectiva. El concepto de virtualidad, en este sentido, nos permite reconsiderar, con respecto a la decisión judicial, su carácter creativo, disociando esta creatividad de rasgos problemáticos para pensarla en términos ontológicos.
PALAVRAS-CHAVE:
Virtualidade; Decisao Judicial; Criatividade.
KEYWORDS:
Virtuality; Legal Adjudication; Creativity.
PALAVRAS CLAVE:
Virtualidad; Decisión judicial; La creatividad.
INTRODUÇÂO
O conceito de virtualidade tem tido certa presença nos estudos jurídicos a partir do final do século passado, seja associando-se a novos espaços de teorizaçâo jurídica, como um direito virtual, seja atrelado a áreas tradicionais, mas que em funçâo das significativas transformaçöes tecnológicas, como é o caso do direito penal no que diz respeito aos crimes virtuais e ao espaço virtual de maneira mais geral. Ambas as situaçöes, no entanto, encontram-se restritas ao ámbito da dogmática jurídica.
Um dos objetivos deste artigo reside em apontar algumas possibilidades de um certo conceito de virtualidade para a teoria do direito e alguns temas e conceitos que lhe sao recorrentes, como a decisáo judicial. Para tanto, o artigo recorre principalmente a filosofias de Henri Bergson e Gilles Deleuze para fins de desenvolvimento analítico do conceito de virtualidade e, no que se refere aos fundamentos e ao modo de desenvolver a teoria do direito, a pesquisa adota como referencial os trabalhos de Paul Patton e Alexandre Lefebvre, além de certas consideraçöes extraídas das abordagens positivistas de Hans Kelsen e H. L. A. Hart.
Pela própria natureza e estrutura da pesquisa, a primeira seçâo será dedicada a explanaçâo e ao esclarecimento do conceito de virtualidade a ser trabalhado e desenvolvido ao longo deste artigo. O propósito reside em esclarecer ao leitor os elementos do conceito a ser trabalhado através das consideraçöes de Bergson e, adiante, Deleuze. De especial importáncia será colocar em evidencia os pressupostos metafísicos dos quais partem os autores para melhor situar o contexto em relaçâo a outros temas semelhantes no horizonte da teoria do direito: podem aqui ser mencionados a ideia de temporalidade e também a de juízo, central para a análise da decisáo judicial.
A segunda seçâo é voltada para organizar teoricamente os pressupostos habituais da teoria do direito os quais, por sua vez, revelam as noçöes de temporalidade e de juízo que terminam por amparar compreensöes usuais da decisáo judicial presentes. Em geral, essas compreensöes, resguardadas certas especificidades de cada abordagem, concebem a decisáo judicial mediante uma relaçâo de subsunçâo entre as disposiçöes normativas do ordenamento jurídico e as ocorrencias fáticas. Trata-se de uma relaçâo ancorada em um pressuposto de temporalidade que demarca o futuro a partir das determinaçöes normativas já estabelecidas no presente, ou seja, o futuro é concebido em termos de uma imagem projetada pela norma jurídica, um espaço que se busca controlar e delimitar.
A terceira e última seçâo, por fim, confronta os pressupostos apontados na segunda seçâo com aqueles apresentados na primeira seçâo, tendo como fio condutor o conceito de virtualidade. Ao buscar desenvolver analíticamente o conceito neste ámbito, esta pesquisa pretende investigar o potencial do conceito para uma problematizaçâo mais abrangente da decisâo judicial e dos seus potenciais criativos.
Em termos metodológicos, o artigo fora elaborado através de uma sucinta revisâo bibliográfica focada em dois eixos: o primeiro, e o principal dentre eles, sendo uma leitura das filosofias de Bergson e Deleuze a partir da virtualidade, enquanto o segundo, mais panorámico, recai sobre os aspectos recorrentes da teoria do direito, sendo de especial importáncia nâo somente a produçâo de Paul Patton e Alexandre Lefebvre, como também os escritos de autores positivistas que os dois autores tendem a analisar em suas colocaçöes.
1.REPENSANDO A TEMPORALIDADE: O VIRTUAL E O ATUAL
A temporalidade tal como é usualmente concebida em termos de causalidade é pensada através da tríade passado, presente e futuro. O passado é situado como evento negativo, algo que já foi e que, por isso, mesmo nâo é mais dotado de existencia real: haveria uma contradiçâo em sustentar, simultaneamente, que aquilo que já foi possa, ao mesmo tempo, continuar existindo (DELEUZE, 1999, p. 41 e ss). Algo semelhante ocorrera também com o futuro: o evento que ainda nâo ocorreu por essa, razâo mesma, careceria também de uma existencia real. Restaria, entâo, apenas o presente, enquanto aquilo que é, que existe, como segmento dotado de existencia real, mas essa é uma afirmaçâo também marcada por certas dificuldades.
A primeira delas se refere aos limites entre o presente e o passado, ou seja, a pontual demarcaçâo entre o que existe no presente e o que já se foi no passado. Seguindo esta lógica, no momento em que um enunciado é proferido, por exemplo, ele já se torna passado, deixando assim de existir (MACLEAN, 2012, pp. 1-2). É particularmente neste ponto que a discussâo referente a memória adquire também uma importáncia considerável (BERGSON, 1944, p. 7 e ss). O segundo problema se refere a uma concepçâo de futuro como uma representaçâo articulada no presente, ou seja, o futuro como um desdobramento causal de eventos que já existem (MACLEAN, 2012, pp. 1-2; BERGSON, 1944, p. 64 e ss). Nessa linha de raciocinio, entao, o futuro nao poderia apresentar nada que já nao tivesse uma certa existencia presente, estabelecendo deste modo uma relaçao causal linear na qual os acontecimentos futuros podem ser explicados através de um certo desdobramento inexorável de relaçöes estabelecidas no presente.
O que existe por trás dessa questao nao é apenas uma relaçao entre percepçao e açao, mas principalmente a maneira como os dados perceptiveis sao organizados em diversos cursos de açao no mundo (BERGSON, 1944, p. 75 e ss). Quanto mais complexo e diferenciado for o sistema nervoso de um determinado ser vivo, por exemplo, mais amplo será o intervalo entre a apreensao dos dados externos e a açao que será realizada sobre eles: é durante esse intervalo que as diversas possibilidades de açao sao desdobradas em meio a circunstancia da qual fazem parte (BERGSON, 1944, p. 76 e ss; KREPS, 2015, p. 43). As possibilidades mencionadas, embora jamais atuais, ainda assim possuem sua realidade uma vez que emergem da interaçao entre os diversos organismos individualizados e os dados, sempre múltiplos e dinámicos, presentes nas circunstancias em que eles, os organismos, se deparam (KREPS, 2015, p. 43 e ss).
É nesse processo de interaçao continua através dos estímulos exteriores que os organismos sao levados a evoluir através de estratégias que promovem a sua adaptaçao, como pode ser observado na metafísica vitalista de Bergson (KREPS, 2015, p. 52 e ss). A evoluçao, portanto, desdobra-se a partir da criaçao, onde os organismos desenvolvem novas respostas e cursos de açao perante os desafios a sua sobrevivencia com que se deparam em diferentes circunstáncias (BERGSON, 1944, p. 78 e ss). Em sua leitura da filosofia de Bergson, Keith Ansell Pearson observa o seguinte:
O ponto estabelecido é de que a açao virtual e a percepçao necessitam da existencia de corpos individuados que atrasam as suas re-açöes e que percebem a distáncia entre eles mesmos. A percepçao mede a açao possivel de um corpo sobre as coisas, e vice-versa. Quanto maior for o seu poder de açao, que é essencialmente decorrente de um maior grau de complexidade do sistema nervoso, mais amplo é o campo que se abre a percepçao. A memória opera em termos de uma virtualidade similar, começando com o estado virtual e progredindo passo a passo até o ponto em que se materializa na percepçâo atual (PEARSON, 2005, p. 1117)1.
Muito embora a exposiçâo acima nao aparente nenhuma proximidade com as questöes referentes a teoria do direito, a temporalidade é uma dimensao incontornável e fundamental da normatividade jurídica em muitos dos seus aspectos. Apenas a título de exemplificaçâo, a estrutura da norma jurídica, especialmente quando pensada em termos de um elemento que justifica e ampara os argumentos dos juristas, traz consigo um controle sobre o futuro, representando-o através de um retrato estabelecido no passado: os acontecimentos futuros devem, de algum modo, entrar em conformidade com as descriçöes normativas já estabelecidas e determinadas, ou seja, o futuro pensado em termos de projeçâo do passado (BERGSON, 1944, p. 9 e ss). A existencia desses eventos adquire um sentido jurídico somente quando a sua ocorréncia é remetida as disposiçöes normativas jurídicas assentadas.
De que modo, porém, o conceito de virtualidade estaría associado com as questöes suscitadas nos parágrafos precedentes? Para fins de uma maior precisâo analítica, é importante esclarecer a maneira com que o conceito tem sido concebido no panorama da história da filosofia. Comentando este aspecto no ámbito da filosofia deleuzeana, Nathan Widder escreve:
Isto é o que Deleuze chama precisamente de virtual: uma rede imanente de relaçöes que constituem o sentido da experiencia atual. O termo virtual vem do latim virtus, que significa poder. Ele é utilizado por Duns Scotus, que sustenta que o sentido unívoco de um ser substancial 'virtualmente inclui' os sentidos heterogéneos do ser qualitativo, do ser quantitativo e assim em diante, porque quantidades, qualidades e outros atributos dependem da substáncia, que possui o virtus, ou poder, de lhes conceder o ser (WIDDER, 2012, p. 37)2.
Na leitura que Deleuze opera da filosofia bergsoniana, especialmente no que concerne a temática da memória e da percepçâo, a temporalidade tal como até aqui tem sido discutida é abordada através de outros referencias e distinçöes. O primeiro - e mais importante aspecto, ao menos para a elaboraçâo desta pesquisa - reside na própria natureza do passado: ele é tao real quanto o presente, embora a sua realidade seja diversa daquela do presente. Em síntese, o domínio do virtual é real sem ser atual, o que vai de encontro a já mencionada concepçâo usual associada ao passado, na qual o mesmo aparece destituido de qualquer dimensâo de realidade. Pierre Lévy é enfático ao destacar que o virtual nao se opöe ao real, mas ao atual (LÉVY, 1998, p. 24; LASTOWKA, 2014, p. 483 e ss).
A existencia do passado ocorre em um dominio de relaçöes diferenciais, logo, carente de determinaçöes e propriedades persistentes, concebido como virtual: o passado se desenvolve e se transforma em paralelo ao que é efetivo. O paralelismo entre o virtual e o atual estabelece nao uma relaçâo de oposiçâo e contraste, a exemplo da relaçâo entre passado e presente. Comentando a teoria da memória e da percepçâo de Bergson, assim dispöe Deleuze:
Se temos tanta dificuldade em pensar uma sobrevivencia em si do passado, é porque acreditamos que o passado já nao é, que ele deixou de ser. Confundimos, entao, o Ser com o ser-presente. Todavía, o presente nao é; ele seria sobretudo puro devir, sempre fora de si. Ele nao é, mas age. Seu elemento próprio nao é o ser, mas o ativo ou o útil. Do passado, ao contrário, é preciso dizer que ele deixou de agir ou de ser útil. Mas ele nao deixou de ser. Inútil e inativo, impassível, ele É, no sentido pleno da palavra: ele se confunde com o ser em si (DELEUZE, 1999, p. 42).
Tendo como contexto mais amplo a investigaçao bergsoniana em torno da memória e da percepçao, o passado opera uma intervençao seletiva que conduz a percepçâo a açao através de uma delimitaçao daquilo que é útil no presente. Em outras palavras, a percepçao opera uma seletividade, um "recorte", dentre os diversos elementos e informaçöes que chegam ao seu campo, destacando o que lhe é relevante. A permanencia do passado existe em funçao de sua contínua atualizaçao no presente: o passado é trazido a tona a cada instante, embora diferentemente em cada uma dessas instancias, tendo em vista que, as circunstancias de atualizaçao sao também diversas.
Um aspecto decisivo nessa abordagem é a de que o atual e o virtual se desenvolvem e existem em paralelo, o que, por sua vez, leva a uma reconsideraçao da estabilidade e identidade que é conferida ao presente, entendido como momento atual e, por isso mesmo, também determinado (MASSUMI, 2014, p. 56 e ss). O virtual, por sua vez, acaba por introduzir o inusitado, o imprevisível e o anômalo nas sucessivas atualizaçöes: nao há como determinar todas as possibilidades de atualizaçâo de determinados elementos, o que foi apontado de maneira clássica por Marcel Proust em sua obra mais conhecida, "Em Busca do Tempo Perdido". Na conhecida passagem referente as madeleines, o cheiro e o gosto das iguarias francesas remetem o protagonista ao distante universo de sua infancia de forma involuntária, sem necessariamente desejar ou antecipar essa imersâo no seu passado. Virtual, neste contexto, remete ao potencial ao invés do irreal (MASSUMI, 2014, p. 55 e ss). Em um de seus escritos, Pierre Lévy assim vai definir o conceito de virtual:
A palavra 'virtual' é decorrente do latim medieval 'virtualis', ela mesma decorrente de virtus, significando força e poder. Na filosofia escolástica o virtual é aquilo que detém o potencial ao invés da existencia atual. O virtual tende a atualizaçâo, sem passar por qualquer forma de concretizaçâo efetiva ou formal. A árvore está virtualmente presente na semente. De maneira estrita, o virtual nâo deve ser comparado com o real mas com o atual, uma vez que a virtualidade e a atualidade sao meramente duas maneiras de ser (LÉVY, 1998, p. 23)3.
O processo de atualizaçâo nao somente implica exploraçâo do dominio virtual, como também na modificaçâo através da imersâo que é feita sobre o mesmo. As lembranças passadas, uma vez trazidas a tona em um dado momento futuro, já nâo representam mais fidedignamente as circunstâncias passadas, se é que alguma vez isso foi o caso: novas conexöes foram estabelecidas através de novas associaçöes trazidas pela memória e pelas experiencias vividas (LÉVY, 1998, p. 23-24; LEFEBVRE, 2008, p. 126 e ss). Por isso a memória é um tema e uma noçâo tâo importante para o desenvolvimento da relaçâo entre atual e virtual: os conteúdos nela alocados sâo continuamente atualizados em meio as mais diversas circunstâncias, estabelecendo também relaçöes que podem ser muito inusitadas, ainda que esclarecedoras das circunstâncias presentes, como bem ilustra o episódio presente na obra de Proust.
A relaçâo entre o virtual e o atual também traz consigo um universo de fluxos e de relaçöes diferenciais ao invés de ser caracterizado pela permanencia, identidade e determinaçâo (LEFEBVRE, 2008, p. 118 e ss). Alguns autores, como Greg Lastwoka, concebem o virtual enquanto área contemporánea de problemas e conceitos oriundos das tecnologías digitais, ou seja, um campo de investigaçâo específico que se desenvolve em meio ao horizonte mais abrangente das diversas questöes associadas a teoria do direito contemporáneo (LASTWOKA, 2014, p. 483 e ss).
Ao invés de recorrer ao conceito de objeto para descrever os elementos perceptíveis, Bergson opta pelo termo imagem que configura uma concepçâo dinámica da matéria (BERGSON, 1944, p. 175 e ss). Conforme Alexandre Lefebvre:
Com o termo imagem Bergson estabelece a identidade do movimento com a matéria, daí por que termos mais convencionais como matéria ou objeto nâo sejam apropriados. Neste universo de imagens, nenhum corpo é distinto do movimento, ou lhe acresce; imagens existem em um estado de variaçâo universal e açâo recíproca que faz com que o termo matéria, com as suas conotaçöes de estaticidade e divisibilidade inerte, mostre-se inapropriado... Ao invés disso, o universo das imagens se assemelha mais, tal como Deleuze estabelece, a um estado gasoso, um campo de movimento e interaçâo continuas, onde cada imagem é uma via ou uma passagem para transmitir o contínuo movimento do universo (LEFEBVRE, 2008, p. 118 e ss)4.
O nexo entre o conceito de imagem e a dinámica da tríade real/atual/ virtual perpassa vários pontos, mas no tocante aos objetivos dessa pesquisa, o principal é o caráter dinámico atribuído ao real: este mostra-se tanto na maneira como Bergson analiticamente desenvolve o seu conceito de imagem, como na interaçâo entre o virtual e o atual por meio das sucessivas atualizaçöes (LÉVY, 1998, pp. 23-24). Um outro ponto referente a dinámica entre o virtual e o atual, e que mais adiante será relevante para uma abordagem da decisâo judicial reside na maneira como a memória se constitui também como conhecimento tácito inarticulado, porém constituído a luz das diversas experiencias pelas quais passam diversas entidades, sejam elas individuais ou coletivas.
O que isso significa é que tanto a apreensâo de novos conhecimentos como também formas de agir sâo também fruto das sucessivas atualizaçöes do virtual em meio as diversas experiencias. Keith Ansell Pearson, em sua leitura de Bergson, ressalta bem a seletividade e a subtraçâo de corrente da passagem da matéria para a consciencia ou do objetivo para o subjetivo. Escreve o autor:
...para que se passe da matéria para a percepçâo ou do objetivo para o subjetivo, nao é necessário se acrescentar nada, pelo contrário, trata-se apenas de se subtrair algo. Em outras palavras, a consciencia funciona nao ao lançar mais luzes sobre um objeto, mas em obscurecer alguns dos seus aspectos (PEARSON, 2005, p. 1118)5.
A descriçao de Pearson pode bem ser compreendida em termos de um processo de subtraçao e enquadramento no qual se vai contar apenas aqueles dados e elementos que contribuam para a açao dos indivíduos. Essa seletividade, de certo modo, tende também a ser amparada por uma forma de saber inarticulado desenvolvida a partir das experiencias, sempre singulares, dos individuos (LEFEBVRE, 2008, p. 122 e ss). Esse saber inarticulado é também tácito porque, embora esteja vinculado a cada uma das experiencias, ele nao se faz explícito na composiçao dessas experiencias (HABA, 1999). Disposiçöes afetivas, preconceitos e outros traços passados integram esse tipo de saber, estabelecendo uma coloraçao individual a cada uma das vivencias individuais. Ainda que nao esteja plenamente consciente do funcionamento mesmo dessa dinámica, o surgimento inesperado de sentimentos de aversao ou predileçao, por exemplo, abrem - e ao mesmo tempo também obstruem - os cursos de açöes válidos na interaçao que os indivíduos possuem no mundo.
Em seu livro Rethinking Law as Process, James MacLean recorre a essa concepçao de conhecimento tácito para confrontar o resquicio de um certo formalismo lógico que ainda se encontraria atrelado as diversas descriçöes do processo de decisao judicial. Mesmo em uma teoria da argumentaçao com forte influencia de uma análise institucionalista como a de Neil MacCormick, ainda assim o raciocinio dedutivo e a disposiçao das premissas conforme a estrutura do silogismo integram a sua perspectiva em termos de resoluçao das lides judiciais. A tradicional distinçao entre os casos fáceis (easy cases) e difíceis (hard cases) é significativa neste ponto (ATRIA, 1999, p. 80 e ss; HART, 1994, p. 124 e ss). No tocante ao papel das regras para a soluçao dos casos difíceis (hard cases), observe-se o que diz MacLean acerca da abordagem do teórico escoces:
Mas a referencia nao é inevitável ou automática; ela é algo que nós fazemos com a regra para transpor o espaço que se abre entre a legislaçâo e a adjudicaçâo, entre o sentido de uma regra e o de sua aplicaçâo. Em outras palavras, a confirmaçâo de que a regra se aplica a um caso particular ocorre apenas no momento de decidir o caso e, para MacCormick, a maneira de fazermos isso é através do silogismo dedutivo (MACLEAN, 2012, p. 31)6.
A importancia dada ao silogismo dedutivo em si nao constitui um impasse significativo para uma compreensao da decisao judicial através da abordagem estabelecida por esse trabalho, mas é preciso que, ao discorrer sobre ela, o conhecimento tácito e as experiencias subjacentes a prática do direito sejam também trazidos a tona. Dentre outras razöes, cabe apontar que é essa dimensao que termina por desvincular a decisao judicial de um procedimento formal no qual se desconsidera a temporalidade (ou, conforme MacLean, uma perspectiva estática), associando-a a uma compreensao processual da realidade caracterizada por incessantes transformaçöes.
Tanto certas posturas oriundas dos representantes do realismo jurídico dos Estados Unidos, como Oliver Wendell Holmes Jr e Benjamin Nathan Cardozo, como na abordagem que faz da analogia no ámbito do raciocinio judicial feita por Edward H. Levi, o lugar da experiencia e das formas de sensibilidade prática, mesmo que pouco tematizadas por esses autores, adquire certa precedencia perante formas argumentativas estritamente associadas com formalizaçöes lógicas. Uma das citaçöes mais famosas de Holmes insiste na contraposiçâo entre lógica e experiencia: a vida do direito nao é a lógica, mas a experiencia, dispöe o autor (LEFEBVRE, 2008, p. 96 e ss; HOLMES, 1991, p. 1). Isso significa insistir, contra toda forma de abstraçao excessiva, que qualquer que seja a criaçao conceitual proposta por juristas, praticantes ou teóricos, elas primeiramente tendem a refletir os diferentes problemas e questöes suscitadas a partir do horizonte prático em meio ao qual os atores jurídicos se encontram envolvidos, como as decisöes dos tribunais (NEUMANN, 1995, p.436 e ss).
2.DECISÄO JUDICIAL, NORMA E REPRESENTAÇÂO: A TEMPORALIDADE ESTAGNADA DO DIREITO
Independente de se reduzir a prática do direito a estrutura normativa ou de considerar as normas como elemento secundário a decisao, as diferentes manifestaçöes dos direitos modernos, e mesmo outras que o antecederam, tendem a ser pensada em termos deontológicos, ao menos no que diz respeito as funçöes de controle social, como também ao estabelecer padröes de comportamento socialmente aceitáveis (HART, 1994, p. 18 e ss). A norma, em síntese, tem sido um conceito nevrálgico para a produçâo teórica concernente a organizaçâo e a dinámica específica do jurídico (HART, 1994, p. 100 e ss).
A associaçâo entre norma e temporalidade, porém, nao é explícita, menos ainda evidente. Dentre outras razöes, uma vez que é concebida como referencia de comportamento, a norma projeta sobre um horizonte vindouro as condutas que sao aceitáveis, uma vez que, se encontram em conformidade com o que ela dispöe (HART, 1994, p. 61 e ss). Por trás dessa dinámica deontológica, o futuro se torna determinado - ou, o que seria equivalente, assegurado - por concepçöes e necessidades concebidas em contextos passados.
Certamente, em meio a ideia mais geral de Rule of Law ou de Estado Democrático de Direito, a previsibilidade concernente a aplicaçao do direito, como também as normas a serem observadas, é fundamental (HART, 1994, p. 94 e ss; ROIG, 1999, p. 224 e ss). Para que essa previsibilidade adquira uma realidade institucional é preciso que a relaçao entre a descriçao normativa e a conduta - ou o caso - particular descrito pela norma proceda mediante abstraçao de uma série de elementos que, fazendo parte do caso, mostra-se periférica em relaçao ao conteúdo da norma.
Essa abstraçao é necessária para que uma dada situaçao particular seja representada nos termos estabelecidos pela norma. Sendo assim, pode-se dizer que decidir judicialmente, neste contexto, implica reconhecer em um dado caso qual seria a norma ou o mesmo o conjunto de normas que respalda a soluçao preterida pelo magistrado. Mas sendo toda circunstáncia a ser julgada também singular e, por isso mesmo, irrepetível, a abstraçao representa também uma acomodaçao forçada entre a circunstáncia e as determinaçöes normativas, sendo a principal questao a seguinte: pode o novo, o inusitado e o inesperado surgir em meio a decisao judicial, ou a inovaçao jurídica residiría sempre na atividade legislativa?
Tendo como base a descriçao geral, e mesmo rudimentar, da decisao judicial compreendida estritamente como subsunçao, a resposta será negativa: decidir é conformar e articular situaçöes específicas a enunciados gerais. Deste modo, somente sao aceitáveis, no contexto da decisao judicial, as soluçöes que já se encontram estabelecidas em relaçao a estrutura normativa assentada. Pensar deste modo, porém, implica conceber essas respostas em termos de elementos determinados e que nao se alteram em meio ao modo como sao manipulados pelos diversos atores jurídicos.
Mesmo que se defenda, no tocante a semántica das normas, uma indeterminaçao referente ao conteúdo, ainda assim nao está claro de que maneira essa indeterminaçao possa ser transformada diante das diferentes circunstáncias particulares as quais elas, as normas, sao mobilizadas como elementos que fornecem o respaldo jurídico para as soluçöes desenvolvidas. Em outras palavras, pensado este aspecto em termos de temporalidade, a relaçao entre passado e futuro é estritamente concebida em termos de identidade e determinaçao: os elementos assentados, as normas jurídicas, nao se modificam em meio as diversas circunstáncias e problemas futuros aos quais se encontram associados.
A concepçao de futuro que é depreendida dessa dinámica é o de uma imagem estática caracterizada por elementos existentes. Uma dinámica das relaçöes, que aponte para as sucessivas transformaçöes do real, por sua vez, concede espaço para redefiniçöes em termos dos conteúdos desses elementos, é simplesmente incompatível nao somente com a concepçao de futuro destacada, como também pela desconsideraçao do aspecto experimental que envolve, de maneira abrangente, a prática do direito (MACLEAN, 2012, p. 78 e ss). É preciso que se considere que, no tocante a esta prática, existe uma dinámica circular e recursiva na qual novas formas de intervir na realidade institucional do jurídico nao apenas revelam possibilidades distintas de açao, como também novas descriçöes referentes a estas mesmas práticas, ou seja, categorias e conceitos distintos dos que estavam estabelecidos. James MacLean comenta este ponto:
Podemos dizer que novas práticas e novas maneiras de fazer as coisas sao mutuamente constitutivas de uma maneira recursiva; ou, colocando de outro modo, quando novas descriçöes ganham aceitaçao entre os atores, entao novas maneiras de fazer as coisas também surgem; quando novas maneiras de fazer as coisas surgem, entao novas descriçöes também aparecem; e assim por diante (MACLEAN, 2012, p. 141-142)7.
Essas sao consideraçöes que dificilmente integram o conjunto de problemas explorado pelos teóricos do direito, especialmente quando as pretensöes teóricas residem em formular modelos gerais que capturam e esclarecem os conceitos necessários para se pensar o direito moderno, como as diversas teorias da norma jurídica ou do ordenamento jurídico. Sendo assim, nessas formulaçöes teóricas a pretensao analítica acaba se sobrepondo a compreensao mais abrangente da decisao judicial concebida como uma prática institucionalizada na qual o manejo e a criaçao das categorias sao de grande importancia, mas nao é tudo.
Resumindo o cerne dos questionamentos elencados acima: a compreensao estritamente representativa da decisao judicial, que aborda a decisao em termos de processo de assimilaçao - ou mesmo subsunçao - da situaçao fática as normas estabelecidas, acaba por desconsiderar as nuances da realidade da prática do direito, a experiencia mesma do jurídico. Esse processo termina por circunscrever a contingencia dos eventos futuros as formas de percepçao enraizadas nas estruturas normativas do presente.
Como MacLean enunciara, as transformaçöes sao caracterizadas por dinámica circular na qual nem os atores envolvidos nas práticas, nem as circunstancias que constituem os contextos normativos dessas práticas, podem ser por si só responsáveis pela emergencia dos diversos resultados decorrentes da dinámica estabelecida (MACLEAN, 2012, p. 141 e ss). Com isso ele está rompendo com concepçao estritamente formalista - ou, a principio, lógica - da decisao judicial que, por sua vez, termina sendo inteiramente circunscrita as açöes e prerrogativas de alguns atores jurídicos em particular.
A concepçao recorrente de decisao judicial se opöe a essas consideraçöes de MacLean, a partir dos pressupostos implícitos, que conduzem e orientam o ato de julgar. É a partir desses pressupostos, raramente analisados pelos teóricos, que a decisao judicial será pensada através da subsunçao. Alexandre Lefebvre opta pelo termo 'imagem dogmática' para situar as implicaçöes teóricas decorrentes desses pressupostos, principalmente a maneira como a relaçao entre regras - ou normas - e casos é estabelecida no horizonte desta concepçao de decisao judicial. Lefebvre em sua obra The Image of Law caracteriza essa maneira de situar a decisao nos seguintes termos:
Eu chamo esta imagem de dogmática porque se encontra baseada em um modelo de reconhecimento que propöe a identificaçâo de casos como instâncias de regras. Casos, consequentemente, sao reduzidos a regras e categorias utilizadas para subsumi-los. Mais importante, como veremos, é que na imagem dogmática nós perdemos toda a perspectiva acerca da criatividade do direito. Se a adjudicaçâo tem como premissa o reconhecimento de regras existentes apropriadas para cada caso, entao a criatividade é reduzida ou a um voluntarismo ou a um acídente (a lapsus judici) (LEFEBVRE, 2008, p. 3)8.
Ambas as hipóteses, voluntarismo e acidente, remetem diretamente a atos e de modo algum se confundem com uma certa dinámica oculta, subjacente e por isso mesmo também incontornável, presente na realidade mesma da decisao judicial. Ambas as hipóteses apontadas pelo autor, voluntarismo e acidente, mostram-se populares no que se refere a decisao. O voluntarismo expressa uma atitude de desconsideraçâo dos diversos referenciais normativos que, em tese, conduziriam e limitariam a atuaçao magistrado. Em meio a essa postura, o que resta é apenas a livre e desimpedida vontade do magistrado, ou seja, confundem-se denominadas decisöes arbitrárias.
O acidente, por sua vez, pode ser pensado em termos de uma extrapolaçao dos limites fixados pela norma, sejam eles apenas semânticos ou também institucionais. As hipóteses de ativismo judicial e de interpretaçöes que supostamente transcenderiam as intençöes latentes dos legisladores e/ou a semántica explícita da norma tendem a refletir uma criatividade que se desenvolveria a revelia do que se supöe ser a atuaçâo padrao das autoridades judiciais.
Ambas as hipóteses sao também um problema quando pensadas a partir dos parámetros institucionais básicos que tendem a nortear a atividade jurisdicional nas democracias contemporáneas e a hipótese de ativismo judicial dela decorrente (LEFEBVRE, 2008, p. 3 e ss). Neste ponto, a criatividade pensada a partir da prática do direito ressoa como um conceito problemático e potencialmente disruptivo frente aos limites institucionais estabelecidos (HART, 1994, p. 272 e ss).
Nesta direçao, por exemplo, um maior espaço de liberdade para o magistrado poderia vir a contribuir para um desequilibrio entre as funçöes e prerrogativas dos poderes, quando decide algo de uma maneira que, a principio, ultrapassaria as diversas expectativas concernentes ao seu papel institucional. Decisöes consideradas politicas ou arbitrarias representam distorçöes diante do esperado padrâo de atuaçâo do poder judiciario.
Uma vez que o conceito de criatividade assume essa conotaçâo problemática, segue-se que, ao menos em tese, a criatividade propriamente aceitável estaría circunscrita ao ámbito da atividade legislativa enquanto instancia que é também politicamente legitimada tendo em vista representar diretamente a vontade popular materializada nos votos e na aprovaçâo que possuem perante a sociedade. Sendo esta concepçâo orientada por consideraçöes pautadas pelo esquema de organizaçâo dos poderes ou expressa tâo somente nas premissas teóricas que normalmente tendem a informar a teorizaçâo do direito, conceber a decisâo judicial estritamente em termos de subsunçâo acarreta distanciá-la dos contextos práticos nos quais se desenrola a prática do direito para tomar apenas alguns dos seus elementos, como aqueles oriundos das fontes formais do direito.
Um tempo estagnado, tal como enunciado no inicio deste tópico, remete diretamente ideia de passado caracterizado pela identidade e determinaçâo, um passado cristalizado em que o jurista habilidosamente seleciona os elementos que achar determinantes para a sua soluçâo de um caso, o que expressa certa compreensâo mecanicista em torno dos diferentes acontecimentos (LEFEBVRE, 2008, p. 98 e ss). Um passado estabelecido deste modo representa uma abstraçâo, uma ideia desvinculada dos contextos históricos e institucionais mais abrangentes e que sempre envolvem esses elementos (MACLEAN, 2012, p. 1 e ss).
Que exista certa dinámica subjacente a própria estrutura dos ordenamentos juridicos é algo muito bem reconhecido e examinado por positivistas como Kelsen, Hart e Raz em suas respectivas obras (HART, 1994, pp. 196-197). No entanto, cabe esclarecer a associaçâo desta dinámica com a reconstruçâo continua do sistema juridico em meio aos diversos problemas e questöes enfrentadas por ele em meio ao seu entorno.
3.O FUTURO DO PASSADO: TEMPORALIDADE, SUBSUNÇÂO E DECISÂO JUDICIAL
Em sua obra já mencionada, Alexandre Lefebvre elabora uma pecu liar interpretaçâo em torno da relaçâo entre temporalidade e decisâo judi cial, lendo a maneira como a subsunçâo é concebida entre alguns autores da jurisprudencia analítica (H. L. A. Hart, Ronald Dworkin) e da teoria da argumentaçâo jurídica contemporánea (Klaus Günther, e mais detidamente, Jürgen Habermas). Nas abordagens mencionadas, faz-se presente uma concepçâo de subsunçâo que destitui os casos concretos de sua acidentalidade e especificidade. Em outras palavras: em ambas as situaçöes, embora seguindo itinerários distintos, a existencia e o significado dos casos ocorre em funçâo das condiçöes fornecidas por normas jurídicas estabelecidas.
Nesta direçâo, o potencial disruptivo e inusitado dos casos concretos torna-se secundário diante da necessidade de conformá-lo ao que está normativamente estabelecido. A subsunçâo da qual fala Lefebvre, neste sentido, já nâo mais assume a forma lógica do silogismo no qual as disposiçöes normativas ocupam o espaço da premissa maior e os casos o da premissa menor. Antes ela está mais alinhada a um esquema de percepçâo que, de certo modo, expressa um construtivismo que remete diretamente ao criticismo kantiano. Dito de outro modo, a subsunçâo é um processo de criaçâo judicial do caso através dos dados brutos e desconexos que sâo trazidos ao Judiciário, mais específicamente ao magistrado e as demais partes processuais. Remetendo as consideraçöes de Jean-Luc Nancy acerca da temática, Lefebvre qualifica essa subsunçâo de ontológica:
Como Nancy sugere, ao ser estabelecido através do direito, a acidentalidade do caso é ela mesma suprimida; entretanto, esta acidentalidade é ela mesma incognoscível uma vez que o caso (fenomenal) - o único que nós podemos conhecer dadas as condiçöes de conhecimento e experiencia - seria ele mesmo "criado" através da subsunçâo, sendo também estritamente imanente ao direito que o representa (LEFEBVRE, 2008, p. 14)9.
A supressâo da acidentalidade significa que a subsunçâo nâo permite ao caso modificar ou se subverter as disposiçöes normativas que lhe atribuem sentido: o evento subordina-se a norma, nâo o inverso. Por isso é plausível argumentar que este modelo de subsunçâo torna difícil, senâo impraticável, pensar o novo, a partir do caso, como um evento que desestabiliza a estrutura normativa pré-existente. Esta configuraçâo impede também situar o futuro em termos de relaçöes diferenciais nas quais o inusitado, o novo e o anómalo possuem também o seu espaço e signifi caçâo.
Conceber a virtualidade através desse panorama envolve, embora a isso nao se limite, repensar nao só a vinculaçâo entre norma e evento, como também a ideia de juízo subjacente ao modelo de decisao judicial que orienta uma ideia geral de aplicabilidade do direito, inclusive demarcando os espaços de criatividade judicial disponíveis ao magistrado. Uma criatividade restrita ao atual concebe a resoluçao de um problema judicial em termos de reconhecimento e adequaçao: o decisivo é reconhecer, na abertura do evento, o que é conformável as disposiçöes normativas do direito (LEFEBVRE, 2008, p. 92 e ss).
As indagaçöes de Lefebvre as quais podem ser remetidas ao conceito de virtualidade traduzem um esforço de se transcender a subsunçao da decisao judicial concebida estritamente em termos de reconhecimento para que se possa teorizar uma ontologia calcada na criatividade subjacente a configuraçao da realidade (LEFEBVRE, 2008, p. 144 e ss). Nao se trata tao somente de romper com certos pressupostos que concebem a decisao como um processo de disposiçao e captura de elementos que configuram uma situaçao particular (o denominado caso concreto) através das normas jurídicas, mas também de se interrogar pelo lugar da criatividade e da inovaçao, a partir da decisao.
Se o conceito de virtualidade associa diretamente temporalidade e criatividade, Lefebvre questiona os pressupostos metafísicos que tendem a dificultar, senao mesmo obstruir, o lugar do novo na tomada de decisao. É um questionamento que também encontra certa sintonía com as preocupaçöes de MacLean: a manutençao do direito perpassa uma dupla dinámica na qual, em primeiro lugar, busca-se manter e estabilizar as expectativas em torno da soluçao dos casos, o que reflete o seu caráter institucional, mas por outro lado, em sua existencia ele é continuamente exposto a novas situaçöes e problemas que o forçam a se reorganizar. Sendo assim, a modificaçao de valores e tendencias sociais cedo ou tarde provoca transformaçöes na dinámica do próprio direito, muito embora a natureza dessas transformaçöes nao possa ser precisamente mapeada de antemao. Escreve MacLean sobre este ponto:
Por um lado, como resultado de sua aplicaçao com o passar do tempo, e considerada a natureza imprevista da vida social, o direito está sempre sendo confrontado com novos proble mas e novas situaçöes as quais ele precisa constantemente responder. Por outro lado, esta natureza dinámica do Direito como instituiçâo responsável e responsiva emerge dos valores sočiais subjacentes ao sistema jurídico; entâo, valores sociais mutáveis vao resultar a reestruturaçâo e a reorientaçâo do direito após um certo período de tempo (MACLEAN, 2012, p. 139)10.
É preciso conceber teoricamente a criatividade através do referencial normativo que compöe a própria estrutura do direito, sem desconsiderar as diversas expectativas sociais que recaem em torno do seu funcionamento. É também em meio a essa dinámica que as diferentes respostas fornecidas pelo sistema se encontram diretamente atreladas aos problemas de naturezas distintas, como aqueles enfrentados pelo legislador e o que precisa ser ponderado pelos magistrados nos casos particulares.
A maneira pela qual os representantes do povo reagem aos problemas com que se defrontam envolve também consideraçöes acerca das potenciais consequendas dessas respostas em termos de impacto em suas metas e projetos futuros, ou seja, precisam considerar como as suas respostas afetam também a visibilidade deles no contexto político em que se encontram inseridos. Neste pormenor, podem ter também confrontadas as suas intençöes referentes as leis promulgadas e a própria estrutura dessas leis (VIDAL, 1999, p. 176 e ss).
Para além dessa questao, as questöes do legislativo sao marcadas pela abrangencia e generalidade que caracterizam a forma da lei, como a falta de determinaçao específica dos seus destinatários. A atividade legislativa, neste sentido, pode ser compreendida como uma forma de percepçao e organizaçao dos dados sociais filtrada pela autocompreensao dos legisladores enquanto atores que sao também motivados pelo alcance de certos objetivos políticos.
Ao mesmo tempo em que a atividade legislativa inevitavelmente produz desestabilizaçöes na dinámica do sistema jurídico, haja vista a produçao de leis trazer consigo consequencias das mais diversas e, por vezes, nao intencionais, por outro lado a própria autocompreensao dos legisladores também leva, conforme MacLean, a significativas formas de resistencia a mudança. Isso ocorre, dentre outras razöes, em funçao da natureza autorreferencial subjacente ao ámbito da política, assim como também ocorre na prática do direito.
No tocante ao juiz singular, para além da operacionalizaçâo dos conteúdos que integram as fontes formais do direito, cabe também uma consideraçâo dos elementos circunstanciais que individualizam os casos concretos. Neste processo realiza-se ao menos uma dupla atividade que contempla tanto uma elucidaçâo das normas legisladas, como também a elaboraçâo de novas maneiras de se interpretar e aplicar essas normas em meio as novas circunstancias apresentadas pelo mutável panorama social: a elucidaçâo das normas é uma condiçâo para que a intençâo do magistrado que ampara as suas decisöes seja comunicada aos demais jurisdicionados e atores jurídicos (VIDAL, 1999, p. 174 e ss). Esse trabalho pressupöe nao apenas uma compreensao sobre o controle e a organizaçâo dos dados que chegam até o ámbito do direito, como o mencionado conhecimento inarticulado que subjaz a prática mesma do direito.
... existe um relacionamento interno entre as categorias do pensamento que usamos para abordar a realidade e as práticas que almejamos tratar e manipular. Em um sentido importante, os nossos panos de fundo teóricos, nossos modelos e categorias de pensamento ajudam a constituir um mundo que experienciamos. Deste modo, a prática social se estabelece de uma maneira que os juízes que integram um mesmo sistema jurídico tratam uns aos outros, assim como as suas decisöes, através das principais autocompreensöes que se encontram encarnadas na prática; ou seja, essas autocompreensöes sao constitutivas da matriz social em que os individuos se encontram e agem (MACLEAN, 2012, p. 140)11.
Em síntese, o principal entrave trazido pela subsunçao como estrutura de compreensao da decisao judicial, para Lefebvre e em certa medida também MacLean, está em conceber a aplicaçao do direito de tal maneira que nao reflita o que se encontra presente e estabelecido, nao se deixando modificar pelas diversas particularidades e problemas que emergem da própria prática jurídica (LEFEBVRE, 2008, p. 144-145). Em síntese, esse tipo de abordagem acaba desconsiderando o conhecimento inarticulado que compöe o pano de fundo no qual as diversas situaçöes específicas surgem diante do judiciário na forma de problemas jurídicos que aguardam soluçöes institucionalizadas.
É importante que de algum modo a decisao judicial seja concebida de uma maneira mais abrangente do que a vinculaçao, uma ponte por as sim dizer, entre as fontes formais do direito e os eventos que se desdobram na realidade social e política a qual a dinámica da prática jurídica tende a tomar como espaço de sua intervençâo. Pensá-la em termos de uma atividade que é também inerentemente criadora faz com que o problema, o conflito de interesses, seja posto em primeiro plano (HABA, 1999, p. 56 e ss). O importante a ser destacado é que a mobilizaçâo dos diversos elementos que constituem as fontes formais do direito, na medida em que ocorrem a partir de contextos determinados, podem adquirir significados e usos distintos tendo como base o tipo de problema introduzido pela circunstáncia (HABA, 1999, p. 57 e ss).
O conceito de virtualidade, neste ponto, torna-se uma referencia que trabalha contra os pressupostos subjacentes a decisao judicial que a situam em termos de subsunçao, por mais variadas que sejam as concepçöes de subsunçao. A decisao judicial deixa de ser compreendida em termos de ato isolado que, por si só, estabelece uma soluçao para o problema enfrentado, para ser compreendida como um processo complexo no qual múltiplos elementos e atores interagem entre si. A sentença do magistrado só pode existir e produzir os efeitos desejados em meio ao conjunto de normas e referenciais institucionais que lhe atribuem este respaldo: as normas implícitas e explícitas do poder judiciário e, mais amplamente, do próprio Estado, as construçöes teóricas da dogmática jurídica, os precedentes e demais decisöes de outros magistrados e tribunais, além das diversas fontes formais do direito que lhe estao a disposiçao (HABA, 1999, p. 58 e ss).
Conceber a criatividade nesta direçao implica trazer a tona, portanto, os fatores disruptivos e que nao se deixam assimilar aos referenciais inscritos na normatividade jurídica: sao aspectos difíceis de serem integralmente representados pelos esquemas e conceitos estabelecidos no ordenamento jurídico. No panorama da teoria do direito, uma das consequencias mais claras dessa modificaçao reside em conceber a possibilidade de uma redefiniçao das categorias e conceitos jurídicos através do encontro estabelecido com um caso, ao invés deste ser assimilado a estrutura normativa estabelecida.
A virtualidade da decisao judicial vincula o caso atual a rede de relaçöes diferenciais que contempla, porém nao se restringe, as experiencias coletivas e individuais dos diversos atores jurídicos, dentre eles magistra dos, advogados, mas também os tribunais. Essas experiencias, de certo modo inarticuladas conforme mencionado, estao sempre em constante mutaçâo. Seguindo as intuiçöes de MacLean, essas experiencias inarticuladas sao trazidas a tona - e, neste processo, sao também transformadas - em meio as diferentes circunstancias com as quais os atores jurídicos terminam por se defrontar na prática forense.
4.CONSIDERAÇÖES FINAIS
A proposta deste artigo tratou de apresentar algumas contribuiçöes possíveis decorrentes do conceito de virtualidade para uma investigaçao teórica da decisao judicial. Dentre alguns ganhos visíveis, o conceito de virtualidade possibilita situar a decisao associada a uma noçao que frequentemente nao se encontra muito destrinchada por várias teorias do direito: a criatividade judicial. Ao contrário de um ato criador por parte de atores jurídicos definidos, como os magistrados, e estritamente baseado e circunscrito pela estrutura normativa estabelecida, a criatividade concebida a partir da virtualidade é situada como uma dimensao ontológica do juízo sendo, deste modo, insuscetível de ser inteiramente circunscrita as disposiçöes normativas estabelecidas. Isso implica reformular a relaçao temporal entre passado e futuro subjacente a dinámica da decisao judicial: o futuro deixa de ser concebido através dos referenciais normativos já estabelecidos para que a contingencia dos eventos confronte e problematize esses referenciais.
Implícito nesta concepçao é que tanto o passado quanto o futuro se constituem em meio as relaçöes diferenciais e dinámicas, ou seja, eles mutuamente se transformam em meio as infinitas e diversas circunstáncias nas quais se encontram e se atualizam. Sendo assim, o que se supöe ser a identidade de uma norma jurídica em particular, o seu conteúdo semántico, nao admite novas interpretaçöes e sentidos conforme as variadas situaçöes concretas surgem.
É por essa razao que os trabalhos de James MacLean e Alexandre Lefebvre, em certo sentido, recorrem a uma compreensao processual da realidade fortemente influenciada por Bergson e Whitehead para discutir a criatividade jurídica: procuram uma noçao que nao esteja circunscrita aos atos intencionais dos diversos atores jurídicos, especialmente os magistrados. Pensar a criatividade deste modo é concebe-la nao somente a partir dos atos dos atores jurídicos, como algo que os extrapola e adquire uma dimensao coletiva, viva e institucional.
O que é criativo na decisao judicial nao é simplesmente os atos, mas todo o devir processual que conecta uma quantidade significativa de elementos heterogéneos - fontes formais do direito, vivencias, teorias, regras institucionais latentes, dentre outros - a partir de diversos contextos práticos que sao também únicos e irrepetíveis. A virtualidade, deste modo, é um conceito que permite redefinir o próprio significado de criatividade judicial no contexto da complexa dinámica institucional do direito: é uma referéncia conceitual que pode ser significativa para se pensar, posteriormente, o lugar do novo, do inusitado e do imprevisto nas diversas apropriaçöes das normas realizadas pelos atores jurídicos.
Pensar a criatividade nesta outra direçao leva a certas implicaçöes teóricas relevantes, sendo algumas delas elencadas no desenvolvimento do artigo. Dentre as mencionadas, sem dúvida, aquela que mais importa para esta pesquisa reside na maneira como uma compreensao da decisao judicial através da virtualidade sublinha uma dimensao prática, principalmente em termos de um conhecimento encarnado nas práticas institucionais que envolvem a apreciaçao e o julgamento dos casos. Neste sentido, um caso é formado nao somente através das suas características, dos fatos e do que em geral é enunciado sobre ele, como também envolve, embora a isso nao se limite, as diversas experiéncias coletivas e saberes compartilhados entre aqueles que compöem o espaço institucional do direito.
O caso por si só nao vem "fechado", pronto para ser subsumido a uma norma já disponível, sendo antes o resultado de um intricado processo no qual diferentes atos jurídicos organizam aquilo que percebem, o dado por assim dizer, em um problema cujas respostas estao associadas, ainda que de diversas maneiras, as fontes formais do direito. Este exercício é, por si só, criativo, muito embora marcadamente distinto da produçao legislativa propriamente dita.
Uma das razöes para se considerar essa criatividade ontológica, e por isso mesmo involuntária, é que ela se mostra inerente nao só ao horizonte de percepçao dos atores, como na maneira com que agem e intervém no mundo: a percepçao é condiçao mesma para açao. Nesta hipótese, entao, a construçao de um caso jurídico através dos elementos, dos dados, extraídos da realidade social obsta, antes de mais nada, a produçao de uma soluçâo jurídica que nao está - e nem poderia estar - estabelecida a priori.
O conceito de virtualidade, quando transposto para o horizonte dos problemas da teoria do direito, leva a uma redefiniçâo da temporalidade e da criatividade no processo de decisao dos casos jurídicos: se o passado surge como o tempo histórico subjacente a subsunçâo dos casos as normas, repensá-lo implica transformar a maneira com que é pensada essa conexao entre um evento presente e um elemento estabelecido, a exemplo de uma norma jurídica ou de um precedente judicial.
É em meio a essa transformaçâo que se torna razoável sublinhar uma dimensao mais profunda, porém igualmente presente, da criatividade no direito em meio ao processo de resoluçâo dos problemas que envolvem os diversos atores jurídicos. Este artigo defende a relevancia teórica de se considerar também uma concepçao mais abrangente de criatividade que apreenda também as diferentes construçöes daqueles atores nos seus cotidianos práticos institucionais
Como citar este artigo:
ALMEIDA, Leonardo. Virtualidade e teoriado direito: consideraçöes iniciais. Argumenta Journal Law; Jacarezinho - PR, Brasil, n. 32, 2020, p. 271-296.
Data da submissao:
06/03/2020
Data da aprovaçao:
23/04/2020
'Notas de fim'
1 No original: "The point has been established, however, that virtual action and perception require the existence of individuated bodies that delay their re-actions and that perceive a distance between themselves. Perception measures the possible action of a body upon things, and vice versa. The greater its power of action, which is owing essentially to a higher degree of complexity in the nervous system, then the wider the field becomes that is open to perception. Memory operates in terms of a similar virtuality, beginning with a virtual state and leading step by step up to the point where it gets materialized in an actual perception".
2 No original: "This is precisely what Deleuze calls the virtual: an immanent network of relations that constitutes the sense of actual experience. The term virtual comes from the latin virtus, which means power. It is invoked by Duns Scotus, who maintains that a univocal sense of substantial being 'virtually includes' the heterogeneous senses of qualitative being, quantitative being and so forth, because quantities, qualities and other attributes depend on substance, which has the virtus to give them being".
3 No original: "The word "virtual" is derived from the Medieval Latin virtualis, itself derived from virtus, meaning strength or power. In scholastic philosophy the virtual is that which has potential rather than actual existence. The virtual tends toward actualization, without undergoing any form of effective or formal concretization. The tree is virtually present in the seed. Strictly speaking, the virtual should not be compared with the real but the actual, for virtuality and actuality are merely two different ways of being".
4 No original: "With the term image Bergson establishes an identity of movement and matter, which is why more conventional terms such as matter or object won't do. In this universe of images, no body is distinct from, or has added to it, movement; images exist in a state of universal variation and reciprocal action that makes the term matter, with its connotations of staticity and inert divisibility, inappropriate... Instead, the universe of images is rather like, as Deleuze puts it, "a gaseous state", a field of continuous movement and interaction, each image being a road or passage to transmit the continuous movement of the universe".
5 No original: "... in order to pass from matter to perception or from the objective to the subjective, it is not necessary to add anything but, on the contrary, only that something be subtracted. In other words, consciousness functions not by throwing more light on an object but by obscuring some of its aspects".
6 No original: "But reference is not inevitable or automatic; rather, it is something that we do with a rule to bridge the gap that opens up between legislation and adjudication, between the meaning of a rule and its application. In other words, the confirmation that a rule applies in a particular case occurs only at the point of deciding that case and, for MacCormick, the way that we do this is in and through the deductive syllogism".
7 No original: ".. .we may say that new practices and new ways of doing things are mutually constituted in a recursive manner; or, to put it another way, when new descriptions gain acceptance among actors then new ways of doing things arise; when new ways of doing things arise then new descriptions also emerge; and so on".
8 No original: "I call this image dogmatic because it is based on a model of recognition that purports to identify cases as instances of rules. Cases, consequently, are reduced to the rules and categories used to subsume them. Most important, as we will see, in the dogmatic image we lose all perspective on creativity in the law. If adjudication is premised on the recognition of the existing rule appropriate for each case, then creativity is reduced to either willfulness or accident (a lapsus judici)".
9 No original: "As Nancy suggests, in being stated through the law, the case's accidentality is itself suppressed; however, this accidentality is itself unknowable given that the (phenomenal) case - the only one we can know given the conditions of knowledge and experience - is itself "made" by subsumption and is strictly immanent to the law that represents it".
10 No original: "On the one hand, as a result of its application over time, and given the unpredictable nature of contingent social life, law is forever being confronted with new problems and new situations that it must constantly respond to. On the other hand, this dynamic nature of law as a responsible and responsive institution stems from the social values that undergird the legal system; thus, changing societal values will result in or be evidence of a restructuring and reorienting of law over a certain period of time".
11 No original: "...there is an internal relationship between the categories of thought that we use to approach reality and the practices that we seek to address and manipulate. In an important sense, our theoretical frameworks, our models and categories of thought help to constitute the world that we then experience. Thus, a social practice, such as the way that fellow judges within a common legal system relate to each other and each other's decisions, is what it is in and through the main self-understandings that practice embodies; that is, these self-understandings are 'constitutive of the social matrix in which individuals find themselves and act'"
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Abstract
O objetivo deste artigo reside em explorar de que maneira o conceito de virtualidade, concebido principalmente através dos trabalhos de Alexandre Lefebvre, Keith Ansell-Pearson e Pierre Lévy, pode ter implicações significativas para algumas questões concernentes à decisão judicial no contexto da teoria do direito. Para tanto, o artigo inicialmente desenvolve uma formulação abrangente da virtualidade e de sua associação com a temporalidade do direito com o propósito de apontar, na seção subsequente, como isso pode servir para repensar a decisão judicial sob uma outra óptica. O conceito de virtualidade, neste sentido, permite reconsiderar, no tocante à decisão judicial, o seu caráter criativo, dissociando essa criatividade de traços problemáticos para pensá-la em termos ontológicos.